1.
CAPÍTULO 6
ALQUIMIA ÁRABE
Os primórdios da Alquimia Árabe são tradicionalmente associados com os nomes dos
homens que provavelmente nunca foram Alquimistas. Com a passagem do tempo, os
registros daqueles que praticaram a arte tornaramse mais claros, e por volta do X século,
muitos dos alquimistas são comparativamente figuras melhor conhecidas.
Não há dúvida que as raízes da Alquimia Árabe estão na Ciência Grega. Apesar do
caminho direto das traduções de manuscritos alquímicos helênicos não ser possível de
traçar tão acuradamente quanto o dos trabalhos de astronomia e matemática, é claro que a
alquimia alcançou os Árabes através do Egito, da Síria e da Pérsia. Existe também
evidência de que ideias da China ajudaram a formar as teorias que eram geralmente aceitas
no século X.
Alquimistas muçulmanos posteriores tenham atribuído o início de sua ciência a Khalid ibn
Yazid, historicamente um príncipe Umayyad que viveu por volta de 665704. Supõese que
ele aprendeu os detalhes da arte de um monge Cristão, Stephanos, cujo nome recorda o de
um famoso Alquimista Bizantino. Khalid disse ter sido responsável pela tradução de muitos
manuscritos alquímicos.
O próximo grande alquimista, de acordo com registros posteriores, foi Ja’far alSadiq
(699/700765), o sexto Imam, ou descendente de Ali, genro de Mohammad, que foi o último
membro da família do Profeta a
Ocupar o Califado. Ja’far, esses registros dizem, tornouse um mestre da arte e por sua vez
treinou o mais celebrado dos alquimistas Árabes, Jabir ibn Hayyan, que supostamente
prosperou no IX Século.
Praticamente todos esses registros têm mostrado ser incorretos. Não existe evidência de
que o Khalid real ou o verdadeiro Já’far tenham se ocupado eles próprios com a Alquimia.
Os escritos de Jabir são as compilações de uma seita religiosa. Os primeiros registros
autênticos da alquimia Árabe aparecem na época do grande florescimento da Ciência Árabe
em Bagdá no Século X.
Não se quer dizer que existiram alquimistas no mundo muçulmano antes daquela época.
Aqueles adeptos dos períodos iniciais parecem ter escrito trabalhos místicos dos quais
apenas fragmentos chegaram a nós. O assim chamado Livro de Krates (Krates é uma
distorção árabe do nome Demócrito) foi provavelmente escrito no Egito por um Copta,
possivelmente no Século VIII. É um livro da literatura Hermética tipicamente visionário e
revelacional. Um alquimista místico egípcio, DhulNun (morrem entre 859860), continuou
2. essa tradição, que sem dúvida era um prosseguimento direto dos últimos alquimistas
gregos que tinham abandonado o trabalho prático.
A escolar mística estava representada durante a era de ouro da alquimia Árabe por
Muhammad ibn Umail (por volta de 900960), cujo Água Prateada e Terra Prateada
serviram como fonte para muitos escritos místicos posteriores. Essa compilação de escritos
alquímicos, atribuída a filósofos gregos, reis egípcios, imperadores romanos, califas árabes
e príncipes, é típica da alegoria alquímica, que floresceu no solo egípcio.
Por volta da mesma época (900) apareceu um trabalho melhor conhecido por sua tradução
latina como o “Turba Philosophorum”, no qual uma tentativa de adaptar as teorias
Cosmológicas e Alquímicas gregas à Ciência Árabe era feita. Tomou a forma de uma
conversação entre nove filósofos présocráticos que discutiam suas visões e finalmente
atingiam um compromisso que se ajustava bem no pensamento árabe.
Apesar desse trabalho ser mais racional que os escritos dos místicos, ele permanecia com
seus trabalhos em quase completa oposição às ideias relativamente claras e experimentos
reais do Corpus de Jabir e de alRazi, cujos trabalhos precisam agora ser considerados.
