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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO AGROAMBIENTAL
OS DIREITOS AMBIENTAIS DOS POVOS INDÍGENAS
ELLEN CRISTINA OENNING ROMERO
CUIABÁ
2012
ELLEN CRISTINA OENNING ROMERO
OS DIREITOS AMBIENTAIS DOS POVOS INDÍGENAS
Dissertação apresentada como exigência
parcial do Programa de Pós-Graduação
stricto sensu em Direito Agroambiental da
Universidade Federal de Mato Grosso, sob
orientação do Prof. Dr. Patryck de Araújo
Ayala
CUIABÁ
2012
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71
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AGROAMBIENTAL
Avenida Fernando Corrêa da Costa, 2367 - Boa Esperança - Cep: 78060900 -CUIABÁ/MT
FOLHA DE APROVAÇÃO
TÍTULO : OS DIREITOS AMBIENTAIS DOS POVOS INDÍGENAS
AUTOR : Mestranda ELLEN CRISTINA OENNING ROMERO
Dissertação defendida e aprovada em 24/08/2012.
Composição da Banca Examinadora:
_____________________________________________________________________________
____________
Presidente Banca / Orientador Doutor PATRYCK DE ARAUJO AYALA
Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
Examinador Interno Doutor CARLOS TEODORO JOSÉ HUGUENEY IRIGARAY
Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
Examinador Externo Doutora SOLANGE TELES DA SILVA
Instituição : Universidade Presbiteriana Mackenzie
CUIABÁ,24/08/2012.
Dedico ao meu filho Gabriel e ao meu esposo
Robson, com todo o meu amor
Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Patryck de Araújo
Ayala, pelo imenso apoio que tornou este estudo possível
Agradeço aos professores do Programa de Pós Graduação em
Direito Agroambiental, pela incrível quantidade de
conhecimento transferido
Agradeço aos colegas das primeira e segunda turmas do
Mestrado em Direito Agroambiental, pela adorável
convivência e pelo aprendizado proporcionado
Agradeço à Secretaria do Mestrado, em especial o servidor
Gabriel Plácido de Barros, pela atenção e prontidão
Agradeço a Maria Solange Grein pela ajuda na Biblioteca da
Justiça Federal-MT
Agradeço aos colegas da 5ª Vara Federal-MT, especialmente
ao Dr. José Pires da Cunha, eterno chefe, pelo imenso apoio
Agradeço à minha família pela compreensão da minha
ausência do convívio diário
[...] temos o direito a ser iguais sempre que a diferença nos
inferioriza; temos o direito a ser diferentes sempre que a igualdade
nos descaracteriza.
Boaventura de Souza Santos
A Mãe Terra é a fonte da vida que se requer proteger, não como um
recurso para ser explorado e mercantilizado como “capital natural”.
Temos nosso lugar e nossas responsabilidades dentro da ordem
sagrada da Criação. Sentimos a alegria sustentadora quando as
coisas ocorrem em harmonia com a Terra e com toda a vida que cria
e sustenta. Sentimos a dor da falta de harmonia quando somos
testemunhas da desonra da ordem natural da Criação e da
colonização econômica e contínua, assim como a degradação da
Mãe Terra e toda a vida nela.
Declaração KARI‐OCA 2 - Conferência Mundial dos Povos
Indígenas sobre Rio+20 e a Mãe Terra
RESUMO
A análise do direito fundamental ao meio ambiente e dos direitos dos povos indígenas em
conjunto permite a construção de uma noção de direitos ambientais dos povos indígenas. Isto
porque, direitos ambientais é uma construção muito mais ampla que o conteúdo delimitado
ao direito fundamental ao meio ambiente insculpido na Constituição brasileira, no artigo 225.
No caso dos direitos ambientais dos povos indígenas, propõe-se uma relação direta entre os
direitos associados ao artigo 231 da Constituição e aquelas realidades existenciais
enumeradas sob a proteção do artigo 225. O estudo se propõe a construir uma noção de
direitos ambientais dos povos indígenas, sob enfoque constitucional. Justifica-se a opção
aqui realizada para o fim de se demonstrar que a proteção conferida aos povos indígenas que
se encontrasse limitada aos direitos territoriais ou culturais expressos no artigo 231 seria uma
proteção incompleta e imperfeita se não fosse possível reconhecer que o artigo 225 supõe
uma proteção que se estende além do meio ambiente natural. Propõe-se que o texto do artigo
225 precisa ser compreendido como uma referência aberta à comunicação com outras
realidades conexas, para o fim de assegurar a proteção de realidades existenciais mais
alargadas, e que possuem os recursos naturais como vetor de um modelo diferenciado de
desenvolvimento humano. A construção da definição de direitos ambientais dos povos
indígenas é o resultado de uma arquitetura jurídica aberta que propicia uma composição entre
experiências jurídicas, que reforçam, definem, esclarecem e aperfeiçoam a experiência
nacional, ao ponto de viabilizar e proporcionar que se possa propor a proteção de direitos
especiais, como os direitos ambientais dos povos indígenas. Chega-se a definição de que os
direitos ambientais dos povos indígenas constituem um complexo de direitos
interdependentes ligados à proteção do bem viver dos povos indígenas, no contexto da
realização de seus projetos existenciais, noções estas intimamente conectadas ao meio
ambiente sadio, direito fundamental insculpido na Constituição brasileira. Por fim, analisam-
se como os direitos ambientais dos povos indígenas são tratados nas experiências jurídicas
nacionais e como eles poderiam oferecer uma proteção completa e suficiente se fossem
observadas certas experiências jurídicas externas.
PALAVRAS CHAVE: DIREITO AGROAMBIENTAL; DIREITO CONSTITUCIONAL;
POVOS INDÍGENAS; DIREITO FUNDAMENTAL; MEIO AMBIENTE; PROJETO DE
VIDA
ABSTRACT
The analysis of the fundamental right to the environment and the rights of indigenous
peoples together allows the construction of a concept of environmental rights of indigenous
peoples, because environmental rights is a building much larger than the enclosed content to
the fundamental right to the environment seated in the Brazilian Constitution, in Article 225.
In the case of environmental rights of indigenous peoples, it’s proposed a direct relationship
between the rights associated with the Article 231 of the Constitution and those existential
realities listed under the protection of Article 225. The study proposes to construct a notion
of environmental rights of indigenous peoples, under the constitutional approach. The choice
made here is justified by the aim to show that the protection offered to indigenous peoples
limited by the territorial and cultural rights expressed in Article 231 would be an imperfect
and incomplete protection if it was not possible to recognize that Article 225 assumes a
protection that extends beyond the natural environment. It is proposed that the text of Article
225 must be understood as an open reference to communication with other realities related to
the purpose of ensuring the protection of broader existential realities, and that possess the
natural resources as a vector of a differentiated model of human development. The
construction of the definition of environmental rights of indigenous peoples is the result of
an open architecture that provides a legal composition of legal experience, which strengthen,
define, clarify and refine the national experience, to enable and provide that it can be to
proposed special rights’ protection, such as environmental rights of indigenous peoples. It’s
reached the definition that the environmental rights of indigenous peoples constitute a
complex of interdependent rights relating to the protection of the good life of indigenous
peoples in the context of existential realization of their projects, these notions are closely
connected to the healthy environment, a fundamental right inserted in the Brazilian
Constitution. Finally, it’s analyzed how the environmental rights of indigenous peoples are
addressed in national legal experience and how they could offer a complete and sufficient
protection if they observed certain external legal experience.
KEYWORDS: AGROENVIRONMENTAL LAW; CONSTITUCIONAL LAW;
INDIGENOUS PEOPLES; FUNDAMENTAL RIGHT; ENVIRONMENT; LIFE’S
PROJECT
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 10
1 MULTICULTURALISMO: O CONTEXTO DA SOCIODIVERSIDADE ................ 16
1.1 Multiculturalismo, plurinacionalidade e interculturalidade...................................... 17
1.1.1 Multiculturalismo: realidade e teoria ........................................................................................................ 18
1.1.2 Estado Pluricultural e Plurinacional ......................................................................................................... 22
1.1.3 Interculturalidade: um diálogo necessário ................................................................................................ 25
1.1.4 Cidadania multicultural ............................................................................................................................. 29
1.2 Povos indígenas: uma análise conceitual...................................................................... 34
1.2.1 Por que “indígena”?.................................................................................................................................. 35
1.2.2 Por que “povo”?........................................................................................................................................ 42
2 O DIÁLOGO ENTRE EXPERIÊNCIAS JURÍDICAS COMO FONTE DE
REFERÊNCIAS PARA A CONSTRUÇÃO DA NOÇÃO DE DIREITOS
AMBIENTAIS DOS POVOS INDÍGENAS....................................................................... 46
2.1 Constitucionalismo global e a abertura a experiências jurídicas externas ............... 47
2.1.1 Constitucionalismo global.......................................................................................................................... 48
2.1.2 O transconstitucionalismo como veículo de comunicação entre as experiências jurídicas....................... 54
2.1.3 A comunicação entre ordens constitucionais e a ordem internacional na proteção dos direitos humanos58
2.2 Os direitos de bem viver e o direito a um projeto de vida .......................................... 69
2.2.1 O novo constitucionalismo latinoamericano e os direitos de bem viver .................................................... 69
2.2.2 Direito a um projeto de vida coletivo......................................................................................................... 75
2.3 A construção de uma noção de direitos ambientais dos povos indígenas.................. 81
2.3.1 Os direitos dos povos indígenas................................................................................................................. 81
2.3.2 Os direitos ambientais dos povos indígenas............................................................................................... 86
3 OS DIREITOS AMBIENTAIS DOS POVOS INDÍGENAS NA ORDEM
CONSTITUCIONAL BRASILEIRA ................................................................................. 95
3.1 O mínimo existencial ecológico e o direito à terra indígena ....................................... 97
3.2 Integridade cultural e ecológica: convergência para uma proteção recíproca....... 103
3.2.1 Integridade cultural e direito à terra indígena na experiência jurídica brasileira.................................. 104
3.2.2 Referências para o diálogo da ordem jurídica brasileira com a jurisprudência internacional de direitos
humanos ............................................................................................................................................................ 107
3.3 Terra Indígena Raposa Serra do Sol: as condições restritivas fixadas pelo STF aos
direitos indígenas e a necessidade de diálogo com outras experiências jurídicas......... 114
3.3.1 Autodeterminação: negação em nome da soberania estatal .................................................................... 115
3.3.2 Participação e consulta: direitos invisíveis.............................................................................................. 118
3.3.3 Direito à terra e aos recursos naturais .................................................................................................... 126
3.4 O caso da usina Hidrelétrica Belo Monte................................................................... 135
3.4.1 A (in)constitucionalidade do Decreto Legislativo n.º 788/2005............................................................... 138
3.4.2 A distorção dos direitos à consulta e ao consentimento........................................................................... 143
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................. 149
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 153
10
INTRODUÇÃO
O século XX foi marcado no Brasil pelo grande avanço constitucional. Dentre as
inúmeras conquistas estão dois interesses mundialmente discutidos que foram reconhecidos
na Constituição brasileira vigente: o direito fundamental ao meio ambiente e os direitos dos
povos indígenas.
Primeiramente, faz-se necessário destacar que este estudo usa a terminologia povos
indígenas em dimensão específica e desvinculada da noção tradicionalmente assentada na
teoria do Estado em substituição às definições de grupos, comunidades, populações,
sociedades ou outros. Nesta investigação, a definição de povos refere-se a segmentos
nacionais com identidade e organizações próprias, cosmovisão específica e relação especial
com a terra que habitam, características estas que se amoldam perfeitamente aos povos
indígenas. Posto isto, o uso da expressão povos indígenas neste estudo se justifica pelo fato
de ser possível a identificação daquelas características, além de ser essa a orientação firmada
em importante instrumento internacional de proteção dos direitos humanos, a Convenção n.
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ressalte-se que um povo não
corresponde necessariamente a uma identidade nacional, e reconhecer os povos indígenas
como tais não lhes confere o direito à secessão.
A análise do direito fundamental ao meio ambiente e dos direitos dos povos indígenas
em conjunto permite a construção de uma noção de direitos ambientais dos povos indígenas.
Isto porque, direitos ambientais é uma construção muito mais ampla que o conteúdo
delimitado ao direito fundamental ao meio ambiente insculpido na Constituição brasileira, no
artigo 225. No caso dos direitos ambientais dos povos indígenas, propõe-se uma relação
direta entre os direitos associados ao artigo 231 da Constituição e aquelas realidades
existenciais enumeradas sob a proteção do artigo 225. Justifica-se a opção aqui realizada
para o fim de se demonstrar que a proteção conferida aos povos indígenas que se encontrasse
limitada aos direitos territoriais ou culturais expressos no artigo 231 seria uma proteção
incompleta e imperfeita se não fosse possível reconhecer que o artigo 225 supõe uma
proteção que se estende além do meio ambiente natural. Propõe-se que o texto do artigo 225
precisa ser compreendido como uma referência aberta à comunicação com outras realidades
conexas, para o fim de assegurar a proteção de realidades existenciais mais alargadas, e que
11
possuem os recursos naturais como vetor de um modelo diferenciado de desenvolvimento
humano.
Por meio dessa compreensão integrada entre as relações culturais, territoriais,
espirituais e ecológicas viabilizada pelo âmbito de proteção dos dois direitos fundamentais,
sustenta-se a possibilidade de se visualizar não mais direitos originários de povos indígenas,
limitados ao conteúdo do artigo 231, da Constituição, mas direitos ambientais dos povos
indígenas, oriundos da combinação entre os dois âmbitos de proteção dos dispositivos já
referidos.
O direito ambiental surge, primeiramente, como uma preocupação com a qualidade
de vida diante dos riscos gerados pela degradação ambiental e da escassez de recursos
naturais úteis aos interesses humanos. O reconhecimento do direito ao meio ambiente, e em
contrapartida ao desenvolvimento, trouxe a lume o grande desafio de compatibilizar ambos
os conceitos e alcançar êxito com um desenvolvimento ambientalmente sadio e sustentável,
que promova o bem-estar humano e a participação, negando concepções meramente
economicistas de desenvolvimento.
Assim, a preocupação com a qualidade ambiental foi reconhecida como direito
fundamental na Constituição brasileira de 1988, como uma projeção mais alargada do direito
à vida, já que a proteção da qualidade ambiental tem como principal objetivo proteger a
qualidade de vida, além de ter ganhado conteúdo próprio por assegurar realidades de
proteção de maior complexidade e autônomas, com a proteção de todas as formas de vida,
incluídas a dos animais não humanos.
Em relação aos povos indígenas, o direito ao meio ambiente se torna ainda mais
sensível, levando em consideração que estes povos, sua cultura e meios de subsistência estão
intimamente ligados às suas terras e recursos naturais. Neste contexto, a degradação
ambiental nas terras indígenas é devastadora. Nos países cujas economias se centram na
exploração de recursos naturais, como o Brasil, em grande parte, a pressão pela exploração
dos recursos ambientais das terras indígenas é muito forte.
Estudar os direitos ambientais dos povos indígenas é importante tendo em vista a
relação de íntima dependência e indissociabilidade dos povos indígenas com o meio
ambiente e com as terras que tradicionalmente habitam. A destruição do meio ambiente
implica no extermínio de um elemento da existência dos povos indígenas que não é
12
meramente físico, é também simbólico, é substrato de sua subsistência física, cultural, social,
política e espiritual.
O meio ambiente, para os povos indígenas, é um elemento insubstituível de uma
relação muito particular que é o traço caracterizador desses povos. Muito mais que provedor
dos elementos necessários à sua sobrevivência biológica, o meio ambiente faz parte do povo
e o povo faz parte do meio ambiente, que permeia seus modos de ser, fazer e viver coletivos
e a sua religiosidade. Em suma, o projeto de vida dos povos indígenas é calcado no meio
ambiente em que vivem e este projeto não tem limitação temporal, é infinito.
Assim, o objetivo geral do trabalho é propor a possibilidade de definição dos direitos
ambientais dos povos indígenas, sob a perspectiva da ordem constitucional brasileira. A
construção desta definição é o resultado de uma arquitetura jurídica aberta que propicia uma
composição entre experiências jurídicas, que reforçam, definem, esclarecem e aperfeiçoam a
experiência nacional, ao ponto de viabilizar e proporcionar que se possa propor a proteção de
direitos especiais.
Atualmente, é possível dizer que os povos indígenas gozam de uma ampla proteção
jurídica. Esta proteção advém de todos os instrumentos constitucionais no contexto de uma
leitura baseada na construção de um constitucionalismo global - constituições estatais e
instrumentos internacionais de direitos humanos, onde se incluem os instrumentos sobre
meio ambiente -, e as fontes normativas nacionais.
Os direitos dos povos indígenas constituem um complexo jurídico, em que os direitos
são todos dependentes entre si e essenciais à existência e identidade destes povos. Os direitos
ambientais dos povos indígenas se relacionam com a proteção do bem viver e a realização de
seus projetos existenciais, num aspecto físico-ambiental que reflete também nos aspectos
cultural, espiritual e social.
A proposta deste estudo não é a de realizar leituras seccionadas de realidades
protegidas, mas reforçar que a única leitura possível para os povos indígenas é a da
indivisibilidade entre o meio ambiente e seu bem-estar. Esta leitura serve para aperfeiçoar o
próprio sentido do direito ambiental e da proteção do meio ambiente, sob uma ótica
moderada de antropocentrismo e ecocentrismo. Assim, os direitos ambientais dos povos
indígenas reforçam a construção geral do direito (fundamental) ao meio ambiente, que só
pode ser concebido como efeito dessa relação de indivisibilidade entre o meio ambiente, o
bem estar e a qualidade de vida.
13
Para atingir este objetivo, foram delineados alguns pontos específicos (variáveis) a
serem analisados: o multiculturalismo, o diálogo entre experiências jurídicas externas e os
direitos ambientais dos povos indígenas na experiência jurídico-constitucional brasileira.
Assim, o estudo se desenvolverá em três capítulos.
Para o desenvolvimento da pesquisa, foi utilizado o método de abordagem dedutivo,
com suporte em pesquisas bibliográficas e monográficas específicas sobre diversos temas,
além de pesquisas normativas e jurisprudenciais, tanto nacionais, quanto estrangeiras e
internacionais.
O referencial teórico será respaldado por uma bibliografia nacional e estrangeira,
destacando-se os autores Will Kymlicka, Ottfried Höfe, David Law, Valerio de Oliveira
Mazzuoli, Marcelo Neves, Laura Westra, James Anaya, Bartolomé Clavero, Erik Jayme,
Patryck de Araújo Ayala, Carlos Frederico Marés de Souza, entre os principais responsáveis
pela formação do marco teórico da pesquisa.
A relevância desta pesquisa está no fato de que tal temática é pouco estudada no
Brasil, motivo pelo qual não há um acervo bibliográfico significativo em língua portuguesa.
Este cenário é visível principalmente no Estado de Mato Grosso, em que 1,4% da população
(mais de 42.500 pessoas) se autodeclara indígena1
, e que possui 15% do território ocupado
por 74 terras indígenas legalizadas ou não2
.
O primeiro capítulo pretende expor o contexto em que os povos indígenas emergem
como sujeitos de direito e trará uma análise conceitual da expressão povos indígenas. Tratará
do multiculturalismo, da plurinacionalidade e da interculturalidade como realidades
existentes principalmente na América Latina, que subsidiam o surgimento de referências
para a construção de uma noção de cidadania multicultural.
Do contexto do multiculturalismo, em que se reconhece a realidade de pluralidade
cultural e se propõe a afirmar o reconhecimento de direitos coletivos derivados desta
realidade, emerge um conceito diferenciado de nação, como sinônimo de povo,
compreendido como uma comunidade histórica, mais ou menos completa institucionalmente
1
INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística. Os indígenas no Censo Demográfico 2010: primeiras
considerações com base no quesito cor ou raça. Rio de Janeiro: IBGE, 2012, p. 11.
2
ESTADO DE MATO GROSSO. Anuário Estatístico de Mato Grosso 2010. Volume 32. Cuiabá: Secretaria
de Estado de Planejamento e Coordenação Geral, 2011. Em todo o Brasil, há 678 terras indígenas. V.
POVOS Indígenas no Brasil: localização e extensão das TIs. Instituto Socioambiental (ISA). Disponível em:
http://pib.socioambiental.org/pt/c/terras-indigenas/demarcacoes/localizacao-e-extensao-das-tis. Acesso
em: 29 Mar 2011.
14
que ocupa um território ou uma terra natal determinada e que compartilha uma língua e uma
cultura diferenciada, sem que, no entanto, proponha-se direitos de secessão. Com a aplicação
deste conceito verifica-se que a maioria dos Estados é, na verdade, multinacional.
Quando o Estado reconhece esta composição social e a assume, reconstituindo seus
princípios sob uma ótica advinda desta diversidade, pode-se dizer que o Estado é
plurinacional, como são exemplos (ao menos sob o plano da arquitetura constitucional) a
Bolívia e o Equador, que incorporaram a visão indígena em suas constituições.
Os Estados que se declaram plurinacionais e os que apenas reconhecem a sua
multiculturalidade precisam propor-se e estarem disponíveis a um diálogo intercultural para
viabilizar um contexto de convivência democrática culturalmente plural.
Nesse capítulo, pretende-se demonstrar que a sociedade humana é incrivelmente
diversa e dentro desta diversidade, alguns grupamentos humanos se diferenciam pelo seu
modo de vida, que é determinado pela sua coesão cultural, sua espiritualidade e suas
instituições. Estas pequenas nações/povos dentro do Estado são diferentes entre si e são
diferentes da maioria da população, e é esta diferença que permite a proteção jurídica de seus
projetos de vida, diferenciados e determinados culturalmente.
O segundo capítulo examina a necessidade de interação e de comunicação entre as
experiências jurídicas para a determinação de referências importantes para a construção de
uma definição de direitos indígenas, além de propor uma composição entre algumas fontes e
experiências relevantes para a ordem jurídica brasileira.
Primeiramente, serão abordados alguns conceitos que permitem o diálogo entre
experiências jurídicas, em especial as noções de constitucionalismo global,
transconstitucionalismo e diálogo das fontes. Das possíveis interações da Constituição
brasileira com ordens jurídicas estatais e a ordem internacional de direitos humanos,
extraem-se algumas referências importantíssimas: os direitos de bem viver e o direito a um
projeto de vida.
Em seguida, o estudo, pautado por todo este arcabouço teórico, lança-se à construção
de uma noção de direitos ambientais dos povos indígenas, na ordem constitucional brasileira.
