Comentário bíblico: 4° Domingo do Tempo Comum - Ano A
- TEMA: "A NOVA SOCIEDADE NASCE DOS POBRES"
- LEITURAS BÍBLICAS (PERÍCOPES):
http://pt.slideshare.net/josejlima3/4-dtc-ano-a-2014
- TEMAS E COMENTÁRIOS: AUTORIA: Pe. José; Bortolini, Roteiros Homiléticos, Anos A, B, C Festas e Solenidades, Editora Paulus, 3ª edição, 2007
- OUTROS:
http://www.dehonianos.org/portal/liturgia_dominical_ver.asp?liturgiaid=396
- LECIONÁRIO PARA CRIANÇAS (Inglês/Espanhol): http://sermons4kids.com
- LECIONÁRIO COMUM REVISADO (Inglês):
http://www.lectionary.org/
http://lectionary.library.vanderbilt.edu/texts.php?id=267
http://www.commontexts.org/history/members.html ;
- ESPANHOL: http://www.isedet.edu.ar/publicaciones/eeh.htm
1. A NOVA SOCIEDADE NASCE DOS POBRES
BORTOLINE, Pe. José – Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades – Paulus, 2007
* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL *
ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: 4° DOMINGO TEMPO COMUM – COR: VERDE
INTRODUÇÃO GERAL
“Procurem o Senhor”. Com esta exortação do profeta Sofonias, muitas comunidades se reúnem para celebrar a fé no Deus
que confiou seu Reino aos pobres em espírito e aos perseguidos
por causa da justiça. Muitas comunidades do nosso país assemelham-se à de Corinto: nelas não há muitos sábios aos olhos dos
homens, nem muitos poderosos, nem muitos de família nobre.
Mas o que é loucura para o mundo, Deus escolheu para confundir
os sábios. Nessa certeza é que celebramos a vida que vai se manifestando aos poucos na prática da justiça. É por isso que nós
estamos em Cristo Jesus, que se tornou para nós sabedoria de
Deus, justiça, santificação e redenção.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1ª leitura (Sf 2,3; 3,12-13): Os pobres, sementes de nova sociedade
2.
Sofonias viveu e exerceu sua atividade em Judá, entre os
anos 640-630 a.C. Sua atuação foi decisiva para que, um pouco
mais tarde, Josias (629-609 a.C.) empreendesse a reforma sociopolítica e religiosa. Nessa época o povo sofria muito. Os versículos escolhidos para este domingo nos dão conta de que há “pobres
da terra” (‘anawim, v. 3), “pobres e fracos” (v. 12). Há tempo
Judá é objeto de exploração estrangeira, e os líderes da nação, ao
invés de tomar medidas enérgicas contra essa situação que empobrece sempre mais o país, ficam discutindo quem seria o melhor
aliado: o Egito ou a Assíria. Além disso, existe muita corrupção e
exploração interna. O ideal de todo israelita era possuir um pedaço de chão para daí tirar seu sustento e levar vida digna. Contudo,
os que moram no campo são chamados, simplesmente, de “pobres
da terra”.
3.
Sofonias “mostra como pesa, sobre toda essa situação, o
Julgamento de Deus… O Dia de Javé não é essencialmente o fim
do mundo e da história, mas a transformação do povo de Deus e o
fim de uma era de idolatria. Para o profeta, são ídolos não somente as divindades estrangeiras, mas também a absolutização das
grandes potências, do dinheiro e do poder… Esses ídolos estão
presentes tanto nas outras nações quanto na cidade de Jerusalém,
seja no palácio real, seja no Templo e nos bairros da cidade… A
única possibilidade de salvação que Sofonias vislumbra para
escapar à ira divina são os pobres da terra (2,3), isto é, os destituídos de poder e riqueza, que depositam sua confiança no verdadeiro Absoluto e clamam por justiça. São eles os únicos que
poderão formar um ‘resto’ para conduzir na história o projeto de
Deus…” (Bíblia Sagrada — Ed. Pastoral, Paulus, São Paulo, p.
1209).
4.
A nova sociedade nasce dos pobres que clamam e lutam pela
justiça. De fato, o v. 3 pode ser traduzido assim: “Procurem a
Javé, como todos os pobres da terra que obedecem aos seus mandamentos; procurem a justiça, procurem a pobreza”. (Esta deve
ser a tradução preferida) Os pobres da terra, que lutam pela vida e
pela justiça, se tornam parâmetro para todos. É preciso buscar a
Deus como eles o buscam, pois o procuram na prática da justiça.
