1) A ludicidade é um aspecto importante no processo de ensino-aprendizagem, mas ainda é pouco reconhecida e valorizada na prática escolar.
2) O documento discute como a ludicidade pode ser incorporada nas metodologias pedagógicas e como ela proporciona benefícios tanto para crianças quanto para professores.
3) A pesquisa irá analisar como a ludicidade acontece em uma sala de aula do 5o ano do ensino fundamental em uma escola na Bahia.
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APRESENTAÇÃO
A Ludicidade como um aspecto importante no processo de ensino e aprendizagem pode ser
incorporado no conjunto das metodologias e na organização de novas práxis pedagógicas. Ela
está cada vez mais presente nas discussões de instituições formadoras de docentes, e isto já
pode ser considerado um avanço para a educação, pois há muito tempo a escola esteve
fechada às técnicas racionalista. No entanto, quando a ludicidade está presente, propicia ao
educando, como também para o professor, um encontro consigo mesmo, mergulhando no
campo de conhecimento da fantasia que a criança adquire com as sua experiências culturais.
Sendo assim, este trabalho monográfico tem como questão norteadora como a ludicidade
acontece em uma sala de aula da 5ª série do ensino fundamental, no colégio Ulisses
Gonçalves da Silva, no povoado de Caraíba, distrito de Campo Formoso, Bahia. Sendo esta
sala escolhida por ter como sujeitos, crianças em uma fase de transição, saindo da sua infância
para a adolescência, tornando-os mais sensíveis as práticas lúdicas, por outro lado os
professores geralmente os recebem como pequenos adultos, negando-lhes muitas vezes
momentos prazerosos. E a escola por ser o nosso espaço de atuação, o qual nos colocamos,
também, como curiosos e observadores diante deste processo.
Sendo assim, este trabalho levanta uma reflexão acerca de que brincar é coisa séria, podendo
ser vivenciada por todos: adultos e crianças, visto que, o ser humano aprende brincando, pois
é neste momento de fantasia, onde criamos e recriamos o nosso próprio mundo.
No capítulo I, apresentamos nosso problema de pesquisa, onde descreve como a ludicidade é
reconhecida, ou seja, está vinculada somente como momento de recreação, simultaneamente
há a desvalorização dos adultos por este aspecto, desconhecendo as várias contribuições
pedagógicas no processo de ensino e aprendizagem.
No capitulo II, abrimos espaço para uma discussão fundamentada nos teóricos pesquisadores
a cerca do assunto, demonstrando fortes considerações e suas convicções.
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No capítulo III, descrevemos a metodologia escolhida para a coleta de dados. Utilizamos o
questionário, a entrevista semiestruturada e a observação.
No capitulo IV, expomos a interpretação dos dados obtidos e analisados, como destaque a
descrição de fatos ocorridos dentro da instituição de ensino. Desta forma, conclui-se a
presença lúdica, no entanto ainda tímida na prática e fortemente defendida no discurso.
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CAPÍTULO 1
PROBLEMÁTICA
Há muito tempo o brincar sempre foi considerado, embora praticado por adultos e crianças,
uma ação fútil e desqualificada, características dadas por algumas pessoas que acreditam no
lúdico como uma representação de momentos não sérios da vida de quem a pratica. Mazzoni
(2009) destaca que “O mundo existe para a criança na medida em que lhe é possível jogar
com ele, extraindo dos objetos possibilidades de prazer e de harmonia” Por conta disso,
geralmente classificou-se o lúdico uma ação como algo inerente da criança, ou seja, uma
ligação direta da criança com o mundo que a cerca, muitos atribuíram desta forma por ter
como base o seu próprio preconceito em achar que a criança tem todo o tempo do mundo, e
brincar é perder tempo, no entanto, contrariando isto (LUCKESI,2009, apud. Donald Wooks
Winnicott) aborda um fenômeno psicológico na criança, mas que podemos dizer que ele
pertence ao ser humano em qualquer faixa de idade, que se trata do aspecto lúdico.
Diante disso, atualmente a ludicidade tem sido alvo de várias discussões, em relação a sua
presença no processo de ensino e aprendizagem. Esse assunto torna-se muito freqüente nas
instituições formadoras de docentes. A Ludicidade vem sendo apontada como um aspecto que
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pode ser incorporado ao conjunto das metodologias e isto já pode ser considerado um avanço
para a educação. Pois há muito tempo a escola deteve a preocupação em trazer para as
crianças o mundo dos adultos e as suprirem de variados conhecimentos, sem muito se
preocupar em mergulhar no vasto campo de conhecimento e fantasia que a criança adquire no
seu cotidiano.
O aspecto lúdico leva a criança a se identificar, reconhecendo seu papel social, e é importante
ressaltar que a ludicidade sempre se fez presente na educação, no entanto, não tão reconhecida
como um universo de simbologias existente em cada criança. Esquecemo-nos facilmente de
que quando se brinca se aprende antes de tudo a brincar, a alimentar um universo simbólico
particular. (BROUGERE, 2002, p. 23). Ouve-se atualmente muitas queixas do
amadurecimento precoce das crianças, pois a vida contemporânea não propicia a ludicidade,
desta forma, as crianças tornam-se pequenos adultos em corpo de crianças, apesar do aspecto
lúdico ser algo inerente do homem, hoje perde espaço para um mundo desorganizado, o qual
exige o amadurecimento rápido das crianças, e a educação é responsável pela mudança deste
quadro.
A educação sempre esteve ligada aos espaços fechados da sala de aula, com uma visão
imediatista do futuro onde a criança precisa ser formada e informada para um mundo
competitivo que a espera, desta forma, “não há tempo para brincadeiras”, diante desta visão
equivocada nega-se o homem como um ser pleno, “O aluno tem que se assumir como um ser
(mente num corpo com alma) que observa o mundo e se observa a si, se questiona e procura
atribuir sentido aos objetos, aos acontecimentos e às interacções” (ALARCÃO,2008, p.26).
