1. QUAL O SENTIDO DA
CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA?
JOSÉ RODRIGO RODRIGUEZ
(UNISINOS)
DIREITO CONSTITUCIONAL II
PONTO 1 – HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL
2. Qual o sentido da Constituição Brasileira?
• A maior parte dos constitucionalistas têm se dedicado a discutir
quais seriam os melhores métodos para interpretar nossa
Constituição.
• Necessidade de demarcar direito e política: afastar subjetivismo e
combater a mediatização do STF.
• Mas pouca reflexão sobre as características formais e
substantivas da Constituição, sobre nosso projeto constitucional
que deveria orientar a utilização dos métodos (ex: “direito como
integridade”, R. Dworkin).
• Perigo: Diluição do debate constitucional em temas da Teoria do
Direito ou da Filosofia do Direito.
• Há críticas constantes a um suposto caráter contraditório e
detalhista a CF 1988: normas progressistas ao lado de normas
conservadoras, incoerências diversas.
3. Hermenêutica constitucional
3 níveis de análise, 3 níveis de abstração:
Nível1: Critério de demarcação.
• O que diferencia a racionalidade jurídica de outras racionalidades?
• Critério para demarcar as fronteiras entre direito, política, economia.
• Temas da Filosofia do Direito e da Teoria do Direito.
Nível 2: Projeto constitucional.
• Quais são as características jurídico-políticas de nosso projeto
constitucional?
• Qual o sentido da constituição e sua interpretação no Brasil?
• Tema do Direito Constitucional e da Teoria Política.
Nível 3: Análise empírica.
• Como os juízes e juízes argumentam de fato?
• Estudo da argumentação judicial: características e coerência.
• Estudo da disputa pelo projeto constitucional nos tribunais e na
sociedade.
• Tema da Sociologia Jurídica, Direito Constitucional e outros ramos do
Direito, desde que dotados de sensibilidade sociológica..
4. Os 3 níveis estão ligados
• As teorias sobre a especificidade da racionalidade jurídica:
• Têm como função estabelecer critérios para criticar a atuação concreta dos juízes e
juízas: ligação com o nível empírico.
• Os vários projetos constituionais estabelecem a maneira mais adequada de
argumentar juidicamente: ligação com o projeto constitucional.
• As teorias sobre nosso projeto constitucional:
• A discussão sobre o projeto constitucional serve de critério para avaliar a substância
das decisões dos juízes e juízas: Ligação com o nível empírico.
• O projeto constitucional determina a maneira mais adequada de argumentar
juridicamente: Ligação com a racionalidade jurídica.
• As análises empíricas:
• Ajudam a verificar sua adequação ao projeto constitucional e a demarcação entre o
direito e outras áreas: Ligação com a demarcação e projeto constitucional.
• Revelam potenciais e práticas sociais de transformação do projeto constitucional e dos
critérios de demarcação.
• A empiria está mais perto da ação de indivíduos e movimentos sociais, cuja ação tem
potencial de transformar o projeto constitucional brasileiro e os critérios de demarcação
entre o direito e as demais esferas.
• A maioria das transformações consolida-se antes na jurisprudência. Ex: casamento entre
pessoas do mesmo sexo.
• Na empiria está o futuro da Constituição e do Direito brasileiro.
5. Exemplo 1: RONALD DWORKIN
• Nível 1: Critério de demarcação
• Direito é argumentação por regras, princípios e policies.
• Por meio destas categorias jurídicas podemos expressar juridicamente o projeto
constitucional e fazer a mediação entre sociedade e jurisdição constitucional.
• Nível 2: Projeto constitucional
• Direito é integridade, romance em cadeia que reconstrói os valores fundamentais
de uma certa comunidade política, expressos no texto de lei.
• Nível 3: Análise empírica
• Reconstrução da racionalidade da jurisprudência em O Império do Direito, livro
que parte e se fundamenta em casos emblemáticos para mostrar que o projeto
constitucional identificado pelo autor existe de fato, está presente na prática
judicial cotidiana.
Observação: Nesta exposição e na próxima vou falar
mais dos níveis 2 e 3. O nível 1, mais abstrato, vocês
já devem ter examinado em outras disciplinas ou irão
examinar em breve.
6. Exemplo 2: PAULO BONAVIDES
• Nível 1: Critério de demarcação
• Direito é argumentação tópica, com base em lugares comuns como os princípios
constitucionais.