É importante frisar neste momento que este estudo, apesar de buscar referências no direito
internacional dos direitos humanos e no direito comparado, é um estudo de direito
constitucional, já que as referências e as experiências buscadas naquele âmbito servem
apenas para reforçar as condições de aplicação do direito brasileiro, e aperfeiçoar a
15
capacidade de concretização da experiência jurídica nacional, sempre compreendida por
meio da capacidade de a Constituição nacional se comunicar com experiências externas
visando atingir aquela finalidade: proteção dos direitos fundamentais e, neste caso, de uma
definição de direitos dos povos indígenas. Por isso o estudo, principalmente, do
transconstitucionalismo que propõe a abertura constitucional às outras experiências jurídicas.
Por fim, o terceiro capítulo objetiva demonstrar que a abertura constitucional
brasileira e a comunicação entre as experiências jurídicas proporcionam a definição de
direitos ambientais dos povos indígenas, sob a ótica constitucional brasileira, para o fim de
delinear o alcance da proteção jurídica das identidades coletivas dos povos indígenas.
O capítulo ainda se propõe a discutir os elementos presentes na experiência nacional
em relação aos direitos ambientais nos povos indígenas e no que ela poderia ser reforçada
pelo diálogo com as experiências jurídicas externas estudadas, partindo-se do direito à terra
indígena, amplamente reconhecido pelo texto do artigo 231, a Constituição, e da noção de
mínimo existencial ecológico, englobando a análise jurisprudencial da corte constitucional
brasileira, sobretudo, o caso da Terra Indígena Raposa Terra do Sol.
16
1 MULTICULTURALISMO: O CONTEXTO DA SOCIODIVERSIDADE
A sociedade humana é incrivelmente diversa. A diferença cultural existente entre os
mais diversos grupos humanos do globo faz surgir a noção de multiculturalismo. Esta grande
diversidade cultural também é uma realidade existente dentro das fronteiras de grande
número de Estados, como por exemplo, o Brasil.
A maneira como os Estados valorizam a sociodiversidade da sua população dá ensejo
ao reconhecimento, ou não, do direito à própria existência destes grupamentos humanos
culturalmente diferenciados.
Neste capítulo pretende-se demonstrar que a grande diversidade social existente
dentro de um Estado pode ser vista como traço inerente e caracterizador da população estatal,
sendo que alguns grupamentos humanos se diferenciam pelo seu modo de vida, que é
determinado pela sua coesão cultural, sua espiritualidade e suas instituições, e que a melhor
alternativa para a sobrevivência desta diversidade é a sua coexistência sob uma perspectiva
de pluralismo sociocultural, com a proteção jurídica de seus projetos de vida, diferenciados e
determinados culturalmente.
Para isso, o capítulo se aprofundará nos conceitos de multiculturalismo,
plurinacionalidade e interculturalidade.
Para tanto, parte-se do argumento pelo qual o multiculturalismo fixa o contexto no
qual os povos indígenas surgem como sujeitos de diretos diferenciados. Este aspecto está em
conexão com uma definição particular (funcional a esta pesquisa) de nação, como grupos
históricos, complexos institucionalmente e que compartilham uma terra, uma língua e uma
cultura. Em seguida, serão diferenciadas as noções de um Estado pluricultural de um
plurinacional, tendo-se como critério distintivo o reconhecimento constitucional de sua
diversidade cultural.
Na sequência, propor-se-á que a interculturalidade se refere ao diálogo necessário
para a coexistência dos grupos culturalmente diferenciados, especialmente quando inseridos
numa sociedade majoritária. Por fim será sustentada a necessidade da formação de uma
imagem de cidadania multicultural, caracterizada por direitos diferenciados em razão do
pertencimento a grupos diferenciados, como os povos indígenas, imagem esta que se reflete
em identidades socioculturais plurais.
17
Na segunda parte do capítulo, serão abordadas as especificidades conceituais da
expressão povos indígenas que é adotada por este estudo.
Pretende-se desenvolver analiticamente a expressão indígena para o fim de lhe
atribuir traços que ultrapassem uma perspectiva meramente temporal. Será proposto que o
critério da autoidentificação é o mais forte para a caracterização da condição indígena do
sujeito.
Igualmente pretende-se justificar a utilização da palavra povos em substituição a
qualquer outra expressão, para o fim de explicitar que a utilização se afasta da concepção de
que cada povo deve necessariamente corresponder a um Estado e se aproxima do conceito de
nação, sem, no entanto, atribuir aos sujeitos um direito, ou direitos de secessão.
1.1 Multiculturalismo, plurinacionalidade e interculturalidade
Esta seção pretende discorrer sobre o multiculturalismo como realidade fática e como
alternativa jurídica para o reconhecimento da sociodiversidade, dentro do contexto de
democracia liberal. Para este fim o texto se desenvolve, basicamente, por meio de teoria de
base vinculada às lições de Will Kymlicka e de Charles Taylor, que propõem o
reconhecimento de direitos diferenciados às minorias culturais.
Aqui o multiculturalismo será visto como vinculado e conexo ao conceito de nação,
sendo que dentro de um Estado podem existir inúmeras nações, o que caracteriza um Estado
Pluricultural e um Estado Plurinacional. A diferença entre os dois estaria principalmente no
reconhecimento constitucional da multiculturalidade existente dentro deles, o que alcança
também questões mais complexas. Este será o assunto da segunda subseção.
No entanto, em qualquer destes dois modelos de Estado, para o efetivo
reconhecimento das diferenças culturais há que se buscar a compreensão e valorização mútua
através de um diálogo intercultural, seja no espaço dos arranjos institucionais, seja no âmbito
da ação judicial de cada Estado, o que será tratado na terceira subseção.
Mais que permitir o diálogo intercultural no seio do Estado torna-se necessário,
também, o reconhecimento de direitos específicos a determinados grupos culturalmente
diferenciados. Para tornar este assunto mais claro, a quarta subseção tratará dos grupos
culturalmente diferenciados que podem existir dentro de um Estado e da necessidade de
construção de uma cidadania multicultural, que inclui o reconhecimento dos direitos
18
específicos em função do grupo de pertencimento. Esta é a lógica verificada para justificar a
existência de direitos específicos aos povos indígenas.
1.1.1 Multiculturalismo: realidade e teoria
Há duas concepções possíveis sobre a expressão multiculturalismo, como um fato
social e como uma teoria. No primeiro sentido, refere-se a uma situação derivada das
migrações e da convivência, no seio da mesma sociedade, de pessoas e grupos oriundos de
civilizações diferenciadas em vários graus. No segundo sentido, o multiculturalismo seria
uma das soluções possíveis aos problemas derivados da convivência entre pessoas e grupos
de diferentes culturas, concretamente a que propõe a coexistência entre eles, mantendo cada
um suas próprias pautas culturais e sociais.3
O multiculturalismo como fato social é uma realidade maciça, pois a maioria dos
países é culturalmente diversificada. Dentro dos quase duzentos Estados independentes no
mundo existem mais de seiscentos grupos que falam línguas vivas diferentes e cinco mil
grupos étnicos.4
Apenas no Brasil existem trezentos e cinco povos indígenas que falam mais
de duzentos e setenta línguas e dialetos.5
3
CÁMARA, Ignacio Sánchez. El multiculturalismo como hecho y como solución a un problema. Persona y
derecho, n. 49, 2003, p. 163. Esta diferenciação também pode ser vista na distinção entre pluralismo cultural
e multiculturalismo. Por um lado, o pluralismo cultural seria a realidade fática da convivência de diversas
culturas no mesmo espaço territorial ou político (ou afirmação de valor que pretende afirmar o direito à
existência e à reprodução destas culturas) e o multiculturalismo seria a resposta normativa concreta em
relação a este fato, no contexto liberal. V. BARTOLOMÉ, Miguel Alberto. Procesos interculturales:
antropología política del pluralismo cultural en América Latina. México: Siglo XXI Editores, 2006, p. 107 e
116-121. Por outro lado, o multiculturalismo expressa “a coexistência de formas culturais ou de grupos
caracterizados por culturas diferentes no seio da sociedade ‘moderna’” e possui diferentes noções, como a
noção emancipatória que é centralizada no direito à diferença e na coexistência além das diferenças
(SANTOS, Boaventura de Sousa; NUNES, João Arriscado. Introdução: para ampliar o cânone do
reconhecimento, da diferença e da igualdade. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Reconhecer para
libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 26 e
30); e o pluralismo (jurídico) é valor aberto e democrático que representa distinções, diversidades e
heterogeneidade, que tem no multiculturalismo uma de suas formas possíveis de reconhecimento e
articulação das diferenças culturais (WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: um espaço de
resistência na construção de direitos humanos. In: WOLKMER, Antonio Carlos; VERAS NETO, Francisco
Q.; LIXA, Ivone M. Pluralismo jurídico: os novos caminhos da contemporaneidade. São Paulo: Saraiva,
2010, p. 42.). No entanto, tais conceitos são indissociáveis e algumas vezes são usados como sinônimos.
4
KYMLICKA, Will. Ciudadanía multicultural: una teoría liberal de los derechos de las minorías. Tradução
de Carme Castells Auleda. Barcelona: Paidós, 2010, p. 13. O fator língua é um dos primeiros a ser
considerado para diferenciar culturas. V. JIANG, Wenying. The relationship between culture and language.
English Language Teaching Journal. Oxford, v.4, n. 54, p. 328-334, 2000.
5
INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010: características gerais dos
indígenas. Resultados do universo. Rio de Janeiro: IBGE, 2012, p. 85 e 90.
19
Já como teoria, a concepção de multiculturalismo surge como uma solução para os
problemas oriundos da diversidade cultural globalizada no contexto liberal, visto que a
filosofia política e a teoria do direito tradicionais suprimiram as diferenças culturais. Por
isso, os governos muitas vezes se valeram de políticas direcionadas à assimilação coercitiva
ou à eliminação material da diversidade cultural. 6
Will Kymlicka considera que a teoria liberal tradicional é insuficiente para a
compreensão e resolução dos conflitos contemporâneos, pois ela não soube fazer frente às
demandas das culturas. Isto porque, a teoria liberal não desenvolveu um acervo coerente de
conhecimento sobre o papel da cultura na democracia liberal. Para o autor, o projeto liberal
ainda está por terminar e é uma fórmula válida para se estender aos novos direitos coletivos
das culturas e minorias. O autor salienta que é legítimo e inevitável complementar os direitos
humanos tradicionais com os direitos das minorias e que, em um Estado multicultural, uma
teoria da justiça abrangente incluirá tantos os direitos universais, atribuídos aos indivíduos
independentemente de ser membro de algum grupo, como determinados direitos
diferenciados de grupo, é dizer, um status especial para as culturas minoritárias.7
Charles Taylor propõe a política do reconhecimento. Para o autor, o liberalismo
partiu de um erro fundamental: assumiu uma concepção de homem como ser autônomo, que
prescinde de todos os elementos que o constitui verdadeiramente como sujeito, como pessoa,
entre eles, a raça, a religião, o sexo ou a nacionalidade. O liberalismo parte daquilo que é
comum a todos os homens, daqueles recursos que são compartilhados universalmente.8
Para Charles Taylor, a política do universalismo salienta a dignidade igual de todos
os cidadãos e o seu conteúdo foi a igualação de todos os direitos e títulos.9
Este
reconhecimento exige do Estado a proteção dos direitos individuais e a neutralidade diante
das diferentes concepções de vida e as preferências dos indivíduos ou grupos.
6
MALDONADO, Daniel Bonilla. Constitución multicultural. Bogotá: Siglo del Hombre Editores;
Universidad de los Andes; Pontificia Universidad Javeriana, 2006, p. 21. V. STOPLER, Gilda.
Contextualizing multiculturalism: a three dimensional examination of multicultural claims. Journal of Law
and Ethics of Human Rights, v. 1, p. 309-353, 2007; COHEN-ALMAGOR, Raphael; ZAMBOTTI, Marco.
Liberalism, tolerance and multiculturalism: the bounds of liberal intervention in affairs of minority cultures.
In: WOJCIECHOWSKI, Krzysztof; JOERDEN, Jan C.(eds). Ethical liberalism in contemporary societies.
Frankfurt: Peter Lang, 2009, p. 79-98.
7
KYMLICKA, Will. Estados, naciones y culturas. Tradução de Juan Jesús Mora. Córdoba: Almuzara, 2004,
p. 13 (SORIANO, Ramón; MORA, Juan Jesús. Estudio Preliminar).
8
CÁMARA, Ignacio Sánchez. El multiculturalismo como hecho y como solución a un problema..., p. 169.
9
TAYLOR, Charles. El multiculturalismo y la politica del reconocimiento. México: Fondo de Cultura
Económica, 1993, p. 61.
20
Toda pessoa deve ser livre para organizar sua vida a partir de sua autonomia. Mas,
esta política do universalismo ignora a relevância do contexto cultural para a formação da
personalidade. A identidade da pessoa pressupõe todo um conjunto de elementos que
precedem da circunstância cultural e social. A pessoa não é inteligível senão no seio de uma
determinada cultura. A igualdade é abstrata, enquanto o pluralismo e a diversidade são
concretos e reais. A existência de padrões culturais compartilhados pela comunidade é
essencial para a constituição da pessoa e constitui, por ela mesma, um bem que deve ser
protegido pelo Estado. Ademais, todas as culturas possuem concepções de bem, não apenas
diferentes, mas também incomensuráveis entre si. A motivação moral não provém da
autonomia do sujeito, mas das questões morais compartilhadas pela comunidade a que
pertence. Então, dá-se uma íntima vinculação moral entre o indivíduo e a comunidade.10
À política do universalismo, Charles Taylor opõe uma política do reconhecimento,
que justificaria também a concessão de direitos especiais coletivos. Charles Taylor afirma
que atualmente surgem conflitos em torno da política da diferença. Enquanto a política da
dignidade universal lutava por formas de não discriminação inteiramente “cegas” aos modos
pelos quais os cidadãos se diferem, ao contrário, a política da diferença muitas vezes redefine
a não discriminação exigindo que se faça destas distinções a base do tratamento diferenciado.
Deste modo, os membros de grupos indígenas receberam alguns direitos e faculdades das
quais não gozam outros cidadãos e certas minorias receberam o direito de excluir as outras
para conservar sua integridade cultural.11
Segundo Axel Honneth, os conflitos sociais surgem como lutas por reconhecimento
em razão de experiências individuais de desrespeitos sociais, que seriam resumidamente, a
violação e privação de direitos e a degradação de formas de vida ou crenças. 12
Essas lutas
passam a ser consideradas como sociais quando os objetivos individuais passam a ser
coletivos. Portanto, luta social é o
[...] processo prático no qual experiências individuais de desrespeito são
interpretadas como experiências cruciais típicas de um grupo inteiro, de forma que
elas podem influir, como motivos diretores da ação, na exigência coletiva por
relações ampliadas de reconhecimento 13
10
CÁMARA, Ignacio Sánchez. El multiculturalismo como hecho y como solución a un problema..., p. 169-
170.
11
TAYLOR, Charles. El multiculturalismo y la politica del reconocimiento..., p. 63.
12
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. 2. ed. São Paulo:
Editora 34, 2009, p. 227-228.
13
Ibid., p. 257.
21
Ambos os autores, Will Kymlicka e Charles Taylor, vêem o multiculturalismo como
um fato, uma realidade concreta, e ambos desenvolvem uma teoria que engloba os direitos
coletivos derivados da realidade de pluralidade cultural no contexto do liberalismo, a
realidade social do “ocidente”.14
Convém destacar que a expressão multiculturalismo, como fato social, pode englobar
diversas formas de pluralismo cultural. No entanto, para o objetivo traçado para este estudo
será adotada a lição de Will Kymlicka, que defende que o multiculturalismo decorre da
coexistência dentro de um determinado Estado, de mais de uma nação.15
Nação, para o autor, significa uma comunidade histórica, mais ou menos completa
institucionalmente que ocupa um território ou uma terra natal determinada e que compartilha
uma língua e uma cultura diferenciada. O autor explica que a noção de nação, neste sentido
sociológico, e que por sua vez, é distinto do sentido tradicionalmente associado à teoria do
Estado16
, está estritamente relacionada com a ideia de povo ou de cultura, e que ambas as
ideias são intercambiáveis. Assim, um país que contém mais de uma nação não é, portanto,
um Estado-nação, mas um Estado multinacional, onde as culturas minoritárias estão
presentes nas maiorias nacionais.17
Esta diferenciação é importante para excluir do conceito aqui utilizado, uma extensa
gama de grupos sociais não étnicos que, por diversas razões, foram excluídos ou
marginalizados do núcleo majoritário da sociedade, como os grupos dos portadores de
necessidades especiais, homossexuais, mulheres, trabalhadores ou ateus.
É a complexidade da expressão cultura que faz com que comumente a expressão
multicultural possa incluir tais grupos. A expressão cultura pode ser entendida para incluir
todos os grupos que possuem modos de ser, fazer e viver distintos nos sentidos habituais da
14
O debate sobre o multiculturalismo surgiu nos anos 70 para se referir às políticas públicas de Estados
liberais sobre o pluralismo étnico existente em razão da imigração. V. ANG, Ien. Multiculturalism.
Disponível em:
http://media.wiley.com/product_ancillary/92/06312256/DOWNLOAD/Multiculturalism.pdf. Acesso em:
14 Jan 2012. Nesta seara há muitas críticas sobre a relação multiculturalismo-liberalismo perante os
indivíduos, no entanto, sempre com a ressalva de que as críticas não atingem o multiculturalismo
relacionado aos povos indígenas, pois sempre mencionam o aspecto individual e não o coletivo. V.
JOPPKE, Christian. The retreat of multiculturalism in the liberal state: theory and policy. The British
Journal of Sociology, v. 55, n. 2, p. 237-257, 2004; e BARRY, Brian. Liberalism and multiculturalism.
Ethical Perspectives, v. 4, p. 2-11, 1997.
15
KYMLICKA, Will. Ciudadanía multicultural…, p. 26.
16
V. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2000; e
AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 5. ed. Porto Alegre: Globo, 1957.
17
KYMLICKA, op. cit., p. 26.
22
expressão no conceito de multiculturalismo. De um lado, de forma mais estrita e específica,
cultura alude aos costumes distintos ou perspectivas de um grupo ou associação, quando se
fala, por exemplo, de uma cultura gay ou de uma cultura burocrática. Em outro extremo,
cultura pode ser empregada de forma mais ampla, de modo que se pode dizer que todas as
democracias ocidentais compartilham uma cultura comum, pois compartilham uma
civilização moderna, urbana, laica e industrializada, em contraste com o mundo feudal,
agrícola e teocrático ancestral. 18
Apesar de semelhante conjunto de divergências, Will Kymlicka emprega a expressão
cultura em um sentido diferente, como caracterizadora de nação ou povo, é dizer, de uma
comunidade intergeracional, mais ou menos completa institucionalmente, que ocupa um
território determinado e compartilha uma língua e uma história específicas. Ele não inclui o
tipo de estilos de vida grupal, movimentos sociais e associações voluntárias que outros
autores podem incluir dentro do âmbito do multiculturalismo. O autor ainda explica que ele
não pensa que estes grupos não sejam importantes, mas acredita que a acomodação das
diferenças étnicas e nacionais é apenas um dos aspectos da luta mais ampla para alcançar
uma democracia mais tolerante e inclusiva.19
O estudo do multiculturalismo torna necessário ressaltar a diferenciação realizada por
Bartolomé Clavero entre Estado pluricultural ou multicultural e Estado plurinacional, uma
categoria mais ampla, o que será objeto da próxima seção.
1.1.2 Estado Pluricultural e Plurinacional
Bartolomé Clavero afirma que há uma diferença substancial entre um Estado que se
reconheça culturalmente diverso (multicultural ou pluricultural) e um Estado que assuma sua
composição como nacionalmente plural (plurinacional), pois só no segundo caso é que se
está reconhecendo a necessidade de uma reconstituição a fundo e sob novos princípios, como
certamente ocorreu no Equador e na Bolívia, ao menos textualmente sob o plano político-
normativo20
.
18
KYMLICKA, Will. Ciudadanía multicultural…, p. 35. V. BARTOLOMÉ, Miguel Alberto. Procesos
interculturales…, p. 87-88.
19
Ibid., p. 36
20
Bartolomé Clavero diz que as atuais políticas da Bolívia e do Equador não correspondem ao novo
paradigma constitucional que propõem. Isto se deve basicamente pelo fato de ser um novo
23
A plurinacionalidade é mais ampla que o reconhecimento da diversidade cultural da
sociedade e das relações de interculturalidade necessárias, com toda a importância inerente,
pois implica o respeito não apenas das culturas em si, mas também implica o respeito de suas
expressões, como no caso indígena, organização em comunidades, formas de representação e
jurisdição indígena.
A plurinacionalidade se vincula ao reconhecimento constitucional de outras nações
dentro do Estado, uma nação maior, como fazem as novas constituições do Equador e da
Bolívia ao reconhecerem os povos indígenas como nações. Por isso, este estudo ao falar de
plurinacionalidade se referirá unicamente aos povos indígenas, já que as constituições dos
estados plurinacionais existentes reconhecem os povos indígenas como nações internas.
Portanto, em tese, nada obsta que outros Estados reconheçam outros grupos que se
caracterizam como nações, e os direitos inerentes a este reconhecimento, tornando-se
também estados plurinacionais.
Assim, a multiculturalidade interessa, desde já, a mais culturas que as indígenas, mas
não chega a transcender ao sistema todo. É a plurinacionalidade o que pode caracterizar um
novo paradigma constitucional, pois envolve a reconstrução do Estado moderno. O Estado
moderno tem apenas uma nação (no sentido populacional) e ao enfrentar a
plurinacionalidade tem que combinar diferentes conceitos de nação dentro de um mesmo
Estado, para abarcar a sua essência multicultural.21
Por isso, o Estado plurinacional se vincula, antes de tudo, ao reconhecimento
constitucional da existência dos povos indígenas com direitos próprios de alcance político,
como os direitos de autonomia e consulta. Bartolomé Clavero afirma que foi o
reconhecimento constitucional dos povos indígenas como sujeitos de direitos políticos
próprios, anteriores ao próprio Estado, e não o registro da plurinacionalidade, que levou a
constitucionalismo latinoamericano em processo de concretização a partir de um Estado que deu o primeiro
passo reconhecendo sua formação multicultural para então se tornar plurinacional oficialmente. CLAVERO,
Bartolomé. Estado plurinacional o bolivariano: nuevo o viejo paradigma constitucional americano.