Não demorou muito para se notar o fracasso escolar, que está diretamente ligada a falta desta
identidade e do prazer, está na hora de deixar para trás os ranços do conservadorismo, onde
assemelhava-se o aspecto lúdico a permissividade na sala de aula, negando a escola
momentos que proporcionam o prazer, através de desafios, superação. Mazzoni (2009) traz a
ideia de não se perder de vista a relação entre o prazer e a educação, proporcionando assim,
momentos de plenitude:
Trata-se, contudo, não de prazer instantâneo, mas sim de prazer postergado,
mediado em função do envolvimento genuíno com o jogo, daquela sensação de
completude que acompanha as coisas significativas e verdadeiras. O que não se
deve, em educação (e por que não na vida?) é perder-se o prazer de vista, ignorar sua
busca constante. Exercer o espírito lúdico é brincar, jogar com a vida e com a
5. 5
criança, criar vínculos e relações entre os diversos acontecimentos, tecer toda sorte
de teias, amarrar e desamarrar os fatos como narrativa.
Desta forma, este aspecto levará a criança na construção de seus próprios valores e é por isto
também que a ludicidade tem sido um dos assuntos mais estudados na educação, no contexto
desta pesquisa, tem se compreendido que a criança não é somente razão, é também prazer, ou
seja, sentimento e corporeidade, no entanto, deve haver um equilíbrio entre o dever e o prazer.
“Educar ludicamente tem um significado muito profundo e está presente em todos os
segmentos da vida.” (ALMEIDA, 2009 p.14)
De acordo com Almeida (2009), em qualquer momento da vida, a ludicidade permite o
indivíduo utilizar seus potenciais de forma criativa, ou seja, tendo liberdade em seus sentidos,
algo que o envolva por inteiro, estando flexíveis, pois o que é mais importante na atividade
lúdica, não é somente a diversão, mas um encontro consigo mesmo, levando qualquer um que
vivencie a ludicidade momentos de reconhecimento de si mesmo, que antes não conhecia, este
será o resultado de redefinir sentidos e significados do que antes já era conhecido, resultando
em um olhar diferente para si mesmo e para os outros.
Concordando com Kishimoto (2002), as atividades lúdicas sempre estiveram presentes, e
agora especialmente em vários campos sociais: na família como representação do momento
de lazer; em clínicas com representação do bem estar e atrelada, também, a tratamentos de
pacientes; na escola durante as aulas de Educação Física e Artes. Atualmente a ludicidade
vem ganhando espaço dentro da sala de aula como um aspecto importante da dimensão
humana e que pode favorecer no processo do ensino e aprendizagem e do
autodesenvolvimento pessoal por disponibilizar no sujeito que brinca sentimentos de
plenitude do ser. Segundo Luckesi (2009) o aspecto lúdico é a experiência de plenitude que
ele possibilita a quem o vivencia em seus atos. O que traz ludicidade para a sala de aula é
muito mais uma "atitude" lúdica do educador e dos educandos, do que necessariamente trazer
brincadeiras. “Assumir essa postura implica sensibilidade, envolvimento, uma mudança
interna, e não apenas externa, implica não somente uma mudança cognitiva, mas,
principalmente, uma mudança afetiva” (LUCKESI, 2009, p.96).
Nota-se então, que a ludicidade vem ganhando espaço em vários campos, como já foi citado,
inclusive nas discussões acadêmicas, onde há uma preocupação na formação de um educador
cada vez mais comprometido com os aspectos lúdicos da criança, tornando assim, a prática do
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brincar não mais algo desvalorizado, mas algo sério, e é necessário ter uma visão real do que
quer dizer esta palavra, pois durante muito tempo, a palavra seriedade, foi sinônimo de algo
que não possibilita o prazer. Falando sobre o conceito de seriedade, Luckesi (2009) diz que:
Sempre que nós utilizamos o termo sério em nosso cotidiano, ele vem carregado de
conotações tais como “sisudo”, “cansativo”, “doloroso”, “alguma coisa que deve ser
realizada com esforço e sofrimento”, ou coisa parecida. Neste contexto, qualquer
experiência que traga alegria, prazer, riso, será considerada não-séria. Então sério
aparece como sendo o oposto de alegre, prazeroso, leve, hilariante, criativo (a
menos que seja uma criatividade sisuda, se ela for possível). Sério parece que deve
ser rançoso.(2009)
É bem verdade que a escola tradicional nos deixou uma herança de comportamento, que está
atrelada e centrada na transmissão de conteúdos, não dando espaço ao aspecto lúdico, por isto
é tão normal hoje em dia valorizar a importância da ludicidade na sala de aula, mas ainda se
vivencia pouco este aspecto, ou seja, fala-se, mas não se faz. Reconhecem o valor do lúdico,
mas não é tão fácil romper com o modelo de uma educação que já ficou no passado, mas que
também está presente. Considerar o aspecto lúdico exige hoje mudança de atitudes . Luckesi
(2009) nos diz que:
Quando a criança brinca, sua brincadeira tem a profundidade de quem se dedica a
construir e cuidar do mundo, o mundo que é significativo para si, na idade e nas
circunstâncias metafísico-evolutivas que está atravessando. O mesmo poder-se-á
dizer do adolescente e do adulto. A criança estará brincando como criança, o
adolescente como adolescente, e o adulto como adulto; cada qual em sua faixa de
idade e com sua circunstância evolutivo-metafísica. Cada um realizando a sua
poiesis. (2009)
Assim, é possível afirmar que o ser humano, e especialmente as crianças, ao brincar
desenvolvem, nesta profundidade, uma consciência lógica, pois o lúdico trabalha não só a
parte prazerosa, o sentimento, mas também, o cognitivo, a razão, ou seja, trabalha com o
raciocínio. Há um equilíbrio nas dimensões que formam o ser humano (Razão, emoção,
sentimento, cognição).