• Por meio destas categorias jurídicas podemos expressar juridicamente o projeto
constitucional e fazer a mediação entre sociedade e jurisdição constitucional.
• Nível 2: Projeto constitucional
• A CF 88 demanda a criação de um sistema de democracia participativa.
• Este projeto desdobra-se no campo da jurisdição constitucional.
• Valorização da abertura e democracia do controle difuso contra a hierarquia e
centralização do controle abstrato.
• Nível 3: Análise empírica
• Reconstrução da racionalidade da jurisprudência para mostrar que o projeto
constitucional identificado pelo autor existe de fato, está presente na prática
judicial cotidiana: Parte menos desenvolvida.
Observação: Nesta exposição e na próxima vou falar
mais dos níveis 2 e 3. O nível 1, mais abstrato, vocês já
devem ter examinado em outras disciplinas ou irão
examinar em breve.
7. O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO
Concepção tradicional de interpretação
Savigny: Interpretar é reconstruir o conteúdo da lei para
restituir o sentido a um texto viciado ou obscuro: textos
claros não precisam de interpretação.
Objeto da interpretação é a norma. Qual é a vontade da norma?
Quanto aos sujeitos: autêntica, judiciária, doutrinária.
Quanto aos meios: gramatical, lógica, analógica.
Quanto aos efeitos: declarativa, extensiva, restritiva.
Quanto aos métodos: lógico-sistemático; histórico-teológico;
voluntarista.
8. O SÉCULO DA INDETERMINAÇÃO
A Filosofia do Direito do século XX é, em grande parte, uma
reflexão sobre a indeterminação do Direito.
Exemplos: Kelsen e Hart
- A decisão judicial é questão da política do Direito e não da
ciência do Direito (Kelsen).
- A ciência do Direito não é capaz de indicar uma única resposta
correta.
- O juiz escolhe entre várias possibilidades, igualmente
plausíveis dogmaticamente.
- Hart fala da discricionariedade do juiz em razão da textura
aberta do Direito.
- Nenhum dos dois escreveu, coerentemente, uma teoria da
decisão judicial: como chegar a uma única resposta?
9. “Todos os métodos de interpretação até o presente elaborados
conduzem sempre a um resultado apenas possível, nunca a um
resultado que seja o único correto. Fixar-se na vontade
presumida do legislador desprezando o teor verbal ou
observando estritamente o teor verbal sem se importar com a
vontade – quase sempre problemática – do legislador tem – do
ponto de vista do Direito positivo – valor absolutamente igual. Se
é o caso de duas normas da mesma lei se contradizerem, então
as possibilidades lógicas da aplicação jurídica já referidas
encontram-se, do ponto de vista do Direito positivo, sobre um e o
mesmo plano. É um esforço inútil fundamentar “juridicamente”
uma, com exclusão da outra.”
Hans Kelsen, “A interpretação” In: Teoria Pura do Direito (trad.
João Baptista Machado), 1976, p. 468.
10. “... a necessidade de uma interpretação resulta justamente do
fato de a norma a aplicar ou o sistema das normas deixarem
várias possibilidades de decisão sobre a questão de saber qual
dos interesses em jogo é o de maior valor, mas deixarem antes
esta decisão, a determinação da posição relativa dos interesses,
a um ato de produção normativa que ainda vai ser posto – à
sentença judicial, por exemplo.”
Hans Kelsen, “A interpretação” In: Teoria Pura do Direito (trad.
João Baptista Machado), 1976, p. 469.
11. UM EXEMPLO
“São proibidos animais de estimação neste condomínio.”
O síndico aplica multa para um condômino que possuiu
um aquário com peixes ornamentais.
A multa é legal?
Qual é o sentido da norma jurídica?
12. PERGUNTAS
- A escolha do juiz pode ser puramente subjetiva?
- Fundamentar uma decisão é expor as razões subjetivas da
decisão? Legitimação do juiz é simbólica ou racional?
- É possível desenvolver um método para chegar a respostas
corretas, mesmo diante da indeterminação do Direito?
- Existe uma metodologia para proferir sentenças corretas?
- Há algum critério possível de verdade jurídica?
- É possível identificar quais são os tipos de argumento
aceitos em direito e dizer o que seria, afinal, uma decisão
correta?
13. Kelsen mostrou que o Direito não segue
os padrões da ciência.