Foi com esses escritos atribuídos a Jabir ibn Hayyan que um solo mais firme foi finalmente
atingido. Elas compreendem uma vasta coleção de trabalhos sobre todas as fases da
Alquimia, Astrologia, Cosmologia, Misticismo e tópicos relacionais que dizem ter sido
escritos por Jabir, o pupilo de Já’far alSadiq. Os escritos foram examinados em grande
detalhes por Kraus
e tem sido demonstrado que representam as compilações de uma seita muçulmana
conhecida como Isma’iliya. De acordo com as crenças dessa seita, os descendentes do
genro de Mohammed, Ali, era os verdadeiros líderes do Islã, e Muhammad ibn Isma’il, o
sétimo deles, e portanto o sétimo Imam, ocupara um lugar especialmente importante.
Portanto seu pai, Já’far alSadiq, o sexto Imam, era também um importante líder. A ele eles
atribuíram conhecimentos de todo tipo.
A seita tendia a doutrinas fortemente místicas, numerologia neopitagórica, e uma
cosmologia que reforçava a relação entre macrocosmo e microcosmo. Eles estavam
particularmente interessados em Alquimia, astrologia, talismãs, e especulações
numerológicas. Eles ganham grande poder no mundo muçulmano, governando o Egito do X
ao XII séculos Os famosos Assassinos (Hashashin), sob o comando do Velho da Montanha,
eram um ramo dos Isma’iliya, e a seita existe até hoje.
Os interesses dessa seita, a despeito das tendências místicas, levaramnos a estudas as
ciências do seu tempo para compilar trabalhos enciclopédicos que incluíam pesquisas de
toda a literatura alquimia disponível. Alquimistas entre eles aparentemente executavam o
trabalho original.
É bem possível que existiu um alquimista real chamado Jabir cujo pai, Hayyan, era um
membro ativo dos Isma’ilya, o qual foi assassinado enquanto trabalhava para a seita. Esse
3. Jabir pode até mesmo ter escrito o Livro da Misericórdia, um dos primeiros trabalhos do
Corpus de Jabir. Entretanto, a evidência interna mostra claramente que o vasto número de
livros escritos por Jabir (mais de dois mil na bibliografia de Kraus) podem não ter sido
escritos no Século IX, a época de sua suposta composição, nem pelo outro em questão.
Ao invés disso, eles foram escritos ao longo de um período de anos por um número de
diferentes autores pertencentes à Isma’ilia. Os primeiros trabalhos são mais técnicos, os
últimos mais especulativos e místicos. Através deles as doutrinas da Isma’iliya estão
claramente expressas.
Referências são continuamente feitas ao “meu mestre, Ja’far alSadiq”. Os trabalhos
evidentemente estavam completos em 987 quando alNadim compilou seu famoso Fihrist, o
“Livro do Catálogo”, que lista todos os trabalhos conhecidos pelo autor, e que inclui na
seção de Alquimia uma longa lista de livros de Jabir.
AlNadim faz um relato biográfico de Jabir no qual ele expressa dúvidas em relação à
autenticidade dos trabalhos. Alquimistas Árabes posteriores não tinham tais dúvidas,
entretanto, e Jabir era reconhecido como o Alquimista Mestre do mundo Muçulmano. Sua
fama se estendia ao Oriente onde trabalhos atribuídos a ele sob o nome de Geber
subsequentemente exerciam uma grande influência.
As ideias básicas do Corpus de Jabir podem ser traçados aos Alquimistas Gregos de
Alexandria, e portanto às teorias de Aristóteles. O conceito de Jabir de matéria é fundado
nos quatro princípios de Aristóteles, calor, frio, umidade e secura.
Metais verdadeiros consistem de uma combinação de duas dessas características, as quais
conferem ao metal suas propriedades. Elas são chamadas de qualidades “exteriores”. Em
adição, o metal contem inatamente as outras qualidades como qualidades “interiores”.
Assim o outro tem as qualidades exteriores de calor e umidade, mas as qualidades
interiores de frio e secura. Essas são as qualidades exteriores da prata.
Para converter prata a ouro, é apenas necessário trazer as qualidades interiores do ouro.
Isso é feito pelo uso de um “elixir,” uma substância que não é mencionada explicitamente na
Alquimia Grega.