Em função disto, não é correto privar as crianças destes momentos de profunda relação com o
seu eu, pois a criança se encontra no momento da brincadeira com situações reais que exigem
dela soluções criativas, pois é neste momento que a criança irá confrontar momentos de
autoconstrução. E é justamente por isso que ação lúdica tem profundidade e as crianças
precisam destes momentos de plenitudes. “A brincadeira é a atividade espiritual mais pura do
homem neste estágio e, ao mesmo tempo, típico da vida humana enquanto um todo – da vida
7. 7
natural interna no homem e de todas as coisas”. (FROEBEL, 1912 c, p. 55, apud.
KISHIMOTO, 2002, p.68)
Huizinga (1971) apud Silva (2006) atribui a ludicidade ao homem relacionando a todas as
suas atividades, estabelecendo assim, uma estreita relação entre o jogo e o conhecimento. No
entanto, o mundo contemporâneo tende a sufocar a presença dos elementos lúdicos.
Sabe-se que há uma grande resistência por parte das pessoas principalmente dos adultos com
relação ao ato de brincar, apresentando a justificativa da “boa impressão”, nesse caso o
brincar pode dificultar a “boa impressão”. Para Maturana (2004) “O homem perde a
capacidade de brincar por estar continuamente submetido às exigências do competir, projetar
uma imagem ou obter êxitos, esse sentimento está relacionado a uma rede de conversações.”
(p. 230), na verdade tem-se uma impressão que todos devem permanecer enredados num
sistema de normas e pré-julgamentos, desta forma, cada um estabelece normas seguindo as
instruções que a sociedade lhe impõe, refletindo assim, de forma evidente na educação, ao
tempo que este nega a criança, o direito de ser espontâneo, o direito ao seu momento pleno de
interação com seu corpo, do direito de brincar.
E assim a ludicidade começa a ganhar espaço tornando-se um forte aliado, repleto de
significados, dentro da sala de aula, criando condições para o autodesenvolvimento de todos
envolvidos no processo. Infelizmente este avanço da educação ainda encontra barreiras,
tornando muitas vezes estas discussões em palavras soltas no ar sem significados, barreiras
estas provocadas pelos próprios profissionais da educação que impõem um saber centralizado.
Como afirma Almeida (2009):
(...) o sistema investe também contra as crianças, incutindo, desde cedo, a imposição
do saber mecanicista, predeterminado, destruindo na criança o verdadeiro sentido da
escola (lugar de alegria, confraternização) e do gosto pelo estudo, levando-a a uma
atitude passiva, competitiva e dominadora (os vestibulinhos e os vestibulares ditam
todas as normas, desde a pré-escola até a universidade, e reforçam a produção de
classes). (p. 13)
Percebe-se esta desvalorização da ludicidade especialmente nas salas do 5ª série do ensino
fundamental, pois é neste período que é mais comum notar índices de evasão e repetência.
Almeida (2009) contribui ainda mais ao afirmar:
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Em meio a essa irracionalidade os educadores, muitas vezes usados pelo sistema
para ser os verdadeiros guardiões de seus objetivos, tornando-se entraves
permanentes da presença histórica de escolarização para crianças e adolescentes. As
mínimas atitudes de um diretor ou professor – poder autoritário e centralizador,
proibições inócuas, desinteresse pelo aluno, aulas desinteressantes, desrespeito,
reprovações infundadas... -levam crianças a abandonar a escola muito cedo e nunca
mais voltar. (p. 13)
E é por esta desqualificação pelo que é lúdico, sendo este um forte aliado da sala de aula no
processo de ensino e aprendizagem, é que surge o meu problema e a necessidade de pesquisar
sobre este assunto, a partir deste, contribuir para uma maior valorização e uma reflexão e de
uma prática, de todos aqueles envolvidos neste processo, principalmente educadores, em
relação à ludicidade dentro do espaço educativo. Visando também, despertar a
responsabilidade que se tem no que diz respeito, a contribuição de uma educação de
transformação e libertação.
Assim, temos como questão de pesquisa: Como a ludicidade acontece em uma sala de aula da
5ª série do ensino fundamental?
A partir da qual teremos como objetivo: Identificar como a ludicidade acontece em uma sala
de aula da 5ª série do ensino fundamental.
Essa questão possibilita a tematização de alguns elementos do aspecto lúdico na formação da
criança, na valorização da criatividade, no cultivo da sua sensibilidade e afetividade, na
libertação do corpo e de seus movimentos, permitindo que a todos que vivenciem, professores
e alunos, aflorem o que está adormecido dentro de si.
9. 9
CAPÍTULO II
2. A IMPORTÂNCIA DO ASPECTO LÚDICO NA EDUCAÇÃO
Apreciando a discussão feita no capítulo I, valorizando o problema bem como o objetivo, que
é: Como a ludicidade acontece em uma sala da 5ª série da educação fundamental, vemos a
necessidade de examinar teoricamente os conceitos: Ludicidade, educação e Sala de aula.
Nessa perspectiva nos colocamos diante de uma questão que abre possibilidades de pensar
sobre a educação, seus caminhos, seus aspectos e as posturas educacionais que têm
prevalecido nos espaços escolares, posturas estas que geralmente negam a autonomia das
crianças, reprimido suas melhores qualidades de sujeitos ativos ao perpassar a característica
predominante da educação: uma sociedade disciplinada e atenta a reprodução de conteúdos.
Usualmente, em nossa sociedade, nós damos pouco lugar aos sentimentos. Em
função de nossa herança iluminista, queremos aprender e ensinar somente pelo
processo cognitivo e, em função de nosso comprometimento com a produtividade,
buscamos sempre mais e mais atividades. Com isso, nossa experiência de sentir
permanece relegada ao segundo plano; ou terceiro, quarto... último plano! Portanto,
nosso caminho predominante é viver no desequilíbrio dos nossos elementos
constitutivos, psíquicos e corporais do mesmo tempo. (LUCKESI, 2009)
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É evidente a maneira como a educação é conduzida, o muro erguido que se constrói entre o
cognitivo e o sentimento, entre o inteligível e o sensível, este por sua vez interligado a
criatividade e a plenitude, o que implica no equilíbrio, diante disso, que a ludicidade deve ser
encarada de outra forma por todos envolvidos em um processo de ensino e aprendizagem. Até
porque, a ludicidade é a porta que conduz o homem às experiências plenas.
