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QUAL O SENTIDO DA 
CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA? 
JOSÉ RODRIGO RODRIGUEZ 
(UNISINOS) 
DIREITO CONSTITUCIONAL II 
PONTO 1 – HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL
Qual o sentido da Constituição Brasileira? 
• A maior parte dos constitucionalistas têm se dedicado a discutir 
quais seriam os melhores métodos para interpretar nossa 
Constituição. 
• Necessidade de demarcar direito e política: afastar subjetivismo e 
combater a mediatização do STF. 
• Mas pouca reflexão sobre as características formais e 
substantivas da Constituição, sobre nosso projeto constitucional 
que deveria orientar a utilização dos métodos (ex: “direito como 
integridade”, R. Dworkin). 
• Perigo: Diluição do debate constitucional em temas da Teoria do 
Direito ou da Filosofia do Direito. 
• Há críticas constantes a um suposto caráter contraditório e 
detalhista a CF 1988: normas progressistas ao lado de normas 
conservadoras, incoerências diversas.
Hermenêutica constitucional 
3 níveis de análise, 3 níveis de abstração: 
Nível1: Critério de demarcação. 
• O que diferencia a racionalidade jurídica de outras racionalidades? 
• Critério para demarcar as fronteiras entre direito, política, economia. 
• Temas da Filosofia do Direito e da Teoria do Direito. 
Nível 2: Projeto constitucional. 
• Quais são as características jurídico-políticas de nosso projeto 
constitucional? 
• Qual o sentido da constituição e sua interpretação no Brasil? 
• Tema do Direito Constitucional e da Teoria Política. 
Nível 3: Análise empírica. 
• Como os juízes e juízes argumentam de fato? 
• Estudo da argumentação judicial: características e coerência. 
• Estudo da disputa pelo projeto constitucional nos tribunais e na 
sociedade. 
• Tema da Sociologia Jurídica, Direito Constitucional e outros ramos do 
Direito, desde que dotados de sensibilidade sociológica..
Os 3 níveis estão ligados 
• As teorias sobre a especificidade da racionalidade jurídica: 
• Têm como função estabelecer critérios para criticar a atuação concreta dos juízes e 
juízas: ligação com o nível empírico. 
• Os vários projetos constituionais estabelecem a maneira mais adequada de 
argumentar juidicamente: ligação com o projeto constitucional. 
• As teorias sobre nosso projeto constitucional: 
• A discussão sobre o projeto constitucional serve de critério para avaliar a substância 
das decisões dos juízes e juízas: Ligação com o nível empírico. 
• O projeto constitucional determina a maneira mais adequada de argumentar 
juridicamente: Ligação com a racionalidade jurídica. 
• As análises empíricas: 
• Ajudam a verificar sua adequação ao projeto constitucional e a demarcação entre o 
direito e outras áreas: Ligação com a demarcação e projeto constitucional. 
• Revelam potenciais e práticas sociais de transformação do projeto constitucional e dos 
critérios de demarcação. 
• A empiria está mais perto da ação de indivíduos e movimentos sociais, cuja ação tem 
potencial de transformar o projeto constitucional brasileiro e os critérios de demarcação 
entre o direito e as demais esferas. 
• A maioria das transformações consolida-se antes na jurisprudência. Ex: casamento entre 
pessoas do mesmo sexo. 
• Na empiria está o futuro da Constituição e do Direito brasileiro.
Exemplo 1: RONALD DWORKIN 
• Nível 1: Critério de demarcação 
• Direito é argumentação por regras, princípios e policies. 
• Por meio destas categorias jurídicas podemos expressar juridicamente o projeto 
constitucional e fazer a mediação entre sociedade e jurisdição constitucional. 
• Nível 2: Projeto constitucional 
• Direito é integridade, romance em cadeia que reconstrói os valores fundamentais 
de uma certa comunidade política, expressos no texto de lei. 
• Nível 3: Análise empírica 
• Reconstrução da racionalidade da jurisprudência em O Império do Direito, livro 
que parte e se fundamenta em casos emblemáticos para mostrar que o projeto 
constitucional identificado pelo autor existe de fato, está presente na prática 
judicial cotidiana. 
Observação: Nesta exposição e na próxima vou falar 
mais dos níveis 2 e 3. O nível 1, mais abstrato, vocês 
já devem ter examinado em outras disciplinas ou irão 
examinar em breve.
Exemplo 2: PAULO BONAVIDES 
• Nível 1: Critério de demarcação 
• Direito é argumentação tópica, com base em lugares comuns como os princípios 
constitucionais. 
• Por meio destas categorias jurídicas podemos expressar juridicamente o projeto 
constitucional e fazer a mediação entre sociedade e jurisdição constitucional. 
• Nível 2: Projeto constitucional 
• A CF 88 demanda a criação de um sistema de democracia participativa. 
• Este projeto desdobra-se no campo da jurisdição constitucional. 
• Valorização da abertura e democracia do controle difuso contra a hierarquia e 
centralização do controle abstrato. 
• Nível 3: Análise empírica 
• Reconstrução da racionalidade da jurisprudência para mostrar que o projeto 
constitucional identificado pelo autor existe de fato, está presente na prática 
judicial cotidiana: Parte menos desenvolvida. 
Observação: Nesta exposição e na próxima vou falar 
mais dos níveis 2 e 3. O nível 1, mais abstrato, vocês já 
devem ter examinado em outras disciplinas ou irão 
examinar em breve.
O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO 
Concepção tradicional de interpretação 
Savigny: Interpretar é reconstruir o conteúdo da lei para 
restituir o sentido a um texto viciado ou obscuro: textos 
claros não precisam de interpretação. 
Objeto da interpretação é a norma. Qual é a vontade da norma? 
Quanto aos sujeitos: autêntica, judiciária, doutrinária. 
Quanto aos meios: gramatical, lógica, analógica. 
Quanto aos efeitos: declarativa, extensiva, restritiva. 
Quanto aos métodos: lógico-sistemático; histórico-teológico; 
voluntarista.
O SÉCULO DA INDETERMINAÇÃO 
A Filosofia do Direito do século XX é, em grande parte, uma 
reflexão sobre a indeterminação do Direito. 
Exemplos: Kelsen e Hart 
- A decisão judicial é questão da política do Direito e não da 
ciência do Direito (Kelsen). 
- A ciência do Direito não é capaz de indicar uma única resposta 
correta. 
- O juiz escolhe entre várias possibilidades, igualmente 
plausíveis dogmaticamente. 
- Hart fala da discricionariedade do juiz em razão da textura 
aberta do Direito. 
