O documento discute o livro da Sabedoria, descrevendo sua estrutura em três partes: 1) a Sabedoria e o destino do homem, 2) elogio da Sabedoria, e 3) a Sabedoria na história de Israel. Também aborda conceitos para leitura bíblica e espiritualidade no livro, enfatizando que ele procura mostrar que a vida na justiça é guiada por Deus e oferece felicidade, enquanto a idolatria traz injustiça.
5. O termo "Sabedoria" tem uma vasta gama de significados. Pode ser
descrito como aplicação da mente à aquisição de conhecimentos, a partir
da experiência humana; habilidade prática no exercício de uma atividade
profissional ou para fugir a situações de perigo; prudência na linguagem e
no comportamento; discernimento em ajuizar aquilo que é bom ou mau
para o ser humano; capacidade para detectar as formas de sedução e de
engano.
Literatura Sapiencial
6. Literatura Sapiencial
Sábio é quem sabe adaptar-se a esse sistema cósmico, descobrir o seu
mecanismo operativo e entrar na sua essência. "Insensato", ou mesmo
"ímpio", é quem não descortina as regras desse jogo ou não se interessa
por elas.
A reflexão sapiencial acompanhou o ser humano desde os seus primórdios.
Contudo, certas épocas históricas privilegiaram a recolha de tradições e
impeliram as novas formulações sapienciais.
7. Literatura Sapiencial
A origem do pensamento sapiencial em Israel é tradicionalmente
relacionada com a figura de Salomão (1 Rs 3,4-15; 5,9-14), que se tornou
protótipo de todos os Sábios.
Nos tempos a seguir ao exílio da Babilônia procedeu-se à recolha e fixação
do patrimônio religioso e cultural de Israel.
8. Literatura Sapiencial
Era necessário preservar a identidade religiosa e cultural de um pequeno
povo e relançar a esperança num futuro bem melhor, perante as ameaças
de outras culturas dominantes, como a babilônica e, mais tarde, a grega.
Na investigação e procura da sabedoria, Israel não foi totalmente original.
Este pequeno povo soube assimilar a sabedoria dos povos vizinhos,
sobretudo o Egito e a Mesopotâmia, e adaptá-la segundo a perspectiva da
sua própria experiência religiosa.
9. Literatura Sapiencial
Os livros resultantes da compilação dos antigos provérbios e das novas
reflexões sapienciais recebem o nome de SAPIENCIAIS porque ensinam a
sabedoria como arte de viver. Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes (ou
Qohélet), Cântico dos Cânticos, Sabedoria e Eclesiástico (ou Sirácida)
constituem esse conjunto. Os Salmos são um livro de características
especiais, embora integrado neste conjunto.
10. Literatura Sapiencial
Analisando os livros sapienciais notamos que entre eles existe a distinção entre
a sabedoria proverbial e a tratadística ou intelectual. A primeira exprime, em
frases breves, verdades universais ou condicionadas por determinadas
situações. Podemos encontrar este tipo de ensinamento nos livros dos
Provérbios, Eclesiástico e em parte do Eclesiastes e da Sabedoria. O seu
objetivo é oferecer observações sobre a vida concreta. Seguindo tais instruções,
o homem adapta-se à ordem social, que é o reflexo da ordem cósmica.
11. Literatura Sapiencial
Diferente é o conteúdo da sabedoria tratadística, que, por vezes, como em
Jó, assume a forma de diálogo, ou a de um monólogo-confissão, como no
Eclesiastes. Ocupa-se essencialmente de problemas fundamentais da
existência humana. Encontramos semelhanças entre os livros dos
Provérbios e Eclesiástico e Jó e Eclesiastes.
A principal preocupação dos Sábios é o destino pessoal dos indivíduos. Daí
a importância dada ao problema da retribuição.
12. Literatura Sapiencial
Na fase do desenvolvimento sapiencial anterior ao Exílio, a sabedoria
parece limitar-se ao âmbito da experiência histórica e religiosa de Israel.
Mas, depois do Exílio verifica-se uma evolução substancial: a partir daí, a
sabedoria tende a ser considerada como uma realidade autônoma, distinta
de Deus e do homem. Ou seja: começa a surge o processo da
personificação da sabedoria.