Borrador. Bartolomé Clavero Ensayos, opiniones y actualidad. 02 Mai 2011. Disponível em:
http://clavero.derechosindigenas.org/wp-content/uploads/2011/05/Estado-Plurinacional.pdf. Acesso em:
05 Maio 2011, p. 3.
21
SANTOS, Boaventura de Sousa. Las paradojas de nuestro tempo y la Plurinacionalidad. In: ACOSTA,
Alberto; MARTÍNEZ, Esperanza (Comp.). Plurinacionalidad: democracia en la diversidad. Quito: Abya-
Yala, 2009, p. 37.
24
renovação profunda da Constituição boliviana com o estabelecimento do Estado
Plurinacional da Bolívia, com tal denominação oficial.22
A plurinacionalidade contém uma exigência histórica de reconhecimento da
diversidade cultural, mas entendendo que o cultural também envolve os aspectos econômicos
e políticos, pelo que se exige a desconstrução das relações sociais, inclusive do Estado. Esta
exigência é histórica, porque em algum momento no tempo se produziu a ocultação ou a
negação da diversidade.23
Alberto Acosta afirma que “a plurinacionalidade não é apenas um reconhecimento
passivo da diversidade de povos e de nações, é fundamentalmente uma declaração pública do
desejo de incorporar perspectivas diferentes com relação à sociedade e à natureza” 24
. Entre a
plurinacionalidade e a natureza há uma relação que passa pela visão indígena de Pachamama
ou Mãe Terra, por espaços andinos e amazônicos, a que as Constituições do Equador e da
Bolívia também dedicam atenção25
. É uma relação que passa por estes e por mais assuntos de
interesse agora constitucional em virtude do reconhecimento dos direitos dos povos
indígenas como direitos próprios e moldados, portanto, ao entendimento de seus sujeitos.
O Estado plurinacional não se limita ao seu simples significado literal de Estado
reconhecidamente formado por uma pluralidade de nações, ele tem objetivo de encontrar
respostas não apenas a formas distintas de pertencimento ao território, mas também a
questões mais amplas, como o racismo e a falta de democracia.26
Bartolomé Clavero afirma que a plurinacionalidade representa um estágio distinto e
cumulativo em relação à multiculturalidade. Não há contradição nem oposição entre
plurinacionalidade de um lado e multi e interculturalidade de outro.27
Elas dialogam, pois os
últimos são imprescindíveis à existência do primeiro conceito.
22
CLAVERO, Bartolomé. Estado plurinacional o bolivariano..., p. 5.
23
VARGAS, Edwar. La Plurinacionalidad: um paradigma de trasnformación social. In: ACOSTA, Alberto;
MARTÍNEZ, Esperanza (Comp.). Plurinacionalidad..., p. 37.
24
ACOSTA, Alberto. El Estado Plurinacional, puerta para una sociedade democrática. In: ACOSTA, Alberto;
MARTÍNEZ, Esperanza (Comp.). Plurinacionalidad..., p. 18. (tradução nossa)
25
V. por exemplo ECUADOR. Constitución de la República del Ecuador. 2008. Disponível em:
http://www.asambleanacional.gov.ec/documentos/constitucion_de_bolsillo.pdf. Acesso em: 12 Abr 2011,
preâmbulo, artigos 71, 250, 259; e BOLIVIA. Constitución de la República de Bolivia. 2009. Disponível
em: http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Bolivia/bolivia09.html. Acesso em: 03 Dez 2011,
preâmbulo e artigo 392.
26
CLAVERO, op. cit., p. 3-6.
27
Ibid., p. 2.
25
A ideia de plurinacionalidade envolve, igualmente, as ideias de pós-colonialidade e
interculturalidade.
Sobre a pós-colonialidade é importante mencionar que constitui o reconhecimento de
que o colonialismo não terminou com a independência dos países colonizados e que entre a
independência e o pós-colonialismo há um período de tempo muito amplo. Por exemplo,
somente 184 anos após a independência, o Brasil reconheceu que é uma sociedade racista e
que necessitava de uma ação afirmativa, um sistema de cotas e discriminação positiva. Até
ali a marginalização social das populações afrodescendentes era considerada um problema de
classe, sem especificidade; agora se reconhece que além de problema de classe, é também
um problema racial e que para combatê-lo é necessária a ação afirmativa. Deve-se
reconhecer o racismo para eliminá-lo.28
As principais ideias trazidas pela pós-colonialidade são: que o Estado não pode ser
culturalmente neutro, porque se é neutro, objetivamente, favorece a cultura dominante; a
necessidade de reconhecimento de direitos coletivos; e a necessidade de um pluralismo
jurídico. Enfim, a ideia de pós-colonialidade significa que se houve uma injustiça histórica,
deverá haver um período transicional em que haja um tempo de discriminação positiva a
favor das populações oprimidas. Isto pode ocorrer através de distribuição de riqueza, atos
políticos, entre outros.29
Por seu turno, a interculturalidade, que será desenvolvida na subseção seguinte deste
estudo, representa a inserção do reconhecimento do multiculturalismo no Estado, podendo ou
não declarar sua plurinacionalidade.
1.1.3 Interculturalidade: um diálogo necessário
Interculturalidade pode ser entendida como “filosofia crítico-cultural, como horizonte
de diálogo equitativo, [...] ‘como reconhecimento do pluralismo cultural [...] em que
nenhuma cultura é um absoluto, senão uma possibilidade constitutivamente aberta a possível
fecundação por outras culturas’”. 30
Apesar de estar sempre relacionada ao multiculturalismo,
ou como uma variante deste, a interculturalidade tem especificidade própria, pois, “tendo em
28
SANTOS, Boaventura de Sousa. Las paradojas de nuestro tempo y la Plurinacionalidad..., p. 38-39.
29
Ibid., p. 40.
30
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico, direitos humanos e interculturalidade. Sequência, n. 53,
2006, p. 120.
26
conta o pluralismo cultural e a nova hermenêutica filosófica, revela-se ‘um horizonte de
diálogo’; define-se, conforme Isidoro Moreno, como ‘um quadro comum de referência
metacultural’ compatibilizando ‘conceitos, estratégias, identificação de problemas, valores e
formas e negociação de cada parte’”.31
Para Ricardo Salas Astrain, a interculturalidade “alude a um tipo de sociedade
emergente, em que as comunidades étnicas, os grupos e classes sociais se reconhecem em
suas diferenças e buscam sua mútua compreensão e valorização”, o que se efetiva por meio
de “instâncias dialogais”.32
O conceito teórico de interculturalidade nasceu nos Estados Unidos, nos anos 60, no
âmbito da educação. Surgiu de uma maior consciência sobre a existência de várias culturas
que conviviam no país, sem nunca ter uma forte inter-relação, cuja resolução requeria um
modelo educativo intercultural que promoveu uma política educativa que favoreceu o
pluralismo cultural. Depois, o debate se estendeu para a Europa na questão social das
culturas locais, minoritárias ou não, e dos imigrantes.33
Atualmente, na América Latina o
conceito foi redefinido pela luta dos povos indígenas pelo reconhecimento de seus direitos
como povos.
A coexistência de culturas diferenciadas requer estratégias de relação intercultural,
pelo que o pluralismo e o multiculturalismo não são imagináveis sem o desenvolvimento de
um diálogo intercultural. Para o antropólogo Miguel Alberto Bartolomé, a interculturalidade
pode ser entendida como o estabelecimento de relações entre membros de diferentes culturas,
bem como mecanismos sociais necessários para atingir uma comunicação eficaz, sem que
nenhum dos participantes seja necessariamente forçado a renunciar à sua singularidade
cultural.34
No âmbito do direito, Otfried Höffe chega a propor um direito intercultural, conceito
desenvolvido por ele a partir do diálogo com as questões penais que envolvam,
31
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico..., p. 120. O autor cita MORENO, Isidoro. Derechos
humanos, ciudadanía e interculturalidad. In: DÍAZ, Emma Martín; SIERRA, Sebatián de la Obra (ed.).
Repensando la ciudadanía. Sevilla: El Monte, 1998, p. 31.
32
SALAS ASTREIN, Ricardo. Ética intercultural e pensamento latino-americano: Problemas e perspectivas
de uma ética intercultural no marco da globalização cultural. In: Encuentro del Corredor de las Ideas, 5.,
2002, Rio Cuarto, Córdoba, Argentina. Anais... Rio Cuarto: UNRC, 2002. Disponível em:
http://juanfilloy.bib.unrc.edu.ar/completos/corredor/corredef/panel/SALASRIC.HTM. Acesso em: 05
Maio 2011.
33
VALAREZO, Galo Ramón. ¿Plurinacionalidad o interculturalidad em la Constitución?. In: ACOSTA,
Alberto; MARTÍNEZ, Esperanza (Comp.).Plurinacionalidad..., p. 133-134.
34
BARTOLOMÉ, Miguel Alberto. Procesos interculturales…, p. 121 e 124.
27
simultaneamente, culturas diferenciadas. O sociólogo afirma que a globalização está
ameaçando um elemento irrenunciável para o ser humano: o pertencimento a grupos
determinados. Isso afeta não só o bem-estar, mas toda a identidade pessoal que ao ser
colocada em perigo ameaça bens jurídicos tão elementares como o direito à religião, à língua
e à cultura próprias.35
Na visão do autor o direito intercultural é aquele que engloba os institutos comuns a
todas as culturas, deduzidos da razão natural comum a todos os seres humanos. Ele assevera
que os direitos humanos e a democracia liberal não são fenômenos específicos europeus ou
ocidentais, pois neles há algo humano e universal.36
O sociólogo defende que há os direitos humanos puros, genuínos e sem acréscimos
específicos e os direitos humanos que já sofreram interferência ocidental, apresentando
particularidades, experiências e até interesses específicos. O autor ainda defende que a
tolerância e o reconhecimento do outro são traços universais da democracia liberal, que
convive numa realidade pluralista. Ele afirma que estes princípios (direitos humanos e
democracia) devem ser universais sem uniformidade, estando abertos às culturas. É o que o
autor chama de estratégia da universalidade moderada37
. Assim, os direitos humanos deixam
transparecer peculiaridades da época e da cultura e também da situação. Eles são princípios
formais que basicamente estão abertos a uma definição material distinta a cada caso. A sua
‘materialização’ depende da cultura e do contexto. 38
Otfried Höffe assinala que a observância dos direitos humanos pelas culturas não
ocidentais só pode ser exigida se lhes é reconhecido um alto grau de independência39
. Ele
35
HÖFFE, Otfried. Derecho intercultural. Trad. de Rafael Sevilla. Barcelona: BEG, 2008, p. 26.
36
Ibid., p. 135. V. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos, democracia e integração regional: os desafios da
globalização. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. 54, p. 221-247, 2000;
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Os direitos humanos como valor universal. Lua Nova, n. 34, p.
179-188, 1994.
37
Joaquin Herrera Flores defende que o universalismo abstrato dos direitos humanos (universalismo de ponto
de partida), que exige uma racionalidade jurídica/formal, assim como o universalismo localista, que exige
uma racionalidade material/cultural (universalismo de retas paralelas), são produtos de visões reducionistas
da realidade e acabam por dogmatizar seus pontos de vista, pois funcionam como um padrão de medidas e
de exclusão. Em razão disso, o autor propõe uma prática intercultural (universalismo de chegada, de
confluência ou de entrecruzamentos), que exige uma racionalidade de resistência, a partir de uma visão
complexa dos direitos, cujo conteúdo advém da incorporação dos diferentes contextos físicos e simbólicos
na experiência do mundo. FLORES, Joaquín Herrera. A (re)invenção dos direitos humanos. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2009, p. 151-170.
38
HÖFFE, op. cit., p. 136-139.
39
Joaquín Herrera Flores salienta que “[r]eivindicar a interculturalidade não se restringe [...] ao necessário
reconhecimento do outro. É preciso, também, transferir poder, ‘empoderar’ os excluídos do processo de
construção da hegemonia. FLORES, op. cit., p. 170.
28
observa, ainda, que a abertura cultural não deve ser observada apenas pelo legislador, mas
especialmente pelos juízes para que possam apreciar o que é justo em casos típicos de
conflitos culturais.40
Para Fernando Antonio de Carvalho Dantas, o diálogo intercultural se configura:
[...] como um “espaço e um instrumento” da nova cidadania indígena, diferenciada,
multicultural, dinâmica, criativa e participativa no sentido de construir os direitos
diferenciados indígenas e, como conseqüência, criar, também, contextos plurais e
heterogêneos onde a convivência democrática possibilite o desenvolver das ações
da vida sem opressão, sem exclusão.
41
Em sua relação com a plurinacionalidade, Boaventura de Sousa Santos lembra que a
interculturalidade não é simplesmente cultural, mas também política e pressupõe uma cultura
comum, uma cultura compartilhada. A cultura compartilhada nas sociedades plurinacionais é
a maneira como cada sociedade organiza sua plurinacionalidade. É assim que as sociedades
vão criando formas de convivência intercultural de maneira específica. O autor destaca que a
plurinacionalidade é mais ampla que a interculturalidade. “Pode haver interculturalidade sem
plurinacionalidade, mas não pode haver plurinacionalidade sem interculturalidade.” 42
Ao contrário, Galo Ramón Valarezo afirma que a plurinacionalidade possui menor
alcance que a interculturalidade. Ele assevera que o alcance e a precisão da interculturalidade
permite uma saída em longo prazo, pois:
a) a interculturalidade reconhece ao mesmo tempo o direito à diferença e à
diversidade, mas enfatiza a necessidade de construir a unidade reconhecendo e
estabelecendo instituições e mecanismos que possibilitem o encontro criativo e
equitativo entre os diferentes;
b) a interculturalidade não permite que os povos indígenas sejam tratados como
minorias, a quem é dado uma parte minúscula do Estado, mas atravessa todas as
normas, instituições e práticas do país; a interculturalidade permite um tratamento
flexível às distintas formas da diversidade, porque se aplica tanto aos territórios
habitados por apenas um povo, como aos compartilhados por vários povos, pois
40
HÖFFE, Otfried. Derecho intercultural..., p. 140-141.
41
DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. A “cidadania ativa” como novo conceito para reger as relações
dialógicas entre as sociedades indígenas e o Estado Multicultural Brasileiro. Hileia, n. 2, 2004, p. 221.
42
SANTOS, Boaventura de Sousa. Las paradojas de nuestro tempo y la Plurinacionalidad..., p. 37 e 38.
(tradução nossa)
29
promove o conhecimento, a convivência, a equidade e a ação criativa entre os
diferentes; e,
c) a interculturalidade oferece uma saída aos povos afrodescendentes e aos mestiços,
para encontrar elementos de unidade com o mundo indígena e converter o problema
da construção de um Estado includente em um problema de todos e não só dos índios.
43
Independentemente da posição adotada, é fato que os conceitos de multiculturalismo,
plurinacionalidade e interculturalidade andam juntos, e muitas vezes são indissociáveis, e
suas ideias refletem a busca por uma cidadania multicultural.
1.1.4 Cidadania multicultural
Will Kymlicka destaca duas manifestações de pluralismo cultural por meio de grupos
intergeracionais que se diferenciam no interior de um Estado por suas culturas diversas:
minorias nacionais e grupos étnicos. As minorias nacionais são grupos que possuem
vínculos históricos com o território, possuíam autogoverno, mas que por alguma razão estão
incorporados a um Estado que possui uma maioria cultural predominante. O exemplo mais
claro de minorias nacionais são os povos indígenas americanos, incorporados a um Estado
devido à invasão e colonização de seu território. Os grupos étnicos são os formados no
interior de um Estado por meio da imigração e que mantém algumas de suas particularidades
étnicas. Estes grupos não são nações e suas especificidades se manifestam fundamentalmente
em sua vida familiar e em associações voluntárias.44
Em todas as democracias liberais um dos principais mecanismos usados para
acomodar as diferenças culturais é a proteção dos direitos civis e políticos dos indivíduos. Os
direitos fundamentais são vistos como instrumento para a proteção das diferenças. Estes
direitos permitem aos indivíduos formarem e manterem grupos e associações distintos que
constituem a sociedade civil, adaptar estes grupos às circunstâncias e, por último, fomentar
suas perspectivas e interesses na totalidade da população.45
43
VALAREZO, Galo Ramón. ¿Plurinacionalidad o interculturalidad em la Constitución?..., p. 126.
44
KYMLICKA, Will. Ciudadanía multicultural…, p. 26 e 31.
45
Esta universalidade da cidadania liberal é criticada por Iris Marion Young em YOUNG, Iris Marion. Polity
and Group Difference: a critique of the ideal of universal citizenship. Ethics, n. 99, p. 250-274, 1989.
30
A proteção que proporciona estes direitos comuns de cidadania é suficiente para
muitas das formas legítimas de diversidade na sociedade. Algumas vezes algumas formas de
diferença cultural apenas podem acomodar-se mediante medidas legais ou constitucionais
especiais, que vão além dos direitos comuns de cidadania. No entanto, algumas formas de
diferenças derivadas do pertencimento a um grupo apenas podem se acomodar se seus
membros possuem alguns direitos específicos como grupo, é dizer, uma “cidadania
diferenciada”, uma cidadania multicultural.46
Os direitos específicos de grupos, como se pode aferir logicamente, são direitos
coletivos. Para Will Kymlicka, existem pelo menos três formas de direitos específicos em
função do grupo de pertencimento: direitos de autogoverno, direitos poliétnicos e direitos
especiais de representação.47
Os direitos de autogoverno podem englobar desde algum tipo de autonomia política
ou territorial, para ter assegurado o pleno e livre desenvolvimento de suas culturas e os
melhores interesses dos seus integrantes, até, no outro extremo, a secessão. O autor aponta o
federalismo como uma possibilidade de oferecer um amplo autogoverno a uma minoria
nacional, pois garantirá sua capacidade de tomar decisões em determinadas áreas sem sofrer
o rechaço da sociedade global. Outro exemplo é o autogoverno vinculado ao sistema de
terras reservadas aos povos indígenas. Nos Estados Unidos, o governo federal transferiu
competências importantes aos conselhos tribais que governam cada reserva, apesar deste
processo não ser muito claro. Em muitas partes do mundo, a esperança de chegar a ter
poderes políticos é praticamente uma utopia e o objetivo mais imediato é simplesmente
assegurar a base territorial existente para que não sofram maiores danos nas mãos de
exploradores de seus recursos. Os direitos de autogoverno não são medidas temporárias ou
meros remédios para alguma forma de opressão. Eles são descritos como direitos intrínsecos,
e, portanto, permanentes, o que constitui uma das razões para que as minorias nacionais
aspirem que sejam contemplados da Constituição.48
46
KYMLICKA, Will. Ciudadanía multicultural…, p. 46. Cidadania diferenciada é uma expressão de Iris
Marion Young em YOUNG, Iris Marion. Polity and Group Difference… Sobre como a cidadania individual
foi usada nos Estados Unidos para destruir a soberania dos povos indígenas e para justificar o fim dos seus
direitos tribais, V. BERGER, Bethany R. The anomaly of citizenship for indigenous rights. In: HERTEL,
Shareen; LIBAL, Kathryn (eds.). Human rights in the United States: beyond exceptionalism. New York,
Cambridge University Press, 2011, p. 217-233.
47
KYMLICKA, op. cit., p. 47.
48
Ibid., p. 48 e 51-52.
31
Os direitos poliétnicos têm como objetivo ajudar aos grupos étnicos e às minorias
religiosas a expressarem suas particularidades e seu orgulho cultural sem que isso
obstaculize seu êxito nas instituições econômicas e políticas da sociedade dominante. Da
mesma forma que os direitos de autogoverno, não são considerados temporários, pois as
diferenças culturais que protegem não são algo que se pretenda eliminar. Medidas
antirracistas não são consideradas no contexto dos direitos poliétnicos e da cidadania
diferenciada em função do grupo, pois se destinam a assegurar o exercício efetivo dos
direitos comuns de cidadania.49
Os direitos especiais de representação refletem a crescente preocupação das
democracias ocidentais para que o processo político seja representativo, no sentido de que
consiga refletir a diversidade da população. As tentativas desta realização incluem eliminar
barreiras que inibem certos grupos, como mulheres, minorias étnicas, pobres, etc., de se
transformarem em candidatos ou dirigentes políticos; adotar formas de representação
proporcional associadas com candidaturas mais abertas e inclusivas; e, reservas de cadeiras
no legislativo aos membros de grupos desfavorecidos. Os direitos de representação derivados
do pertencimento a um grupo muitas vezes são defendidos como resposta a certas
desvantagens ou barreiras sistêmicas presentes no processo político, que impedem que a
opinião destes grupos esteja devidamente representada. Assim, os direitos especiais de
representação seriam uma forma de “ação positiva” política. Este assunto é complexo, pois
os direitos de representação em função do grupo podem se fundamentar em questões de
opressão, mas também como corolário do autogoverno. O direito ao autogoverno de uma
minoria seria gravemente debilitado se algum organismo externo pudesse revisar ou revogar
suas competências unilateralmente, é dizer, sem consultar a minoria nem assegurar seu
consentimento.50
Em suma, a ideia do autor é que a cidadania multicultural inclui além dos direitos
individuais, certos direitos coletivos, ou seja, determinados pelo pertencimento a alguns
grupos.
Para Luis Macas não é correto o uso da expressão cidadania quando se fala em
plurinacionalidade. Ele afirma que pensar que um membro de uma comunidade é um
cidadão, é individualizar as comunidades e os povos, passando por alto os conceitos de
49
KYMLICKA, Will. Ciudadanía multicultural…, p. 52-53.
50
Ibid., p. 53-54.
32
reciprocidade, solidariedade e complementariedade, ficando omissos os direitos internos de
cada povo. Dentro dos povos indígenas, as questões são resolvidas coletivamente. A
cidadania é a relação do Estado com o indivíduo, mas não considera os povos nem as futuras
gerações. Este conceito apenas aprofundaria o individualismo. 51
No entanto, como afirmam Joaquin Herrera Flores e Rafael Rodríguez Pietro, em
primeiro lugar, a cidadania tem a ver com algo mais do que pertencer a um Estado-nação e
sua correspondente legalidade. No mundo contemporâneo existem múltiplos espaços e
legalidades que fazem da cidadania algo mais complexo do que a simples nacionalidade. Em
segundo lugar, a cidadania não outorga algum estado ontológico. Não se é cidadão ou se tem
ou não cidadania. Em terceiro lugar, a cidadania não é um status, é uma técnica, um
instrumento que usado corretamente pode nos permitir exercer a busca e a consolidação de
outros instrumentos ou meios que nos aproximem do objetivo/projeto de autogoverno. 52
Portanto, entende-se que se pode falar em cidadania multicultural, em que são
expressas questões individuais e coletivas, não havendo individualização de forma a
descaracterizar os povos indígenas. Fernando Antonio de Carvalho Dantas usa a
nomenclatura cidadania diferenciada indígena e afirma:
[...] cidadania diferenciada indígena deve expressar um repensar das noções
clássicas de sociedade, de Estado e do direito, e conseqüentemente, do próprio
conceito de cidadania, buscando, dialogicamente, a inserção pela participação
democrática da pluralidade de sujeitos diferenciados indígenas desde seus
contextos e identidades particulares, no contexto maior do Estado. 53
Assim, a cidadania multicultural ou a cidadania diferenciada indígena54
se revela
como a síntese de como um Estado multicultural e plurinacional deve se posicionar para que
seja democrático e equitativo.
A Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos dos Povos
Indígenas55
ao incluir direitos coletivos ao lado de direitos individuais, criou um terceiro
51
MACAS, Luis. Construyendo desde la historia: resistencia del movimento indígena en el Ecuador. In:
ACOSTA, Alberto; MARTÍNEZ, Esperanza (Comp.). Plurinacionalidad…, p. 96.
52
FLORES, Joaquín Herrera; PRIETO, Rafael Rodríguez. Hacía la nueva ciudadanía: consecuencias del uso
de una metodología relacional en la reflexión sobre la democracia. Crítica Jurídica: Revista latinoamericana
de política, filosofia e direito, n. 17, 2000, p. 302-303 apud DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. A
“cidadania ativa”..., p. 220.
53
DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. A “cidadania ativa”..., p. 219.
54
Sobre a ideia de cidadania planetária ambiental, que inclui uma diversidade de identidades, V. SILVA,
Solange Teles da. A emergência de uma cidadania planetária ambiental. In: MARQUES, Claudia Lima;
MEDAUAR, Odete; SILVA, Solange Teles da. O novo direito administrativo ambiental e urbanístico:
estudos em homenagem à Jaqueline Morand-Deviller. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 375-383.
33
status, nem estatal, nem individual, que não é novo nem inconsistente com a igualdade, ao
contrário, ele reflete o respeito mútuo e a dignidade que a igualdade requer56
. Em suma,
parece que a Declaração da ONU respalda uma cidadania diferenciada, multicultural.
Daniel Bonilla Maldonado sugere cinco critérios normativos para amenizar as
disparidades da jurisprudência constitucional colombiana em relação à acomodação
apropriada da diversidade cultural e ampliar a visão tradicional, que podem criar um marco
útil para interpretar os desafios de um país multicultural57
. Estas sugestões podem ser úteis
para os mesmos objetivos no Brasil, que enfrenta desafio multicultural semelhante à
Colômbia.
Os critérios sugeridos são: a) o Estado deve ser imparcial (não neutro) frente às
comunidades culturais; b) a maximização do direito de autogoverno dos povos indígenas; c)
a mínima intervenção do Estado (no autogoverno dos povos indígenas) e a máxima
intervenção da sociedade civil (as melhores soluções para a violação da moral mínima são
aquelas que se originam dentro da comunidade e não as impostas de fora pelo Estado); d) se
quiserem, os membros de povos indígenas devem ter a possibilidade de abandonar sua
comunidade (não devem ser obrigados a obedecer perpetuamente princípios ou práticas que
considerem questionáveis), e e) a transformação dos critérios que governam a coexistência
de diferentes culturas deve realizar-se através de diálogos interculturais. 58
Diante disto, o autor conclui que para
[...] reconhecer e acomodar de forma justa as comunidades indígenas deve-se
interpretar a tensão entre unidade e diversidade cultural de maneira que o direito ao
autogoverno dos povos indígenas seja maximizado e a intervenção do Estado em
seus assuntos internos seja minimizado. A intervenção do Estado só justificável
para neutralizar qualquer ação das autoridades indígenas dirigida a violar os valores
transculturais da vida, integridade cultural e liberdade (interpretados de maneira
não densa). [...] A tensão constitucional deve também ser interpretada de maneira
que se promova diálogos interculturais no caso em que os padrões que governam as
relações intergrupais (e suas regras de interpretação) queiram ser modificados por
alguma das comunidades que existam no país. 59
55
ORGANIZAÇÃO das Nações Unidas. Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos
Indígenas. Disponível em: http://www.un.org/esa/socdev/unpfii/documents/DRIPS_pt.pdf. Acesso em:
02 Maio 2010.
56
BERGER, Bethany R. The anomaly of citizenship for indigenous rights…, p. 229.
57
MALDONADO, Daniel Bonilla. Constitución multicultural..., p. 271.
58
Estes critérios estão explicados em: Ibid., p. 271-282.
59
Ibid., p. 283. (tradução nossa)
34
Após as discussões sobre o multiculturalismo, e outras ideias afins, como contexto da
emergência dos povos indígenas como sujeitos de direitos diferenciados, faz-se necessário
um aprofundamento no conceito de povo indígena, já que é o objeto central deste estudo.
1.2 Povos indígenas: uma análise conceitual
O desenvolvimento de um conceito de povos indígenas60
não é um processo
consensual. Quanto mais o conceito se torna importante, maiores são as controvérsias sobre o
seu significado e implicações legais e políticas.
Um conceito muito restrito pode excluir alguns povos indígenas do manto de
proteção jurídica internacional. De outro lado, não estabelecer um conceito, ou estabelecê-lo
de forma falha, pode levar outros grupos a se intitularem como indígenas apenas para obter o
status legal e a proteção jurídica a ele inerente.
Os povos indígenas são considerados minorias nacionais por Will Kymlicka. Isto por
que eles se encaixariam no conceito de nações, como comunidades históricas, mais ou menos
completas institucionalmente que ocupam um território ou uma terra natal determinada e que
compartilham uma língua e uma cultura diferenciada. No entanto, tentar especificá-los não é
tarefa tão simples.
Por isso, esta seção se dividirá em duas subseções. Na primeira a expressão indígena
será desenvolvida analiticamente. Esta abordagem é muito importante porque examinará os
critérios apontados para identificar os povos indígenas, que em muitos casos, devem estar
bem claros para não excluir povos que possuem características merecedoras da proteção
jurídica oferecida aos povos indígenas.
A segunda subseção examinará sob o mesmo grau de consideração, a expressão
povos. A importância deste aprofundamento se dá principalmente para o fim de esclarecer
que um povo não deve corresponder necessariamente a um Estado, e que reconhecer os
povos indígenas como tais, não lhes dá direito de secessão.
60
V. COOK, Amelia; SARKIN, Jeremy. Who Is Indigenous?: indigenous rights globally, in Africa, and
among the San in Botswana. Tulane Journal of International and Comparative Law, v. 18, n. 1, p. 93-130,
2009.
35
1.2.1 Por que “indígena”?
O termo índio (ou indígena) é sinônimo de nativo, de originário. Esta expressão tem
origem na época da construção do império europeu e da colonização a partir do séc. XVI,
quando os habitantes nativos das “novas terras” foram chamados de aborígenes ou indígenas.
“Na realidade, o termo indígena se refere em geral aos atuais descendentes dos povos que
habitaram os territórios antes da invasão, territórios que agora estão dominados por outros.”61
No entanto, não é possível restringir o conceito de povos indígenas aos povos
originários dos territórios colonizados pelos países europeus a partir do séc. XVI, pois este
passado histórico não é semelhante ao de diversos povos indígenas da Ásia e da África.
Segundo Martinez Cobo, em seu estudo sobre o problema da discriminação contra
populações indígenas para as Nações Unidas, em 1986, comunidades, povos e nações
indígenas são aquelas que têm uma continuidade histórica62
com as sociedades pré-coloniais
que se desenvolveram em seus territórios, se consideram distintas de outros setores da
sociedade agora prevalentes em seus territórios, ou em parte deles. O autor afirma que
atualmente eles formam setores não dominantes da sociedade e estão determinados a
preservarem, desenvolverem e transmitirem para as futuras gerações seus territórios
ancestrais e sua identidade étnica, como base para a continuação de sua existência como
povo, de acordo com seus padrões culturais, instituições sociais e sistemas legais. Ele
menciona ainda que um indivíduo para ser considerado indígena deve se autoidentificar
como membro do grupo (consciência grupal) e ser reconhecido pelo grupo como tal
(aceitação pelo grupo).63
A definição de Martinez Cobo se fundamenta nas características da
autoidentificação e do conjunto comum de aspirações e reivindicações. Tal definição não é
61
ANAYA, James. Los pueblos indígenas en el derecho internacional. Madrid: Trotta, 2005, p. 24 “En la
actualidade, el término indígena se refiere en general a los actuales descendientes de los pueblos que
habitaban los territorios antes de la invasión, territorios ahora dominados por otros.” (tradução nossa)
62
A continuidade histórica, segundo o relator, pode consistir na continuação, por um longo período até o
presente, de um ou mais dos seguintes fatores: a) ocupação territorial, b) ancestralidade com os ocupantes
originais da terra, c) cultura em geral ou em manifestações específicas, d) língua, e) estar em certas partes
do país ou do planeta, f) outros fatores relevantes. COBO, José R. Martínez. Final report of Study of the
Problem of Discrimination Against Indigenous Populations. Third part. E/CN.4/Sub.2/1983/21/Add.).
ONU, 1983, p. 50-51, par. 380. Este relatório foi elaborado pelo relator especial da ONU José R. Martinez
Cobo, sendo conhecido, inclusive, como “o estudo de Martinez Cobo”, como se vê no sítio da ONU na
internet: http://social.un.org/index/IndigenousPeoples/Library/Mart%C3%ADnezCoboStudy.aspx.
Acesso em: 31 Jan 2012, pelo que optou-se por citar o relator como autor do texto, ao invés da ONU.
63
Ibid., par. 375 e 379.
36
sobre identificar quais grupos deveriam ou devem ser considerados indígenas, mas sobre
entender quais grupos compartilham características e interesses em comum com aqueles que
se autointitulam indígenas.64
O passado colonial não deve ser conditio sine qua non para a caracterização de um
povo como indígena. Povo indígena tem conotações e significados muito mais amplos do
que a questão de quem “veio primeiro”. Atualmente é uma expressão e um movimento
global de luta por direitos e justiça para aqueles grupos que foram deixados à margem do
desenvolvimento e que são percebidos negativamente pelos atuais paradigmas dominantes de
desenvolvimento, cujas culturas e modos de vida estão sujeitos à discriminação e desprezo e
cuja própria existência está sob risco de extinção. 65
Tampouco se pode afirmar que todos os povos indígenas constituem setores não
dominantes da sociedade. Na Bolívia, por exemplo, os Quechua e outros povos indígenas
constituem de 51 a 71% da população. Os Fijianos são aproximadamente 51% da população
de Fiji e o povo Inuit constitui mais de 80% da população da Groelândia. 66
Na esfera jurídica brasileira encontra-se referência legal a uma definição de índio e de
comunidade indígena na Lei n.º 6.001/73, o Estatuto do Índio:
Art. 3º, I – Índio ou Silvícola – É todo indivíduo de origem e ascendência pré-
colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico
cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional;
II – Comunidade Indígena ou Grupo Tribal – É um conjunto de famílias ou
comunidades índias, quer vivendo em estado de completo isolamento em relação
aos outros setores da comunhão nacional, quer em contatos intermitentes ou
permanentes, sem contudo estarem neles integrados. 67
Apesar de estar contido em uma legislação parcialmente não recepcionada pela
Constituição Federal de 1988, este ainda é o único dispositivo que tenta fazer tal definição.
Nas palavras de Manuela Carneiro da Cunha, “estas definições pecam pela lógica e
antropologicamente [...]; misturam critérios heterogêneos e se prestam a ser mal
64
ANAYA, James. International human rights and indigenous peoples. New York, Aspen Publishers, 2009,
p. 28.
65
Ibid., p. 33. V. BOWEN, John R. Should we have a universal concept of 'indigenous peoples' rights'?:
ethnicity and essentialism in the twenty-first century. Anthropology Today, v. 16, n. 4, p. 12-16, 2000.
66
CORNTASSEL, Jeff J. Who is indigenous? ‘Peoplehood’ and ethnonationalist approaches to rearticulating
indigenous identity. Nationalism and Ethnic Politics, v. 9, n. 1, 2003, p. 89.
67
BRASIL. Lei n.º 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Estatuto do Índio. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6001.htm. Acesso em: 22 Fev 2010.
37
interpretadas”68
. A autora explica que a origem e a ascendência pré-colombiana não devem
ser entendidas como um critério biológico ou definidor de uma raça, já que a própria
existência de raças humanas é contestada. Também não deve ser entendida no sentido de
genealogia, pois esta só pode ser provada em um pequeno número de gerações. Elas devem
ser entendidas como a consciência de um vínculo histórico com comunidades pré-
colombianas, que é transmitida dentro do grupo. O critério cultural deve ser interpretado de
forma a excluir o entendimento de que a cultura é uma característica primária e de que deve
ser obrigatoriamente a cultura ancestral. Em primeiro lugar porque a cultura é produto do
grupo e não o inverso, e em segundo por que a cultura é um processo dinâmico, tendo em
vista interações com outros grupos, adaptações sociais e ecológicas etc. “Em suma, traços
culturais poderão variar no tempo e no espaço, como de fato variam, sem que isso afete a
identidade do grupo”.69
O importante é que os povos indígenas possuem características culturais distintas
que os diferenciam da maioria da sociedade em que vivem. 70
Mas a definição legal do Estatuto do Índio traz um importante aspecto, a identificação
por si e pelos outros, correto do ponto de vista antropológico, e que engloba os outros dois
aspectos (origem pré-colombiana e identidade cultural). Isso significa que apenas a
comunidade indígena pode decidir quem são seus membros. Manuela Carneiro da Cunha
afirma, nesse sentido, que “Comunidades indígenas são aquelas que se consideram
segmentos distintos da sociedade nacional em virtude da consciência de sua continuidade
histórica com sociedades pré-colombianas.”71
Também se deve ter cuidado ao vincular os povos indígenas com as sociedades pré-
colombianas, já que este é um contexto unicamente americano e os povos indígenas existem
por todo o globo. Por isso, a Convenção n.º 169 da OIT se refere também aos povos tribais,
para não deixar qualquer dúvida quanto ao seu alcance.
Por outro lado, a expressão silvícola designa aquele que vive ou nasce na selva e é
totalmente inadequada porque o que faz de alguém indígena não é o fato de viver ou ter
68
CUNHA, Manuela Carneiro da. Os direitos do índio: ensaios e documentos. São Paulo: Brasiliense, 1987,
p. 23.
69
Ibid., p. 23-25.
70
GRUPO de Trabalho sobre Populações Indígenas. Note by the Chairperson-Rapporteur of the Working
Group on Indigenous populations, Ms. Erica-Irene Daes, on criteria which might be applied when
considering the concept of indigenous peoples. E/CN.4/Sub.2/AC.4/1995/3. ONU, 1995, p. 6.
71
CUNHA, op. cit., p. 25 e 26.
38
nascido na selva,72
mas o vínculo histórico com um povo que se autoidentifica no âmbito
social, político e cultural. Ademais, a população indígena urbana no Brasil em 2010 era de
mais de 315 mil indivíduos. 73
A Convenção nº 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais define povos
indígenas em seu artigo 1.1.b:
[...] povos em países independentes, considerados indígenas pelo fato de
descenderem de populações que habitavam o país ou uma região geográfica
pertencente ao país na época da conquista ou da colonização ou do estabelecimento
das atuais fronteiras estatais e que, seja qual for sua situação jurídica, conservam
todas as suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas, ou
parte delas. 74
O texto da referida Convenção também dispõe que: “A consciência de sua
identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para
determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção.”75
Em suma estabelece os seguintes critérios: a) estar em país independente; b)
descender de povos que habitavam o local antes da colonização ou estabelecimento das
fronteiras atuais; c) possuir instituições sociais, econômicas, culturais ou políticas próprias;
e, d) autoidentificação.
A Declaração sobre Povos Indígenas da ONU76
é silente quanto a uma definição.
Entretanto, James Anaya afirma que a Declaração não define, mas deixa claro quais são as
características dos grupos a que é dirigida e as questões que são comuns a eles. A Declaração
tem uma orientação programática e tende a tornar a questão da definição em algo mais do
que descrever quais grupos, num sentido prático, são relevantes para o foco programático, e
vice-versa, algo mais do que uma questão de primeiro descrever abstratamente quais grupos
se qualificam como indígenas, e implicitamente quais não, e em seguida atribuir-lhes
direitos.77
No seu preâmbulo, especialmente nos parágrafos 5, 6, 7 e 11, fica explícito que a
72
POVOS Indígenas do Brasil: quem são. Instituto Socioambiental (ISA). Disponível em:
http://Pib.Socioambiental.Org/Pt/C/No-Brasil-Atual/Quem-Sao/Povos-Indigenas. Acesso em: 12 Out
2010.
73
INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística. Os indígenas no Censo Demográfico 2010..., p. 12.
74
BRASIL. Decreto n.º 5051, de 19 de abril de 2004. Convenção n.º 169 da Organização Internacional do
Trabalho – OIT sobre os povos indígenas e tribais. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5051.htm. Acesso em: 22 Fev 2010,
artigo 1.2.
75
Ibid., artigo 1.1.b.
76
ORGANIZAÇÃO das Nações Unidas. Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos
Indígenas...
77
ANAYA, James. International human rights and indigenous peoples…, p. 29.
39
Declaração é dirigida à proteção de grupos que possuem algumas características como
organização, instituições políticas e econômicas, cultura, crenças, costumes e língua que se
diferem das características da sociedade dominante, além de compartilharem uma
experiência comum de marginalização e discriminação profundamente enraizada em eventos
históricos.
Um conceito estrito de povo indígena não é necessário nem desejável, assim como
um conceito muito amplo e flexível. É muito mais relevante e construtivo tentar delinear as
principais características, que podem ajudar a identificar quem são os povos indígenas,
especialmente na África e na Ásia.
James Anaya aponta como principais características dos povos que se identificam
como indígenas78
a) culturas e modos de vida consideravelmente diferenciados da sociedade
dominante; b) cultura sob ameaça, em alguns casos, de extinção; c) sobrevivência deste
modo de vida diferenciado depende do acesso e direito às suas terras tradicionais e seus
recursos naturais; d) sofrem discriminação; e) frequentemente vivem em lugares de difícil
acesso, geograficamente isoladas; f) sofrem marginalização política e social; g) estão sujeitos
à dominação e à exploração dentro da política e estrutura econômica nacional, que refletem
os interesses e atividades da maioria. 79
Para Laura Westra, o papel vital do meio ambiente, apenas presente em grupos que
dependem da terra, agregado à localização (longe dos centros de poder), à miséria e à falta de
poder, torna imperativa a extensão da proteção que eles precisam, sem se prender à
semântica para distinguir povos locais de outros povos indígenas. Dessa forma, para Laura
Westra, a expressão grupos ou povos indígenas deve ser interpretada para incluir todas as
minorias locais que dependam da terra, que não fizeram parte da conquista imperial, como os
Inuit do Ártico, os aborígenes da Austrália, os Maori da Nova Zelândia e povos tribais
africanos, pois eles convergem num único conceito que é a sua conexão com a terra.80
A autora lista algumas características que unificam todos estes povos e possibilita
que sejam cobertos pelo conceito de povos indígenas: a) eles se veem como povos distintos;
78
Vários povos da África que não sofreram um passado de colonização européia se identificaram como povos
indígenas e aderiram ao movimento internacional pelos direitos dos povos indígenas. Por isso, a
argumentação de Anaya para indicar características que superem o critério histórico-colonial que o termo
indígena invocava.
79
ANAYA, James. International human rights and indigenous peoples…, p. 34.
80
WESTRA, Laura. Environmental justice and the rights of indigenous peoples. London: Earthscan, 2008, p.
20-21.
40
b) habitam seus territórios desde tempos imemoriais; c) possuem uma língua, uma religião e
uma cultura comuns; d) se veem como curadores do meio ambiente; e) se definem, pelo
menos em parte, por meio do habitat que os provê; f) possuem formas tribais ou
comunitárias de relações sociais e de gestão dos recursos; g) possuem identidade relacionada
com suas terras; e h) veem o ecossistema que habitam ou habitaram tradicionalmente com
significado religioso.81
A relação harmoniosa com o meio natural é tão importante quanto a
autoidentificação para delinear uma definição de povos indígenas.
O relatório da Comissão de Direitos Humanos na ONU sobre o relacionamento dos
povos indígenas com a terra sintetizou alguns elementos que são únicos para os povos
indígenas: a) profundo relacionamento existente com suas terras, territórios e recursos; b)
este relacionamento tem várias dimensões e responsabilidades sociais, culturais, espirituais,
econômicas e políticas; c) a dimensão coletiva deste relacionamento é significante; e, d) o
aspecto intergeracional deste relacionamento é também crucial para a identidade,
sobrevivência e viabilidade cultural dos povos indígenas.82
Um dos problemas apontados pelo relatório em relação a este relacionamento é a
falha dos Estados em proteger a integridade ambiental das terras e territórios indígenas. Isto
envolve tanto problemas ambientais globais como iniciativas de desenvolvimento nacional.83
O relacionamento profundo e altamente complexo e sensível que os povos indígenas têm
com suas terras e recursos deve ser considerado na proteção da integridade do seu meio
ambiente da degradação.
Jeff J. Corntassel propôs uma definição de povos indígenas que inclui quatro
conceitos entrelaçados:
a) Povos que acreditam que são ancestralmente aparentados e se identificam, com
base em histórias orais ou escritas, como descendentes dos habitantes originários das
suas terras natais ancestrais;
b) Povos que podem, mas não necessariamente, ter instituições políticas, econômicas
e sociais, formais e/ou informais, que tendem a ser baseadas na comunidade e
81
WESTRA, Laura. Environmental justice and the rights of indigenous peoples…, p. 20.
82
ORGANIZAÇÃO das Nações Unidas. Indigenous peoples and their relationship to land: Final working
paper. Relatora: Erica-Irena A. Daes. E/CN.4/Sub.2/2001/21. ONU, 2001, p. 9.
83
Ibid., p. 25.