- A Filosofia do Direito do século XX procurou outros critérios de
verdade no debate sobre razão prática, especialmente via
Aristóteles (Recasens-Siches, Perelmann, Viehweg) e Kant
(Alexy, Günther)
- Está em questão o sentido do Estado de Direito:
- Qual é a natureza do poder do juiz?
- Como saber se ele está exercendo bem este poder?
- Qual o critério para avaliar sua atividade?
- Quantidade de decisões, qualidade da argumentação?
14. Por que o direito é indeterminado?
a) As palavras são polissêmicas, plurívocas: direito não é
matematizável.
b) Para se identificar uma norma é preciso interpretar a lei: a
norma resulta da interpretação, não está pronta no texto da
lei.
c) Mudanças na técnica legislativa: normas abertas, standards
e princípios escritos deixam espaço para o intérprete.
15. d) Desestabilização social do sentido do direito:
- Sociedades conflitivas e complexas;
- Novas leis surgem e “desorganizam” o sistema;
- Ações judicias questionam o sentido atual das normas;
- Leis simples, direito sistemático e preciso pressupõe
controle da sociedade civil, regimes autoritários:
- Não é possível “domesticar” o processo de questionamento
e transformação do Direito em uma democracia.
16. Diante deste quadro, é difícil utilizar o textualismo
como o método de interpretação.
A hermenêutica jurídica é um espaço de conflito entre
interpretações.
Qual é o melhor método para interpretar a Constituição?
A Constituição é um documento jurídico ou político?
17. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
18. O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO
CONSTITUCIONAL
• A CF 88 nasceu em meio a uma crise de hegemonia: crise da
ditadura, crise econômica, crise do modelo de desenvolvimento
(Marcos Nobre).
• Participação da sociedade no processo constituinte foi intensa.
• 72.719 sugestões.
• 11.989 sugestões da sociedade e dos Constituintes às
Subcomissões
• 61.020 emendas durante todo o processo,
• 122 emendas populares 12.277.423 assinaturas
• 83 emendas populares foram admitidas no processo constituinte.
• 34 foros e 4 fases deliberativas diferentes.
• Forças populares, Forças Armadas, membros do Judiciário, policia,
banqueiros, representantes de entidades patronais, estatais,
multinacionais.
• Arranjo regimental descentralizado sem texto base: componentes
de indeterminação que favoreceu interação entre parlamentares e
extraparlamentares.
• Contribuiu para aumentar significativamente o universo de
possibilidades na Assembleéia Nacional Constituinte.
19. • A Constituição passa a ter um papel estabilizador e
desestabilizador ao mesmo tempo.
• Seu texto incluiu uma série de problemas sociais sem oferecer uma
solução definitiva.
• As normas constitucionais passam a ser constantemente
rediscutidas e reescritas ao longo dos anos por meio de emendas
e ações judiciais.
• Seu texto indeterminado abre espaço para sua apropriação por
diversos grupos e dá lugar a criação de cada vez mais textos de
natureza constitucional.
• A constituição fornece uma gramática para expressar
desigualdades e reivindicar igualdade de direitos.
20. • O processo constituinte, sua origem e seus desdobramentos,
canalizou a participação política para as estruturas do Estado via
gramática dos direitos.
• Centralidade do Estado e do Poder Judiciário.
• Texto constitucional passa para o centro do processo político:
debate sobre atuação do STF, reformas constitucionais, reformas
políticas.
• Direito passa a estar no centro do processo político e servir de
linguagem para expressar os mais diversos conflitos sociais levados
ao Estado, também pela via judicial.
21. QUAL É O MELHOR MÉTODO PARA
INTERPRETAR A NOSSA
CONSTITUIÇÃO?
Um exemplo: Paulo Bonavides
• Princípios constitucionais são princípios políticos inseridos na
Constituição.
• Caráter jurídico os limita, mas também os liga à vida social.
• Contra o normativismo: é preciso sondar as forças sociais para
interpretar a constituição.
• Como demarcar o que é política e o que é direito?
• Tópica jurídica é o método mais adequado.
22. TÓPICA JURÍDICA
• Técnica que se orienta para o problema.
• A constituição não é um todo organizado e sistemático,
portanto, requer um método de interpretação mais aberto.
• As normas jurídicas e os métodos clássicos de interpretação
são considerados topoi, instrumentos auxiliares que o
intérprete pode utilizar ou não para resolver o problema.
