3. Desde a adolescência estudo o Tarot. Estudei com maior vigor o baralho de Iglesias Janeiro, editado
pela editora Kier de Buenos Aires, o chamado “Tarot Egípcio”. Tive sempre firme algumas opiniões
sobre o Tarot, que agora vejo como falsas:
1. O Tarot tem sua origem no antigo Egito - Afirmação indeterminada. Fui tentado a acreditar
nisso devido ao Tarot da Kier, que é argentino! Na verdade, não se sabe a origem do Tarot,
tendo sido ela atribuída ao Egito, Índia, maçons, aos seres abissais e aos extra-terrestres;
2. O Tarot de Waite e o Tarot Egípcio da Kier são autoridades - Afirmação falsa. Estes baralhos
são recompilações do Tarot original, o tradicional Tarot de Marselha, assim como também
são recompilações o Tarot de Crowley e o da Wicca, destinados a representar as ideias de
seus criadores. O Tarot de Marselha sempre foi o único Tarot conhecido, desde o século 17
(ou até antes), até o lançamento do Tarot de Waite em 1910;
3. Há alguma relação entre os arcanos maiores e signos zodiacais – A afirmação é falsa. Não há
nenhuma evidência de vinculação deste tipo. Neste caso, novamente fui enganado pelo Tarot
da Kier. A única referência aos signos do zodíaco, e à visão de Ezequiel, aparece na carta O
Mundo;
4. É tentador associar os 22 arcanos maiores às 22 letras do alfabeto hebraico, e interpretar o
Tarot como um dispositivo derivado da cabala judaica - Afirmação falsa. Tais paralelos
foram introduzidos nos baralhos mais recentes, baseado em interpretações ocultistas como
as de Papus e Éliphas Lévi, mas isso não aparece no baralho de Marselha, o mais antigo;
5. O Tarot “alegórico” é formado pelos 22 arcanos maiores, sendo que as 56 cartas dos arcanos
menores são adições posteriores, feitas para que o baralho pudesse ser usado em jogos de
azar, mas sem importância na interpretação alegórica, psicológica e espiritual do Tarot -
Parcialmente falso, pois os arcanos menores apresentam uma simbologia rica e tão alegórica
como a das cartas dos arcanos maiores, embora o Tarot moderno possa ter sido uma
combinação de dois baralhos, um contendo os arcanos maiores e outro contendo os arcanos
menores. Esta questão está em aberto.
O Tarot é um mecanismo de autoconhecimento. O Tarot contém uma simbologia que compila os
princípios fundamentais da natureza humana e da compreensão da existência. Carl Gustav Jung
chamou estes símbolos de arquétipos, conjuntos de imagens primordiais, armazenadas no
inconsciente coletivo da humanidade. Suas 78 cartas são como portões de sabedoria, cujos símbolos
falam à intuição, muito mais que à razão. O Tarot é como um livro que, aberto, percebe-se ser um
espelho que reflete a alma do próprio leitor. Assim, seu uso para adivinhações é puro charlatanismo
sem sentido. Cabe ao leitor usar sua intuição para interpretá-lo.
Alejandro Jodorowsky, cineasta, escritor, alquimista e tarólogo, trabalhou junto com o herdeiro da
Camoin (a gráfica que imprimiu o Tarot de Marselha entre 1760 e 1890, cujo gravador chamava-se
Nicolas Conver) na restauração do Tarot de Marselha. Seu trabalho trás luz e renova o estudo do
Tarot. Estes apontamentos são derivados do meu estudo do livro “O Caminho do Tarot” de
Jodorowsky.
Jodorowsky aponta para a existência de uma estrutura que conecta as cartas do baralho do Tarot.
Esta estrutura é o tema principal deste trabalho.
4. Segundo Jodorowsky, a forma como as cartas do baralho são numeradas demonstra que a
construção do Tarot de Marselha é sempre progressiva, aditiva, e nunca subtrativa. Observe-se que
os números das cartas 4 e 9 não são representados usando a forma com que os números romanos são
definidos, 4=IV=5-1 e 9=IX=10-1, mas como 4=IIII=3+1 e 9=VIIII=8+1.
5. Os arcanos maiores iniciam em O Louco, o arcano sem número, e finalizam em O Mundo, o arcano
XXI. Postos lado a lado, O Louco à esquerda e O Mundo à direita, aparenta haver um movimento
d’O Louco em direção à mulher que o espera no arcano O Mundo. O primeiro, O Louco, representa
ação, pois o personagem está virado para a direita da carta, o lado masculino ou ativo, e está
caminhando. Esta carta representa o conceito de princípio. O segundo arcano, O Mundo, é
representado por uma mulher que olha para o lado esquerdo da carta, o lado receptivo, feminino. A
oval em torno do personagem parece querer receber O Louco que para lá se move. O arcano O
Mundo representa a realização ou plenitude.
Início/Masculino/Ação Realização/Feminino/Recepção
6. Dispostos os arcanos maiores da forma apresentada a seguir, sugere-se um movimento progressivo
da esquerda para a direita, iniciando no arcano O Louco e terminando no arcano O Mundo.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
11 12 13 14 15 16 17 18 19 20
Segundo Jodorowsky, a primeira série de arcanos maiores, de I até X, representa personagens
humanos ou animais, em que as cabeças dos personagens, exceção o arcano VI, coincidem com a
parte superior da carta. Esta primeira série tem conotação histórica ou social. A segunda série de
arcanos maiores, de XI até XX, apresenta situações que são mais alegóricas. Refere-se a aspectos
psicológicos e espirituais. Observa o mesmo autor que há algumas correspondências entre as cartas
das duas séries. Por exemplo, a primeira carta da primeira série é O Mago, e a primeira da segunda
é a Força, e ambos os personagens possuem chapéus que são muito semelhantes. A correspondência
(ou oposição) entre o arcano V, O Sumo Sacerdote, e o arcano XV, O Diabo, a quinta carta da
segunda série, também é bem aparente. Deixamos ao leitor a tarefa de intuir outras relações entre as
duas séries.