Silva (2006) defende a ideia de que a ludicidade desenvolve nas civilizações o poder de
ultrapassar os limites, pelo simples fato de que, o aspecto lúdico propicia encantamento, não
por ser um jogo, mas por o homem se fazer parte dele, o homem é um ser lúdico.
O direito e a ordem, o comércio e o lucro, a indústria e a arte, a poesia, a sabedoria e
a ciência. Todas elas tem suas raízes no solo primitivo do jogo (...) O homem
primitivo procura, através do mito, dar conta do mundo dos fenômenos atribuindo a
este um fundamento divino. Em todas as caprichosas invenções da mitologia, há um
espírito fantasista que joga no extremo limite entre a brincadeira e a seriedade.
( HUIZINGA, 1971, p.7 apud SILVA, 2006, p.50)
Somando a esta idéia, Nóbrega (2005) citando o filósofo Montaigne afirma que essa
linguagem do corpo está circunscrita ao privado, ao íntimo, ao secreto, ao inconfessável uma
transformação da intimidade cujos procedimentos de controle social se tornam mais severos
por meio de formas educacionais da gestão da alma e do corpo. (p.601)
Neste sentido de estabelecer padrões de comportamentos e pensamentos que a ludicidade é
considerada um simples acessório, momento de pura descontração, gerando desta forma, uma
racionalização do corpo, ou seja, a fragmentação do ser humano.
Maturana (2004) diz ainda:
Na criança, a consciência individual surge com desenvolvimento de sua consciência
corporal, quando ela aprende seu corpo e o aceita como seu domínio de
possibilidades, ao aprender a viver consigo mesmo e com os outros na linguagem.
Esse processo ocorre como um aspecto normal do desenvolvimento, no qual a
criança só alcança a plenitude de sua integridade biológica sensório-motora,
emocional e intelectual se vive na total confiança que a plena aceitação da mãe e do
pai implica. Isso não é fantasia. A dinâmica corporal e fisiológica da criança é
diferente se ela vive na confiança trazida pela aceitação ou sob a dúvida ou a
desconfiança que configuram a rejeição. E o seu corpo (inclusive, é claro, o sistema
nervoso) cresce de modo diverso em cada caso. (p. 228)
É diante desta aceitação do próprio corpo que a criança irá vivenciar suas experiências mais
significativas, e à medida que ela se sente integrada a uma plenitude, mais confiança terá em
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enfrentar novos desafios, e a educação deve está atenta a essa questão e ser a ponte da criança
na descoberta dela mesma. Nóbrega (2005) diz que as atitudes exteriores não são gestos
superficiais, inúteis ou desnecessárias, elas revelam o homem interior, por isso a educação
deve preocupar-se com esses aspectos.
A educação tem um papel fundamental: a transformação e o envolvimento das áreas internas
que compõe o homem: sentir, pensar e agir. Um não está completo sem a presença do outro,
não é possível ter uma real plenitude se estes três estiverem desvinculados, ou, até mesmo a
inexistência de algum deles, se isso acontece há um desequilíbrio, pois, como uma orquestra
cada uma compõe sua função de forma integrada e distinta. Segundo Maturana (2004):
Valorizar a razão e a racionalidade como expressões básicas da existência humana
de positivo, mas desvalorizar as emoções – que também são expressões
fundamentais dessa mesma existência – não o é. As emoções são disposições
corporais (estruturais) dinâmicas que especificam, a cada instante o domínio de
ações em que um animal opera nesse instante. (p. 227)
E se a educação assume a postura de considerar a importância da emoção, da corporeidade, da
ludicidade, da sensibilidade na formação da criança, porque assim a educação será capaz de
envolver e harmonizar o sentimento, o pensamento e o movimento. A sala de aula é um
espaço onde pode acontecer a interação entre a razão e emoção, fugindo de planejamentos
rígidos, sendo que o aspecto lúdico estimula o desenvolvimento intelectual, além de favorecer
a auto-estima, estimula também sua autonomia.
O aspecto lúdico é importante não só porque ficamos alegres ou nos dá prazer, mas por
vivenciar momentos de plenitude direta e reflexiva, estamos indo além da simbologia, mas,
levando todos os envolvidos no processo a encontrar e restaurar o equilíbrio entre os
componentes psíquico-corporais do nosso ser.
2.1. Ludicidade e Educação
A ludicidade é um termo utilizado para toda atividade que é lúdica, este termo por sua vez,
originou-se da palavra latina “ludus” que traduzida significa: jogos (LUCKESI, 2009). No
entanto, muitos estudiosos reconhecem hoje que a ludicidade vai além de simplesmente
atividades físicas, elas correspondem a momentos que propiciam um encontro com o seu eu
12. 12
interior. Luckesi (2009) afirma que brincar, jogar, agir ludicamente, exige uma entrada total
do ser humano, corpo e mente, ao mesmo tempo. A atividade lúdica não admite divisão; e, as
próprias atividades lúdicas, por si mesmas, nos conduzem para esse estado de consciência.
(p.2)
Por isso, a imagem vinculada por muitos a respeito do ato de brincar, às vezes, contraria a
verdadeira face da ludicidade, atribuindo a um mero momento de distração, futilidade, ou até
mesmo perda de tempo. Friedmann (1992), afirma que a atividade lúdica é a forma através da
qual a sensibilidade e o potencial são liberados e modelados, o que concedeu a mesma um
papel importante nas relações culturais e sociais.
Na infância a ludicidade acaba tendo mais sentido, tornando assim, uma característica própria
da criança, que transformará estas atividades lúdicas, para os adultos, em algo “inútil”, até
hoje muito tem se discutido sobre a ludicidade, aliado às atividades pedagógicas, pois para ele
a ludicidade é o primeiro recurso no caminho rumo à aprendizagem, no entanto, ela não deve
ser considerada “um faz de conta”.