- Nenhum dos dois escreveu, coerentemente, uma teoria da 
decisão judicial: como chegar a uma única resposta?
“Todos os métodos de interpretação até o presente elaborados 
conduzem sempre a um resultado apenas possível, nunca a um 
resultado que seja o único correto. Fixar-se na vontade 
presumida do legislador desprezando o teor verbal ou 
observando estritamente o teor verbal sem se importar com a 
vontade – quase sempre problemática – do legislador tem – do 
ponto de vista do Direito positivo – valor absolutamente igual. Se 
é o caso de duas normas da mesma lei se contradizerem, então 
as possibilidades lógicas da aplicação jurídica já referidas 
encontram-se, do ponto de vista do Direito positivo, sobre um e o 
mesmo plano. É um esforço inútil fundamentar “juridicamente” 
uma, com exclusão da outra.” 
Hans Kelsen, “A interpretação” In: Teoria Pura do Direito (trad. 
João Baptista Machado), 1976, p. 468.
“... a necessidade de uma interpretação resulta justamente do 
fato de a norma a aplicar ou o sistema das normas deixarem 
várias possibilidades de decisão sobre a questão de saber qual 
dos interesses em jogo é o de maior valor, mas deixarem antes 
esta decisão, a determinação da posição relativa dos interesses, 
a um ato de produção normativa que ainda vai ser posto – à 
sentença judicial, por exemplo.” 
Hans Kelsen, “A interpretação” In: Teoria Pura do Direito (trad. 
João Baptista Machado), 1976, p. 469.
UM EXEMPLO 
“São proibidos animais de estimação neste condomínio.” 
O síndico aplica multa para um condômino que possuiu 
um aquário com peixes ornamentais. 
A multa é legal? 
Qual é o sentido da norma jurídica?
PERGUNTAS 
- A escolha do juiz pode ser puramente subjetiva? 
- Fundamentar uma decisão é expor as razões subjetivas da 
decisão? Legitimação do juiz é simbólica ou racional? 
- É possível desenvolver um método para chegar a respostas 
corretas, mesmo diante da indeterminação do Direito? 
- Existe uma metodologia para proferir sentenças corretas? 
- Há algum critério possível de verdade jurídica? 
- É possível identificar quais são os tipos de argumento 
aceitos em direito e dizer o que seria, afinal, uma decisão 
correta?
Kelsen mostrou que o Direito não segue 
os padrões da ciência. 
- A Filosofia do Direito do século XX procurou outros critérios de 
verdade no debate sobre razão prática, especialmente via 
Aristóteles (Recasens-Siches, Perelmann, Viehweg) e Kant 
(Alexy, Günther) 
- Está em questão o sentido do Estado de Direito: 
- Qual é a natureza do poder do juiz? 
- Como saber se ele está exercendo bem este poder? 
- Qual o critério para avaliar sua atividade? 
- Quantidade de decisões, qualidade da argumentação?
Por que o direito é indeterminado? 
a) As palavras são polissêmicas, plurívocas: direito não é 
matematizável. 
b) Para se identificar uma norma é preciso interpretar a lei: a 
norma resulta da interpretação, não está pronta no texto da 
lei. 
c) Mudanças na técnica legislativa: normas abertas, standards 
e princípios escritos deixam espaço para o intérprete.
d) Desestabilização social do sentido do direito: 
- Sociedades conflitivas e complexas; 
- Novas leis surgem e “desorganizam” o sistema; 
- Ações judicias questionam o sentido atual das normas; 
- Leis simples, direito sistemático e preciso pressupõe 
controle da sociedade civil, regimes autoritários: 
- Não é possível “domesticar” o processo de questionamento 
e transformação do Direito em uma democracia.
Diante deste quadro, é difícil utilizar o textualismo 
como o método de interpretação. 
A hermenêutica jurídica é um espaço de conflito entre 
interpretações. 
Qual é o melhor método para interpretar a Constituição? 
A Constituição é um documento jurídico ou político?
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República 
Federativa do Brasil: 
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; 
II - garantir o desenvolvimento nacional; 
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as 
desigualdades sociais e regionais; 
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, 
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de 
discriminação.
O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO 
CONSTITUCIONAL 
• A CF 88 nasceu em meio a uma crise de hegemonia: crise da 
ditadura, crise econômica, crise do modelo de desenvolvimento 
(Marcos Nobre). 
• Participação da sociedade no processo constituinte foi intensa. 
• 72.719 sugestões. 
• 11.989 sugestões da sociedade e dos Constituintes às 
Subcomissões 
• 61.020 emendas durante todo o processo, 
• 122 emendas populares 12.277.423 assinaturas 
• 83 emendas populares foram admitidas no processo constituinte. 
• 34 foros e 4 fases deliberativas diferentes. 
• Forças populares, Forças Armadas, membros do Judiciário, policia, 
banqueiros, representantes de entidades patronais, estatais, 
multinacionais. 
• Arranjo regimental descentralizado sem texto base: componentes 
de indeterminação que favoreceu interação entre parlamentares e 
extraparlamentares. 
• Contribuiu para aumentar significativamente o universo de 
possibilidades na Assembleéia Nacional Constituinte.
• A Constituição passa a ter um papel estabilizador e 
desestabilizador ao mesmo tempo. 
• Seu texto incluiu uma série de problemas sociais sem oferecer uma 
solução definitiva. 
• As normas constitucionais passam a ser constantemente 
rediscutidas e reescritas ao longo dos anos por meio de emendas 
e ações judiciais. 
• Seu texto indeterminado abre espaço para sua apropriação por 
diversos grupos e dá lugar a criação de cada vez mais textos de 
natureza constitucional. 
• A constituição fornece uma gramática para expressar 
desigualdades e reivindicar igualdade de direitos.
• O processo constituinte, sua origem e seus desdobramentos, 
canalizou a participação política para as estruturas do Estado via 
gramática dos direitos. 
• Centralidade do Estado e do Poder Judiciário. 
• Texto constitucional passa para o centro do processo político: 
debate sobre atuação do STF, reformas constitucionais, reformas 
políticas. 
• Direito passa a estar no centro do processo político e servir de 
linguagem para expressar os mais diversos conflitos sociais levados 
ao Estado, também pela via judicial.
QUAL É O MELHOR MÉTODO PARA 
INTERPRETAR A NOSSA 
CONSTITUIÇÃO? 
Um exemplo: Paulo Bonavides 
• Princípios constitucionais são princípios políticos inseridos na 
Constituição. 