É mencionado frequentemente pelos Alquimistas Chineses entre os quais a medicina do
ouro é uma parte essencial do sistema. E é assim provável que as duas correntes de
alquimia, Oriental e Ocidental, tenham se encontrado e se fundido no mundo Árabe central.
A doutrina dos dois contrários, derivada de ambos sistemas de alquimia, é encontrada em
Jabir no qual os dois constituintes imediatos dos metais, em oposição às suas mais
fundamentais qualidades, são tomadas pelo enxofre e pelo mercúrio. Essa doutrina tem
uma longa história subsequente.
Uma peculiaridade do sistema de Jabir é a sua ênfase no uso de substâncias vegetais e
preferencialmente animais na preparação do elixir. Como muitos outros alquimistas árabes.
4. Os trabalhos de Jabir ressaltam fortemente o uso do sal amoníaco, uma substância não
conhecida pelos Gregos.
Ele foi introduzido primeiro pelos Árabes sob o nome Persa de nushadur, e o nome sal
amoníaco, que tinha sido aplicado a um tipo especial de sal de rocha das vizinhanças do
oráculo de Ammon no Egito, foi mais tarde transferido a ele. O nome Persa sugere que os
sais de amônio originalmente vieram da Pérsia ou de até do mais distante Oriente, mas não
foi ainda possível determinar quando ou onde ele foi introduzido aos alquimistas árabes.
De qualquer forma, as duas variedades eram conhecidas, uma obtidas de fontes minerais, a
outra forma pela destilação de produtos animais tais como o cabelo. O último poderiam
realmente ser um carbonato cru de amônio ao invés de um cloreto de amônio. A volatilidade
desses sais aparentemente impressionou os Árabes enormemente, e muita importância foi
associada a ele.
Pode ter sido por causa da origem animal de alguns lotes de nushadur que as substâncias
animais foram consideradas tão significantes no sistema de Jabir.
O sistema de Jabir se distancia mais fortemente das ideias Aristotélicas no conceito dos
quatro princípios. Para Aristóteles, os princípios eram simplesmente acidentes que
diferenciavam as matériasprimas. O Corpus de Jabir,
influenciado pelas teorias dos Estóicos, deu a elas uma natureza mais material. Calor, frio,
secura e umidade eram naturezas reais que podiam ser separadas das substâncias
materiais, e que combinadas nas proporções definidas formavam as substâncias uma vez
mais.
Elas tinham uma existência independente e concreta. A tarefa do alquimista era portanto
determinar a exata proporção na qual elas entravam nas substâncias, para preparar
naturezas puras, e para combinálas nas quantidades próprias para render os produtos
desejados.
Essa ideia pode parecer muito moderna, mas não era aplicada de uma forma moderna.
A determinação da quantidade de cada natureza em uma substância era baseada nos
princípios da numerologia. O “Princípio do Balanço,” como trabalhado nos livros posteriores
do Corpus, envolviam computações aritméticas elaboradas, mas sua base era mística,
numerologia neopitagórica. Não apelam ao leitor moderno.
A segunda parte do problema leva mais diretamente às operações alquímicas. Os
Alquimistas gregos usavam as destilações em muitos processos, mas eles não
aplicavamnas extensivamente aos produtos animais como fez Jabir.
Os trabalhos de Jabir descrevem a destilação destrutiva de um número elevado de tais
substâncias. Isso quase sempre resultava na formação de gases, materiais inflamáveis,
5. líquidos, e cinzas. Esses resultados se ajustavam perfeitamente no conceito dos quatro
elementos, correspondendo ao ar, fogo, água e terra.
Esses “elementos” eram considerados eles próprios compostos de duas naturezas, uma
predominante, e ambas ligadas à substância, a matériaprima de Aristóteles. Entretanto
uma continuação desse processo de destilação era esperado separar as naturezas
individuais. Adição de substâncias que podiam absorver uma natureza durante a destilação
era também de valor.
Água é posta em uma abóbora, e uma substância possuidora de forte secura é adiciona, tal
como um enxofre ou algo similar. Assim a umidade da água será drenada pela secura (do
enxofre) e por aquecimento (do fogo da destilação); a umidade será inteiramente queimada,
e restará (da água) apenas o frio isolado.