• Uma boa argumentação será aquela que gerar consenso da
comunidade de intérpretes.
• Abre espaço para a criatividade do intérprete.
23. Argumentos jurídicos mais comuns
• argumento a contrário,
• argumento analógico;
• argumento a fortiori;
• argumento da completude;
• argumento da coerência;
• argumento da vontade do legislador;
• argumento histórico;
• argumento do legislador racional;
• argumento da finalidade da lei;
• argumento do legislador não redundante;
• argumento ab exemplo;
• argumento sistemático;
• argumento da natureza das coisas;
• argumento de equidade;
• argumento a partir de princípios gerais.
24. O argumento a contrario confunde-se com a regra
"tudo que não é proibido, é permitido".
Impede que uma qualificação normativa seja
atribuída a sujeitos ou classes de sujeitos não
incluídos literalmente nos termos de algum
enunciado normativo.
O argumento analógico estende uma qualificação
normativa para sujeitos ou classes de sujeitos
não previstos inicialmente nos termos de um
enunciado normativo, desde que eles possuam
semelhanças juridicamente relevantes com o
sujeito ou classe de sujeitos previstos em tal
enunciado.
25. O argumento a fortiori ou “com maior razão”, estende
uma qualificação jurídica a sujeitos ou classes de
sujeitos não previstos inicialmente nos termos do
enunciado com fundamento em uma “razão maior”
suficiente para que estes sujeitos recebam a mesma
qualificação conferida ao sujeito ou classe de sujeitos
previstos no enunciado em questão.
Difere da argumentação analógica, pois se baseia no
mérito dos sujeitos, não na semelhança entre eles, e
pode ser dividido em dois tipos:
(a) A minori ad maius, quando aplicado a uma
qualificação desvantajosa, nos termos da fórmula
"se x pode, X pode com maior razão";
(b) A maiori ad minus, quando aplicado a uma
qualificação vantajosa, conforme a formulação
"quem pode mais, pode menos".
26. O argumento da completude baseia-se na crença de
que o direito (o ordenamento jurídico) fornece uma
disciplina completa de todos os conflitos, ou seja, que
não tem lacunas.
A existência deste argumento se explica pelo fato de
que o intérprete vê-se diante da necessidade, do dever
(iura novit curia) de atribuir, no concreto, algum
significados aos enunciados normativos para evitar
que se considere como não qualificado juridicamente
algum comportamento levado a juízo.
O juiz ou juíza não pode deixar de julgar um caso
concreto alegando que não existe norma jurídica que o
preveja.
27. O argumento da coerência funda-se na crença de que
o direito (o ordenamento jurídico) fornece uma
disciplina coerente, ou seja, que não existem
antinomias.
Na presença de duas normas que atribuem duas
qualificações jurídicas incompatíveis, deve-se concluir
que ao menos uma delas não seja válida ou não seja
aplicável ao caso concreto. Afinal, o juiz não pode
oferecer duas respostas diferentes e incoerentes para
um mesmo problema jurídico.
O argumento da vontade do legislador, toma como
base a doutrina que considera a lei como um
“comando superior”, ou seja, a cada enunciado
normativo deve ser atribuído o significado que
corresponde à vontade do legislador em concreto,
autor do enunciado.
28. O argumento histórico, chamado também de
“presunção de continuidade do sistema jurídico” ou
“hipótese do legislador conservador”, considera que
dado um enunciado normativo e na ausência de
expressa indicação contrária, deve-se atribuir o
significado que tradicionalmente vem sendo atribuído
a ele e não outro.
O argumento do legislador racional tem como base a
crença que o direito (o ordenamento jurídico) não
contém normas absurdas, seja porque se parte da
ideia de "racionalidade do legislador", seja porque se
crê que uma norma absurda não possa ser válida, ou
seja, não possa produzir efeitos.
29. O argumento da finalidade da lei compreende que a um
dado enunciado normativo deve ser atribuído o
significado que corresponda ao fim próprio da lei de
que o enunciado faz parte ou do interesse que o direito
visa proteger.
A crença de que o legislador não é repetitivo dá
sentido ao argumento do legislador não redundante,
ou “argumento econômico”. Este argumento parte da
ideia de que não devem existir enunciados supérfluos
no ordenamento jurídico. É preciso excluir a atribuição
a um enunciado normativo de um significado que já foi
atribuído em outra norma.