41
refletem seus ciclos cerimonias distintos, redes de parentesco e tradições culturais em
constante desenvolvimento;
c) Povos que falam (ou falaram) uma língua indígena, geralmente distinta da língua
da sociedade dominante – mesmo onde a língua indígena não é falada, dialetos
distintos ou expressões exclusivamente indígenas podem perdurar como uma forma
de identidade indígena;
d) Povos que se distinguem da sociedade dominante e/ou outros grupos culturais,
enquanto mantem uma relação muito próxima com suas terras natais e sítios sagrados,
que podem estar ameaçados pela contínua invasão militar, econômica ou política, ou
podem ser lugares onde os povos indígenas foram anteriormente expulsos, enquanto
buscam realçar sua autonomia política, econômica e cultural. 84
O autor assinala que as características apontadas podem não ser cumulativas, pelo que
podem ser incluídos os povos indígenas que representam parcela majoritária da sociedade em
que estão inseridos. Ele explica que manteve a questão da não dominação, porque isto é um
dado comum à grande maioria dos povos indígenas no mundo. 85
A busca por um conceito global não permite que vários critérios sejam considerados
determinantes, como é caso do passado colonial e da ascendência pré-colombiana. Assim, as
principais características globais dos povos indígenas são resumidas em: a)
autoidentificação; b) distintividade cultural e social; c) profundo relacionamento com suas
terras e seus recursos naturais; e d) continuidade histórica.
Tão importante quanto identificar as principais características que permitem a
identificação como indígena, é demonstrar porque os povos indígenas devem ser
considerados povos, sendo este o objeto da próxima subseção.
84
CORNTASSEL, Jeff J. Who is indigenous? ‘Peoplehood’..., p. 91-93. Neste artigo, o autor analisa e critica
diversos conceitos/critérios apresentados por estudiosos, instituições intergovernamentais e instituições
indígenas, para ao final sugerir estes critérios de definição de povos indígenas.
85
Ibid., p. 93.
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  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO AGROAMBIENTAL OS DIREITOS AMBIENTAIS DOS POVOS INDÍGENAS ELLEN CRISTINA OENNING ROMERO CUIABÁ 2012
  • 2. ELLEN CRISTINA OENNING ROMERO OS DIREITOS AMBIENTAIS DOS POVOS INDÍGENAS Dissertação apresentada como exigência parcial do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito Agroambiental da Universidade Federal de Mato Grosso, sob orientação do Prof. Dr. Patryck de Araújo Ayala CUIABÁ 2012
  • 4. 371
  • 6. 8
  • 10. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AGROAMBIENTAL Avenida Fernando Corrêa da Costa, 2367 - Boa Esperança - Cep: 78060900 -CUIABÁ/MT FOLHA DE APROVAÇÃO TÍTULO : OS DIREITOS AMBIENTAIS DOS POVOS INDÍGENAS AUTOR : Mestranda ELLEN CRISTINA OENNING ROMERO Dissertação defendida e aprovada em 24/08/2012. Composição da Banca Examinadora: _____________________________________________________________________________ ____________ Presidente Banca / Orientador Doutor PATRYCK DE ARAUJO AYALA Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO Examinador Interno Doutor CARLOS TEODORO JOSÉ HUGUENEY IRIGARAY Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO Examinador Externo Doutora SOLANGE TELES DA SILVA Instituição : Universidade Presbiteriana Mackenzie CUIABÁ,24/08/2012.
  • 11. Dedico ao meu filho Gabriel e ao meu esposo Robson, com todo o meu amor
  • 12. Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Patryck de Araújo Ayala, pelo imenso apoio que tornou este estudo possível Agradeço aos professores do Programa de Pós Graduação em Direito Agroambiental, pela incrível quantidade de conhecimento transferido Agradeço aos colegas das primeira e segunda turmas do Mestrado em Direito Agroambiental, pela adorável convivência e pelo aprendizado proporcionado Agradeço à Secretaria do Mestrado, em especial o servidor Gabriel Plácido de Barros, pela atenção e prontidão Agradeço a Maria Solange Grein pela ajuda na Biblioteca da Justiça Federal-MT Agradeço aos colegas da 5ª Vara Federal-MT, especialmente ao Dr. José Pires da Cunha, eterno chefe, pelo imenso apoio Agradeço à minha família pela compreensão da minha ausência do convívio diário
  • 13. [...] temos o direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza. Boaventura de Souza Santos A Mãe Terra é a fonte da vida que se requer proteger, não como um recurso para ser explorado e mercantilizado como “capital natural”. Temos nosso lugar e nossas responsabilidades dentro da ordem sagrada da Criação. Sentimos a alegria sustentadora quando as coisas ocorrem em harmonia com a Terra e com toda a vida que cria e sustenta. Sentimos a dor da falta de harmonia quando somos testemunhas da desonra da ordem natural da Criação e da colonização econômica e contínua, assim como a degradação da Mãe Terra e toda a vida nela. Declaração KARI‐OCA 2 - Conferência Mundial dos Povos Indígenas sobre Rio+20 e a Mãe Terra
  • 14. RESUMO A análise do direito fundamental ao meio ambiente e dos direitos dos povos indígenas em conjunto permite a construção de uma noção de direitos ambientais dos povos indígenas. Isto porque, direitos ambientais é uma construção muito mais ampla que o conteúdo delimitado ao direito fundamental ao meio ambiente insculpido na Constituição brasileira, no artigo 225. No caso dos direitos ambientais dos povos indígenas, propõe-se uma relação direta entre os direitos associados ao artigo 231 da Constituição e aquelas realidades existenciais enumeradas sob a proteção do artigo 225. O estudo se propõe a construir uma noção de direitos ambientais dos povos indígenas, sob enfoque constitucional. Justifica-se a opção aqui realizada para o fim de se demonstrar que a proteção conferida aos povos indígenas que se encontrasse limitada aos direitos territoriais ou culturais expressos no artigo 231 seria uma proteção incompleta e imperfeita se não fosse possível reconhecer que o artigo 225 supõe uma proteção que se estende além do meio ambiente natural. Propõe-se que o texto do artigo 225 precisa ser compreendido como uma referência aberta à comunicação com outras realidades conexas, para o fim de assegurar a proteção de realidades existenciais mais alargadas, e que possuem os recursos naturais como vetor de um modelo diferenciado de desenvolvimento humano. A construção da definição de direitos ambientais dos povos indígenas é o resultado de uma arquitetura jurídica aberta que propicia uma composição entre experiências jurídicas, que reforçam, definem, esclarecem e aperfeiçoam a experiência nacional, ao ponto de viabilizar e proporcionar que se possa propor a proteção de direitos especiais, como os direitos ambientais dos povos indígenas. Chega-se a definição de que os direitos ambientais dos povos indígenas constituem um complexo de direitos interdependentes ligados à proteção do bem viver dos povos indígenas, no contexto da realização de seus projetos existenciais, noções estas intimamente conectadas ao meio ambiente sadio, direito fundamental insculpido na Constituição brasileira. Por fim, analisam- se como os direitos ambientais dos povos indígenas são tratados nas experiências jurídicas nacionais e como eles poderiam oferecer uma proteção completa e suficiente se fossem observadas certas experiências jurídicas externas. PALAVRAS CHAVE: DIREITO AGROAMBIENTAL; DIREITO CONSTITUCIONAL; POVOS INDÍGENAS; DIREITO FUNDAMENTAL; MEIO AMBIENTE; PROJETO DE VIDA
  • 15. ABSTRACT The analysis of the fundamental right to the environment and the rights of indigenous peoples together allows the construction of a concept of environmental rights of indigenous peoples, because environmental rights is a building much larger than the enclosed content to the fundamental right to the environment seated in the Brazilian Constitution, in Article 225. In the case of environmental rights of indigenous peoples, it’s proposed a direct relationship between the rights associated with the Article 231 of the Constitution and those existential realities listed under the protection of Article 225. The study proposes to construct a notion of environmental rights of indigenous peoples, under the constitutional approach. The choice made here is justified by the aim to show that the protection offered to indigenous peoples limited by the territorial and cultural rights expressed in Article 231 would be an imperfect and incomplete protection if it was not possible to recognize that Article 225 assumes a protection that extends beyond the natural environment. It is proposed that the text of Article 225 must be understood as an open reference to communication with other realities related to the purpose of ensuring the protection of broader existential realities, and that possess the natural resources as a vector of a differentiated model of human development. The construction of the definition of environmental rights of indigenous peoples is the result of an open architecture that provides a legal composition of legal experience, which strengthen, define, clarify and refine the national experience, to enable and provide that it can be to proposed special rights’ protection, such as environmental rights of indigenous peoples. It’s reached the definition that the environmental rights of indigenous peoples constitute a complex of interdependent rights relating to the protection of the good life of indigenous peoples in the context of existential realization of their projects, these notions are closely connected to the healthy environment, a fundamental right inserted in the Brazilian Constitution. Finally, it’s analyzed how the environmental rights of indigenous peoples are addressed in national legal experience and how they could offer a complete and sufficient protection if they observed certain external legal experience. KEYWORDS: AGROENVIRONMENTAL LAW; CONSTITUCIONAL LAW; INDIGENOUS PEOPLES; FUNDAMENTAL RIGHT; ENVIRONMENT; LIFE’S PROJECT
  • 16. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 10 1 MULTICULTURALISMO: O CONTEXTO DA SOCIODIVERSIDADE ................ 16 1.1 Multiculturalismo, plurinacionalidade e interculturalidade...................................... 17 1.1.1 Multiculturalismo: realidade e teoria ........................................................................................................ 18 1.1.2 Estado Pluricultural e Plurinacional ......................................................................................................... 22 1.1.3 Interculturalidade: um diálogo necessário ................................................................................................ 25 1.1.4 Cidadania multicultural ............................................................................................................................. 29 1.2 Povos indígenas: uma análise conceitual...................................................................... 34 1.2.1 Por que “indígena”?.................................................................................................................................. 35 1.2.2 Por que “povo”?........................................................................................................................................ 42 2 O DIÁLOGO ENTRE EXPERIÊNCIAS JURÍDICAS COMO FONTE DE REFERÊNCIAS PARA A CONSTRUÇÃO DA NOÇÃO DE DIREITOS AMBIENTAIS DOS POVOS INDÍGENAS....................................................................... 46 2.1 Constitucionalismo global e a abertura a experiências jurídicas externas ............... 47 2.1.1 Constitucionalismo global.......................................................................................................................... 48 2.1.2 O transconstitucionalismo como veículo de comunicação entre as experiências jurídicas....................... 54 2.1.3 A comunicação entre ordens constitucionais e a ordem internacional na proteção dos direitos humanos58 2.2 Os direitos de bem viver e o direito a um projeto de vida .......................................... 69 2.2.1 O novo constitucionalismo latinoamericano e os direitos de bem viver .................................................... 69 2.2.2 Direito a um projeto de vida coletivo......................................................................................................... 75 2.3 A construção de uma noção de direitos ambientais dos povos indígenas.................. 81 2.3.1 Os direitos dos povos indígenas................................................................................................................. 81 2.3.2 Os direitos ambientais dos povos indígenas............................................................................................... 86 3 OS DIREITOS AMBIENTAIS DOS POVOS INDÍGENAS NA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA ................................................................................. 95 3.1 O mínimo existencial ecológico e o direito à terra indígena ....................................... 97 3.2 Integridade cultural e ecológica: convergência para uma proteção recíproca....... 103 3.2.1 Integridade cultural e direito à terra indígena na experiência jurídica brasileira.................................. 104 3.2.2 Referências para o diálogo da ordem jurídica brasileira com a jurisprudência internacional de direitos humanos ............................................................................................................................................................ 107 3.3 Terra Indígena Raposa Serra do Sol: as condições restritivas fixadas pelo STF aos direitos indígenas e a necessidade de diálogo com outras experiências jurídicas......... 114 3.3.1 Autodeterminação: negação em nome da soberania estatal .................................................................... 115 3.3.2 Participação e consulta: direitos invisíveis.............................................................................................. 118 3.3.3 Direito à terra e aos recursos naturais .................................................................................................... 126 3.4 O caso da usina Hidrelétrica Belo Monte................................................................... 135 3.4.1 A (in)constitucionalidade do Decreto Legislativo n.º 788/2005............................................................... 138 3.4.2 A distorção dos direitos à consulta e ao consentimento........................................................................... 143
  • 17. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................. 149 REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 153
  • 18. 10 INTRODUÇÃO O século XX foi marcado no Brasil pelo grande avanço constitucional. Dentre as inúmeras conquistas estão dois interesses mundialmente discutidos que foram reconhecidos na Constituição brasileira vigente: o direito fundamental ao meio ambiente e os direitos dos povos indígenas. Primeiramente, faz-se necessário destacar que este estudo usa a terminologia povos indígenas em dimensão específica e desvinculada da noção tradicionalmente assentada na teoria do Estado em substituição às definições de grupos, comunidades, populações, sociedades ou outros. Nesta investigação, a definição de povos refere-se a segmentos nacionais com identidade e organizações próprias, cosmovisão específica e relação especial com a terra que habitam, características estas que se amoldam perfeitamente aos povos indígenas. Posto isto, o uso da expressão povos indígenas neste estudo se justifica pelo fato de ser possível a identificação daquelas características, além de ser essa a orientação firmada em importante instrumento internacional de proteção dos direitos humanos, a Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ressalte-se que um povo não corresponde necessariamente a uma identidade nacional, e reconhecer os povos indígenas como tais não lhes confere o direito à secessão. A análise do direito fundamental ao meio ambiente e dos direitos dos povos indígenas em conjunto permite a construção de uma noção de direitos ambientais dos povos indígenas. Isto porque, direitos ambientais é uma construção muito mais ampla que o conteúdo delimitado ao direito fundamental ao meio ambiente insculpido na Constituição brasileira, no artigo 225. No caso dos direitos ambientais dos povos indígenas, propõe-se uma relação direta entre os direitos associados ao artigo 231 da Constituição e aquelas realidades existenciais enumeradas sob a proteção do artigo 225. Justifica-se a opção aqui realizada para o fim de se demonstrar que a proteção conferida aos povos indígenas que se encontrasse limitada aos direitos territoriais ou culturais expressos no artigo 231 seria uma proteção incompleta e imperfeita se não fosse possível reconhecer que o artigo 225 supõe uma proteção que se estende além do meio ambiente natural. Propõe-se que o texto do artigo 225 precisa ser compreendido como uma referência aberta à comunicação com outras realidades conexas, para o fim de assegurar a proteção de realidades existenciais mais alargadas, e que
  • 19. 11 possuem os recursos naturais como vetor de um modelo diferenciado de desenvolvimento humano. Por meio dessa compreensão integrada entre as relações culturais, territoriais, espirituais e ecológicas viabilizada pelo âmbito de proteção dos dois direitos fundamentais, sustenta-se a possibilidade de se visualizar não mais direitos originários de povos indígenas, limitados ao conteúdo do artigo 231, da Constituição, mas direitos ambientais dos povos indígenas, oriundos da combinação entre os dois âmbitos de proteção dos dispositivos já referidos. O direito ambiental surge, primeiramente, como uma preocupação com a qualidade de vida diante dos riscos gerados pela degradação ambiental e da escassez de recursos naturais úteis aos interesses humanos. O reconhecimento do direito ao meio ambiente, e em contrapartida ao desenvolvimento, trouxe a lume o grande desafio de compatibilizar ambos os conceitos e alcançar êxito com um desenvolvimento ambientalmente sadio e sustentável, que promova o bem-estar humano e a participação, negando concepções meramente economicistas de desenvolvimento. Assim, a preocupação com a qualidade ambiental foi reconhecida como direito fundamental na Constituição brasileira de 1988, como uma projeção mais alargada do direito à vida, já que a proteção da qualidade ambiental tem como principal objetivo proteger a qualidade de vida, além de ter ganhado conteúdo próprio por assegurar realidades de proteção de maior complexidade e autônomas, com a proteção de todas as formas de vida, incluídas a dos animais não humanos. Em relação aos povos indígenas, o direito ao meio ambiente se torna ainda mais sensível, levando em consideração que estes povos, sua cultura e meios de subsistência estão intimamente ligados às suas terras e recursos naturais. Neste contexto, a degradação ambiental nas terras indígenas é devastadora. Nos países cujas economias se centram na exploração de recursos naturais, como o Brasil, em grande parte, a pressão pela exploração dos recursos ambientais das terras indígenas é muito forte. Estudar os direitos ambientais dos povos indígenas é importante tendo em vista a relação de íntima dependência e indissociabilidade dos povos indígenas com o meio ambiente e com as terras que tradicionalmente habitam. A destruição do meio ambiente implica no extermínio de um elemento da existência dos povos indígenas que não é
  • 20. 12 meramente físico, é também simbólico, é substrato de sua subsistência física, cultural, social, política e espiritual. O meio ambiente, para os povos indígenas, é um elemento insubstituível de uma relação muito particular que é o traço caracterizador desses povos. Muito mais que provedor dos elementos necessários à sua sobrevivência biológica, o meio ambiente faz parte do povo e o povo faz parte do meio ambiente, que permeia seus modos de ser, fazer e viver coletivos e a sua religiosidade. Em suma, o projeto de vida dos povos indígenas é calcado no meio ambiente em que vivem e este projeto não tem limitação temporal, é infinito. Assim, o objetivo geral do trabalho é propor a possibilidade de definição dos direitos ambientais dos povos indígenas, sob a perspectiva da ordem constitucional brasileira. A construção desta definição é o resultado de uma arquitetura jurídica aberta que propicia uma composição entre experiências jurídicas, que reforçam, definem, esclarecem e aperfeiçoam a experiência nacional, ao ponto de viabilizar e proporcionar que se possa propor a proteção de direitos especiais. Atualmente, é possível dizer que os povos indígenas gozam de uma ampla proteção jurídica. Esta proteção advém de todos os instrumentos constitucionais no contexto de uma leitura baseada na construção de um constitucionalismo global - constituições estatais e instrumentos internacionais de direitos humanos, onde se incluem os instrumentos sobre meio ambiente -, e as fontes normativas nacionais. Os direitos dos povos indígenas constituem um complexo jurídico, em que os direitos são todos dependentes entre si e essenciais à existência e identidade destes povos. Os direitos ambientais dos povos indígenas se relacionam com a proteção do bem viver e a realização de seus projetos existenciais, num aspecto físico-ambiental que reflete também nos aspectos cultural, espiritual e social. A proposta deste estudo não é a de realizar leituras seccionadas de realidades protegidas, mas reforçar que a única leitura possível para os povos indígenas é a da indivisibilidade entre o meio ambiente e seu bem-estar. Esta leitura serve para aperfeiçoar o próprio sentido do direito ambiental e da proteção do meio ambiente, sob uma ótica moderada de antropocentrismo e ecocentrismo. Assim, os direitos ambientais dos povos indígenas reforçam a construção geral do direito (fundamental) ao meio ambiente, que só pode ser concebido como efeito dessa relação de indivisibilidade entre o meio ambiente, o bem estar e a qualidade de vida.
  • 21. 13 Para atingir este objetivo, foram delineados alguns pontos específicos (variáveis) a serem analisados: o multiculturalismo, o diálogo entre experiências jurídicas externas e os direitos ambientais dos povos indígenas na experiência jurídico-constitucional brasileira. Assim, o estudo se desenvolverá em três capítulos. Para o desenvolvimento da pesquisa, foi utilizado o método de abordagem dedutivo, com suporte em pesquisas bibliográficas e monográficas específicas sobre diversos temas, além de pesquisas normativas e jurisprudenciais, tanto nacionais, quanto estrangeiras e internacionais. O referencial teórico será respaldado por uma bibliografia nacional e estrangeira, destacando-se os autores Will Kymlicka, Ottfried Höfe, David Law, Valerio de Oliveira Mazzuoli, Marcelo Neves, Laura Westra, James Anaya, Bartolomé Clavero, Erik Jayme, Patryck de Araújo Ayala, Carlos Frederico Marés de Souza, entre os principais responsáveis pela formação do marco teórico da pesquisa. A relevância desta pesquisa está no fato de que tal temática é pouco estudada no Brasil, motivo pelo qual não há um acervo bibliográfico significativo em língua portuguesa. Este cenário é visível principalmente no Estado de Mato Grosso, em que 1,4% da população (mais de 42.500 pessoas) se autodeclara indígena1 , e que possui 15% do território ocupado por 74 terras indígenas legalizadas ou não2 . O primeiro capítulo pretende expor o contexto em que os povos indígenas emergem como sujeitos de direito e trará uma análise conceitual da expressão povos indígenas. Tratará do multiculturalismo, da plurinacionalidade e da interculturalidade como realidades existentes principalmente na América Latina, que subsidiam o surgimento de referências para a construção de uma noção de cidadania multicultural. Do contexto do multiculturalismo, em que se reconhece a realidade de pluralidade cultural e se propõe a afirmar o reconhecimento de direitos coletivos derivados desta realidade, emerge um conceito diferenciado de nação, como sinônimo de povo, compreendido como uma comunidade histórica, mais ou menos completa institucionalmente 1 INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística. Os indígenas no Censo Demográfico 2010: primeiras considerações com base no quesito cor ou raça. Rio de Janeiro: IBGE, 2012, p. 11. 2 ESTADO DE MATO GROSSO. Anuário Estatístico de Mato Grosso 2010. Volume 32. Cuiabá: Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação Geral, 2011. Em todo o Brasil, há 678 terras indígenas. V. POVOS Indígenas no Brasil: localização e extensão das TIs. Instituto Socioambiental (ISA). Disponível em: http://pib.socioambiental.org/pt/c/terras-indigenas/demarcacoes/localizacao-e-extensao-das-tis. Acesso em: 29 Mar 2011.