Kishimoto (2002) diz que a atividade infantil é lúdica, isto é, gratuita, não significa que ela
não atenda as necessidades do desenvolvimento. Embora “inútil”, “fútil”, do ponto de vista
imediato, ela tem enorme importância a longo prazo. A necessidade de garantir espaço para o
gesto “inútil” adquire enorme importância. (p. 115)
E é desta forma que se caracteriza a ludicidade, relacionando sempre a figura da criança, ou
atividades físicas e neste sentido, geralmente, são classificadas como momentos de pura
descontração não tendo identificação com o ensino e aprendizagem.
Neste aspecto, muito têm sido as discussões com relação a corporeidade advinda de uma nova
compreensão, ampliando suas referências, com o objetivo de incorporar o brincar no processo,
integrando o sentir, o agir, o pensar que compõe cada indivíduo, visando assim, o aluno como
um ser completo, alguém que sente, pensa e age.
Infelizmente, as atividades lúdicas são para descontrair, e por causa deste tipo de comentário a
ludicidade está cada vez mais sistemática, a cada novo ano que a criança avança no período
13. 13
escolar percebe a diminuição do espaço e do tempo de brincar, acaba sendo restrita somente a
hora do recreio, momento este, para um relaxamento para retornar ao trabalho, atividades,
tarefas, considerado, agora sim, momento sério.
Como afirma Borba (2007):
A brincadeira está entre atividades frequentemente avaliadas por nós como tempo
perdido. Por que isso ocorre? Ora, essa visão é fruto da idéia de que a brincadeira é
uma atividade oposta ao trabalho, sendo por isso menos importante, uma vez que
não se vincula ao mundo produtivo, não gera resultados. (p. 35)
Diante disso, é que se fortaleceu a idéia formada em relação à ludicidade como atividade que
tem a função de proporcionar diversão e descontração, desvinculando-a da educação.
Machado (1998) não concordando com isto afirma: “O lúdico encontra-se no espaço do
sonho. Uma criança livre, feliz, brinca quando come, quando faz seus pequenos discursos
poéticos.” (p. 19) e dentro dessa perspectiva acreditamos que o aspecto lúdico é fundamental
importância para construir outras experiências em educação, uma experiência educacional
mais alegre e sensível.
O aspecto lúdico está ligado diretamente a qualquer indivíduo, principalmente ao se tratar das
crianças, sendo algo intrínseco da infância e por isso não deveria estar desvinculada da sua
formação. Silva (2005) concorda ao afirmar: “Temos de ter em mente, que para um bom
desenvolvimento é necessário haver educação do movimento, consciência do corpo, e deve-se
pensar, agir, criar, imaginar e brincar.” (p. 20)
Para Graciani (1999) que tem um encontro com este movimento do corpo, descreve a
ludicidade de um ponto de vista cultural, apresenta a rua como um espaço de descoberta
lúdica também, que na rua há plenitude, modelos socioculturais, que é neste espaço onde as
crianças se reuniram para exercitar ali o ato cultural de brincar, experimentar sua autonomia e
gerar sua criatividade, sentimentos estes, muitas vezes não podendo ser vivenciados nos
espaços escolares, por isso, é na rua que a criança encontra sua liberdade. “Sem querer
mitificar a rua, ela foi e é um lugar de liberdade, para se escapulir dos espaços domésticos e
escolares que sempre foram controlados pelos adultos.” (p. 150). No entanto, o espaço escolar
poderia criar conexões com essa liberdade interagindo mais com as experiências que as
crianças vivenciam fora da escola, e poder pensar o lúdico de forma mais positiva, não como
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oposição ao trabalho, mas como uma atividade que se articula aos processos de aprender, de
desenvolver e conhecer, e que está ligada à cultura e ao cotidiano das crianças.
Machado (1998) fala sobre que não há necessidade de monitoramento total por parte de
adultos e professores durante o momento lúdico, tornando a ludicidade algo muito
sistemático, ou até mesmo um estudo dirigido, não considerando o papel sério que este
momento representa de estruturação cultural dos pensamentos e emoções, mas deve ser
compreendida como uma atividade atemporal. “E que o brincar seja, para todos, ação
apaixonada e comedida.” (p. 32)
Vygotsky (1987) acredita no momento lúdico vinculado no desenvolvimento e aprendizagem
e aponta que o brincar é um importante processo psicológico, sendo também, uma atividade
humana criadora, ou seja, humanização do homem.
Diante disso, conceituar a ludicidade valorizando uma perspectiva mais pedagógica é
extremamente importante ressaltar a formação do pensamento a partir do conhecimento do
próprio corpo e conseqüentemente de sua personalidade e emoções. Ressurreição (2006) trata
de como é essencial o educador construir pontes entre o saber e o sabor da vida e do cotidiano
da criança, afirmando:
Entendemos que a atividade docente, como práxis, não se restringe ao desempenho
de habilidades técnicas, mas se apresenta como a elaboração de um saber
socialmente compartilhado, tendo a finalidade de ampliar a consciência dos
educandos no seu desenvolvimento como seres sócio-históricos. (p.83)
Luckesi (2009) afirma o que significa a ludicidade voltada para a pedagogia:
As atividades lúdicas são instrumentos da criação da identidade pessoal, na medida
em que elas, nessa perspectiva, estabelecem uma ponte entre a realidade interior e a
realidade exterior. Esse é o lado construtivo das atividades lúdicas. Pelas atividades
em geral e pelas atividades lúdicas em específico, a criança aproxima da realidade,
criando a sua identidade. O princípio do prazer equilibra-se com o princípio da
realidade, na criança. Através das atividades lúdicas. (Bruno Bettelheim, apud
Luckesi, 2009)
Assim sendo, a ludicidade é uma atividade de construção interna possibilitando a
aprendizagem, pois, a consciência de si surge quando há um desenvolvimento e um
reconhecimento do próprio corpo. Desta forma, a ludicidade vem ganhando espaço como uma
fonte de possibilidades no que diz respeito ao desenvolvimento e a aprendizagem.