E é aí que Deus se deixa encontrar: nas lutas dos pobres por liberdade e vida. Buscar a Deus, portanto, é a mesma coisa que
buscar a justiça que vem do projeto do seu libertador. Assim
construiremos uma sociedade nova, baseada na verdade, em
oposição à sociedade injusta, que tem suas raízes na mentira e
cujos frutos são a exploração dos fortes sobre os fracos: “Não
mais cometerão injustiça nem falarão mentira; tampouco se encontrará em sua boca uma língua enganadora” (3,13).
Evangelho (Mt 5,1-12a): A felicidade dos pobres
5.
As bem-aventuranças marcam, no evangelho de Mateus, o
início do Sermão da Montanha (Mt 5,1-7,28), a nova constituição
do povo de Deus.
I.
1.
6.
O v. 1 mostra quem são os destinatários dessa boa notícia:
são as multidões vindas da Galiléia, Decápole, Jerusalém, Judéia
e do outro lado do Jordão (cf. 4,25). Há gente vinda de todos os
lugares. Isso denota que a mensagem de Jesus não tem fronteiras.
Vendo a multidão, ele sobe à montanha que, simbolicamente, é o
lugar de Deus. Ela recorda o monte Sinai, onde foi selada a aliança com o povo hebreu que saiu da escravidão egípcia.
7.
Jesus, portanto, está para promulgar a nova constituição do
povo de Deus, um povo sem fronteiras e sem discriminações; irá
inaugurar a nova Aliança com os pobres e marginalizados do
mundo inteiro, revelando que Deus se solidarizou com eles, a
ponto de confiar-lhes o Reino. O clima dessa nova Aliança é o da
confiança ilimitada que circula entre Deus e seu povo. De fato, no
Sinai, o povo hebreu devia permanecer longe da montanha, sem
se aproximar. E Deus falava ao povo por meio de Moisés. Aqui
os discípulos se aproximam do Mestre na montanha, e Deus lhes
fala em Jesus, que, sentado, ensina como Mestre qualificado.
8.
As bem-aventuranças são propostas de felicidade. A constituição do povo de Deus não impõe leis. Jesus simplesmente constata a situação do povo que o segue (pobres, aflitos, submetidos
[= mansos], famintos); percebe o esforço que fazem para mudar a
situação (misericórdia/solidariedade, pureza de coração, promoção da paz); conhece as dificuldades e perseguições que enfrentam para criar a nova sociedade; e os proclama felizes, depositários do projeto de Deus. A constituição que Jesus promulga no
Sermão da Montanha nasce da constatação das lutas do povo
sofrido. Deus se solidarizou com ele, confiando-lhe o Reino.
a. A felicidade dos pobres (vv. 3.10)
9.
A primeira bem-aventurança “Felizes os pobres em espírito,
porque deles é o Reino do Céu” (v. 3), juntamente com a oitava
“Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles
é o Reino do Céu” (v. 10), ambas são como que a síntese de todas
as bem-aventuranças. As demais (vv. 4-9) são explicitações dessas duas. A primeira e oitava possuem promessa idêntica: “porque deles é o Reino do Céu”. Não se trata propriamente de uma
promessa, mas de constatação do que está acontecendo: o Reino
do Céu já é deles, porque o Pai assim o quis (cf. também 11,2526). As demais bem-aventuranças trazem uma promessa futura:
serão consolados, possuirão a terra etc. Contudo, isso não quer
dizer que se deva esperar a realização dessa promessa no além.
Ela é resultado da opção que Deus fez pelos pobres e oprimidos,
confiando-lhes o Reino, portador da plenitude dos bens: terra,
saúde, liberdade, vida, fraternidade, partilha, paz.
10. A primeira bem-aventurança proclama felizes os “pobres em
espírito”. Freqüentemente tentou-se atenuar a força dessa expressão, como se os pobres em espírito fossem pessoas “humildes”,
independentemente de sua condição social. A palavra pobre recorda os ‘anawim do Antigo Testamento e da época de Jesus: são
os que depositaram sua confiança em Deus enquanto última instância, porque a sociedade lhes negava justiça. São pobres em
espírito, ou seja, escolheram a pobreza (cf. 1ª leitura e Mt 6,24)
não porque a miséria lhes bastasse, mas porque nessa condição
participam do projeto de Deus que é a construção da nova sociedade, baseada na justiça e igualdade. Por isso Jesus afirma que o
Reino do Céu é deles! Deus é o rei dos pobres. E com eles formará o novo povo; sendo pobres, saberão concretizar o Reino na
partilha e solidariedade (cf. 14,13-23; 15,32-39). O Reino é deles
porque, vivendo assim, realizam o pedido de Jesus (cf. 4,17:
“Convertam-se, porque o Reino do Céu está próximo”).