• Caráter jurídico os limita, mas também os liga à vida social. 
• Contra o normativismo: é preciso sondar as forças sociais para 
interpretar a constituição. 
• Como demarcar o que é política e o que é direito? 
• Tópica jurídica é o método mais adequado.
TÓPICA JURÍDICA 
• Técnica que se orienta para o problema. 
• A constituição não é um todo organizado e sistemático, 
portanto, requer um método de interpretação mais aberto. 
• As normas jurídicas e os métodos clássicos de interpretação 
são considerados topoi, instrumentos auxiliares que o 
intérprete pode utilizar ou não para resolver o problema. 
• Uma boa argumentação será aquela que gerar consenso da 
comunidade de intérpretes. 
• Abre espaço para a criatividade do intérprete.
Argumentos jurídicos mais comuns 
• argumento a contrário, 
• argumento analógico; 
• argumento a fortiori; 
• argumento da completude; 
• argumento da coerência; 
• argumento da vontade do legislador; 
• argumento histórico; 
• argumento do legislador racional; 
• argumento da finalidade da lei; 
• argumento do legislador não redundante; 
• argumento ab exemplo; 
• argumento sistemático; 
• argumento da natureza das coisas; 
• argumento de equidade; 
• argumento a partir de princípios gerais.
O argumento a contrario confunde-se com a regra 
"tudo que não é proibido, é permitido". 
Impede que uma qualificação normativa seja 
atribuída a sujeitos ou classes de sujeitos não 
incluídos literalmente nos termos de algum 
enunciado normativo. 
O argumento analógico estende uma qualificação 
normativa para sujeitos ou classes de sujeitos 
não previstos inicialmente nos termos de um 
enunciado normativo, desde que eles possuam 
semelhanças juridicamente relevantes com o 
sujeito ou classe de sujeitos previstos em tal 
enunciado.
O argumento a fortiori ou “com maior razão”, estende 
uma qualificação jurídica a sujeitos ou classes de 
sujeitos não previstos inicialmente nos termos do 
enunciado com fundamento em uma “razão maior” 
suficiente para que estes sujeitos recebam a mesma 
qualificação conferida ao sujeito ou classe de sujeitos 
previstos no enunciado em questão. 
Difere da argumentação analógica, pois se baseia no 
mérito dos sujeitos, não na semelhança entre eles, e 
pode ser dividido em dois tipos: 
(a) A minori ad maius, quando aplicado a uma 
qualificação desvantajosa, nos termos da fórmula 
"se x pode, X pode com maior razão"; 
(b) A maiori ad minus, quando aplicado a uma 
qualificação vantajosa, conforme a formulação 
"quem pode mais, pode menos".
O argumento da completude baseia-se na crença de 
que o direito (o ordenamento jurídico) fornece uma 
disciplina completa de todos os conflitos, ou seja, que 
não tem lacunas. 
A existência deste argumento se explica pelo fato de 
que o intérprete vê-se diante da necessidade, do dever 
(iura novit curia) de atribuir, no concreto, algum 
significados aos enunciados normativos para evitar 
que se considere como não qualificado juridicamente 
algum comportamento levado a juízo. 
O juiz ou juíza não pode deixar de julgar um caso 
concreto alegando que não existe norma jurídica que o 
preveja.
O argumento da coerência funda-se na crença de que 
o direito (o ordenamento jurídico) fornece uma 
disciplina coerente, ou seja, que não existem 
antinomias. 
Na presença de duas normas que atribuem duas 
qualificações jurídicas incompatíveis, deve-se concluir 
que ao menos uma delas não seja válida ou não seja 
aplicável ao caso concreto. Afinal, o juiz não pode 
oferecer duas respostas diferentes e incoerentes para 
um mesmo problema jurídico. 
O argumento da vontade do legislador, toma como 
base a doutrina que considera a lei como um 
“comando superior”, ou seja, a cada enunciado 
normativo deve ser atribuído o significado que 
corresponde à vontade do legislador em concreto, 
autor do enunciado.
O argumento histórico, chamado também de 
“presunção de continuidade do sistema jurídico” ou 
“hipótese do legislador conservador”, considera que 
dado um enunciado normativo e na ausência de 
expressa indicação contrária, deve-se atribuir o 
significado que tradicionalmente vem sendo atribuído 
a ele e não outro. 
O argumento do legislador racional tem como base a 
crença que o direito (o ordenamento jurídico) não 
contém normas absurdas, seja porque se parte da 
ideia de "racionalidade do legislador", seja porque se 
crê que uma norma absurda não possa ser válida, ou 
seja, não possa produzir efeitos.
O argumento da finalidade da lei compreende que a um 
dado enunciado normativo deve ser atribuído o 
significado que corresponda ao fim próprio da lei de 
que o enunciado faz parte ou do interesse que o direito 
visa proteger. 
A crença de que o legislador não é repetitivo dá 
sentido ao argumento do legislador não redundante, 
ou “argumento econômico”. Este argumento parte da 
ideia de que não devem existir enunciados supérfluos 
no ordenamento jurídico. É preciso excluir a atribuição 
a um enunciado normativo de um significado que já foi 
atribuído em outra norma.
O argumento ab exemplo ou argumento autoritativo, 
prescreve ser necessário ater-se aos "precedentes", 
ou seja, às práticas de aplicação das normas jurídicas 
que consistem no produto da interpretação oficial, 
feita pelos órgãos do Estado, ou da interpretação da 
doutrina, cuja eficácia persuasiva é forte em sistemas 
nos quais os precedentes não constituem uma fonte 
jurídica formal, como é o caso do Brasil.
O argumento sistemático determina que a um enunciado 
normativo ou a um conjunto de enunciados normativos 
deve-se atribuir o significado prescrito ou o não 
impedido pelo sistema jurídico. A partir da ideia de 
sistema, pode-se identificar três tipos de argumentos: 
(a) Argumento da sede material: Por sistema, entende-se a 
disposição dos enunciados normativos prescrita pelo legislador. Ao 
enunciado deve ser atribuído o sentido sugerido por sua posição no 
"sistema do código", por exemplo, a disposição dos artigos, 
capítulos e títulos de um código. 
(b) Argumento da constância terminológica: Por sistema, 
entende-se o conjunto de conceitos usados pelo legislador. Quando 
o significado de um determinado termo em um enunciado é 
considerado como correto, deve-se utilizá-lo da mesma forma em 
todos outros enunciados em que ele for utilizado. 
(c) Argumento dogmático: Por sistema, entende-se o 
conjunto orgânico dos conceitos do direito. Aos enunciados 
normativos deve-se atribuir os significados retirados dos conceitos 
e dos princípios do direito.