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Borba (2007) apud Vygotsky (1987) diz que o brincar é uma atividade humana criadora, na
qual imaginação, fantasia e realidade interagem na produção de novas possibilidades de
interpretação, de expressão e de ação pelas crianças, assim como de novas formas de construir
relações sociais com outros sujeitos, crianças e adultos. (p.35)
Visando desta forma, a imaginação e a fantasia, assim como, o raciocínio lógico interagem
não de forma linear, pois a realidade é constituída na razão através de símbolos e nesse
sentido, Dias (2001) nos diz que o homem é concebido como um sujeito que interpreta o
mundo a partir de esquemas de pensamento que são redes intrincadas afetivas, cognitivas,
conscientes e inconscientes elaboradas internas de cada um, construídas dentro e a partir do
contexto cultural e social. (p.47)
A imaginação assim como a fantasia são aspectos presentes na ludicidade, não a restringindo
ao universo infantil, mas ao homem, estes aspectos estão presentes no sentimento e no
pensamento também, a fantasia traz consigo a liberdade de se reconstruir uma realidade a qual
está associada ao desprazer, trazendo para a realidade o que lhe propicia prazer. Desta forma,
unindo realidade e fantasia possibilita uma vivência mais plena, ou seja, mais prazerosa.
Sendo assim, a ludicidade como uma atividade, também, pedagógica, isto não implica que
haja agora uma compreensão, o qual visa a esta atividade como um elemento favorável
somente a assimilação de conteúdos, ou, simplesmente um recurso facilitador. A imaginação
também faz parte do processo de humanização, pois, é uma ação importante iniciada na
infância e possibilita a sensação de plenitude e liberdade Benjamin (1984). Vozes, gestos,
narrativos e cenários criados e articulados pelas crianças configuram a dimensão imaginária,
revelando o complexo processo criador envolvido no brincar.
Borba (2007) ultrapassa esta idéia de uma mera reprodução da brincadeira em sala de aula,
dizendo:
Se por um lado a criança de fato reproduz e representa o mundo por meio das
situações criadas nas atividades de brincadeiras, por outro lado tal reprodução não se
faz passivamente, mas mediante um processo ativo de reinterpretação do mundo,
que abre lugar para a invenção e a produção de novos significados, saberes e
práticas. (p. 35)
16. 16
Desta forma, tudo é possível, identificar as atividades lúdicas como uma atividade cultural,
psíquica e pedagógica, a qual envolve o social, emocional, o motor e a criatividade de todos
aqueles que a vivencia plenamente, desta forma o resultado será uma educação integral
possibilitando as três áreas do ser humano: o sentir, o agir, o pensar.
Diante dessas abordagens a escola poderia considerar, investindo num processo de formação
de professores, e se buscasse uma mudança de postura no sentido de percorrer um caminho
educacional, uma postura mais crítica e reflexiva, ter a capacidade de produzir novas idéias,
percorrer novos caminhos, abandonando velhas práticas. Larrosa (2005) subscrevendo as
palavras de Nietzsche quando fala sobre a formação a qual deve ser voltada para o futuro,
interrogando o passado e de voltá-lo contra o presente cujas potencialidades ainda estão para
serem desenvolvidas. Esta é a ideia de significado que conduz, ou deveria conduzir a
formação da humanidade em especial a formação de professores. Alarcão (2008) contribui
neste aspecto ao afirmar que todo ser humano tem a capacidade de refletir, pois isto é inato,
no entanto necessite de um contexto para favorecer o seu desenvolvimento, contexto este que
envolve liberdade e responsabilidade. “É preciso vencer inércias, é preciso vontade e
persistência. É preciso fazer um esforço grande pra passar do nível meramente descritivo ou
narrativo para o nível em que se buscam interpretações articuladas e justificadas e
sistematizações cognitivas.” (p.45)
2.2 Educação e os aspectos na formação da criança
Educação, do latim “edurece”, que significa extrair, tirar, desenvolver. Consiste,
essencialmente, na formação do homem de caráter. Segundo o conceito de Ferreira (2001) no
miniaurélio dicionário da língua Portuguesa a educação é o processo de
desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e
do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e
social. (p. 272), ou seja, a educação é um processo vital, não podendo ser confundida com o
desenvolvimento físico, mas uma atividade que eleva o ser humano a realizar as suas
potencialidades físicas, intelectuais, morais e espirituais.
Segundo Soares (2006):
17. 17
No que tange a crença de que o tempo da escola deve ser bem utilizado, observo que
as suas compreensões dizem respeito ao fato de que só é bem utilizado o período
escolar se for dirigido ou relacionado para o ensino ou avaliação de conteúdos.
Qualquer atividade que fuja desse terreno é considerada “momento roubado ao
ensino”. (p.62)
No entanto, deixa evidente que as instituições escolares têm trazido para si todos os créditos
no ato de educar, embora, a criança ao chegar à escola, traz consigo toda uma estrutura de
experiências, valores que refletem sua cultura, e é oferecido outro tipo de educação, sendo
esta fragmentada, que nega a sua plenitude, o prazer, a liberdade, sendo desta forma
confundida pela artificialidade, por tratar que é esta a educação vivenciada na sala de aula.
Freire (1980) critica esta educação, quando se torna um sistema reprodutivo que nega o
movimento e a cultura das crianças impondo-lhes comportamentos que devem ser inculcadas,
quando diz: “Qualquer que seja a sociedade, a função da educação é sempre a de preparar as
novas gerações para a vida adulta, para a vida no mundo dos adultos”(p. 94).
Se realmente este for o papel da educação, é possível afirmar que a educação nas instituições
escolares estimula a experiência da desigualdade e da dependência, dificultando o potencial e
a capacidade de ser livre, de ser pleno para imaginar e construir alternativas.