  • 22. 14 que ocupa um território ou uma terra natal determinada e que compartilha uma língua e uma cultura diferenciada, sem que, no entanto, proponha-se direitos de secessão. Com a aplicação deste conceito verifica-se que a maioria dos Estados é, na verdade, multinacional. Quando o Estado reconhece esta composição social e a assume, reconstituindo seus princípios sob uma ótica advinda desta diversidade, pode-se dizer que o Estado é plurinacional, como são exemplos (ao menos sob o plano da arquitetura constitucional) a Bolívia e o Equador, que incorporaram a visão indígena em suas constituições. Os Estados que se declaram plurinacionais e os que apenas reconhecem a sua multiculturalidade precisam propor-se e estarem disponíveis a um diálogo intercultural para viabilizar um contexto de convivência democrática culturalmente plural. Nesse capítulo, pretende-se demonstrar que a sociedade humana é incrivelmente diversa e dentro desta diversidade, alguns grupamentos humanos se diferenciam pelo seu modo de vida, que é determinado pela sua coesão cultural, sua espiritualidade e suas instituições. Estas pequenas nações/povos dentro do Estado são diferentes entre si e são diferentes da maioria da população, e é esta diferença que permite a proteção jurídica de seus projetos de vida, diferenciados e determinados culturalmente. O segundo capítulo examina a necessidade de interação e de comunicação entre as experiências jurídicas para a determinação de referências importantes para a construção de uma definição de direitos indígenas, além de propor uma composição entre algumas fontes e experiências relevantes para a ordem jurídica brasileira. Primeiramente, serão abordados alguns conceitos que permitem o diálogo entre experiências jurídicas, em especial as noções de constitucionalismo global, transconstitucionalismo e diálogo das fontes. Das possíveis interações da Constituição brasileira com ordens jurídicas estatais e a ordem internacional de direitos humanos, extraem-se algumas referências importantíssimas: os direitos de bem viver e o direito a um projeto de vida. Em seguida, o estudo, pautado por todo este arcabouço teórico, lança-se à construção de uma noção de direitos ambientais dos povos indígenas, na ordem constitucional brasileira. É importante frisar neste momento que este estudo, apesar de buscar referências no direito internacional dos direitos humanos e no direito comparado, é um estudo de direito constitucional, já que as referências e as experiências buscadas naquele âmbito servem apenas para reforçar as condições de aplicação do direito brasileiro, e aperfeiçoar a
  • 23. 15 capacidade de concretização da experiência jurídica nacional, sempre compreendida por meio da capacidade de a Constituição nacional se comunicar com experiências externas visando atingir aquela finalidade: proteção dos direitos fundamentais e, neste caso, de uma definição de direitos dos povos indígenas. Por isso o estudo, principalmente, do transconstitucionalismo que propõe a abertura constitucional às outras experiências jurídicas. Por fim, o terceiro capítulo objetiva demonstrar que a abertura constitucional brasileira e a comunicação entre as experiências jurídicas proporcionam a definição de direitos ambientais dos povos indígenas, sob a ótica constitucional brasileira, para o fim de delinear o alcance da proteção jurídica das identidades coletivas dos povos indígenas. O capítulo ainda se propõe a discutir os elementos presentes na experiência nacional em relação aos direitos ambientais nos povos indígenas e no que ela poderia ser reforçada pelo diálogo com as experiências jurídicas externas estudadas, partindo-se do direito à terra indígena, amplamente reconhecido pelo texto do artigo 231, a Constituição, e da noção de mínimo existencial ecológico, englobando a análise jurisprudencial da corte constitucional brasileira, sobretudo, o caso da Terra Indígena Raposa Terra do Sol.
  • 24. 16 1 MULTICULTURALISMO: O CONTEXTO DA SOCIODIVERSIDADE A sociedade humana é incrivelmente diversa. A diferença cultural existente entre os mais diversos grupos humanos do globo faz surgir a noção de multiculturalismo. Esta grande diversidade cultural também é uma realidade existente dentro das fronteiras de grande número de Estados, como por exemplo, o Brasil. A maneira como os Estados valorizam a sociodiversidade da sua população dá ensejo ao reconhecimento, ou não, do direito à própria existência destes grupamentos humanos culturalmente diferenciados. Neste capítulo pretende-se demonstrar que a grande diversidade social existente dentro de um Estado pode ser vista como traço inerente e caracterizador da população estatal, sendo que alguns grupamentos humanos se diferenciam pelo seu modo de vida, que é determinado pela sua coesão cultural, sua espiritualidade e suas instituições, e que a melhor alternativa para a sobrevivência desta diversidade é a sua coexistência sob uma perspectiva de pluralismo sociocultural, com a proteção jurídica de seus projetos de vida, diferenciados e determinados culturalmente. Para isso, o capítulo se aprofundará nos conceitos de multiculturalismo, plurinacionalidade e interculturalidade. Para tanto, parte-se do argumento pelo qual o multiculturalismo fixa o contexto no qual os povos indígenas surgem como sujeitos de diretos diferenciados. Este aspecto está em conexão com uma definição particular (funcional a esta pesquisa) de nação, como grupos históricos, complexos institucionalmente e que compartilham uma terra, uma língua e uma cultura. Em seguida, serão diferenciadas as noções de um Estado pluricultural de um plurinacional, tendo-se como critério distintivo o reconhecimento constitucional de sua diversidade cultural. Na sequência, propor-se-á que a interculturalidade se refere ao diálogo necessário para a coexistência dos grupos culturalmente diferenciados, especialmente quando inseridos numa sociedade majoritária. Por fim será sustentada a necessidade da formação de uma imagem de cidadania multicultural, caracterizada por direitos diferenciados em razão do pertencimento a grupos diferenciados, como os povos indígenas, imagem esta que se reflete em identidades socioculturais plurais.
  • 25. 17 Na segunda parte do capítulo, serão abordadas as especificidades conceituais da expressão povos indígenas que é adotada por este estudo. Pretende-se desenvolver analiticamente a expressão indígena para o fim de lhe atribuir traços que ultrapassem uma perspectiva meramente temporal. Será proposto que o critério da autoidentificação é o mais forte para a caracterização da condição indígena do sujeito. Igualmente pretende-se justificar a utilização da palavra povos em substituição a qualquer outra expressão, para o fim de explicitar que a utilização se afasta da concepção de que cada povo deve necessariamente corresponder a um Estado e se aproxima do conceito de nação, sem, no entanto, atribuir aos sujeitos um direito, ou direitos de secessão. 1.1 Multiculturalismo, plurinacionalidade e interculturalidade Esta seção pretende discorrer sobre o multiculturalismo como realidade fática e como alternativa jurídica para o reconhecimento da sociodiversidade, dentro do contexto de democracia liberal. Para este fim o texto se desenvolve, basicamente, por meio de teoria de base vinculada às lições de Will Kymlicka e de Charles Taylor, que propõem o reconhecimento de direitos diferenciados às minorias culturais. Aqui o multiculturalismo será visto como vinculado e conexo ao conceito de nação, sendo que dentro de um Estado podem existir inúmeras nações, o que caracteriza um Estado Pluricultural e um Estado Plurinacional. A diferença entre os dois estaria principalmente no reconhecimento constitucional da multiculturalidade existente dentro deles, o que alcança também questões mais complexas. Este será o assunto da segunda subseção. No entanto, em qualquer destes dois modelos de Estado, para o efetivo reconhecimento das diferenças culturais há que se buscar a compreensão e valorização mútua através de um diálogo intercultural, seja no espaço dos arranjos institucionais, seja no âmbito da ação judicial de cada Estado, o que será tratado na terceira subseção. Mais que permitir o diálogo intercultural no seio do Estado torna-se necessário, também, o reconhecimento de direitos específicos a determinados grupos culturalmente diferenciados. Para tornar este assunto mais claro, a quarta subseção tratará dos grupos culturalmente diferenciados que podem existir dentro de um Estado e da necessidade de construção de uma cidadania multicultural, que inclui o reconhecimento dos direitos
  • 26. 18 específicos em função do grupo de pertencimento. Esta é a lógica verificada para justificar a existência de direitos específicos aos povos indígenas. 1.1.1 Multiculturalismo: realidade e teoria Há duas concepções possíveis sobre a expressão multiculturalismo, como um fato social e como uma teoria. No primeiro sentido, refere-se a uma situação derivada das migrações e da convivência, no seio da mesma sociedade, de pessoas e grupos oriundos de civilizações diferenciadas em vários graus. No segundo sentido, o multiculturalismo seria uma das soluções possíveis aos problemas derivados da convivência entre pessoas e grupos de diferentes culturas, concretamente a que propõe a coexistência entre eles, mantendo cada um suas próprias pautas culturais e sociais.3 O multiculturalismo como fato social é uma realidade maciça, pois a maioria dos países é culturalmente diversificada. Dentro dos quase duzentos Estados independentes no mundo existem mais de seiscentos grupos que falam línguas vivas diferentes e cinco mil grupos étnicos.4 Apenas no Brasil existem trezentos e cinco povos indígenas que falam mais de duzentos e setenta línguas e dialetos.5 3 CÁMARA, Ignacio Sánchez. El multiculturalismo como hecho y como solución a un problema. Persona y derecho, n. 49, 2003, p. 163. Esta diferenciação também pode ser vista na distinção entre pluralismo cultural e multiculturalismo. Por um lado, o pluralismo cultural seria a realidade fática da convivência de diversas culturas no mesmo espaço territorial ou político (ou afirmação de valor que pretende afirmar o direito à existência e à reprodução destas culturas) e o multiculturalismo seria a resposta normativa concreta em relação a este fato, no contexto liberal. V. BARTOLOMÉ, Miguel Alberto. Procesos interculturales: antropología política del pluralismo cultural en América Latina. México: Siglo XXI Editores, 2006, p. 107 e 116-121. Por outro lado, o multiculturalismo expressa “a coexistência de formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas diferentes no seio da sociedade ‘moderna’” e possui diferentes noções, como a noção emancipatória que é centralizada no direito à diferença e na coexistência além das diferenças (SANTOS, Boaventura de Sousa; NUNES, João Arriscado. Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 26 e 30); e o pluralismo (jurídico) é valor aberto e democrático que representa distinções, diversidades e heterogeneidade, que tem no multiculturalismo uma de suas formas possíveis de reconhecimento e articulação das diferenças culturais (WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: um espaço de resistência na construção de direitos humanos. In: WOLKMER, Antonio Carlos; VERAS NETO, Francisco Q.; LIXA, Ivone M. Pluralismo jurídico: os novos caminhos da contemporaneidade. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 42.). No entanto, tais conceitos são indissociáveis e algumas vezes são usados como sinônimos. 4 KYMLICKA, Will. Ciudadanía multicultural: una teoría liberal de los derechos de las minorías. Tradução de Carme Castells Auleda. Barcelona: Paidós, 2010, p. 13. O fator língua é um dos primeiros a ser considerado para diferenciar culturas. V. JIANG, Wenying. The relationship between culture and language. English Language Teaching Journal. Oxford, v.4, n. 54, p. 328-334, 2000. 5 INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010: características gerais dos indígenas. Resultados do universo. Rio de Janeiro: IBGE, 2012, p. 85 e 90.
  • 27. 19 Já como teoria, a concepção de multiculturalismo surge como uma solução para os problemas oriundos da diversidade cultural globalizada no contexto liberal, visto que a filosofia política e a teoria do direito tradicionais suprimiram as diferenças culturais. Por isso, os governos muitas vezes se valeram de políticas direcionadas à assimilação coercitiva ou à eliminação material da diversidade cultural. 6 Will Kymlicka considera que a teoria liberal tradicional é insuficiente para a compreensão e resolução dos conflitos contemporâneos, pois ela não soube fazer frente às demandas das culturas. Isto porque, a teoria liberal não desenvolveu um acervo coerente de conhecimento sobre o papel da cultura na democracia liberal. Para o autor, o projeto liberal ainda está por terminar e é uma fórmula válida para se estender aos novos direitos coletivos das culturas e minorias. O autor salienta que é legítimo e inevitável complementar os direitos humanos tradicionais com os direitos das minorias e que, em um Estado multicultural, uma teoria da justiça abrangente incluirá tantos os direitos universais, atribuídos aos indivíduos independentemente de ser membro de algum grupo, como determinados direitos diferenciados de grupo, é dizer, um status especial para as culturas minoritárias.7 Charles Taylor propõe a política do reconhecimento. Para o autor, o liberalismo partiu de um erro fundamental: assumiu uma concepção de homem como ser autônomo, que prescinde de todos os elementos que o constitui verdadeiramente como sujeito, como pessoa, entre eles, a raça, a religião, o sexo ou a nacionalidade. O liberalismo parte daquilo que é comum a todos os homens, daqueles recursos que são compartilhados universalmente.8 Para Charles Taylor, a política do universalismo salienta a dignidade igual de todos os cidadãos e o seu conteúdo foi a igualação de todos os direitos e títulos.9 Este reconhecimento exige do Estado a proteção dos direitos individuais e a neutralidade diante das diferentes concepções de vida e as preferências dos indivíduos ou grupos. 6 MALDONADO, Daniel Bonilla. Constitución multicultural. Bogotá: Siglo del Hombre Editores; Universidad de los Andes; Pontificia Universidad Javeriana, 2006, p. 21. V. STOPLER, Gilda. Contextualizing multiculturalism: a three dimensional examination of multicultural claims. Journal of Law and Ethics of Human Rights, v. 1, p. 309-353, 2007; COHEN-ALMAGOR, Raphael; ZAMBOTTI, Marco. Liberalism, tolerance and multiculturalism: the bounds of liberal intervention in affairs of minority cultures. In: WOJCIECHOWSKI, Krzysztof; JOERDEN, Jan C.(eds). Ethical liberalism in contemporary societies. Frankfurt: Peter Lang, 2009, p. 79-98. 7 KYMLICKA, Will. Estados, naciones y culturas. Tradução de Juan Jesús Mora. Córdoba: Almuzara, 2004, p. 13 (SORIANO, Ramón; MORA, Juan Jesús. Estudio Preliminar). 8 CÁMARA, Ignacio Sánchez. El multiculturalismo como hecho y como solución a un problema..., p. 169. 9 TAYLOR, Charles. El multiculturalismo y la politica del reconocimiento. México: Fondo de Cultura Económica, 1993, p. 61.
  • 28. 20 Toda pessoa deve ser livre para organizar sua vida a partir de sua autonomia. Mas, esta política do universalismo ignora a relevância do contexto cultural para a formação da personalidade. A identidade da pessoa pressupõe todo um conjunto de elementos que precedem da circunstância cultural e social. A pessoa não é inteligível senão no seio de uma determinada cultura. A igualdade é abstrata, enquanto o pluralismo e a diversidade são concretos e reais. A existência de padrões culturais compartilhados pela comunidade é essencial para a constituição da pessoa e constitui, por ela mesma, um bem que deve ser protegido pelo Estado. Ademais, todas as culturas possuem concepções de bem, não apenas diferentes, mas também incomensuráveis entre si. A motivação moral não provém da autonomia do sujeito, mas das questões morais compartilhadas pela comunidade a que pertence. Então, dá-se uma íntima vinculação moral entre o indivíduo e a comunidade.10 À política do universalismo, Charles Taylor opõe uma política do reconhecimento, que justificaria também a concessão de direitos especiais coletivos. Charles Taylor afirma que atualmente surgem conflitos em torno da política da diferença. Enquanto a política da dignidade universal lutava por formas de não discriminação inteiramente “cegas” aos modos pelos quais os cidadãos se diferem, ao contrário, a política da diferença muitas vezes redefine a não discriminação exigindo que se faça destas distinções a base do tratamento diferenciado. Deste modo, os membros de grupos indígenas receberam alguns direitos e faculdades das quais não gozam outros cidadãos e certas minorias receberam o direito de excluir as outras para conservar sua integridade cultural.11 Segundo Axel Honneth, os conflitos sociais surgem como lutas por reconhecimento em razão de experiências individuais de desrespeitos sociais, que seriam resumidamente, a violação e privação de direitos e a degradação de formas de vida ou crenças. 12 Essas lutas passam a ser consideradas como sociais quando os objetivos individuais passam a ser coletivos. Portanto, luta social é o [...] processo prático no qual experiências individuais de desrespeito são interpretadas como experiências cruciais típicas de um grupo inteiro, de forma que elas podem influir, como motivos diretores da ação, na exigência coletiva por relações ampliadas de reconhecimento 13 10 CÁMARA, Ignacio Sánchez. El multiculturalismo como hecho y como solución a un problema..., p. 169- 170. 11 TAYLOR, Charles. El multiculturalismo y la politica del reconocimiento..., p. 63. 12 HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2009, p. 227-228. 13 Ibid., p. 257.
  • 29. 21 Ambos os autores, Will Kymlicka e Charles Taylor, vêem o multiculturalismo como um fato, uma realidade concreta, e ambos desenvolvem uma teoria que engloba os direitos coletivos derivados da realidade de pluralidade cultural no contexto do liberalismo, a realidade social do “ocidente”.14 Convém destacar que a expressão multiculturalismo, como fato social, pode englobar diversas formas de pluralismo cultural. No entanto, para o objetivo traçado para este estudo será adotada a lição de Will Kymlicka, que defende que o multiculturalismo decorre da coexistência dentro de um determinado Estado, de mais de uma nação.15 Nação, para o autor, significa uma comunidade histórica, mais ou menos completa institucionalmente que ocupa um território ou uma terra natal determinada e que compartilha uma língua e uma cultura diferenciada. O autor explica que a noção de nação, neste sentido sociológico, e que por sua vez, é distinto do sentido tradicionalmente associado à teoria do Estado16 , está estritamente relacionada com a ideia de povo ou de cultura, e que ambas as ideias são intercambiáveis. Assim, um país que contém mais de uma nação não é, portanto, um Estado-nação, mas um Estado multinacional, onde as culturas minoritárias estão presentes nas maiorias nacionais.17 Esta diferenciação é importante para excluir do conceito aqui utilizado, uma extensa gama de grupos sociais não étnicos que, por diversas razões, foram excluídos ou marginalizados do núcleo majoritário da sociedade, como os grupos dos portadores de necessidades especiais, homossexuais, mulheres, trabalhadores ou ateus. É a complexidade da expressão cultura que faz com que comumente a expressão multicultural possa incluir tais grupos. A expressão cultura pode ser entendida para incluir todos os grupos que possuem modos de ser, fazer e viver distintos nos sentidos habituais da 14 O debate sobre o multiculturalismo surgiu nos anos 70 para se referir às políticas públicas de Estados liberais sobre o pluralismo étnico existente em razão da imigração. V. ANG, Ien. Multiculturalism. Disponível em: http://media.wiley.com/product_ancillary/92/06312256/DOWNLOAD/Multiculturalism.pdf. Acesso em: 14 Jan 2012. Nesta seara há muitas críticas sobre a relação multiculturalismo-liberalismo perante os indivíduos, no entanto, sempre com a ressalva de que as críticas não atingem o multiculturalismo relacionado aos povos indígenas, pois sempre mencionam o aspecto individual e não o coletivo. V. JOPPKE, Christian. The retreat of multiculturalism in the liberal state: theory and policy. The British Journal of Sociology, v. 55, n. 2, p. 237-257, 2004; e BARRY, Brian. Liberalism and multiculturalism. Ethical Perspectives, v. 4, p. 2-11, 1997. 15 KYMLICKA, Will. Ciudadanía multicultural…, p. 26. 16 V. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2000; e AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 5. ed. Porto Alegre: Globo, 1957. 17 KYMLICKA, op. cit., p. 26.
  • 30. 22 expressão no conceito de multiculturalismo. De um lado, de forma mais estrita e específica, cultura alude aos costumes distintos ou perspectivas de um grupo ou associação, quando se fala, por exemplo, de uma cultura gay ou de uma cultura burocrática. Em outro extremo, cultura pode ser empregada de forma mais ampla, de modo que se pode dizer que todas as democracias ocidentais compartilham uma cultura comum, pois compartilham uma civilização moderna, urbana, laica e industrializada, em contraste com o mundo feudal, agrícola e teocrático ancestral. 18 Apesar de semelhante conjunto de divergências, Will Kymlicka emprega a expressão cultura em um sentido diferente, como caracterizadora de nação ou povo, é dizer, de uma comunidade intergeracional, mais ou menos completa institucionalmente, que ocupa um território determinado e compartilha uma língua e uma história específicas. Ele não inclui o tipo de estilos de vida grupal, movimentos sociais e associações voluntárias que outros autores podem incluir dentro do âmbito do multiculturalismo. O autor ainda explica que ele não pensa que estes grupos não sejam importantes, mas acredita que a acomodação das diferenças étnicas e nacionais é apenas um dos aspectos da luta mais ampla para alcançar uma democracia mais tolerante e inclusiva.19 O estudo do multiculturalismo torna necessário ressaltar a diferenciação realizada por Bartolomé Clavero entre Estado pluricultural ou multicultural e Estado plurinacional, uma categoria mais ampla, o que será objeto da próxima seção. 1.1.2 Estado Pluricultural e Plurinacional Bartolomé Clavero afirma que há uma diferença substancial entre um Estado que se reconheça culturalmente diverso (multicultural ou pluricultural) e um Estado que assuma sua composição como nacionalmente plural (plurinacional), pois só no segundo caso é que se está reconhecendo a necessidade de uma reconstituição a fundo e sob novos princípios, como certamente ocorreu no Equador e na Bolívia, ao menos textualmente sob o plano político- normativo20 . 18 KYMLICKA, Will. Ciudadanía multicultural…, p. 35. V. BARTOLOMÉ, Miguel Alberto. Procesos interculturales…, p. 87-88. 19 Ibid., p. 36 20 Bartolomé Clavero diz que as atuais políticas da Bolívia e do Equador não correspondem ao novo paradigma constitucional que propõem. Isto se deve basicamente pelo fato de ser um novo
  • 31. 23 A plurinacionalidade é mais ampla que o reconhecimento da diversidade cultural da sociedade e das relações de interculturalidade necessárias, com toda a importância inerente, pois implica o respeito não apenas das culturas em si, mas também implica o respeito de suas expressões, como no caso indígena, organização em comunidades, formas de representação e jurisdição indígena. A plurinacionalidade se vincula ao reconhecimento constitucional de outras nações dentro do Estado, uma nação maior, como fazem as novas constituições do Equador e da Bolívia ao reconhecerem os povos indígenas como nações. Por isso, este estudo ao falar de plurinacionalidade se referirá unicamente aos povos indígenas, já que as constituições dos estados plurinacionais existentes reconhecem os povos indígenas como nações internas. Portanto, em tese, nada obsta que outros Estados reconheçam outros grupos que se caracterizam como nações, e os direitos inerentes a este reconhecimento, tornando-se também estados plurinacionais. Assim, a multiculturalidade interessa, desde já, a mais culturas que as indígenas, mas não chega a transcender ao sistema todo. É a plurinacionalidade o que pode caracterizar um novo paradigma constitucional, pois envolve a reconstrução do Estado moderno. O Estado moderno tem apenas uma nação (no sentido populacional) e ao enfrentar a plurinacionalidade tem que combinar diferentes conceitos de nação dentro de um mesmo Estado, para abarcar a sua essência multicultural.21 Por isso, o Estado plurinacional se vincula, antes de tudo, ao reconhecimento constitucional da existência dos povos indígenas com direitos próprios de alcance político, como os direitos de autonomia e consulta. Bartolomé Clavero afirma que foi o reconhecimento constitucional dos povos indígenas como sujeitos de direitos políticos próprios, anteriores ao próprio Estado, e não o registro da plurinacionalidade, que levou a constitucionalismo latinoamericano em processo de concretização a partir de um Estado que deu o primeiro passo reconhecendo sua formação multicultural para então se tornar plurinacional oficialmente. CLAVERO, Bartolomé. Estado plurinacional o bolivariano: nuevo o viejo paradigma constitucional americano. Borrador. Bartolomé Clavero Ensayos, opiniones y actualidad. 02 Mai 2011. Disponível em: http://clavero.derechosindigenas.org/wp-content/uploads/2011/05/Estado-Plurinacional.pdf. Acesso em: 05 Maio 2011, p. 3. 21 SANTOS, Boaventura de Sousa. Las paradojas de nuestro tempo y la Plurinacionalidad. In: ACOSTA, Alberto; MARTÍNEZ, Esperanza (Comp.). Plurinacionalidad: democracia en la diversidad. Quito: Abya- Yala, 2009, p. 37.