O argumento da natureza das coisas, originário do 
jusnaturalismo. Tal argumento reconhece nas normas 
expressas pelos enunciados normativos aquelas que 
estão de acordo com a "natureza": a natureza do 
homem, a natureza das relações reguladas, a natureza 
dos fatos sociais etc. 
O argumento de equidade visa a atribuir, entre várias 
interpretações possíveis e culturalmente aceitáveis, 
aquela que menos se choca com as idéias sobre o 
bom êxito da aplicação do direito no caso concreto, 
equilibrando os interesses em conflito. 
O argumento a partir de princípios gerais é aquele 
usado para preencher as chamadas "lacunas" 
normativas por meio dos princípios gerais do direito 
que servem como fundamento para a atribuição de 
significados aos enunciados normativos.
Algumas teorias sobre o Sentido da Constituição 
Constituição liberal-patrimonialista: Ricardo Lobo Torres 
• A CF 88 visa preservar os direitos individuais, especialmente os direitos de 
propriedade, por meio de normas vinculantes. As normas sociais são 
programáticas. 
Constituição aberta: Paulo Bonavides 
• É preciso restaurar a legitimidade do Estado brasileiro. A democracia 
representativa tradicional precisa ser reformada. 
• A Constituição aberta marca a necessidade da revisão doutrinária da 
legitimidade constitucional e do sistema representativo, devendo a 
Constituição abrir-se para o fenômeno da participação popular. 
• “Quanto mais perto do povo estiver o juiz constitucional mais elevado há de 
ser o grau de sua legitimidade”, Paulo Bonavides. Juiz deve argumentar 
com base nos princípios que expressam nosso projeto constitucional: 
importância da tópica. 
Constituição dirigente: Gilberto Bercovici 
• CF 88 criou programas de transformação social progressistas que limitam a 
discricionariedade e devem ser implementados pelo Estado: nacional-desenvolvimentismo.
Neoconstitucionalismo: Luis R. Barroso 
• Importância dos direitos fundamentais como limite à liberdade do 
legislador. 
• Centralidade dos princípios e métodos de interpretação que se 
desvinculem do texto e façam ponderação de princípios e valores. 
• Centralidade do Poder Judiciário no processo de implementação do 
programa constitucional. 
- Crítica de Lenio Streck “Contra o neoconstitucionalismo” 
Constituição simbólica: Marcelo Neves 
• Caráter predominantemente simbólico do texto da CF 88. A preocupação 
com a implementação do texto e suas promessas sociais não é central. 
• As controvérsias constitucionais são decididas com base nos códigos da 
política e conforme conflitos de interesse. 
• Nessa luta acabam preponderando os interesses dos grupos mais 
poderosos, dos denominados “sobrecidadãos”, que conseguem utilizar a 
Constituição e o Estado em geral como instrumento para satisfazer seus 
interesses.
Constituição ubíqua: Daniel Sarmento 
• Conflitos forenses e a doutrina jurídica foram impregnados pelo 
direito constitucional: caráter detalhista da Constituição. 
• Riscos: Vagueza das normas e seus conflitos internos ampliam o 
poder discricionário dos tribunais. Contradições entre valores e 
princípios colocam em risco a estabilidade e a eficácia constitucional. 
• Solução: Reformas para um texto menos prolixo e contraditório. 
Rigor argumentativo que permita controlar a ampla margem de 
liberdade do Poder Judiciário 
Constituição resiliente: Dimitri Dimoulis, Oscar Vilhena, Soraya Lunardi 
• A CF 88 é resultado de um processo político fragmentário. 
• Ela maximizou a proteção dos interesses dos mais diversos setores 
presentes no processo constituinte gerando alta lealdade 
constitucional. 
• Incompletude permite disputa constante pelo sentido da constituição 
reforçando sua centralidade como agenda e não texto acabado. 
• Judiciário é elemento de calibração da política: articula e faz a 
mediação da atuação dos demais Poderes.
A Constituição como Gramática dos Conflitos. 
• Texto indeterminado. 
• Elenco extenso de direitos fundamentais 
• Regulação de um sem número de assuntos. 
• Utilização de princípios escritos e cláusulas gerais. 
• Muitos assuntos remetidos à regulamentação infraconstitucional. 
• Indeterminação cria demanda constante por mais textos para: 
• Concretizar as normas abertas; 
• Compatibilizar a CF com as normas infraconstitucional já existentes 
que regulavam diversos assuntos; 
• Regulamentar matérias remetidas a leis complementares. 
• Indeterminação cria oportunidade de lutar pelo sentido do direito para 
todas as classes e grupos sociais. 
• O texto não confere vitória completa a nenhum projeto político. 
• É genérico e indeterminado a ponto de ser capaz justificar uma 
grande variedade de demandas sociais.
• A Constituição como forma da indeterminação do texto e dos interesses 
protegidos 
• Nem tão progressista, nem tão conservadora: deixa muitas 
questões em aberto. 
• A Constituição como figuração dos conflitos sociais; 
• Incorporou em seu texto os diversos problemas brasileiros. 
• A Constituição como com gramática capaz de figurar novos conflitos; 
• A abstração dos direitos fundamentais e sua amplitude fornecem 
uma gramática infinita para a reivindicação de direitos. 
• A Constituição como fábrica de novos textos normativos; 
• Novas demandas sociais fazem com que surjam reformas 
constitucionais parciais e novas decisões judiciais. 
• A Constituição como referência para o conflito social. 
• Todos os grupos sociais, elite ou povo, reivindicam a constituição e 
disputam o seu sentido.
• Texto constitucional é indeterminado: 
• Normas gerais e princípios escritos de alto grau de 
abstração abrem espaço para a interpretação; 
• Regulação detalhada de vários temas permite a 
constitucionalização de diversos campos do direito; 
• Proteção de toda sorte de interesses sem conferir a vitória 
a nenhum grupo social. 
• Serve de ponto de partida para: 
• Do ponto de vista do juiz: criar normas jurídicas atribuídas 
ao texto; 
• Do ponto de vista da sociedade-advogada/o: criar 
demandas sociais que podem ou não terminar nos 
tribunais.
• Alta lealdade constitucional: a sociedade consegue expressar 
suas demandas por meio da CF 88, disputando o sentido do 
texto. 
• A interpretação da CF 88 presta mais atenção na relevância 
social dos conflitos apresentados perante os tribunais do que 
em uma suposta “integridade do texto”. 