14. Visão Geral
O Livro da Sabedoria é um dos maiores livros normalmente atribuído a
Salomão, porém estudos indicam que foi escrito por um grupo de judeus de
Alexandria pela sua amplitude e tempo de escrita (19 capítulos);
Atribuído a Salomão por algumas versões e manuscritos antigos, o livro da
Sabedoria é certamente da responsabilidade por alguns autores bem
distante de Salomão no tempo, que não poderá situar-se para além do ano
50 a.C. (entre 150 e 50 a.C.).
15. Visão Geral
Alexandria era um importante centro político e cultural grego, e contava
com cerca de 200.000 judeus entre seus habitantes. A cultura grega, com
suas filosofias, costumes e cultos religiosos, além da hostilidade que, às
vezes, incluía perseguição aberta, constituíam uma ameaça constante à fé
e à cultura do povo judaico que habitava no Egito. Para não serem
marginalizados da sociedade, muitos deixavam os costumes e até mesmo a
fé, perdendo a própria identidade para poder viver bem entre os gregos.
16. Visão Geral
O autor, profundamente alimentado pelas Escrituras e pela consciência
histórica do seu povo, enfrenta a situação, escrevendo um livro que
procura de todos os modos reforçar a fé e ativar a esperança, relembrando
o patrimônio histórico-religioso do povo judeu.
Ele ensina a verdadeira sabedoria que conduz a uma vida justa e à
felicidade. Não se trata da cultura que se conquista pelo pensamento, mas
da sabedoria que vem de Deus, opondo-se as filosofias gregas.
17. Visão Geral
Esta sabedoria divina guiou magistralmente a história do povo de Deus,
revelando que a verdadeira felicidade.
O autor quer mostrar que a sabedoria ou senso de realização da vida não é
apenas um fruto do esforço do homem, mas é em primeiro lugar um dom
que Deus concede gratuitamente ao seu povo (judeus povo escolhido).
O livro está marcado culturalmente por uma forte influência helenista,
vejamos algumas grandes máximas cultivadas pelos homens gregos.
19. “Tenha coragem de ser um homem, não
queira ser um deus”
“Conhece-te a ti mesmo”
“Conheça os seus limites”
“Nada em demasia”
20. Visão Geral
O livro da Sabedoria é organizado no cânon como o último livro do AT, num
momento fundamental do diálogo entre o judaísmo e a cultura grega,
tendo sua língua o grego, esse livro não entra nem no Cânon Judaico (da
Bíblia Hebraica) nem, mais tarde, no Cânon das igrejas protestantes
(Lutero).
Vamos lembrar as diferenças entre os cânon católico e o cânon
protestante.
21. Visão Geral
O cânon (lista) católico do AT contém 46 livros e o protestante, 39. Neste,
estão ausentes os livros de Tobias, Judite, Sabedoria, Baruc, Eclesiástico
(Sirácida ou Sirac), I Macabeus e II Macabeus. Além disso, faltam alguns
fragmentos dos livros de Ester e de Daniel. A retirada é pautada na cisão
com a tradição e a escolha somente dos livros da tradição judaica (língua
hebraica) retirando os livros de língua grega. O cânon (lista) católico do NT
são os mesmos 27 livros.
22. Conceitos para a leitura
Para cristãos católicos a interpretação da Bíblia está vinculada a
autoridade da Igreja, isto é, a Tradição, e esta tem a responsabilidade de
ajudar interpretar, formar e esclarecer os assuntos não contidos nas
escrituras, um dos temas centrais proposto por Lutero foi a libertação
deste ponto, romper com a tradição e propor um novo modo de leitura e
interpretação bíblica, conhecida com a sua grande máxima “sola
scriptura”.
23. Conceitos para a leitura
Todo texto sagrado ao ser interpretado, deve se levar em conta pelo menos
três intenções:
Intentio Auctoris: a intenção de quem escreveu;
Intentio Lectoris: a intenção que o leitor tem ao ler;
Intentio Ipisis Textus: a intenção do próprio texto.