A repetição era o segredo do sucesso. A água deveria primeiro ser destilada sozinha
setenta vezes. Esse número de destilações é indispensável. Então uma esponja
impregnada com o material dessecante era adicionada, o líquido era destilado, uma esponja
fresca impregnada era adicionada ao destilado, e a destilação repetida.
Setecentas dessas destilações eram requeridas para produzir frio puro, “uma substância
pura e branca que, quando tocada pelo ar, congela em um corpo branco, e, quando tocada
pela menor quantidade de umidade, dissolve e é novamente transformada em água.”
Quando essas qualidades puras eram assim obtidas, elas eram combinadas nas
quantidades próprias para produzir uma substância desejada. É improvável que 770 dessas
destilações foram efetivamente realizadas com os aparatos disponíveis na época, mas a
teoria sobre os quais os alquimistas trabalhavam convenceuos de que, se eles tiveram
sucesso com esse número de operações, eles poderiam certamente obter os resultados
previstos.
Isso levou ao uso de aparatos de todos os tipos, e o Corpus de Jabir contém muitas
descrições dos aparatos práticos de laboratório usados pelos alquimistas daqueles dias.
As naturezas produzidas da maneira descrita eram verdadeiros elixires no sentido Chinês, e
eram usados para “curar” os metais “doentes”, isso é, os imperfeitos, convertendoos em
ouro por trazer as devidas proporções das naturezas. Isso é um conceito Chinês,
modificado pelas ideias numerológicas sobre as quais a teoria de Jabir é baseada.
Pode ser visto que a teoria alquímica de Jabir é muito mais precisa e lógica que qualquer
uma das ideias alquímicas Gregas que chegaram a nós. A classificação das substâncias
mostra uma lógica a clareza de pensamento similares que parecem ter sido características
dos Alquimistas Árabes práticos, como distinguido do tipo místico representado por ibn
Umail.
Minerais eram classificados como “espíritos,” substâncias que volatilizavam inteiramente no
fogo; “corpos metálicos,” substâncias fusíveis que podem ser martelados produzindo ruídos;
6. e “corpos” ou mineriais, fusíveis ou nãofusíveis, mas que estilhaçam e são pulverizados
quando martelados. Os espíritos incluem enxonfre, arsênico (os sulfetos), mercúrio, sal
amoníaco, e cânfora.
Metais incluem chumbo, estanho, ouro, prata, cobre, ferro, e Khar Jim, a “Farpa Chinesa,”
uma liga cuja exata composição não é conhecida. Esse nome implica fortemente em uma
relação com a China. Em alguns dos livros de Jabir, mercúrio é classificado como um metal,
e, no caso, Khar Jim não é mencionado. É evidente que foi usado para completar os sete
metais tradicionais quando o mercúrio era classificado entre os espíritos.
Minerais eram divididos entre três grupos: aquele que contém algum espírito, mas tem a
forma de um corpo, tais como a malaquita, lápislazúli, turquesa, ou mica; aqueles com uma
pequena quantidade de espírito: conchas, pérolas, vitrióis; e aqueles com quase nenhum
espírito: ônix, poeira e vitrióis envelhecidos.
Existem muitas subclassificações dos grupos principais. Essa tendência a classificar as
substâncias em termos do que são essencialmente propriedades físicas é muito
características dos melhores alquimistas Árabes.
O grupo de trabalhos que compõem o Corpus de Jabir e similar às produções
enciclopédicas de outra sociedade Isma’iliya, a Okhwan alSafa, a Irmandade da Pureza
(algumas vezes chamada de Irmandade Fiel) que floresceu em Basra, o porto de Nagdá, na
segunda metade do X século. Seus escritos incluem compilações de materiais relacionados
à alquímica, astrologia e numerologia. Suas ideias químicas lembram fortemente aquelas
tratadas sob o nome de Jabir ibn Hayyan.
O Segundo grande nome na alquimia muçulmana pertence ao X século. Abu Bakr
Muhammad ibn Zakariya alRazi (860925), chamado Razes em Latim, foi um dos maiores
médicos muçulmanos. Muitos dos seus trabalhos lidam com assuntos médicos, mas ele
também estava grandemente interessado em tópicos químicos.