• Argumentação do STF incorpora argumentos emocionais, 
sobre a qualidade do julgador, voltados para a esfera pública 
não especializada. 
• Julgamentos de alta relevância social; 
• Televisionamento dos julgamentos; 
• Mudança da técnica jurídica? 
• Qual a relação entre direito e política?
• A interpretação da CF 88 cria uma alta demanda pela 
justificação racional das decisões tomadas e exige métodos 
interpretativos que separem direito e política. 
e/ou 
• Pode exigir reforço nos mecanismos de legitimação simbólica 
de suas decisões. 
e/ou 
• Tem dado lugar a mecanismos participativos pelos quais a 
sociedade é ouvida pelo STF (audiências públicas, amicus 
curiae)
• Mas como funciona a hermenêutica constitucional na prática? 
• Pesquisa empírica coordenada por mim para a Secretaria 
de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça: 
“Processo legislativo e controle de constitucionalidade”. 
• Texto “Como decidem as cortes brasileiras?” em meu livro 
Como decidem as cortes? Para uma crítica do direito 
(brasileiro). 
Na próxima aula...

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Constitucional II - Hermenêutica

  • 1. QUAL O SENTIDO DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA? JOSÉ RODRIGO RODRIGUEZ (UNISINOS) DIREITO CONSTITUCIONAL II PONTO 1 – HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL
  • 2. Qual o sentido da Constituição Brasileira? • A maior parte dos constitucionalistas têm se dedicado a discutir quais seriam os melhores métodos para interpretar nossa Constituição. • Necessidade de demarcar direito e política: afastar subjetivismo e combater a mediatização do STF. • Mas pouca reflexão sobre as características formais e substantivas da Constituição, sobre nosso projeto constitucional que deveria orientar a utilização dos métodos (ex: “direito como integridade”, R. Dworkin). • Perigo: Diluição do debate constitucional em temas da Teoria do Direito ou da Filosofia do Direito. • Há críticas constantes a um suposto caráter contraditório e detalhista a CF 1988: normas progressistas ao lado de normas conservadoras, incoerências diversas.
  • 3. Hermenêutica constitucional 3 níveis de análise, 3 níveis de abstração: Nível1: Critério de demarcação. • O que diferencia a racionalidade jurídica de outras racionalidades? • Critério para demarcar as fronteiras entre direito, política, economia. • Temas da Filosofia do Direito e da Teoria do Direito. Nível 2: Projeto constitucional. • Quais são as características jurídico-políticas de nosso projeto constitucional? • Qual o sentido da constituição e sua interpretação no Brasil? • Tema do Direito Constitucional e da Teoria Política. Nível 3: Análise empírica. • Como os juízes e juízes argumentam de fato? • Estudo da argumentação judicial: características e coerência. • Estudo da disputa pelo projeto constitucional nos tribunais e na sociedade. • Tema da Sociologia Jurídica, Direito Constitucional e outros ramos do Direito, desde que dotados de sensibilidade sociológica..
  • 4. Os 3 níveis estão ligados • As teorias sobre a especificidade da racionalidade jurídica: • Têm como função estabelecer critérios para criticar a atuação concreta dos juízes e juízas: ligação com o nível empírico. • Os vários projetos constituionais estabelecem a maneira mais adequada de argumentar juidicamente: ligação com o projeto constitucional. • As teorias sobre nosso projeto constitucional: • A discussão sobre o projeto constitucional serve de critério para avaliar a substância das decisões dos juízes e juízas: Ligação com o nível empírico. • O projeto constitucional determina a maneira mais adequada de argumentar juridicamente: Ligação com a racionalidade jurídica. • As análises empíricas: • Ajudam a verificar sua adequação ao projeto constitucional e a demarcação entre o direito e outras áreas: Ligação com a demarcação e projeto constitucional. • Revelam potenciais e práticas sociais de transformação do projeto constitucional e dos critérios de demarcação. • A empiria está mais perto da ação de indivíduos e movimentos sociais, cuja ação tem potencial de transformar o projeto constitucional brasileiro e os critérios de demarcação entre o direito e as demais esferas. • A maioria das transformações consolida-se antes na jurisprudência. Ex: casamento entre pessoas do mesmo sexo. • Na empiria está o futuro da Constituição e do Direito brasileiro.
  • 5. Exemplo 1: RONALD DWORKIN • Nível 1: Critério de demarcação • Direito é argumentação por regras, princípios e policies. • Por meio destas categorias jurídicas podemos expressar juridicamente o projeto constitucional e fazer a mediação entre sociedade e jurisdição constitucional. • Nível 2: Projeto constitucional • Direito é integridade, romance em cadeia que reconstrói os valores fundamentais de uma certa comunidade política, expressos no texto de lei. • Nível 3: Análise empírica • Reconstrução da racionalidade da jurisprudência em O Império do Direito, livro que parte e se fundamenta em casos emblemáticos para mostrar que o projeto constitucional identificado pelo autor existe de fato, está presente na prática judicial cotidiana. Observação: Nesta exposição e na próxima vou falar mais dos níveis 2 e 3. O nível 1, mais abstrato, vocês já devem ter examinado em outras disciplinas ou irão examinar em breve.
  • 6. Exemplo 2: PAULO BONAVIDES • Nível 1: Critério de demarcação • Direito é argumentação tópica, com base em lugares comuns como os princípios constitucionais. • Por meio destas categorias jurídicas podemos expressar juridicamente o projeto constitucional e fazer a mediação entre sociedade e jurisdição constitucional. • Nível 2: Projeto constitucional • A CF 88 demanda a criação de um sistema de democracia participativa. • Este projeto desdobra-se no campo da jurisdição constitucional. • Valorização da abertura e democracia do controle difuso contra a hierarquia e centralização do controle abstrato. • Nível 3: Análise empírica • Reconstrução da racionalidade da jurisprudência para mostrar que o projeto constitucional identificado pelo autor existe de fato, está presente na prática judicial cotidiana: Parte menos desenvolvida. Observação: Nesta exposição e na próxima vou falar mais dos níveis 2 e 3. O nível 1, mais abstrato, vocês já devem ter examinado em outras disciplinas ou irão examinar em breve.
  • 7. O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO Concepção tradicional de interpretação Savigny: Interpretar é reconstruir o conteúdo da lei para restituir o sentido a um texto viciado ou obscuro: textos claros não precisam de interpretação. Objeto da interpretação é a norma. Qual é a vontade da norma? Quanto aos sujeitos: autêntica, judiciária, doutrinária. Quanto aos meios: gramatical, lógica, analógica. Quanto aos efeitos: declarativa, extensiva, restritiva. Quanto aos métodos: lógico-sistemático; histórico-teológico; voluntarista.