  • 32. 24 renovação profunda da Constituição boliviana com o estabelecimento do Estado Plurinacional da Bolívia, com tal denominação oficial.22 A plurinacionalidade contém uma exigência histórica de reconhecimento da diversidade cultural, mas entendendo que o cultural também envolve os aspectos econômicos e políticos, pelo que se exige a desconstrução das relações sociais, inclusive do Estado. Esta exigência é histórica, porque em algum momento no tempo se produziu a ocultação ou a negação da diversidade.23 Alberto Acosta afirma que “a plurinacionalidade não é apenas um reconhecimento passivo da diversidade de povos e de nações, é fundamentalmente uma declaração pública do desejo de incorporar perspectivas diferentes com relação à sociedade e à natureza” 24 . Entre a plurinacionalidade e a natureza há uma relação que passa pela visão indígena de Pachamama ou Mãe Terra, por espaços andinos e amazônicos, a que as Constituições do Equador e da Bolívia também dedicam atenção25 . É uma relação que passa por estes e por mais assuntos de interesse agora constitucional em virtude do reconhecimento dos direitos dos povos indígenas como direitos próprios e moldados, portanto, ao entendimento de seus sujeitos. O Estado plurinacional não se limita ao seu simples significado literal de Estado reconhecidamente formado por uma pluralidade de nações, ele tem objetivo de encontrar respostas não apenas a formas distintas de pertencimento ao território, mas também a questões mais amplas, como o racismo e a falta de democracia.26 Bartolomé Clavero afirma que a plurinacionalidade representa um estágio distinto e cumulativo em relação à multiculturalidade. Não há contradição nem oposição entre plurinacionalidade de um lado e multi e interculturalidade de outro.27 Elas dialogam, pois os últimos são imprescindíveis à existência do primeiro conceito. 22 CLAVERO, Bartolomé. Estado plurinacional o bolivariano..., p. 5. 23 VARGAS, Edwar. La Plurinacionalidad: um paradigma de trasnformación social. In: ACOSTA, Alberto; MARTÍNEZ, Esperanza (Comp.). Plurinacionalidad..., p. 37. 24 ACOSTA, Alberto. El Estado Plurinacional, puerta para una sociedade democrática. In: ACOSTA, Alberto; MARTÍNEZ, Esperanza (Comp.). Plurinacionalidad..., p. 18. (tradução nossa) 25 V. por exemplo ECUADOR. Constitución de la República del Ecuador. 2008. Disponível em: http://www.asambleanacional.gov.ec/documentos/constitucion_de_bolsillo.pdf. Acesso em: 12 Abr 2011, preâmbulo, artigos 71, 250, 259; e BOLIVIA. Constitución de la República de Bolivia. 2009. Disponível em: http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Bolivia/bolivia09.html. Acesso em: 03 Dez 2011, preâmbulo e artigo 392. 26 CLAVERO, op. cit., p. 3-6. 27 Ibid., p. 2.
  • 33. 25 A ideia de plurinacionalidade envolve, igualmente, as ideias de pós-colonialidade e interculturalidade. Sobre a pós-colonialidade é importante mencionar que constitui o reconhecimento de que o colonialismo não terminou com a independência dos países colonizados e que entre a independência e o pós-colonialismo há um período de tempo muito amplo. Por exemplo, somente 184 anos após a independência, o Brasil reconheceu que é uma sociedade racista e que necessitava de uma ação afirmativa, um sistema de cotas e discriminação positiva. Até ali a marginalização social das populações afrodescendentes era considerada um problema de classe, sem especificidade; agora se reconhece que além de problema de classe, é também um problema racial e que para combatê-lo é necessária a ação afirmativa. Deve-se reconhecer o racismo para eliminá-lo.28 As principais ideias trazidas pela pós-colonialidade são: que o Estado não pode ser culturalmente neutro, porque se é neutro, objetivamente, favorece a cultura dominante; a necessidade de reconhecimento de direitos coletivos; e a necessidade de um pluralismo jurídico. Enfim, a ideia de pós-colonialidade significa que se houve uma injustiça histórica, deverá haver um período transicional em que haja um tempo de discriminação positiva a favor das populações oprimidas. Isto pode ocorrer através de distribuição de riqueza, atos políticos, entre outros.29 Por seu turno, a interculturalidade, que será desenvolvida na subseção seguinte deste estudo, representa a inserção do reconhecimento do multiculturalismo no Estado, podendo ou não declarar sua plurinacionalidade. 1.1.3 Interculturalidade: um diálogo necessário Interculturalidade pode ser entendida como “filosofia crítico-cultural, como horizonte de diálogo equitativo, [...] ‘como reconhecimento do pluralismo cultural [...] em que nenhuma cultura é um absoluto, senão uma possibilidade constitutivamente aberta a possível fecundação por outras culturas’”. 30 Apesar de estar sempre relacionada ao multiculturalismo, ou como uma variante deste, a interculturalidade tem especificidade própria, pois, “tendo em 28 SANTOS, Boaventura de Sousa. Las paradojas de nuestro tempo y la Plurinacionalidad..., p. 38-39. 29 Ibid., p. 40. 30 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico, direitos humanos e interculturalidade. Sequência, n. 53, 2006, p. 120.
  • 34. 26 conta o pluralismo cultural e a nova hermenêutica filosófica, revela-se ‘um horizonte de diálogo’; define-se, conforme Isidoro Moreno, como ‘um quadro comum de referência metacultural’ compatibilizando ‘conceitos, estratégias, identificação de problemas, valores e formas e negociação de cada parte’”.31 Para Ricardo Salas Astrain, a interculturalidade “alude a um tipo de sociedade emergente, em que as comunidades étnicas, os grupos e classes sociais se reconhecem em suas diferenças e buscam sua mútua compreensão e valorização”, o que se efetiva por meio de “instâncias dialogais”.32 O conceito teórico de interculturalidade nasceu nos Estados Unidos, nos anos 60, no âmbito da educação. Surgiu de uma maior consciência sobre a existência de várias culturas que conviviam no país, sem nunca ter uma forte inter-relação, cuja resolução requeria um modelo educativo intercultural que promoveu uma política educativa que favoreceu o pluralismo cultural. Depois, o debate se estendeu para a Europa na questão social das culturas locais, minoritárias ou não, e dos imigrantes.33 Atualmente, na América Latina o conceito foi redefinido pela luta dos povos indígenas pelo reconhecimento de seus direitos como povos. A coexistência de culturas diferenciadas requer estratégias de relação intercultural, pelo que o pluralismo e o multiculturalismo não são imagináveis sem o desenvolvimento de um diálogo intercultural. Para o antropólogo Miguel Alberto Bartolomé, a interculturalidade pode ser entendida como o estabelecimento de relações entre membros de diferentes culturas, bem como mecanismos sociais necessários para atingir uma comunicação eficaz, sem que nenhum dos participantes seja necessariamente forçado a renunciar à sua singularidade cultural.34 No âmbito do direito, Otfried Höffe chega a propor um direito intercultural, conceito desenvolvido por ele a partir do diálogo com as questões penais que envolvam, 31 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico..., p. 120. O autor cita MORENO, Isidoro. Derechos humanos, ciudadanía e interculturalidad. In: DÍAZ, Emma Martín; SIERRA, Sebatián de la Obra (ed.). Repensando la ciudadanía. Sevilla: El Monte, 1998, p. 31. 32 SALAS ASTREIN, Ricardo. Ética intercultural e pensamento latino-americano: Problemas e perspectivas de uma ética intercultural no marco da globalização cultural. In: Encuentro del Corredor de las Ideas, 5., 2002, Rio Cuarto, Córdoba, Argentina. Anais... Rio Cuarto: UNRC, 2002. Disponível em: http://juanfilloy.bib.unrc.edu.ar/completos/corredor/corredef/panel/SALASRIC.HTM. Acesso em: 05 Maio 2011. 33 VALAREZO, Galo Ramón. ¿Plurinacionalidad o interculturalidad em la Constitución?. In: ACOSTA, Alberto; MARTÍNEZ, Esperanza (Comp.).Plurinacionalidad..., p. 133-134. 34 BARTOLOMÉ, Miguel Alberto. Procesos interculturales…, p. 121 e 124.
  • 35. 27 simultaneamente, culturas diferenciadas. O sociólogo afirma que a globalização está ameaçando um elemento irrenunciável para o ser humano: o pertencimento a grupos determinados. Isso afeta não só o bem-estar, mas toda a identidade pessoal que ao ser colocada em perigo ameaça bens jurídicos tão elementares como o direito à religião, à língua e à cultura próprias.35 Na visão do autor o direito intercultural é aquele que engloba os institutos comuns a todas as culturas, deduzidos da razão natural comum a todos os seres humanos. Ele assevera que os direitos humanos e a democracia liberal não são fenômenos específicos europeus ou ocidentais, pois neles há algo humano e universal.36 O sociólogo defende que há os direitos humanos puros, genuínos e sem acréscimos específicos e os direitos humanos que já sofreram interferência ocidental, apresentando particularidades, experiências e até interesses específicos. O autor ainda defende que a tolerância e o reconhecimento do outro são traços universais da democracia liberal, que convive numa realidade pluralista. Ele afirma que estes princípios (direitos humanos e democracia) devem ser universais sem uniformidade, estando abertos às culturas. É o que o autor chama de estratégia da universalidade moderada37 . Assim, os direitos humanos deixam transparecer peculiaridades da época e da cultura e também da situação. Eles são princípios formais que basicamente estão abertos a uma definição material distinta a cada caso. A sua ‘materialização’ depende da cultura e do contexto. 38 Otfried Höffe assinala que a observância dos direitos humanos pelas culturas não ocidentais só pode ser exigida se lhes é reconhecido um alto grau de independência39 . Ele 35 HÖFFE, Otfried. Derecho intercultural. Trad. de Rafael Sevilla. Barcelona: BEG, 2008, p. 26. 36 Ibid., p. 135. V. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos, democracia e integração regional: os desafios da globalização. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. 54, p. 221-247, 2000; BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Os direitos humanos como valor universal. Lua Nova, n. 34, p. 179-188, 1994. 37 Joaquin Herrera Flores defende que o universalismo abstrato dos direitos humanos (universalismo de ponto de partida), que exige uma racionalidade jurídica/formal, assim como o universalismo localista, que exige uma racionalidade material/cultural (universalismo de retas paralelas), são produtos de visões reducionistas da realidade e acabam por dogmatizar seus pontos de vista, pois funcionam como um padrão de medidas e de exclusão. Em razão disso, o autor propõe uma prática intercultural (universalismo de chegada, de confluência ou de entrecruzamentos), que exige uma racionalidade de resistência, a partir de uma visão complexa dos direitos, cujo conteúdo advém da incorporação dos diferentes contextos físicos e simbólicos na experiência do mundo. FLORES, Joaquín Herrera. A (re)invenção dos direitos humanos. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009, p. 151-170. 38 HÖFFE, op. cit., p. 136-139. 39 Joaquín Herrera Flores salienta que “[r]eivindicar a interculturalidade não se restringe [...] ao necessário reconhecimento do outro. É preciso, também, transferir poder, ‘empoderar’ os excluídos do processo de construção da hegemonia. FLORES, op. cit., p. 170.
  • 36. 28 observa, ainda, que a abertura cultural não deve ser observada apenas pelo legislador, mas especialmente pelos juízes para que possam apreciar o que é justo em casos típicos de conflitos culturais.40 Para Fernando Antonio de Carvalho Dantas, o diálogo intercultural se configura: [...] como um “espaço e um instrumento” da nova cidadania indígena, diferenciada, multicultural, dinâmica, criativa e participativa no sentido de construir os direitos diferenciados indígenas e, como conseqüência, criar, também, contextos plurais e heterogêneos onde a convivência democrática possibilite o desenvolver das ações da vida sem opressão, sem exclusão. 41 Em sua relação com a plurinacionalidade, Boaventura de Sousa Santos lembra que a interculturalidade não é simplesmente cultural, mas também política e pressupõe uma cultura comum, uma cultura compartilhada. A cultura compartilhada nas sociedades plurinacionais é a maneira como cada sociedade organiza sua plurinacionalidade. É assim que as sociedades vão criando formas de convivência intercultural de maneira específica. O autor destaca que a plurinacionalidade é mais ampla que a interculturalidade. “Pode haver interculturalidade sem plurinacionalidade, mas não pode haver plurinacionalidade sem interculturalidade.” 42 Ao contrário, Galo Ramón Valarezo afirma que a plurinacionalidade possui menor alcance que a interculturalidade. Ele assevera que o alcance e a precisão da interculturalidade permite uma saída em longo prazo, pois: a) a interculturalidade reconhece ao mesmo tempo o direito à diferença e à diversidade, mas enfatiza a necessidade de construir a unidade reconhecendo e estabelecendo instituições e mecanismos que possibilitem o encontro criativo e equitativo entre os diferentes; b) a interculturalidade não permite que os povos indígenas sejam tratados como minorias, a quem é dado uma parte minúscula do Estado, mas atravessa todas as normas, instituições e práticas do país; a interculturalidade permite um tratamento flexível às distintas formas da diversidade, porque se aplica tanto aos territórios habitados por apenas um povo, como aos compartilhados por vários povos, pois 40 HÖFFE, Otfried. Derecho intercultural..., p. 140-141. 41 DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. A “cidadania ativa” como novo conceito para reger as relações dialógicas entre as sociedades indígenas e o Estado Multicultural Brasileiro. Hileia, n. 2, 2004, p. 221. 42 SANTOS, Boaventura de Sousa. Las paradojas de nuestro tempo y la Plurinacionalidad..., p. 37 e 38. (tradução nossa)
  • 37. 29 promove o conhecimento, a convivência, a equidade e a ação criativa entre os diferentes; e, c) a interculturalidade oferece uma saída aos povos afrodescendentes e aos mestiços, para encontrar elementos de unidade com o mundo indígena e converter o problema da construção de um Estado includente em um problema de todos e não só dos índios. 43 Independentemente da posição adotada, é fato que os conceitos de multiculturalismo, plurinacionalidade e interculturalidade andam juntos, e muitas vezes são indissociáveis, e suas ideias refletem a busca por uma cidadania multicultural. 1.1.4 Cidadania multicultural Will Kymlicka destaca duas manifestações de pluralismo cultural por meio de grupos intergeracionais que se diferenciam no interior de um Estado por suas culturas diversas: minorias nacionais e grupos étnicos. As minorias nacionais são grupos que possuem vínculos históricos com o território, possuíam autogoverno, mas que por alguma razão estão incorporados a um Estado que possui uma maioria cultural predominante. O exemplo mais claro de minorias nacionais são os povos indígenas americanos, incorporados a um Estado devido à invasão e colonização de seu território. Os grupos étnicos são os formados no interior de um Estado por meio da imigração e que mantém algumas de suas particularidades étnicas. Estes grupos não são nações e suas especificidades se manifestam fundamentalmente em sua vida familiar e em associações voluntárias.44 Em todas as democracias liberais um dos principais mecanismos usados para acomodar as diferenças culturais é a proteção dos direitos civis e políticos dos indivíduos. Os direitos fundamentais são vistos como instrumento para a proteção das diferenças. Estes direitos permitem aos indivíduos formarem e manterem grupos e associações distintos que constituem a sociedade civil, adaptar estes grupos às circunstâncias e, por último, fomentar suas perspectivas e interesses na totalidade da população.45 43 VALAREZO, Galo Ramón. ¿Plurinacionalidad o interculturalidad em la Constitución?..., p. 126. 44 KYMLICKA, Will. Ciudadanía multicultural…, p. 26 e 31. 45 Esta universalidade da cidadania liberal é criticada por Iris Marion Young em YOUNG, Iris Marion. Polity and Group Difference: a critique of the ideal of universal citizenship. Ethics, n. 99, p. 250-274, 1989.
  • 38. 30 A proteção que proporciona estes direitos comuns de cidadania é suficiente para muitas das formas legítimas de diversidade na sociedade. Algumas vezes algumas formas de diferença cultural apenas podem acomodar-se mediante medidas legais ou constitucionais especiais, que vão além dos direitos comuns de cidadania. No entanto, algumas formas de diferenças derivadas do pertencimento a um grupo apenas podem se acomodar se seus membros possuem alguns direitos específicos como grupo, é dizer, uma “cidadania diferenciada”, uma cidadania multicultural.46 Os direitos específicos de grupos, como se pode aferir logicamente, são direitos coletivos. Para Will Kymlicka, existem pelo menos três formas de direitos específicos em função do grupo de pertencimento: direitos de autogoverno, direitos poliétnicos e direitos especiais de representação.47 Os direitos de autogoverno podem englobar desde algum tipo de autonomia política ou territorial, para ter assegurado o pleno e livre desenvolvimento de suas culturas e os melhores interesses dos seus integrantes, até, no outro extremo, a secessão. O autor aponta o federalismo como uma possibilidade de oferecer um amplo autogoverno a uma minoria nacional, pois garantirá sua capacidade de tomar decisões em determinadas áreas sem sofrer o rechaço da sociedade global. Outro exemplo é o autogoverno vinculado ao sistema de terras reservadas aos povos indígenas. Nos Estados Unidos, o governo federal transferiu competências importantes aos conselhos tribais que governam cada reserva, apesar deste processo não ser muito claro. Em muitas partes do mundo, a esperança de chegar a ter poderes políticos é praticamente uma utopia e o objetivo mais imediato é simplesmente assegurar a base territorial existente para que não sofram maiores danos nas mãos de exploradores de seus recursos. Os direitos de autogoverno não são medidas temporárias ou meros remédios para alguma forma de opressão. Eles são descritos como direitos intrínsecos, e, portanto, permanentes, o que constitui uma das razões para que as minorias nacionais aspirem que sejam contemplados da Constituição.48 46 KYMLICKA, Will. Ciudadanía multicultural…, p. 46. Cidadania diferenciada é uma expressão de Iris Marion Young em YOUNG, Iris Marion. Polity and Group Difference… Sobre como a cidadania individual foi usada nos Estados Unidos para destruir a soberania dos povos indígenas e para justificar o fim dos seus direitos tribais, V. BERGER, Bethany R. The anomaly of citizenship for indigenous rights. In: HERTEL, Shareen; LIBAL, Kathryn (eds.). Human rights in the United States: beyond exceptionalism. New York, Cambridge University Press, 2011, p. 217-233. 47 KYMLICKA, op. cit., p. 47. 48 Ibid., p. 48 e 51-52.
  • 39. 31 Os direitos poliétnicos têm como objetivo ajudar aos grupos étnicos e às minorias religiosas a expressarem suas particularidades e seu orgulho cultural sem que isso obstaculize seu êxito nas instituições econômicas e políticas da sociedade dominante. Da mesma forma que os direitos de autogoverno, não são considerados temporários, pois as diferenças culturais que protegem não são algo que se pretenda eliminar. Medidas antirracistas não são consideradas no contexto dos direitos poliétnicos e da cidadania diferenciada em função do grupo, pois se destinam a assegurar o exercício efetivo dos direitos comuns de cidadania.49 Os direitos especiais de representação refletem a crescente preocupação das democracias ocidentais para que o processo político seja representativo, no sentido de que consiga refletir a diversidade da população. As tentativas desta realização incluem eliminar barreiras que inibem certos grupos, como mulheres, minorias étnicas, pobres, etc., de se transformarem em candidatos ou dirigentes políticos; adotar formas de representação proporcional associadas com candidaturas mais abertas e inclusivas; e, reservas de cadeiras no legislativo aos membros de grupos desfavorecidos. Os direitos de representação derivados do pertencimento a um grupo muitas vezes são defendidos como resposta a certas desvantagens ou barreiras sistêmicas presentes no processo político, que impedem que a opinião destes grupos esteja devidamente representada. Assim, os direitos especiais de representação seriam uma forma de “ação positiva” política. Este assunto é complexo, pois os direitos de representação em função do grupo podem se fundamentar em questões de opressão, mas também como corolário do autogoverno. O direito ao autogoverno de uma minoria seria gravemente debilitado se algum organismo externo pudesse revisar ou revogar suas competências unilateralmente, é dizer, sem consultar a minoria nem assegurar seu consentimento.50 Em suma, a ideia do autor é que a cidadania multicultural inclui além dos direitos individuais, certos direitos coletivos, ou seja, determinados pelo pertencimento a alguns grupos. Para Luis Macas não é correto o uso da expressão cidadania quando se fala em plurinacionalidade. Ele afirma que pensar que um membro de uma comunidade é um cidadão, é individualizar as comunidades e os povos, passando por alto os conceitos de 49 KYMLICKA, Will. Ciudadanía multicultural…, p. 52-53. 50 Ibid., p. 53-54.
  • 40. 32 reciprocidade, solidariedade e complementariedade, ficando omissos os direitos internos de cada povo. Dentro dos povos indígenas, as questões são resolvidas coletivamente. A cidadania é a relação do Estado com o indivíduo, mas não considera os povos nem as futuras gerações. Este conceito apenas aprofundaria o individualismo. 51 No entanto, como afirmam Joaquin Herrera Flores e Rafael Rodríguez Pietro, em primeiro lugar, a cidadania tem a ver com algo mais do que pertencer a um Estado-nação e sua correspondente legalidade. No mundo contemporâneo existem múltiplos espaços e legalidades que fazem da cidadania algo mais complexo do que a simples nacionalidade. Em segundo lugar, a cidadania não outorga algum estado ontológico. Não se é cidadão ou se tem ou não cidadania. Em terceiro lugar, a cidadania não é um status, é uma técnica, um instrumento que usado corretamente pode nos permitir exercer a busca e a consolidação de outros instrumentos ou meios que nos aproximem do objetivo/projeto de autogoverno. 52 Portanto, entende-se que se pode falar em cidadania multicultural, em que são expressas questões individuais e coletivas, não havendo individualização de forma a descaracterizar os povos indígenas. Fernando Antonio de Carvalho Dantas usa a nomenclatura cidadania diferenciada indígena e afirma: [...] cidadania diferenciada indígena deve expressar um repensar das noções clássicas de sociedade, de Estado e do direito, e conseqüentemente, do próprio conceito de cidadania, buscando, dialogicamente, a inserção pela participação democrática da pluralidade de sujeitos diferenciados indígenas desde seus contextos e identidades particulares, no contexto maior do Estado. 53 Assim, a cidadania multicultural ou a cidadania diferenciada indígena54 se revela como a síntese de como um Estado multicultural e plurinacional deve se posicionar para que seja democrático e equitativo. A Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos dos Povos Indígenas55 ao incluir direitos coletivos ao lado de direitos individuais, criou um terceiro 51 MACAS, Luis. Construyendo desde la historia: resistencia del movimento indígena en el Ecuador. In: ACOSTA, Alberto; MARTÍNEZ, Esperanza (Comp.). Plurinacionalidad…, p. 96. 52 FLORES, Joaquín Herrera; PRIETO, Rafael Rodríguez. Hacía la nueva ciudadanía: consecuencias del uso de una metodología relacional en la reflexión sobre la democracia. Crítica Jurídica: Revista latinoamericana de política, filosofia e direito, n. 17, 2000, p. 302-303 apud DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. A “cidadania ativa”..., p. 220. 53 DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. A “cidadania ativa”..., p. 219. 54 Sobre a ideia de cidadania planetária ambiental, que inclui uma diversidade de identidades, V. SILVA, Solange Teles da. A emergência de uma cidadania planetária ambiental. In: MARQUES, Claudia Lima; MEDAUAR, Odete; SILVA, Solange Teles da. O novo direito administrativo ambiental e urbanístico: estudos em homenagem à Jaqueline Morand-Deviller. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 375-383.