Ele trouxe seus estudos químicos para o lado prático e cientifico que era escarçamente
estudado antes dele. Ele é o primeiro dos médicos de distinção que, pelos próximos
quinhentos anos, foram os contribuintes principais para o avanço da química como uma
Ciência.
Ele escreveu um grande número de livros alquímicos, dos quais o Kitab Sirr al Asmr, o
“Livro do Segredo dos Segredos,” é o mais conhecido. Ele reflete o fato que alRazi não
estava de todo interessado nos aspectos místicos e alegóricos da alquimia. Apesar de ele
acreditar na possibilidade da transmutação, ele foi o primeiro e principalmente um químico
prático.
Em três seções do seu livro ele discute substâncias, aparatos, e métodos. A classificação
das substâncias é muito elaborada. De forma geral, é similar àquela de Jabir: os espíritos
voláteis, os corpos metálicos, e as pedras, vitrioóis, bórax, e sais. Numerosas receitas são
7. dadas para a preparação de substâncias. Por comparação com o Papiro de Leiden, a
receita de alRazi para prepara polissulfeto de cálcio é exibida:
Tome duas partes de cal que não tenha sido extinta, e uma parte de enxofre amarelo, e
digirao com quatro vezes (o peso) de água pura até que ele se torne vermelho. Filtreo, e
repita o processo até que ele se torne vermelho. Então colete toda a água, e cozinhea até
que ela se reduza à metade, e usea. E Allah sabe o que é melhor.
Isso é muito mais claro que a receita grega, mas, do ponto de vista químico, é
essencialmente a mesma. Muito mais original é a seguinte:
Tome iguais partes de alQili calcinado (carbonato de sódio) e cal não apagada e verta
sobre ela quatro vezes sua quantidade de água e deixea por três dias. Filtre a mistura, e
novamente adicione alQili e cal À extensão de um quarto da solução filtrada. Faça isso sete
vezes. Ponha essa mistura sobre metade (do volume) de sal amoníaco dissolvido. Então
mantenhaa; verdadeiramente é mais forte água. Ela dissolverá Talq (mica) imediatamente.
Essas águas fortes eram uma importante descoberta dos alquimistas árabes, incluindo,
como o exemplo mostra, os álcalis cáusticos. A origem da palavra álcali é também evidente
se observarmos a receita. O termo águaforte também incluía tais ácidos como: vinagre,
leite azedo e suco de limão. Essas águasfortes eram usadas como solventes para metais e
outras substâncias. A adição de sais amoníacos aos álcalis aumentou sua efetividade para
tais propósitos.
Um dos livros do Corpus de Jabir, o Kitab alRijad alakbar, o “Grande Livro do Jardim,”
contém receitar para águas fortes que lembravam fortemente as de alRazi, embora as
descrições de Jabir sejam comumente mais detalhadas. Ambos autores podem ter usado as
mesmas fontes, mas é mais provável ainda que um copiou do outro. Não está claro qual
livro foi escrito primeiro.
Os escritos de Jabir e alRazi eram particularmente notáveis pela sua clareza e liberdade do
misticismo e alegoria. Eles naturalmente apelavam aos alquimistas mais experimentalmente
inclinados e exerceram uma grande influência nos alquimistas árabes posteriores, assim
como nos alquimistas do Ocidente. Sua classificação de substâncias e suas descrições de
aparatos e métodos foram amplamente copiados. Ambos autores tacitamente assumiram a
realidade da transmutação, apesar de eles não darem a ela o lugar central nos seus
sistemas como os místicos faziam.
Mesmo assim, existiu um famoso médico árabe que duvidava mesmo da realidade da
transmutação. Esse foi Abu Ali alHusain ibn Abdallah ibn Sina (9801037), chamado
Avicenna no Ocidente, o maior médico do Islam. Seu cânone de medicina tornouse o
trabalho padrão sobre o assunto e foi estudado tanto no Oriente quanto no Ocidente por
seis séculos.
Seus trabalhos cobrem praticamente cada campo das ciências naturais. Muitas de suas
observações sobre química estão incluídas no Kitab alShifa, o “livro dos Remédios.” Na
seção de física do seu trabalho ele discute a formação de minerais, os quais ele classifica
em pedras, substâncias fusíveis, enxofres e sais.