  • 8. O SÉCULO DA INDETERMINAÇÃO A Filosofia do Direito do século XX é, em grande parte, uma reflexão sobre a indeterminação do Direito. Exemplos: Kelsen e Hart - A decisão judicial é questão da política do Direito e não da ciência do Direito (Kelsen). - A ciência do Direito não é capaz de indicar uma única resposta correta. - O juiz escolhe entre várias possibilidades, igualmente plausíveis dogmaticamente. - Hart fala da discricionariedade do juiz em razão da textura aberta do Direito. - Nenhum dos dois escreveu, coerentemente, uma teoria da decisão judicial: como chegar a uma única resposta?
  • 9. “Todos os métodos de interpretação até o presente elaborados conduzem sempre a um resultado apenas possível, nunca a um resultado que seja o único correto. Fixar-se na vontade presumida do legislador desprezando o teor verbal ou observando estritamente o teor verbal sem se importar com a vontade – quase sempre problemática – do legislador tem – do ponto de vista do Direito positivo – valor absolutamente igual. Se é o caso de duas normas da mesma lei se contradizerem, então as possibilidades lógicas da aplicação jurídica já referidas encontram-se, do ponto de vista do Direito positivo, sobre um e o mesmo plano. É um esforço inútil fundamentar “juridicamente” uma, com exclusão da outra.” Hans Kelsen, “A interpretação” In: Teoria Pura do Direito (trad. João Baptista Machado), 1976, p. 468.
  • 10. “... a necessidade de uma interpretação resulta justamente do fato de a norma a aplicar ou o sistema das normas deixarem várias possibilidades de decisão sobre a questão de saber qual dos interesses em jogo é o de maior valor, mas deixarem antes esta decisão, a determinação da posição relativa dos interesses, a um ato de produção normativa que ainda vai ser posto – à sentença judicial, por exemplo.” Hans Kelsen, “A interpretação” In: Teoria Pura do Direito (trad. João Baptista Machado), 1976, p. 469.
  • 11. UM EXEMPLO “São proibidos animais de estimação neste condomínio.” O síndico aplica multa para um condômino que possuiu um aquário com peixes ornamentais. A multa é legal? Qual é o sentido da norma jurídica?
  • 12. PERGUNTAS - A escolha do juiz pode ser puramente subjetiva? - Fundamentar uma decisão é expor as razões subjetivas da decisão? Legitimação do juiz é simbólica ou racional? - É possível desenvolver um método para chegar a respostas corretas, mesmo diante da indeterminação do Direito? - Existe uma metodologia para proferir sentenças corretas? - Há algum critério possível de verdade jurídica? - É possível identificar quais são os tipos de argumento aceitos em direito e dizer o que seria, afinal, uma decisão correta?
  • 13. Kelsen mostrou que o Direito não segue os padrões da ciência. - A Filosofia do Direito do século XX procurou outros critérios de verdade no debate sobre razão prática, especialmente via Aristóteles (Recasens-Siches, Perelmann, Viehweg) e Kant (Alexy, Günther) - Está em questão o sentido do Estado de Direito: - Qual é a natureza do poder do juiz? - Como saber se ele está exercendo bem este poder? - Qual o critério para avaliar sua atividade? - Quantidade de decisões, qualidade da argumentação?
  • 14. Por que o direito é indeterminado? a) As palavras são polissêmicas, plurívocas: direito não é matematizável. b) Para se identificar uma norma é preciso interpretar a lei: a norma resulta da interpretação, não está pronta no texto da lei. c) Mudanças na técnica legislativa: normas abertas, standards e princípios escritos deixam espaço para o intérprete.
  • 15. d) Desestabilização social do sentido do direito: - Sociedades conflitivas e complexas; - Novas leis surgem e “desorganizam” o sistema; - Ações judicias questionam o sentido atual das normas; - Leis simples, direito sistemático e preciso pressupõe controle da sociedade civil, regimes autoritários: - Não é possível “domesticar” o processo de questionamento e transformação do Direito em uma democracia.
  • 16. Diante deste quadro, é difícil utilizar o textualismo como o método de interpretação. A hermenêutica jurídica é um espaço de conflito entre interpretações. Qual é o melhor método para interpretar a Constituição? A Constituição é um documento jurídico ou político?
  • 17. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
  • 18. O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL • A CF 88 nasceu em meio a uma crise de hegemonia: crise da ditadura, crise econômica, crise do modelo de desenvolvimento (Marcos Nobre). • Participação da sociedade no processo constituinte foi intensa. • 72.719 sugestões. • 11.989 sugestões da sociedade e dos Constituintes às Subcomissões • 61.020 emendas durante todo o processo, • 122 emendas populares 12.277.423 assinaturas • 83 emendas populares foram admitidas no processo constituinte. • 34 foros e 4 fases deliberativas diferentes. • Forças populares, Forças Armadas, membros do Judiciário, policia, banqueiros, representantes de entidades patronais, estatais, multinacionais. • Arranjo regimental descentralizado sem texto base: componentes de indeterminação que favoreceu interação entre parlamentares e extraparlamentares. • Contribuiu para aumentar significativamente o universo de possibilidades na Assembleéia Nacional Constituinte.
  • 19. • A Constituição passa a ter um papel estabilizador e desestabilizador ao mesmo tempo. • Seu texto incluiu uma série de problemas sociais sem oferecer uma solução definitiva. • As normas constitucionais passam a ser constantemente rediscutidas e reescritas ao longo dos anos por meio de emendas e ações judiciais. • Seu texto indeterminado abre espaço para sua apropriação por diversos grupos e dá lugar a criação de cada vez mais textos de natureza constitucional. • A constituição fornece uma gramática para expressar desigualdades e reivindicar igualdade de direitos.
  • 20. • O processo constituinte, sua origem e seus desdobramentos, canalizou a participação política para as estruturas do Estado via gramática dos direitos. • Centralidade do Estado e do Poder Judiciário. • Texto constitucional passa para o centro do processo político: debate sobre atuação do STF, reformas constitucionais, reformas políticas. • Direito passa a estar no centro do processo político e servir de linguagem para expressar os mais diversos conflitos sociais levados ao Estado, também pela via judicial.