11. A sociedade estabelecida, ambiciosa de poder, glória e riqueza (cf. 4,9), não suporta uma sociedade alternativa que se
forma em base à partilha e comunhão dos bens. Não suportando
os pobres que aprenderam a partilha enquanto forma de realizar o
Reino, persegue-os, procurando eliminá-los (v. 10), pois a parti-
2. lha vai mexer com os interesses dos poderosos. Ser perseguido
por causa disso constitui desgraça? Não. Para Jesus, e na ótica do
Reino, é sinônimo de felicidade, pois a perseguição da sociedade
estabelecida mostra que o caminho dos pobres é autêntico: deles é
o Reino do Céu! Contudo, é bom lembrar que não se trata de
perseguição por qualquer motivo, mas por causa da justiça que se
traduz na solidariedade, igualdade e fraternidade.
b. A situação dos pobres que buscam a libertação (vv. 4-6)
12. Os vv. 4-6 descrevem a situação dos pobres que buscam a
libertação. Eles são afligidos. Essa bem-aventurança se inspira no
Antigo Testamento (cf. Is 61,1). Lá, os aflitos são pessoas cativas
e aprisionadas, vítimas de sociedade cruel e opressora. Afirmando
que os aflitos serão consolados, Jesus lhes garante que o Reino
tem força e capacidade de libertá-los das opressões a que foram
submetidos. E por isso são felizes! De acordo com o Antigo Testamento, “enxugar as lágrimas” (= consolar) não é uma política
de panos quentes, e sim fazer justiça aos injustiçados.
13. Os mansos são os que foram subjugados pelos poderosos.
Também essa bem-aventurança se inspira no Antigo Testamento,
exatamente no Sl 37,10-11. Afirma-se aí que “mais um pouco, e
não haverá mais injusto, você buscará o lugar deles, e não existirá. Mas os pobres vão possuir a terra e deleitar-se com paz abundante”. Portanto, os mansos são os que foram “amansados” pelo
poder tirano, que os privou de liberdade, impossibilitando-os
inclusive de reivindicar seus direitos. Olhando para a promessa
que lhes é feita, é possível identificá-los com os sem-terra do
tempo de Jesus e de todos os tempos. Fazendo parte do Reino,
eles possuirão a terra (com artigo!), isto é, não só receberão de
volta seus terrenos roubados pelos poderosos latifundiários, mas
serão senhores do mundo, porque a partilha fará com que os bens
da criação sejam de todos. Lida à luz de nossa realidade, essa
bem-aventurança soa mais ou menos assim: “Felizes os sem-terra
que lutam, porque a realeza de Deus sobre eles lhes garante que a
terra é de todos”.
14. Jesus proclama a felicidade dos que lutam pela justiça, dos
que dela sentem necessidade como alimento vital e diário (ter
fome e sede), porque na dinâmica do Reino não há um sinal sequer de injustiça.
c. Opções e práxis dos pobres: construir a nova sociedade (vv. 79)
15. Os pobres, que entraram na dinâmica do Reino, são misericordiosos, isto é, solidários. Partilha e comunhão impedem que
alguém retenha qualquer coisa para si. Nesse clima de solidariedade, ninguém passa necessidade. Quem dá recebe, não só das
pessoas, mas do próprio Deus, que entregou o Reino nas mãos
dos que aprenderam a repartir. É a primeira opção dos que entraram na dinâmica do Reino: pôr tudo em comum. E por isso são
felizes! Se é verdade que quem já tem as mãos cheias não pode
receber mais nada, como poderia Deus confiar o Reino aos poderosos auto-suficientes?
16. A segunda opção é a pureza de coração. Para os semitas, o
coração é a sede das opções profundas que marcam a vida inteira
(Mt 15,19 mostra que do coração das pessoas nasce toda espécie
de opção que contrasta com o projeto de Deus). Ser puro de coração é ter conduta única, em perfeita sintonia com o Reino. Essa
bem-aventurança se inspira no Sl 24,4, onde pureza de coração
está associada a “mãos inocentes”. Os pobres do Reino são puros
de coração porque não se apropriam da vida do próximo, como os
poderosos. Sua conduta é íntegra. São felizes porque, agindo
assim, vêem a Deus, ou seja, experimentam-no concretamente na
vida. Inútil querer ter “coração puro” e mãos cheias de crimes!