8.
O mercúrio é classificado com as substâncias fusíveis, metais, porque “ele é o constituinte
essencial dos corpos maleáveis, ou ao menos é similar a eles.” Essa ideia é devida à
fusibilidade dos metais, pois mais adiante ele diz, “Parece que o mercúrio ou algo que o
relembra é um elemento constituinte essencial de todos os corpos fusíveis, pois todos eles
são convertidos em mercúrio na fusão.” As
Ideias de ibn Sina são basicamente Aristotélicas, mas ele identifica as exalações vaporosas
e fumacentas que Aristóteles imaginou que formavam os metais e terras com o mercúrio e
enxofre, uma ideia já expressa por Jabir.
A verdadeira originalidade de ibn Sina é melhor vista nas suas visões da possibilidade da
transmutação alquímica. Ele diz,
Quanto às reclamações dos alquimistas, deve ser claramente entendido que não está em
seu poder produzir qualquer verdadeira mudança de espécie. Eles podem, entretanto,
produzir excelentes imitações, tingindo vermelho (metal) de branco de tal forma que ele
lembre muito bem a prata, ou tingindo o amarelo de tal forma que ele lembre muito bem o
ouro. Eles podem, também, tingir o branco (metal) com qualquer cor que desejem, até que
ele tenha uma forte semelhança com o ouro ou o cobre; e eles podem libertar os chumbos
de muitos dos seus defeitos e impurezas. Ainda nesses (metais tingidos) a natureza
essencial permanece inalterada; eles são assim meramente dominados pelas qualidades
induzidas por ilusões que podem ser feitas a seu respeito, assim como acontece que
homens são iludidos pelo sal, qalqand (vitriol verde), sal amoníaco, etc.
Eu não nego que tal grau de acurácia pode ser atingido para enganar mesmo o mais
perspicaz, mas a possibilidade de eliminar ou transmitir a diferença específica nunca esteve
clara para mim. Ao contrário, eu tratoa como impossível, desde que não existe maneira de
separar uma combinação em outra.
Essas propriedades que são percebidas pelos sentidos não são provavelmente as
diferenças que separam os metais em espécies, mas mais acidentes ou consequências, as
diferenças específicas sendo desconhecidas. E, se uma coisa é desconhecida, como é
possível para qualquer um se esforçar para produzila ou destruíla?
É provável que a proporção dos elementos que entram em uma composição de substância
essencial de cada um dos metais enumerados é diferente daquele de qualquer outro. Se
isso é assim, um metal não pode ser convertido em outro a menos que o composto seja
quebrado e convertido na composição daquele cuja composição é desejada. Assim,
entretanto, não pode ser afetado por fusão, a qual mantém a união, e meramente causa a
introdução de alguma substância ou virtude estranha.
Existe muito que eu poderia dizer sobre esse assunto e que eu tanto desejava dizer, mas
existe pouco proveito nisso nem há nenhuma necessidade para isso aqui.”
O ceticismo de um medico racional como ibn Sina não é encontrado mesmo nos escritos de
outro grande médico árabe, alRazi, o qual aceitava a verdade da Alquimia. Mesmo assim,
essa opinião de ibn Sina atingiu o Ocidente e teve considerável influência no curso posterior
da Alquimia lá.
9.
Os Alquimistas árabes assim longamente discutidos eram residentes do metade oriental do
mundo muçulmano. Muitos eram Persas, como alRazi, e parecia haver pouca dúvida que a
aprendizagem helenista, incluindo alquimia prática, chegou fortemente na Pérsia. O ramo
mais místico da alquimia, como foi visto, desenvolveuse fortemente no Egito. Após os
grandes avanços em alquimia durante o Século X, pouco tempo foi requerido para esse
assunto se difundir ao Califado de Córdoba, e os alquimistas Mouriscos logo surgiram.
Os trabalhos físicos e matemáticos atingiram a Espanha no final do Século X, e os trabalhos
de Jabir e de alRazi provavelmente chegaram na mesma época.