30. O argumento ab exemplo ou argumento autoritativo,
prescreve ser necessário ater-se aos "precedentes",
ou seja, às práticas de aplicação das normas jurídicas
que consistem no produto da interpretação oficial,
feita pelos órgãos do Estado, ou da interpretação da
doutrina, cuja eficácia persuasiva é forte em sistemas
nos quais os precedentes não constituem uma fonte
jurídica formal, como é o caso do Brasil.
31. O argumento sistemático determina que a um enunciado
normativo ou a um conjunto de enunciados normativos
deve-se atribuir o significado prescrito ou o não
impedido pelo sistema jurídico. A partir da ideia de
sistema, pode-se identificar três tipos de argumentos:
(a) Argumento da sede material: Por sistema, entende-se a
disposição dos enunciados normativos prescrita pelo legislador. Ao
enunciado deve ser atribuído o sentido sugerido por sua posição no
"sistema do código", por exemplo, a disposição dos artigos,
capítulos e títulos de um código.
(b) Argumento da constância terminológica: Por sistema,
entende-se o conjunto de conceitos usados pelo legislador. Quando
o significado de um determinado termo em um enunciado é
considerado como correto, deve-se utilizá-lo da mesma forma em
todos outros enunciados em que ele for utilizado.
(c) Argumento dogmático: Por sistema, entende-se o
conjunto orgânico dos conceitos do direito. Aos enunciados
normativos deve-se atribuir os significados retirados dos conceitos
e dos princípios do direito.
32. O argumento da natureza das coisas, originário do
jusnaturalismo. Tal argumento reconhece nas normas
expressas pelos enunciados normativos aquelas que
estão de acordo com a "natureza": a natureza do
homem, a natureza das relações reguladas, a natureza
dos fatos sociais etc.
O argumento de equidade visa a atribuir, entre várias
interpretações possíveis e culturalmente aceitáveis,
aquela que menos se choca com as idéias sobre o
bom êxito da aplicação do direito no caso concreto,
equilibrando os interesses em conflito.
O argumento a partir de princípios gerais é aquele
usado para preencher as chamadas "lacunas"
normativas por meio dos princípios gerais do direito
que servem como fundamento para a atribuição de
significados aos enunciados normativos.
33. Algumas teorias sobre o Sentido da Constituição
Constituição liberal-patrimonialista: Ricardo Lobo Torres
• A CF 88 visa preservar os direitos individuais, especialmente os direitos de
propriedade, por meio de normas vinculantes. As normas sociais são
programáticas.
Constituição aberta: Paulo Bonavides
• É preciso restaurar a legitimidade do Estado brasileiro. A democracia
representativa tradicional precisa ser reformada.
• A Constituição aberta marca a necessidade da revisão doutrinária da
legitimidade constitucional e do sistema representativo, devendo a
Constituição abrir-se para o fenômeno da participação popular.
• “Quanto mais perto do povo estiver o juiz constitucional mais elevado há de
ser o grau de sua legitimidade”, Paulo Bonavides. Juiz deve argumentar
com base nos princípios que expressam nosso projeto constitucional:
importância da tópica.
Constituição dirigente: Gilberto Bercovici
• CF 88 criou programas de transformação social progressistas que limitam a
discricionariedade e devem ser implementados pelo Estado: nacional-desenvolvimentismo.
34. Neoconstitucionalismo: Luis R. Barroso
• Importância dos direitos fundamentais como limite à liberdade do
legislador.
• Centralidade dos princípios e métodos de interpretação que se
desvinculem do texto e façam ponderação de princípios e valores.
• Centralidade do Poder Judiciário no processo de implementação do
programa constitucional.
- Crítica de Lenio Streck “Contra o neoconstitucionalismo”
Constituição simbólica: Marcelo Neves
• Caráter predominantemente simbólico do texto da CF 88. A preocupação
com a implementação do texto e suas promessas sociais não é central.
• As controvérsias constitucionais são decididas com base nos códigos da
política e conforme conflitos de interesse.
• Nessa luta acabam preponderando os interesses dos grupos mais
poderosos, dos denominados “sobrecidadãos”, que conseguem utilizar a
Constituição e o Estado em geral como instrumento para satisfazer seus
interesses.
35. Constituição ubíqua: Daniel Sarmento
• Conflitos forenses e a doutrina jurídica foram impregnados pelo
direito constitucional: caráter detalhista da Constituição.