No baralho do Tarot encontramos cartas cuja influência é claramente judaico-cristã-islâmica, como
é o caso dos arcanos maiores A Sacerdotisa, O Sumo Sacerdote, O Arcano Sem Nome, O Diabo, O
Julgamento e O Mundo.
7. Céu
Receptivo Ativo
Terra
Os lados de uma carta, superior, inferior, esquerdo e direito, podem ser associados às propriedades
de ser receptivo ou ativo (esquerda ou direita), e ao céu ou à terra (acima ou embaixo).
9. Os dez primeiros arcanos maiores formam uma estrutura decimal em progressão, desde o arcano O
Mago até o arcano A Roda da Fortuna. Esta estrutura é mostrada e explicada no esquema a seguir.
10. Realização/
Renovação/
Reinício
10 A Roda da Fortuna
Céu 8 A Justiça 9 O Ermitão
6 Os Amantes 7 O Carro
Homem
Terra
4 O Imperador 5 O Sumo Sacerdote
2 A Sacerdotisa 3 A Imperatriz
Princípio
1 O Mago
Recepção Ação
13. Os quatro naipes do baralho podem ser agrupados naqueles que são ativos e aqueles que são
receptivos. Os ativos são aqueles em que o ás está sendo manipulado por uma mão, ou seja, espadas
e bastões. O naipe de taças é, obviamente, receptivo, pois uma taça serve para receber líquidos.
Ativo
Receptivo
14. O Anjo
Receptivo/Céu
Aquarius/Água
Centro emocional/Sentimentos
AMAR
Naipe de Taças
A Águia
Ativo/Céu
Scorpio/Ar
Centro intelectual/Pensamentos
SER
Naipe de Espadas
O Mundo
O Touro ou Cavalo
Receptivo/Terra
Taurus/Terra
Centro corporal/Dinheiro
VIVER
Naipe de Moedas
O Leão
Ativo/Terra
Leo/Fogo
Centro sexual/Desejos
FAZER
Naipe de Bastões
A carta “O Mundo” é uma síntese de todo o baralho, onde os quatro naipes organizam-se nos quatro
cantos da carta. Os elementos e os signos de Aquarius e Scorpio não conferem com o zodíaco.
16. O ás representa o palácio. Os valetes, por seu dualismo (“ser ou não ser”), são representados às
portas do palácio. As rainhas, que se identificam completamente com o naipe, são representadas no
interior do palácio. Os reis, sabedores de seu domínio, são representados sobre o palácio,
contemplando seu reino. Finalmente, os cavaleiros, por sua aceitação dos próprios limites, por sua
consciência, representam a comunicação (sendo em certo sentido um profeta), por isso são
representados ao lado, ao final, superando seus próprios símbolos.
18. Sabemos que a esquerda é feminina, ou receptiva, e a direita é masculina, ou ativa. Podemos
perceber isso na estrutura do naipe bastões. Veja que as cartas da coluna esquerda (2, 4, 6 e 8) têm
uma flor no centro (um símbolo feminino) e as cartas da coluna direita (3, 5, 7 e 9) têm um bastão,
um símbolo masculino. As cartas 3 e 5 têm flores com o mesmo formato, enquanto as cartas 7 e 9
têm flores diferentes. Isso evidencia a separação das cartas em Céu e Terra: as cartas 2, 3, 4 e 5 são
associadas à Terra, enquanto que as cartas 6, 7, 8 e 9 com o Céu.
19. Em primeiro lugar, perceba que as cartas do naipe de espadas se encaixam perfeitamente, formando
círculos com as espadas curvas. Veja que as cartas da coluna esquerda (2, 4, 6 e 8) têm uma flor no
centro, um símbolo feminino, e as cartas da coluna direita (3, 5, 7 e 9) têm uma espada, um símbolo
masculino. Confirma-se a mesma estrutura do naipe de bastões. Além disto, as cores das espadas
nos números 3, 5, 7 e 9 conferem com a divisão de Céu e Terra. Perceba que a cor da espada nos
números 3 e 5 são iguais, vermelha, representando a Terra. As cores dos números 7 e 9 são
diferentes, azul e amarela, representando o Céu.
20. O naipe de moedas é o único em que as cartas não possuem números. Nesta disposição evidencia-se
a estrutura de Terra e Céu. A Terra é formada pelas cartas 2, 3, 4 e 5. Nelas as moedas não tem
comunicação para cima e para baixo, pois há alguma decoração bloqueando. O Céu é formado pelas
cartas 6, 7, 8 e 9. Nestas últimas, as moedas não são bloqueadas acima e abaixo.
21. Neste naipe, a Terra é formada pelas cartas 2, 3, 4 e 5. Nelas, as taças possuem ranhuras em sua
parte interna, que são diagonais descendo da esquerda para a direita. O Céu é formado pelas cartas
6, 7, 8 e 9. Nestas últimas, as taças possuem ranhuras em sua parte interna, que são diagonais
subindo da esquerda para a direita.
23. Jodorowsky propõe a construção de uma Mandala que sintetize toda a estrutura do Tarot. A
Mandala é construída a partir de um centro, com oito “asas”, como uma suástica. Vejamos primeiro
cada parte da Mandala, para depois mostrarmos ela completa.