É significativo que o nome do notável astrônomo mourisco, Maslama alMajriti (falecido por
volta de 1007), é associado a um dos primeiros livros alquímicos conhecidos a serem
escritos na Espanha, por Maslama ou por um dos seus pupilos, esse livro introduziu os
escritos da Irmandade da Pureza no Ocidente, e assim ajudou a introduzir as ideias da
alquimia lá
O livro, Rutbar alHakim, “Os Passos do Sábio,” um tratado alquímico que é supostamente
de autoria de Muslama, foi composto após sua morte. As teorias alquímicas que ele contém
são típicas, mas uma de suas receitas é interessante por sua descrição da calcinação do
mercúrio:
Eu tomei mercúrio natural, livre de impurezas, e coloqueio em um vaso de vidro moldado
como um ovo. Esse eu coloquei dentro de outro vaso de cozimento e pus todo o aparato em
um fogo extremamente gentil. O pote externo estava então em um tal nível de aquecimento
que eu podia colocar minha mão sobre ele.
Eu aqueci o aparato dia e noite por quarto dias, após os quais eu os abri. Eu percebi que o
mercúrio (o peso original dele era de 3£ de uma libra) tinha sido completamente convertido
em um pó vermelho, macio ao toque, o peso permanecia como era originalmente.”
Esse é muito claramente um trabalho de um experiente químico. Os árabes não tinham
balanças sensíveis o suficiente para observar as mudanças que aconteciam no peso desse
reação, mas o espírito quantitativo mostrado na descrição tão bem quanto as teorias de
Jabir sobre as quantidades das naturezas das substâncias mostra que muitos alquimistas
islâmicos estavam tateando em direção a uma via quantitativa.
Durante os séculos XI, XII e XIII, um número de alquimistas escreveu livros originais e
comentários sobre os escritos mais antigos, mas eles adicionaram quase nada ao trabalho
dos grandes alquimistas do século X.
Durante esses anos, o partido ortodoxo do Islã ganhou o domínio, e mais ideias místicas
prevaleceram, de tal forma que a promessa de um caminho verdadeiramente científico para
a química não foi atingido. A Ciência muçulmana perdeu sua direção, e a liderança científica
passou para outras mãos.
10. Afortunadamente, nessa época, o Ocidente, que podia estar despreparado para receber as
ideias científicas Gregas em um período anterior, estava apta a aceitar as teorias que foram
passadas pelos Árabes. Assim a tradição científica não foi perdida, como foi na China onde
nenhum grupo novo estava apto a desenvolvêlas quando o Taoismo se degenerou em
misticismo e charlatanismo.
Os árabes realizaram seu maior serviço ao passar as ideais da civilização Helênica e os
adeptos helenistas que foram os verdadeiros fundadores da Alquimia, mas essa não foi de
forma alguma sua única contribuição.
Combinando ideias tanto da Alexandria quanto da China, eles deram à Alquimia uma
formulação explícita da teoria de composição das substâncias com base nos elementos
Enxofre e Mercúrio (e Sal), eles adicionaram uma afirmação clara sobre a doutrina do elixir,
a Pedra filosofal, e provavelmente sob influência chinesa, eles clarearam o conceito de
virtudes terapêuticas da pedra na “cura” de metais “doentes”, e talvez das doenças
humanas também.
No aspecto prático, eles descobriram o sal amoníaco, prepararam os álcalis cáusticos,
reconheceram as propriedades de substâncias animais e sua importância para a química, e
eles introduziram uma ampla escala de métodos de destilação destrutiva dessas
substâncias como meio de analisálas em seus “últimos componentes”
Sua classificação dos minerais tornouse a base para muitos dos sistemas usados mais
tarde no Ocidente. A Química deve aos alquimistas árabes muito mais que somente
reconhecimento, e sua contribuição ao desenvolvimento da Ciência como a maior delas.
QUESTIONÁRIO
1) Qual a importância do trabalho de Jabir ibn Hayyan para o desenvolvimento da
Alquimia?
2) Qual a importância do trabalho de al Razi (Razes) para o desenvolvimento da
Alquimia?
3) Qual a importância do trabalho de ibn Sina (Avicena) para o desenvolvimento da
Alquimia?
4) Como a Alquimia Árabe influenciou a Alquimia Chinesa?