• Riscos: Vagueza das normas e seus conflitos internos ampliam o
poder discricionário dos tribunais. Contradições entre valores e
princípios colocam em risco a estabilidade e a eficácia constitucional.
• Solução: Reformas para um texto menos prolixo e contraditório.
Rigor argumentativo que permita controlar a ampla margem de
liberdade do Poder Judiciário
Constituição resiliente: Dimitri Dimoulis, Oscar Vilhena, Soraya Lunardi
• A CF 88 é resultado de um processo político fragmentário.
• Ela maximizou a proteção dos interesses dos mais diversos setores
presentes no processo constituinte gerando alta lealdade
constitucional.
• Incompletude permite disputa constante pelo sentido da constituição
reforçando sua centralidade como agenda e não texto acabado.
• Judiciário é elemento de calibração da política: articula e faz a
mediação da atuação dos demais Poderes.
36. A Constituição como Gramática dos Conflitos.
• Texto indeterminado.
• Elenco extenso de direitos fundamentais
• Regulação de um sem número de assuntos.
• Utilização de princípios escritos e cláusulas gerais.
• Muitos assuntos remetidos à regulamentação infraconstitucional.
• Indeterminação cria demanda constante por mais textos para:
• Concretizar as normas abertas;
• Compatibilizar a CF com as normas infraconstitucional já existentes
que regulavam diversos assuntos;
• Regulamentar matérias remetidas a leis complementares.
• Indeterminação cria oportunidade de lutar pelo sentido do direito para
todas as classes e grupos sociais.
• O texto não confere vitória completa a nenhum projeto político.
• É genérico e indeterminado a ponto de ser capaz justificar uma
grande variedade de demandas sociais.
37. • A Constituição como forma da indeterminação do texto e dos interesses
protegidos
• Nem tão progressista, nem tão conservadora: deixa muitas
questões em aberto.
• A Constituição como figuração dos conflitos sociais;
• Incorporou em seu texto os diversos problemas brasileiros.
• A Constituição como com gramática capaz de figurar novos conflitos;
• A abstração dos direitos fundamentais e sua amplitude fornecem
uma gramática infinita para a reivindicação de direitos.
• A Constituição como fábrica de novos textos normativos;
• Novas demandas sociais fazem com que surjam reformas
constitucionais parciais e novas decisões judiciais.
• A Constituição como referência para o conflito social.
• Todos os grupos sociais, elite ou povo, reivindicam a constituição e
disputam o seu sentido.
38. • Texto constitucional é indeterminado:
• Normas gerais e princípios escritos de alto grau de
abstração abrem espaço para a interpretação;
• Regulação detalhada de vários temas permite a
constitucionalização de diversos campos do direito;
• Proteção de toda sorte de interesses sem conferir a vitória
a nenhum grupo social.
• Serve de ponto de partida para:
• Do ponto de vista do juiz: criar normas jurídicas atribuídas
ao texto;
• Do ponto de vista da sociedade-advogada/o: criar
demandas sociais que podem ou não terminar nos
tribunais.
39. • Alta lealdade constitucional: a sociedade consegue expressar
suas demandas por meio da CF 88, disputando o sentido do
texto.
• A interpretação da CF 88 presta mais atenção na relevância
social dos conflitos apresentados perante os tribunais do que
em uma suposta “integridade do texto”.
• Argumentação do STF incorpora argumentos emocionais,
sobre a qualidade do julgador, voltados para a esfera pública
não especializada.
• Julgamentos de alta relevância social;
• Televisionamento dos julgamentos;
• Mudança da técnica jurídica?
• Qual a relação entre direito e política?
40. • A interpretação da CF 88 cria uma alta demanda pela
justificação racional das decisões tomadas e exige métodos
interpretativos que separem direito e política.
e/ou
• Pode exigir reforço nos mecanismos de legitimação simbólica
de suas decisões.
e/ou
• Tem dado lugar a mecanismos participativos pelos quais a
sociedade é ouvida pelo STF (audiências públicas, amicus
curiae)
41. • Mas como funciona a hermenêutica constitucional na prática?
• Pesquisa empírica coordenada por mim para a Secretaria
de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça:
“Processo legislativo e controle de constitucionalidade”.
• Texto “Como decidem as cortes brasileiras?” em meu livro
Como decidem as cortes? Para uma crítica do direito
(brasileiro).
Na próxima aula...