  • 21. QUAL É O MELHOR MÉTODO PARA INTERPRETAR A NOSSA CONSTITUIÇÃO? Um exemplo: Paulo Bonavides • Princípios constitucionais são princípios políticos inseridos na Constituição. • Caráter jurídico os limita, mas também os liga à vida social. • Contra o normativismo: é preciso sondar as forças sociais para interpretar a constituição. • Como demarcar o que é política e o que é direito? • Tópica jurídica é o método mais adequado.
  • 22. TÓPICA JURÍDICA • Técnica que se orienta para o problema. • A constituição não é um todo organizado e sistemático, portanto, requer um método de interpretação mais aberto. • As normas jurídicas e os métodos clássicos de interpretação são considerados topoi, instrumentos auxiliares que o intérprete pode utilizar ou não para resolver o problema. • Uma boa argumentação será aquela que gerar consenso da comunidade de intérpretes. • Abre espaço para a criatividade do intérprete.
  • 23. Argumentos jurídicos mais comuns • argumento a contrário, • argumento analógico; • argumento a fortiori; • argumento da completude; • argumento da coerência; • argumento da vontade do legislador; • argumento histórico; • argumento do legislador racional; • argumento da finalidade da lei; • argumento do legislador não redundante; • argumento ab exemplo; • argumento sistemático; • argumento da natureza das coisas; • argumento de equidade; • argumento a partir de princípios gerais.
  • 24. O argumento a contrario confunde-se com a regra "tudo que não é proibido, é permitido". Impede que uma qualificação normativa seja atribuída a sujeitos ou classes de sujeitos não incluídos literalmente nos termos de algum enunciado normativo. O argumento analógico estende uma qualificação normativa para sujeitos ou classes de sujeitos não previstos inicialmente nos termos de um enunciado normativo, desde que eles possuam semelhanças juridicamente relevantes com o sujeito ou classe de sujeitos previstos em tal enunciado.
  • 25. O argumento a fortiori ou “com maior razão”, estende uma qualificação jurídica a sujeitos ou classes de sujeitos não previstos inicialmente nos termos do enunciado com fundamento em uma “razão maior” suficiente para que estes sujeitos recebam a mesma qualificação conferida ao sujeito ou classe de sujeitos previstos no enunciado em questão. Difere da argumentação analógica, pois se baseia no mérito dos sujeitos, não na semelhança entre eles, e pode ser dividido em dois tipos: (a) A minori ad maius, quando aplicado a uma qualificação desvantajosa, nos termos da fórmula "se x pode, X pode com maior razão"; (b) A maiori ad minus, quando aplicado a uma qualificação vantajosa, conforme a formulação "quem pode mais, pode menos".
  • 26. O argumento da completude baseia-se na crença de que o direito (o ordenamento jurídico) fornece uma disciplina completa de todos os conflitos, ou seja, que não tem lacunas. A existência deste argumento se explica pelo fato de que o intérprete vê-se diante da necessidade, do dever (iura novit curia) de atribuir, no concreto, algum significados aos enunciados normativos para evitar que se considere como não qualificado juridicamente algum comportamento levado a juízo. O juiz ou juíza não pode deixar de julgar um caso concreto alegando que não existe norma jurídica que o preveja.
  • 27. O argumento da coerência funda-se na crença de que o direito (o ordenamento jurídico) fornece uma disciplina coerente, ou seja, que não existem antinomias. Na presença de duas normas que atribuem duas qualificações jurídicas incompatíveis, deve-se concluir que ao menos uma delas não seja válida ou não seja aplicável ao caso concreto. Afinal, o juiz não pode oferecer duas respostas diferentes e incoerentes para um mesmo problema jurídico. O argumento da vontade do legislador, toma como base a doutrina que considera a lei como um “comando superior”, ou seja, a cada enunciado normativo deve ser atribuído o significado que corresponde à vontade do legislador em concreto, autor do enunciado.
  • 28. O argumento histórico, chamado também de “presunção de continuidade do sistema jurídico” ou “hipótese do legislador conservador”, considera que dado um enunciado normativo e na ausência de expressa indicação contrária, deve-se atribuir o significado que tradicionalmente vem sendo atribuído a ele e não outro. O argumento do legislador racional tem como base a crença que o direito (o ordenamento jurídico) não contém normas absurdas, seja porque se parte da ideia de "racionalidade do legislador", seja porque se crê que uma norma absurda não possa ser válida, ou seja, não possa produzir efeitos.
  • 29. O argumento da finalidade da lei compreende que a um dado enunciado normativo deve ser atribuído o significado que corresponda ao fim próprio da lei de que o enunciado faz parte ou do interesse que o direito visa proteger. A crença de que o legislador não é repetitivo dá sentido ao argumento do legislador não redundante, ou “argumento econômico”. Este argumento parte da ideia de que não devem existir enunciados supérfluos no ordenamento jurídico. É preciso excluir a atribuição a um enunciado normativo de um significado que já foi atribuído em outra norma.
  • 30. O argumento ab exemplo ou argumento autoritativo, prescreve ser necessário ater-se aos "precedentes", ou seja, às práticas de aplicação das normas jurídicas que consistem no produto da interpretação oficial, feita pelos órgãos do Estado, ou da interpretação da doutrina, cuja eficácia persuasiva é forte em sistemas nos quais os precedentes não constituem uma fonte jurídica formal, como é o caso do Brasil.
  • 31. O argumento sistemático determina que a um enunciado normativo ou a um conjunto de enunciados normativos deve-se atribuir o significado prescrito ou o não impedido pelo sistema jurídico. A partir da ideia de sistema, pode-se identificar três tipos de argumentos: (a) Argumento da sede material: Por sistema, entende-se a disposição dos enunciados normativos prescrita pelo legislador. Ao enunciado deve ser atribuído o sentido sugerido por sua posição no "sistema do código", por exemplo, a disposição dos artigos, capítulos e títulos de um código. (b) Argumento da constância terminológica: Por sistema, entende-se o conjunto de conceitos usados pelo legislador. Quando o significado de um determinado termo em um enunciado é considerado como correto, deve-se utilizá-lo da mesma forma em todos outros enunciados em que ele for utilizado. (c) Argumento dogmático: Por sistema, entende-se o conjunto orgânico dos conceitos do direito. Aos enunciados normativos deve-se atribuir os significados retirados dos conceitos e dos princípios do direito.
  • 32. O argumento da natureza das coisas, originário do jusnaturalismo. Tal argumento reconhece nas normas expressas pelos enunciados normativos aquelas que estão de acordo com a "natureza": a natureza do homem, a natureza das relações reguladas, a natureza dos fatos sociais etc. O argumento de equidade visa a atribuir, entre várias interpretações possíveis e culturalmente aceitáveis, aquela que menos se choca com as idéias sobre o bom êxito da aplicação do direito no caso concreto, equilibrando os interesses em conflito. O argumento a partir de princípios gerais é aquele usado para preencher as chamadas "lacunas" normativas por meio dos princípios gerais do direito que servem como fundamento para a atribuição de significados aos enunciados normativos.