24. Conceitos para a leitura
Embora a bíblia tenha sido escrita, copiada, recortada, estruturada por
homens, reconhecemos a natureza da Revelação nela, Deus revelou e
inspirou aos autores ao longo da história do seu povo. Ao realizar uma
leitura bíblica devemos nos atentar ao:
Literalismo: Ler ao pé da letra o texto (sem hermenêutica, sem exegese);
Sentido Literal: Sentido que o autor (hagiógrafo) quis dizer quando escreveu;
Sentido Pleno: Sentido que o próprio Deus revela a partir do texto.
25. Conceitos para a leitura
É importante lembrar que no Antigo Testamento encontramos diversos
gêneros literários, jurídico, narrativo, proféticos, apocalíptico, poesia e
sapiencial, sendo esses dois últimos utilizados no livro da Sabedoria:
Poesia: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos;
Sapiencial: sabedoria simples com temas da vida cotidiana (Provérbios), ou
mostra a crise do homem (imanente) com um Deus (transcendente), por exemplo
o livro de Jó, livros como Eclesiastes monstra com frequência crises internas do
homem “vaidade das vaidades, tudo é vaidade” Ecle 12, 8.
26. Conceitos para a leitura
O estilo geral da obra inclui recursos estilísticos hebraicos (paralelismo,
alusões a motivos do AT e gregos (abundância de sinônimos, adjetivação
rebuscada, aliterações, rimas e jogos de palavras).
Tudo isto faz do livro da Sabedoria um modelo do grego da Bíblia dos
Setenta e que difere totalmente dos outros livros sapienciais que possuem
o mesmo gênero literário.
27. Estrutura e Conteúdo
O Livro pode ser dividido em três (3) partes fundamentais:
1) A Sabedoria e o destino do homem (1,1-5,23): descreve-se a sorte diversa dos
justos e dos ímpios, à luz da fé; sendo a justiça imortal (1,16), Deus reserva a
imortalidade aos justos.
2) Elogio da Sabedoria (6,1-9,18): origem, natureza, propriedades e dons que
acompanham a sabedoria (7,22-8,1), como personificação de Deus (ver Pr 8; Sir
24); elogio da sabedoria, elevando-a acima dos valores mais apreciados neste
mundo.
28. Estrutura e Conteúdo
3) A Sabedoria na História de Israel (10,1-19,22): descreve-se a presença e a
atividade da sabedoria em toda a História do povo de Israel com especial
incidência sobre o Êxodo (11,1-19,17), em forma de midrache (método de
exegese) e de contrastes, que caracterizam o estilo desta terceira parte (11,4-
15,19; 16,1-4.5-14.15-29; 17,1-18,4; 18,5-25; 19,1-21). Mas o autor também
manifesta conhecimentos profundos de outros livros: Génesis, Provérbios, Bem
Sira e Isaías, esta terceira parte possui “relevo” especial a brilhante polêmica
contra a idolatria (atividade constante do autor para libertar acerca disso.).
29. Espiritualidade e Afetividade
A espiritualidade e afetividade no livro de Sabedoria são representadas por
diversas situações da vida pessoal e coletiva (do povo). O livro vai
apresentando sua espiritualidade e a afetividade ao relembrar a época do
Êxodo, quando Israel experimentou a justiça de Deus e esta justiça lhes
deu a libertação. É sem dúvida uma prefiguração da justiça e da libertação
via Cristo. Nas palavras de São João: "Tudo foi feito por Ele, e sem Ele nada
foi feito". (Jo 1,3).
30. Espiritualidade e Afetividade
O livro é um louvor à Sabedoria de Deus. Inicialmente o autor mostra essa
Sabedoria nas obras da vida de cada um, que será recompensada na vida
eterna, sempre o foco na retribuição, em seguida mostra o papel que a
Sabedoria representou na vida de Salomão, "autor" em que o livro fora
atribuído, e, por fim, mostra esta Sabedoria na criação, na história da
humanidade, em especial na vida do povo.
31. Espiritualidade e Afetividade
São perícopes de oração onde se nota a manifestação de Deus e a
revelação do seu projeto. Deus se revela via experiência do povo, indicando
a prioridade de se viver na justiça, pois ela é o guia de suas vidas. Tais
experiências reforçam a fé e ativam a esperança do povo que está disperso
e sem esperança.