  • 41. 33 status, nem estatal, nem individual, que não é novo nem inconsistente com a igualdade, ao contrário, ele reflete o respeito mútuo e a dignidade que a igualdade requer56 . Em suma, parece que a Declaração da ONU respalda uma cidadania diferenciada, multicultural. Daniel Bonilla Maldonado sugere cinco critérios normativos para amenizar as disparidades da jurisprudência constitucional colombiana em relação à acomodação apropriada da diversidade cultural e ampliar a visão tradicional, que podem criar um marco útil para interpretar os desafios de um país multicultural57 . Estas sugestões podem ser úteis para os mesmos objetivos no Brasil, que enfrenta desafio multicultural semelhante à Colômbia. Os critérios sugeridos são: a) o Estado deve ser imparcial (não neutro) frente às comunidades culturais; b) a maximização do direito de autogoverno dos povos indígenas; c) a mínima intervenção do Estado (no autogoverno dos povos indígenas) e a máxima intervenção da sociedade civil (as melhores soluções para a violação da moral mínima são aquelas que se originam dentro da comunidade e não as impostas de fora pelo Estado); d) se quiserem, os membros de povos indígenas devem ter a possibilidade de abandonar sua comunidade (não devem ser obrigados a obedecer perpetuamente princípios ou práticas que considerem questionáveis), e e) a transformação dos critérios que governam a coexistência de diferentes culturas deve realizar-se através de diálogos interculturais. 58 Diante disto, o autor conclui que para [...] reconhecer e acomodar de forma justa as comunidades indígenas deve-se interpretar a tensão entre unidade e diversidade cultural de maneira que o direito ao autogoverno dos povos indígenas seja maximizado e a intervenção do Estado em seus assuntos internos seja minimizado. A intervenção do Estado só justificável para neutralizar qualquer ação das autoridades indígenas dirigida a violar os valores transculturais da vida, integridade cultural e liberdade (interpretados de maneira não densa). [...] A tensão constitucional deve também ser interpretada de maneira que se promova diálogos interculturais no caso em que os padrões que governam as relações intergrupais (e suas regras de interpretação) queiram ser modificados por alguma das comunidades que existam no país. 59 55 ORGANIZAÇÃO das Nações Unidas. Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Disponível em: http://www.un.org/esa/socdev/unpfii/documents/DRIPS_pt.pdf. Acesso em: 02 Maio 2010. 56 BERGER, Bethany R. The anomaly of citizenship for indigenous rights…, p. 229. 57 MALDONADO, Daniel Bonilla. Constitución multicultural..., p. 271. 58 Estes critérios estão explicados em: Ibid., p. 271-282. 59 Ibid., p. 283. (tradução nossa)
  • 42. 34 Após as discussões sobre o multiculturalismo, e outras ideias afins, como contexto da emergência dos povos indígenas como sujeitos de direitos diferenciados, faz-se necessário um aprofundamento no conceito de povo indígena, já que é o objeto central deste estudo. 1.2 Povos indígenas: uma análise conceitual O desenvolvimento de um conceito de povos indígenas60 não é um processo consensual. Quanto mais o conceito se torna importante, maiores são as controvérsias sobre o seu significado e implicações legais e políticas. Um conceito muito restrito pode excluir alguns povos indígenas do manto de proteção jurídica internacional. De outro lado, não estabelecer um conceito, ou estabelecê-lo de forma falha, pode levar outros grupos a se intitularem como indígenas apenas para obter o status legal e a proteção jurídica a ele inerente. Os povos indígenas são considerados minorias nacionais por Will Kymlicka. Isto por que eles se encaixariam no conceito de nações, como comunidades históricas, mais ou menos completas institucionalmente que ocupam um território ou uma terra natal determinada e que compartilham uma língua e uma cultura diferenciada. No entanto, tentar especificá-los não é tarefa tão simples. Por isso, esta seção se dividirá em duas subseções. Na primeira a expressão indígena será desenvolvida analiticamente. Esta abordagem é muito importante porque examinará os critérios apontados para identificar os povos indígenas, que em muitos casos, devem estar bem claros para não excluir povos que possuem características merecedoras da proteção jurídica oferecida aos povos indígenas. A segunda subseção examinará sob o mesmo grau de consideração, a expressão povos. A importância deste aprofundamento se dá principalmente para o fim de esclarecer que um povo não deve corresponder necessariamente a um Estado, e que reconhecer os povos indígenas como tais, não lhes dá direito de secessão. 60 V. COOK, Amelia; SARKIN, Jeremy. Who Is Indigenous?: indigenous rights globally, in Africa, and among the San in Botswana. Tulane Journal of International and Comparative Law, v. 18, n. 1, p. 93-130, 2009.
  • 43. 35 1.2.1 Por que “indígena”? O termo índio (ou indígena) é sinônimo de nativo, de originário. Esta expressão tem origem na época da construção do império europeu e da colonização a partir do séc. XVI, quando os habitantes nativos das “novas terras” foram chamados de aborígenes ou indígenas. “Na realidade, o termo indígena se refere em geral aos atuais descendentes dos povos que habitaram os territórios antes da invasão, territórios que agora estão dominados por outros.”61 No entanto, não é possível restringir o conceito de povos indígenas aos povos originários dos territórios colonizados pelos países europeus a partir do séc. XVI, pois este passado histórico não é semelhante ao de diversos povos indígenas da Ásia e da África. Segundo Martinez Cobo, em seu estudo sobre o problema da discriminação contra populações indígenas para as Nações Unidas, em 1986, comunidades, povos e nações indígenas são aquelas que têm uma continuidade histórica62 com as sociedades pré-coloniais que se desenvolveram em seus territórios, se consideram distintas de outros setores da sociedade agora prevalentes em seus territórios, ou em parte deles. O autor afirma que atualmente eles formam setores não dominantes da sociedade e estão determinados a preservarem, desenvolverem e transmitirem para as futuras gerações seus territórios ancestrais e sua identidade étnica, como base para a continuação de sua existência como povo, de acordo com seus padrões culturais, instituições sociais e sistemas legais. Ele menciona ainda que um indivíduo para ser considerado indígena deve se autoidentificar como membro do grupo (consciência grupal) e ser reconhecido pelo grupo como tal (aceitação pelo grupo).63 A definição de Martinez Cobo se fundamenta nas características da autoidentificação e do conjunto comum de aspirações e reivindicações. Tal definição não é 61 ANAYA, James. Los pueblos indígenas en el derecho internacional. Madrid: Trotta, 2005, p. 24 “En la actualidade, el término indígena se refiere en general a los actuales descendientes de los pueblos que habitaban los territorios antes de la invasión, territorios ahora dominados por otros.” (tradução nossa) 62 A continuidade histórica, segundo o relator, pode consistir na continuação, por um longo período até o presente, de um ou mais dos seguintes fatores: a) ocupação territorial, b) ancestralidade com os ocupantes originais da terra, c) cultura em geral ou em manifestações específicas, d) língua, e) estar em certas partes do país ou do planeta, f) outros fatores relevantes. COBO, José R. Martínez. Final report of Study of the Problem of Discrimination Against Indigenous Populations. Third part. E/CN.4/Sub.2/1983/21/Add.). ONU, 1983, p. 50-51, par. 380. Este relatório foi elaborado pelo relator especial da ONU José R. Martinez Cobo, sendo conhecido, inclusive, como “o estudo de Martinez Cobo”, como se vê no sítio da ONU na internet: http://social.un.org/index/IndigenousPeoples/Library/Mart%C3%ADnezCoboStudy.aspx. Acesso em: 31 Jan 2012, pelo que optou-se por citar o relator como autor do texto, ao invés da ONU. 63 Ibid., par. 375 e 379.
  • 44. 36 sobre identificar quais grupos deveriam ou devem ser considerados indígenas, mas sobre entender quais grupos compartilham características e interesses em comum com aqueles que se autointitulam indígenas.64 O passado colonial não deve ser conditio sine qua non para a caracterização de um povo como indígena. Povo indígena tem conotações e significados muito mais amplos do que a questão de quem “veio primeiro”. Atualmente é uma expressão e um movimento global de luta por direitos e justiça para aqueles grupos que foram deixados à margem do desenvolvimento e que são percebidos negativamente pelos atuais paradigmas dominantes de desenvolvimento, cujas culturas e modos de vida estão sujeitos à discriminação e desprezo e cuja própria existência está sob risco de extinção. 65 Tampouco se pode afirmar que todos os povos indígenas constituem setores não dominantes da sociedade. Na Bolívia, por exemplo, os Quechua e outros povos indígenas constituem de 51 a 71% da população. Os Fijianos são aproximadamente 51% da população de Fiji e o povo Inuit constitui mais de 80% da população da Groelândia. 66 Na esfera jurídica brasileira encontra-se referência legal a uma definição de índio e de comunidade indígena na Lei n.º 6.001/73, o Estatuto do Índio: Art. 3º, I – Índio ou Silvícola – É todo indivíduo de origem e ascendência pré- colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional; II – Comunidade Indígena ou Grupo Tribal – É um conjunto de famílias ou comunidades índias, quer vivendo em estado de completo isolamento em relação aos outros setores da comunhão nacional, quer em contatos intermitentes ou permanentes, sem contudo estarem neles integrados. 67 Apesar de estar contido em uma legislação parcialmente não recepcionada pela Constituição Federal de 1988, este ainda é o único dispositivo que tenta fazer tal definição. Nas palavras de Manuela Carneiro da Cunha, “estas definições pecam pela lógica e antropologicamente [...]; misturam critérios heterogêneos e se prestam a ser mal 64 ANAYA, James. International human rights and indigenous peoples. New York, Aspen Publishers, 2009, p. 28. 65 Ibid., p. 33. V. BOWEN, John R. Should we have a universal concept of 'indigenous peoples' rights'?: ethnicity and essentialism in the twenty-first century. Anthropology Today, v. 16, n. 4, p. 12-16, 2000. 66 CORNTASSEL, Jeff J. Who is indigenous? ‘Peoplehood’ and ethnonationalist approaches to rearticulating indigenous identity. Nationalism and Ethnic Politics, v. 9, n. 1, 2003, p. 89. 67 BRASIL. Lei n.º 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Estatuto do Índio. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6001.htm. Acesso em: 22 Fev 2010.
  • 45. 37 interpretadas”68 . A autora explica que a origem e a ascendência pré-colombiana não devem ser entendidas como um critério biológico ou definidor de uma raça, já que a própria existência de raças humanas é contestada. Também não deve ser entendida no sentido de genealogia, pois esta só pode ser provada em um pequeno número de gerações. Elas devem ser entendidas como a consciência de um vínculo histórico com comunidades pré- colombianas, que é transmitida dentro do grupo. O critério cultural deve ser interpretado de forma a excluir o entendimento de que a cultura é uma característica primária e de que deve ser obrigatoriamente a cultura ancestral. Em primeiro lugar porque a cultura é produto do grupo e não o inverso, e em segundo por que a cultura é um processo dinâmico, tendo em vista interações com outros grupos, adaptações sociais e ecológicas etc. “Em suma, traços culturais poderão variar no tempo e no espaço, como de fato variam, sem que isso afete a identidade do grupo”.69 O importante é que os povos indígenas possuem características culturais distintas que os diferenciam da maioria da sociedade em que vivem. 70 Mas a definição legal do Estatuto do Índio traz um importante aspecto, a identificação por si e pelos outros, correto do ponto de vista antropológico, e que engloba os outros dois aspectos (origem pré-colombiana e identidade cultural). Isso significa que apenas a comunidade indígena pode decidir quem são seus membros. Manuela Carneiro da Cunha afirma, nesse sentido, que “Comunidades indígenas são aquelas que se consideram segmentos distintos da sociedade nacional em virtude da consciência de sua continuidade histórica com sociedades pré-colombianas.”71 Também se deve ter cuidado ao vincular os povos indígenas com as sociedades pré- colombianas, já que este é um contexto unicamente americano e os povos indígenas existem por todo o globo. Por isso, a Convenção n.º 169 da OIT se refere também aos povos tribais, para não deixar qualquer dúvida quanto ao seu alcance. Por outro lado, a expressão silvícola designa aquele que vive ou nasce na selva e é totalmente inadequada porque o que faz de alguém indígena não é o fato de viver ou ter 68 CUNHA, Manuela Carneiro da. Os direitos do índio: ensaios e documentos. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 23. 69 Ibid., p. 23-25. 70 GRUPO de Trabalho sobre Populações Indígenas. Note by the Chairperson-Rapporteur of the Working Group on Indigenous populations, Ms. Erica-Irene Daes, on criteria which might be applied when considering the concept of indigenous peoples. E/CN.4/Sub.2/AC.4/1995/3. ONU, 1995, p. 6. 71 CUNHA, op. cit., p. 25 e 26.
  • 46. 38 nascido na selva,72 mas o vínculo histórico com um povo que se autoidentifica no âmbito social, político e cultural. Ademais, a população indígena urbana no Brasil em 2010 era de mais de 315 mil indivíduos. 73 A Convenção nº 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais define povos indígenas em seu artigo 1.1.b: [...] povos em países independentes, considerados indígenas pelo fato de descenderem de populações que habitavam o país ou uma região geográfica pertencente ao país na época da conquista ou da colonização ou do estabelecimento das atuais fronteiras estatais e que, seja qual for sua situação jurídica, conservam todas as suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas, ou parte delas. 74 O texto da referida Convenção também dispõe que: “A consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção.”75 Em suma estabelece os seguintes critérios: a) estar em país independente; b) descender de povos que habitavam o local antes da colonização ou estabelecimento das fronteiras atuais; c) possuir instituições sociais, econômicas, culturais ou políticas próprias; e, d) autoidentificação. A Declaração sobre Povos Indígenas da ONU76 é silente quanto a uma definição. Entretanto, James Anaya afirma que a Declaração não define, mas deixa claro quais são as características dos grupos a que é dirigida e as questões que são comuns a eles. A Declaração tem uma orientação programática e tende a tornar a questão da definição em algo mais do que descrever quais grupos, num sentido prático, são relevantes para o foco programático, e vice-versa, algo mais do que uma questão de primeiro descrever abstratamente quais grupos se qualificam como indígenas, e implicitamente quais não, e em seguida atribuir-lhes direitos.77 No seu preâmbulo, especialmente nos parágrafos 5, 6, 7 e 11, fica explícito que a 72 POVOS Indígenas do Brasil: quem são. Instituto Socioambiental (ISA). Disponível em: http://Pib.Socioambiental.Org/Pt/C/No-Brasil-Atual/Quem-Sao/Povos-Indigenas. Acesso em: 12 Out 2010. 73 INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística. Os indígenas no Censo Demográfico 2010..., p. 12. 74 BRASIL. Decreto n.º 5051, de 19 de abril de 2004. Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre os povos indígenas e tribais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5051.htm. Acesso em: 22 Fev 2010, artigo 1.2. 75 Ibid., artigo 1.1.b. 76 ORGANIZAÇÃO das Nações Unidas. Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas... 77 ANAYA, James. International human rights and indigenous peoples…, p. 29.
  • 47. 39 Declaração é dirigida à proteção de grupos que possuem algumas características como organização, instituições políticas e econômicas, cultura, crenças, costumes e língua que se diferem das características da sociedade dominante, além de compartilharem uma experiência comum de marginalização e discriminação profundamente enraizada em eventos históricos. Um conceito estrito de povo indígena não é necessário nem desejável, assim como um conceito muito amplo e flexível. É muito mais relevante e construtivo tentar delinear as principais características, que podem ajudar a identificar quem são os povos indígenas, especialmente na África e na Ásia. James Anaya aponta como principais características dos povos que se identificam como indígenas78 a) culturas e modos de vida consideravelmente diferenciados da sociedade dominante; b) cultura sob ameaça, em alguns casos, de extinção; c) sobrevivência deste modo de vida diferenciado depende do acesso e direito às suas terras tradicionais e seus recursos naturais; d) sofrem discriminação; e) frequentemente vivem em lugares de difícil acesso, geograficamente isoladas; f) sofrem marginalização política e social; g) estão sujeitos à dominação e à exploração dentro da política e estrutura econômica nacional, que refletem os interesses e atividades da maioria. 79 Para Laura Westra, o papel vital do meio ambiente, apenas presente em grupos que dependem da terra, agregado à localização (longe dos centros de poder), à miséria e à falta de poder, torna imperativa a extensão da proteção que eles precisam, sem se prender à semântica para distinguir povos locais de outros povos indígenas. Dessa forma, para Laura Westra, a expressão grupos ou povos indígenas deve ser interpretada para incluir todas as minorias locais que dependam da terra, que não fizeram parte da conquista imperial, como os Inuit do Ártico, os aborígenes da Austrália, os Maori da Nova Zelândia e povos tribais africanos, pois eles convergem num único conceito que é a sua conexão com a terra.80 A autora lista algumas características que unificam todos estes povos e possibilita que sejam cobertos pelo conceito de povos indígenas: a) eles se veem como povos distintos; 78 Vários povos da África que não sofreram um passado de colonização européia se identificaram como povos indígenas e aderiram ao movimento internacional pelos direitos dos povos indígenas. Por isso, a argumentação de Anaya para indicar características que superem o critério histórico-colonial que o termo indígena invocava. 79 ANAYA, James. International human rights and indigenous peoples…, p. 34. 80 WESTRA, Laura. Environmental justice and the rights of indigenous peoples. London: Earthscan, 2008, p. 20-21.
  • 48. 40 b) habitam seus territórios desde tempos imemoriais; c) possuem uma língua, uma religião e uma cultura comuns; d) se veem como curadores do meio ambiente; e) se definem, pelo menos em parte, por meio do habitat que os provê; f) possuem formas tribais ou comunitárias de relações sociais e de gestão dos recursos; g) possuem identidade relacionada com suas terras; e h) veem o ecossistema que habitam ou habitaram tradicionalmente com significado religioso.81 A relação harmoniosa com o meio natural é tão importante quanto a autoidentificação para delinear uma definição de povos indígenas. O relatório da Comissão de Direitos Humanos na ONU sobre o relacionamento dos povos indígenas com a terra sintetizou alguns elementos que são únicos para os povos indígenas: a) profundo relacionamento existente com suas terras, territórios e recursos; b) este relacionamento tem várias dimensões e responsabilidades sociais, culturais, espirituais, econômicas e políticas; c) a dimensão coletiva deste relacionamento é significante; e, d) o aspecto intergeracional deste relacionamento é também crucial para a identidade, sobrevivência e viabilidade cultural dos povos indígenas.82 Um dos problemas apontados pelo relatório em relação a este relacionamento é a falha dos Estados em proteger a integridade ambiental das terras e territórios indígenas. Isto envolve tanto problemas ambientais globais como iniciativas de desenvolvimento nacional.83 O relacionamento profundo e altamente complexo e sensível que os povos indígenas têm com suas terras e recursos deve ser considerado na proteção da integridade do seu meio ambiente da degradação. Jeff J. Corntassel propôs uma definição de povos indígenas que inclui quatro conceitos entrelaçados: a) Povos que acreditam que são ancestralmente aparentados e se identificam, com base em histórias orais ou escritas, como descendentes dos habitantes originários das suas terras natais ancestrais; b) Povos que podem, mas não necessariamente, ter instituições políticas, econômicas e sociais, formais e/ou informais, que tendem a ser baseadas na comunidade e 81 WESTRA, Laura. Environmental justice and the rights of indigenous peoples…, p. 20. 82 ORGANIZAÇÃO das Nações Unidas. Indigenous peoples and their relationship to land: Final working paper. Relatora: Erica-Irena A. Daes. E/CN.4/Sub.2/2001/21. ONU, 2001, p. 9. 83 Ibid., p. 25.
  • 49. 41 refletem seus ciclos cerimonias distintos, redes de parentesco e tradições culturais em constante desenvolvimento; c) Povos que falam (ou falaram) uma língua indígena, geralmente distinta da língua da sociedade dominante – mesmo onde a língua indígena não é falada, dialetos distintos ou expressões exclusivamente indígenas podem perdurar como uma forma de identidade indígena; d) Povos que se distinguem da sociedade dominante e/ou outros grupos culturais, enquanto mantem uma relação muito próxima com suas terras natais e sítios sagrados, que podem estar ameaçados pela contínua invasão militar, econômica ou política, ou podem ser lugares onde os povos indígenas foram anteriormente expulsos, enquanto buscam realçar sua autonomia política, econômica e cultural. 84 O autor assinala que as características apontadas podem não ser cumulativas, pelo que podem ser incluídos os povos indígenas que representam parcela majoritária da sociedade em que estão inseridos. Ele explica que manteve a questão da não dominação, porque isto é um dado comum à grande maioria dos povos indígenas no mundo. 85 A busca por um conceito global não permite que vários critérios sejam considerados determinantes, como é caso do passado colonial e da ascendência pré-colombiana. Assim, as principais características globais dos povos indígenas são resumidas em: a) autoidentificação; b) distintividade cultural e social; c) profundo relacionamento com suas terras e seus recursos naturais; e d) continuidade histórica. Tão importante quanto identificar as principais características que permitem a identificação como indígena, é demonstrar porque os povos indígenas devem ser considerados povos, sendo este o objeto da próxima subseção. 84 CORNTASSEL, Jeff J. Who is indigenous? ‘Peoplehood’..., p. 91-93. Neste artigo, o autor analisa e critica diversos conceitos/critérios apresentados por estudiosos, instituições intergovernamentais e instituições indígenas, para ao final sugerir estes critérios de definição de povos indígenas. 85 Ibid., p. 93.