  • 33. Algumas teorias sobre o Sentido da Constituição Constituição liberal-patrimonialista: Ricardo Lobo Torres • A CF 88 visa preservar os direitos individuais, especialmente os direitos de propriedade, por meio de normas vinculantes. As normas sociais são programáticas. Constituição aberta: Paulo Bonavides • É preciso restaurar a legitimidade do Estado brasileiro. A democracia representativa tradicional precisa ser reformada. • A Constituição aberta marca a necessidade da revisão doutrinária da legitimidade constitucional e do sistema representativo, devendo a Constituição abrir-se para o fenômeno da participação popular. • “Quanto mais perto do povo estiver o juiz constitucional mais elevado há de ser o grau de sua legitimidade”, Paulo Bonavides. Juiz deve argumentar com base nos princípios que expressam nosso projeto constitucional: importância da tópica. Constituição dirigente: Gilberto Bercovici • CF 88 criou programas de transformação social progressistas que limitam a discricionariedade e devem ser implementados pelo Estado: nacional-desenvolvimentismo.
  • 34. Neoconstitucionalismo: Luis R. Barroso • Importância dos direitos fundamentais como limite à liberdade do legislador. • Centralidade dos princípios e métodos de interpretação que se desvinculem do texto e façam ponderação de princípios e valores. • Centralidade do Poder Judiciário no processo de implementação do programa constitucional. - Crítica de Lenio Streck “Contra o neoconstitucionalismo” Constituição simbólica: Marcelo Neves • Caráter predominantemente simbólico do texto da CF 88. A preocupação com a implementação do texto e suas promessas sociais não é central. • As controvérsias constitucionais são decididas com base nos códigos da política e conforme conflitos de interesse. • Nessa luta acabam preponderando os interesses dos grupos mais poderosos, dos denominados “sobrecidadãos”, que conseguem utilizar a Constituição e o Estado em geral como instrumento para satisfazer seus interesses.
  • 35. Constituição ubíqua: Daniel Sarmento • Conflitos forenses e a doutrina jurídica foram impregnados pelo direito constitucional: caráter detalhista da Constituição. • Riscos: Vagueza das normas e seus conflitos internos ampliam o poder discricionário dos tribunais. Contradições entre valores e princípios colocam em risco a estabilidade e a eficácia constitucional. • Solução: Reformas para um texto menos prolixo e contraditório. Rigor argumentativo que permita controlar a ampla margem de liberdade do Poder Judiciário Constituição resiliente: Dimitri Dimoulis, Oscar Vilhena, Soraya Lunardi • A CF 88 é resultado de um processo político fragmentário. • Ela maximizou a proteção dos interesses dos mais diversos setores presentes no processo constituinte gerando alta lealdade constitucional. • Incompletude permite disputa constante pelo sentido da constituição reforçando sua centralidade como agenda e não texto acabado. • Judiciário é elemento de calibração da política: articula e faz a mediação da atuação dos demais Poderes.
  • 36. A Constituição como Gramática dos Conflitos. • Texto indeterminado. • Elenco extenso de direitos fundamentais • Regulação de um sem número de assuntos. • Utilização de princípios escritos e cláusulas gerais. • Muitos assuntos remetidos à regulamentação infraconstitucional. • Indeterminação cria demanda constante por mais textos para: • Concretizar as normas abertas; • Compatibilizar a CF com as normas infraconstitucional já existentes que regulavam diversos assuntos; • Regulamentar matérias remetidas a leis complementares. • Indeterminação cria oportunidade de lutar pelo sentido do direito para todas as classes e grupos sociais. • O texto não confere vitória completa a nenhum projeto político. • É genérico e indeterminado a ponto de ser capaz justificar uma grande variedade de demandas sociais.
  • 37. • A Constituição como forma da indeterminação do texto e dos interesses protegidos • Nem tão progressista, nem tão conservadora: deixa muitas questões em aberto. • A Constituição como figuração dos conflitos sociais; • Incorporou em seu texto os diversos problemas brasileiros. • A Constituição como com gramática capaz de figurar novos conflitos; • A abstração dos direitos fundamentais e sua amplitude fornecem uma gramática infinita para a reivindicação de direitos. • A Constituição como fábrica de novos textos normativos; • Novas demandas sociais fazem com que surjam reformas constitucionais parciais e novas decisões judiciais. • A Constituição como referência para o conflito social. • Todos os grupos sociais, elite ou povo, reivindicam a constituição e disputam o seu sentido.
  • 38. • Texto constitucional é indeterminado: • Normas gerais e princípios escritos de alto grau de abstração abrem espaço para a interpretação; • Regulação detalhada de vários temas permite a constitucionalização de diversos campos do direito; • Proteção de toda sorte de interesses sem conferir a vitória a nenhum grupo social. • Serve de ponto de partida para: • Do ponto de vista do juiz: criar normas jurídicas atribuídas ao texto; • Do ponto de vista da sociedade-advogada/o: criar demandas sociais que podem ou não terminar nos tribunais.
  • 39. • Alta lealdade constitucional: a sociedade consegue expressar suas demandas por meio da CF 88, disputando o sentido do texto. • A interpretação da CF 88 presta mais atenção na relevância social dos conflitos apresentados perante os tribunais do que em uma suposta “integridade do texto”. • Argumentação do STF incorpora argumentos emocionais, sobre a qualidade do julgador, voltados para a esfera pública não especializada. • Julgamentos de alta relevância social; • Televisionamento dos julgamentos; • Mudança da técnica jurídica? • Qual a relação entre direito e política?
  • 40. • A interpretação da CF 88 cria uma alta demanda pela justificação racional das decisões tomadas e exige métodos interpretativos que separem direito e política. e/ou • Pode exigir reforço nos mecanismos de legitimação simbólica de suas decisões. e/ou • Tem dado lugar a mecanismos participativos pelos quais a sociedade é ouvida pelo STF (audiências públicas, amicus curiae)
  • 41. • Mas como funciona a hermenêutica constitucional na prática? • Pesquisa empírica coordenada por mim para a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça: “Processo legislativo e controle de constitucionalidade”. • Texto “Como decidem as cortes brasileiras?” em meu livro Como decidem as cortes? Para uma crítica do direito (brasileiro). Na próxima aula...