Como diz Freire (1980):
A escola é, por outro lado, uma instituição que desequilibra os organismos mais
sensíveis aos distúrbios psicossomáticos. O estudo de tensão nervosa provocado
pelas provas e avaliações; pela atitude ditatorial de alguns professores; pelo pouco
exercício físico ao ar livre; pelas ameaças de pais exigentes; e pela preocupação em
tirar boas notas da parte de algumas crianças, acaba criando uma ansiedade crônica
que atinge o funcionamento do aparelho digestivo. Isso sem se falar na enurese que
se origina em traumas da vida familiar e pré-escolar, prolongados anormalmente por
frequentes situações de ansiedade. (p. 13)
Infelizmente este pode ser realmente o quadro vivo do ambiente escolar, uma educação que ao
invés de possibilitar momentos plenos de encontro e realização, que valorize os movimentos,
os sentimentos, torna-se uma escola seletiva, que exclui, que prende, que domina o corpo.
Desta forma a educação, que não se reconhece mais como tradicionalista, reproduz ainda o
papel de transmissora, enquanto os alunos vivem aprisionados nas carteiras. Freire (1980; p.
47) “Não, não é um acaso. É um plano. Um plano desconhecido para os que o cumprem.
Trata-se de domar. Domesticar fisicamente essa máquina fantástica de desejos e prazeres que
é a criança.”
18. 18
Mizukami (1986) apresenta alguns pontos para relacionar o conceito de educação, segundo
algumas abordagens, inclusive a abordagens tradicional a qual como grande responsável
deixou ranços na história da educação, sendo a percussora desta educação que nega a
ludicidade como uma atividade, também, pedagógica, e de acordo com a abordagem
tradicional a educação é entendida como instrução, caracterizada pela transmissão de
conhecimentos e restrita a instituição escolar. “A abordagem tradicional é caracterizada pela
concepção de educação como produto, já que modelos a serem alcançados estão pré-
estabelecidos, daí a ausência de ênfase no processo. Trata-se, pois, da transmissão de idéias
selecionadas e organizadas logicamente.” (p.11)
Contrariando a idéia conservadora, que diz respeito e ênfase atribuída aos conteúdos, D’Àvila
(2006) diz que a educação está no crescimento constante da vida, na medida em que o
conteúdo da experiência vai sendo aumentado, assim como, o controle que podemos exercer
sobre ela, desta forma, a educação tem como finalidade propiciar à criança condições para que
resolva por si própria os seus problemas, e não as tradicionais ideias de formar a criança de
acordo com modelos prévios, ou mesmo orientá-la para um porvir.
Para Rousseau a educação não vem de fora, é a expressão livre da criança no seu contato com
a natureza. Contrariando também a abordagem tradicional, considerada por ele uma rígida
disciplina, dar para a educação uma finalidade de ensinar a criança a viver e a aprender a
exercer a liberdade. (CERISARA ,1990; p.72. apud ROUSSEAU) “Viver é o que eu desejo
ensinar-lhe. Quando sair das minhas mãos, ele não será magistrado, soldado ou sacerdote, ele
será, antes de tudo, um homem.”
Torna-se assim, a educação descentralizada, visando à criança como um sujeito que busca
constantemente o conhecimento, tendo com o mundo uma relação crítica e criativa. Neste
sentido o aspecto lúdico faz esta ponte para ampliar a relação sujeito/mundo e elevar seu nível
cognitivo.
Para Froebel (1912) apud. Kishimoto (2002) o primeiro a enfatizar as atividades lúdicas na
educação das crianças, descreve educação como um processo pelo qual o indivíduo
desenvolve a condição humana autoconsciente, com todos os seus poderes funcionando
completa e harmoniosamente, em relação à natureza e à sociedade. Além do mais, era o
mesmo processo pelo qual a humanidade, como um todo, originariamente se elevara acima do
19. 19
plano animal e continuara a se desenvolver até a sua condição atual. Implica tanto a evolução
individual quanto a universal.
Para a abordagem Humanista, tendo como proposta fundamentada nos estudos de Cal Rogers,
conceitua uma educação centrada na pessoa, segundo uma perspectiva pautada na
personalidade e conduta. Esta teoria consiste em deixar a responsabilidade da educação
voltada para o indivíduo. Segundo Mizukami (1986) que a educação seria entendida, na
proposta rogeriana, como um encontro deliberado e intencional entre pessoas que objetivam
experiências significativas, crescimento, atualização e mudança, que devem caracterizar um
processo buscado, escolhido e não obrigado ou imposto. (p. 45)
Diante dessa concepção, segundo a abordagem Humanista, é possível afirmar que através de
experiências vivenciadas pela criança ou adulto, a educação se dará nos momentos em que a
consciência sairá de um senso comum para uma forma mais elevada, ou seja, uma
organização de pensamento mais coerente.
Para Piaget (apud MIZUKAMI, 1986), a educação é um todo não fragmentado, considerando
dois elementos principais: intelecto e moral. Piaget vem defendendo um conceito voltado para
a abordagem cognitivista, a qual consiste em uma educação não transmissora de verdades,
informações, demonstrações, mas que o aluno aprenda por si próprio, a conquistar estas
verdades, ou seja, há uma autonomia. Embora, a educação hoje venha sendo minimizada a
uma reprodução de conhecimentos, a qual enfatiza a educação como um processo, pelo qual é
transmitido ao indivíduo os conhecimentos necessários para integrar-se a sociedade, indo de
encontro com as idéias citadas por Piaget.