32. Espiritualidade e Afetividade
O livro procura mostrar que não se deve aderir à idolatria e a vida injusta
que nasce dela, sobretudo pelo fato de judeus estarem abandonando suas
crenças para se viver segundo os gregos ou aos cristãos, sempre
relembrando a fé das gerações passadas e oferecendo um reforço ao
retorno a consciência de que quem é amigo de Deus tem a verdadeira
felicidade, e só se pode ser realizado na vida se estivermos esta felicidade
nos campos afetiva e espiritual.
33. Espiritualidade e Afetividade
Hoje podemos ver reavivada a espiritualidade e afetividade descrita no livro da
Sabedoria quando se dá atenção e valoriza-se a vida quotidiana como lugar de
experiência profunda de Deus. Quando nos preocupamos com a justiça, com a vida
em sociedade, e com o bem do outro à luz de nossa fé, quando nos colocamos em
oração para intuir os desígnios de Deus para nós ou quando pedimos força para fazer
Sua vontade, ou ainda quando não aderimos às inúmeras idolatrias envolventes que
o mundo contemporâneo nos oferece, como por exemplo, o poder, o desejo de status e
o dinheiro (como um deus).
34. Espiritualidade e Afetividade
O livro da Sabedoria reforça nossa fé e nossa esperança por um mundo
melhor. Um mundo que almejamos mais demarcado pela intimidade com
Deus. Esse é o projeto de um mundo mais justo e feliz, é o projeto do Reino
de Deus.
35. Teologia do Livro
Já reforçamos que muitos judeus seriam tentados a seguir o caminho dos
"ímpios" e a renegar a sua fé, tanto pela perseguição ou pelo ridículo a
que eram sujeitos por causa das práticas dessa fé, como pela vida moral
fácil que os alexandrinos levavam, em contraste com as exigências
apontadas pela Lei Judaica (613 prescrições que um bom judeu deveria
seguir apresentadas nos livros Números, Deuteronômios e Levíticos).
36. Teologia do Livro
Mais que uma categoria, os "ímpios" – que são sempre colocados em
contraposição aos "justos" ao longo de todo o livro – personificam um
estilo de vida oposto e hostil, por vezes, ao que deveria constituir o do
judeu crente (viver segundo as 613 leis). Os 3 conceito de justiça judaico:
1. como virtude da equidade, isto é, dar a cada um o que lhe pertence;
2. como cumprimento perfeito da vontade de Deus;
3. como força ou ação de Deus, que nos livra de toda a espécie de mal.
37. Teologia do Livro
O autor resolve o problema da felicidade dos justos e infelicidade dos
ímpios pela retribuição ultraterrena para os justos.
Face a um ambiente religioso, filosófico e cultural, que apresentava um
estilo de vida material e formalmente atraente, era imperioso dar razões
fortes da fé, mesmo em termos racionais e vitais, para que ela não
aparecesse inferiorizada como proposta ou estilo de vida o autor mostra
excepcionais conhecimentos de toda a Bíblia e da vida dos gregos.
38. Teologia do Livro
Uma segunda ideia teológica fundamental deste livro é a personificação
da Sabedoria divina. Enquanto, para os gregos, a sabedoria era um meio
para chegar ao conhecimento e contemplação divina, para o autor, ela é
uma proposta de vida, algo que deve estar presente em toda a vida e que
preside à vida toda, que fala, estimula e argumenta.
39. Teologia do Livro
A sabedoria é o reflexo da vontade e dos desígnios de Deus (9,13.17),
porque partilha da própria vida de Deus e está associada a todas as suas
obras (8,3-4) e tem a ver com o espírito de Deus (1,6; 7,7.22-23; 9,17), é
ela que torna a religião judaica superior as outras (13-15). A sabedoria é
um outro modo da revelação de Deus; isto é, o próprio Deus atua na
História de Israel (11-12; 16-19) e no mundo criado por meio da sua
sabedoria que culmina em Jesus Cristo "Sábio de Deus" (1 Cor 1,24.30).