17. No Antigo Testamento, a pureza dependia de uma série de
ritos mediante os quais as pessoas tinham acesso a Deus, que se
manifestava no Templo. Na nova Aliança — e na linha dos Sl 15
e 24 — pureza é sinônimo de opção pelo Reino e de respeito pela
integridade das pessoas. Deus não se manifesta mais no Templo.
As pessoas o experimentam de forma direta no dia-a-dia e no
relacionamento fraterno. Essa opção gera felicidade: felizes os
puros de coração!
18. Jesus proclama felizes os que promovem a paz, porque serão
chamados filhos de Deus. A promoção da paz (shalom = plenitude de bens) é fruto da misericórdia e pureza de coração. Paz é
bem-estar que exclui toda injustiça, opressão e violação de direitos. Não se trata de paz no nível pessoal, mas sobretudo no nível
social. Na dinâmica do Reino, uma pessoa só é verdadeiramente
feliz quando todas o são. A luta pelo bem-estar de todos, como o
requer o projeto divino, torna os seres humanos filhos de Deus.
Há, portanto, estreita colaboração entre o Criador e as criaturas. O
que o Pai faz, os filhos também fazem. Os pobres que optaram
pelo Reino são capazes dessa práxis. Jesus garante que disso
depende a felicidade deles!
d. A comunidade cristã em meio aos conflitos (vv. 11-12a)
19. A última bem-aventurança (vv. 11-12) revela as tensões e
conflitos enfrentados pelas comunidades siro-palestinenses no
meio das quais nasceu o evangelho de Mateus. No tempo em que
o evangelho foi escrito, essas comunidades passavam por crise de
identidade, com perigo de abandono do projeto de Deus. Os conflitos vinham de fora: a sociedade estabelecida começou a difamar os cristãos, caluniando-os e perseguindo-os. Tornava-se
difícil resistir diante das pressões e tribulações de toda espécie. O
evangelho lhes lembra que ser discípulo de Jesus é ser como os
profetas do Antigo Testamento: “Desse modo perseguiram os
profetas que vieram antes de vocês” (v. 12b).
2ª leitura (1Cor 1,26-31): Deus escolheu os fracos para confundir os fortes
20. Escrevendo aos coríntios, Paulo recorda como e onde a comunidade nasceu, ou seja, no meio dos empobrecidos da cidade.
Os versículos deste domingo nos dão o perfil das pessoas que
aderiram ao projeto de Deus em Corinto: fracos, vis, desprezados,
pessoas que as elites consideravam como loucas, como não-gente.
Em síntese, uma maioria de empobrecidos (vv. 26-27). Paulo se
dirigiu a essa gente porque acreditava no Deus de Jesus Cristo, o
Deus do êxodo, que optou pelos fracos e marginalizados, a fim de
libertá-los e dar-lhes vida. Em outra ocasião, ele escreve à mesma
comunidade: “Vocês conhecem a generosidade de nosso Senhor
Jesus Cristo; ele, embora fosse rico, se tornou pobre por causa de
vocês, para com sua pobreza enriquecer vocês” (2Cor 8,9).
21. A elite de Corinto pensava que religião fosse questão de
cultura. Para ela seria impossível que Deus se interessasse pelas
periferias. E a loucura extrema seria a encarnação de Deus no
meio dos que foram relegados à margem da sociedade. Em síntese, um deus burguês, comprometido com as elites e sua religião.
O projeto de Deus, que privilegia os fracos e desprezados, as
pessoas que não têm nome nem fama, transtorna a sabedoria
humana (vv. 28-29). Para Paulo, isso se tornou claro e evidente
na pessoa e na prática de Jesus, no qual se manifesta a sabedoria
de Deus, sua justiça, santificação e redenção (v. 30).
22. A comunidade de Corinto lembra de perto a realidade das
pessoas que participam das CEBs: quanto à situação profissional
e salarial: desemprego, subemprego, salário mínimo; no tocante à
escolaridade: nenhum estudo, grau fundamental incompleto/completo, poucos com grau médio, pouquíssimos com estudos superiores.
Tudo isso nos faz pensar na afirmação de Paulo: “Deus escolheu o
que no mundo é vil e desprezado, o que não é, para reduzir a nada
o que é” (v. 28).
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
Os textos deste domingo são viva esperança para nossas comunidades. Deus é o aliado dos empobrecidos, e com eles
constrói, desde já, uma sociedade alternativa, onde a justiça, partilha e fraternidade são suas notas características. É importante não perder a garra nem a mística que têm orientado as lutas e conquistas por mais vida e liberdade. Nossas comunidades, “pequenos restos”, precisam manter acesa a chama do projeto de Deus, que escolheu os fracos e pobres como depositários de seu Reino, para com eles confundir os sábios e fortes.
23.