Diante disso Freire (1980) afirma:
Mas é igualmente verdade que são sobretudo as exigências do sistema produtivo, do
modo de produção, que determinam, em cada contexto sócio-cultural, quais são os
conhecimentos e aptidões que devem ser adquiridos e quais são os valores e modos
de comportamento que devem ser inculcados nos alunos. (p. 94)
Concordamos com Freire (1980), quando ele posicionando criticamente com relação aos
processos educativos desenvolvidos pela escola, diz que esta é uma indústria, ou seja, um bem
de consumo, e que será bem sucedido aquele que mais reproduz o que lhe transmite para
20. 20
integra-se na sociedade, e o responsável por esta reprodução é a instituição conhecida por
escola. “Quanto mais um ser humano ‘consome’ educação, mais ele faz frutificar seu haver e
sobe na hierarquia dos capitalistas do conhecimento.” (FREIRE, 1980, p. 15)
Duarte (1992) traz uma concepção de educação como uma atividade mediadora, ou seja, um
período o qual toda criança, jovem ou adulto deve passar para adquirir ferramentas culturais
para a sua atuação na sociedade, estabelece a mediação utilizando a figura de uma “ponte”
que compreende uma relação recíproca.
Desta forma, Duarte (1988) afirma:
A educação mediação no seio da prática social precisa, portanto, ser compreendida
enquanto atividade que mantém um movimento recíproco dentro dessa prática mais
ampla, durante todo o seu processo de produzir-se, além de ser também um
momento (os anos de escolaridades) na vida dos indivíduos de uma determinada
sociedade. (p. 99)
Este ato é imprescindível para que a política da educação funcione de fato, mas ainda não
suficiente, é necessário ainda uma reflexão sobre a prática educacional intencionalizar o
conteúdo estabelecendo relação com a prática educativa e seus objetivos, para que se tornem
objetivos concretos, possibilitando o sonho em realidade.
Felizmente, pouco a pouco, a ludicidade tem feito parte de muitas discussões, e apesar da
educação ter tantas imperfeições, tem-se avistado novas soluções, a partir das próprias
necessidades, e percebe-se na ludicidade, a inovação a transformação que almeja.
2.3 Sala de aula, um lugar possível para a ludicidade
É impossível falar em sala de aula antes de refletir um pouco sobre todo o espaço escolar,
para não pensá-la de forma simplista, ou seja, um ambiente amplo, preenchido por carteiras,
com janela e uma porta e um imenso quadro negro. Bem, de certa forma, esta é a imagem que
permanece na lembrança de muitas pessoas.
Faz-se necessário, no entanto, mencionar alguns pontos de vista, na busca de uma maior
reflexão acerca da representação da escola na sociedade, bem como o seu papel, analisando
21. 21
então, algumas abordagens: Tradicional, Comportamentalista, Humanista, Cognitivista,
Sócio-cultural, com base teórica em Mizukami (1986):
Do ponto de vista Tradicional a escola, tal como a sala de aula, é o lugar por
excelência onde se realiza a educação, e onde acontece a transmissão de informações,
funcionando como uma agência sistematizadora de uma cultura complexa. (p.11)
Do ponto de vista Comportamentalista, a escola é o lugar onde o comportamento
humano às finalidades de caráter social será direcionado, sendo que seu papel
principal é manter e conservar e em parte modificar comportamentos aceitos como
úteis e desejáveis para a sociedade. (p.29)
Do ponto de vista Humanista, a escola é um espaço onde oferece condições que
possibilite a autonomia do aluno, firmando-se no princípio básico da não interferência
com o crescimento da criança e de nenhuma pressão sobre ela. (p.95)
Do ponto de vista Cognitivista, a escola é um espaço que deve possibilitar ao aluno o
desenvolvimento de suas possibilidades de ação motora, verbal e mental, de forma
que possa, posteriormente, intervir no processo sócio-cultural e inovar a sociedade.
Deve ser um espaço que possibilite ao aluno ter interesse intrínseco à sua própria
ação. (p. 105)
Do ponto de vista Sócio-cultural, a escola é um espaço, a qual deve ser considerada
um local onde seja possível o crescimento mútuo, do professor e dos alunos, no
processo de conscientização, o que implica uma escola diferente da que se tem
atualmente, com seus currículos e prioridades. (p. 122)
Diante de todos os pontos de vista mencionados é importante ressaltar que as teorias não são
as únicas fontes de resposta possíveis. No entanto, dar-se respaldo para várias discussões,
principalmente quando o assunto em foco é o espaço escolar.
Elevando o pensamento a uma visão não tão imediatista, a escola pode ser mais bem
entendida como todo e qualquer espaço que propicie a educação, pois, educação é também
22. 22
cultura e ideologia, infelizmente pode ser compreendida também como competição, ou seja,
quem detém mais o conhecimento e incorporação de técnicas será bem classificado
profissionalmente na sociedade, esta é uma ideia neoliberal, bem descrita por Garcia (1996)
quando afirma:
A injusta distribuição de bens materiais, culturais e de educação é justificada pelas
“diferenças” – uns são mais capazes do que outros, uns se esforçam mais do que
outros, uns têm mais méritos que outros. Os outros são os que fracassam na escola e
no trabalho, condenados ao analfabetismo e a posição subalternas na sociedade.(p.
167)
Desta forma, a escola se caracteriza como uma indústria, onde o aluno é um consumidor da
educação, formado para o trabalho, no entanto, reproduz seguindo influências ideológicas,
distanciando do seu papel. Garcia (1996) acrescenta: “Opor-se ao quadro neoliberal que se
instala na América Latina e no Brasil é construir uma escola que ao contrário de excludente,
seja inclusiva, espaço democrático de socialização do saber historicamente produzido e direito
de todos.” (p. 168) como poderia ser esta oposição, se o poder ludibria a sociedade não sendo
diferente na escola, no que se diz respeito à educação.
Diante disso, fica entendido que seja qual for a abordagem ou ideologia de uma escola, é
essencial que todos tenham acesso a este espaço garantindo a qualquer indivíduo ter voz e vez
no meio que vive, portanto, infelizmente, a escola tem uma outra imagem, segundo Snyders
(1988), “As crianças representam a escola como um remédio amargo que deverá ser engolido
para mais tarde dá resultado.” (p.12). Esta idéia reflete o que ao longo dos anos a escola tem
se tornado, também, em um espaço de controle.
Foucault (1998) afirma:
O espaço escolar se desdobra; a classe torna-se homogênea, ela agora só se compõe
de elementos individuais que vem se colocar uns ao lado dos outros sob os olhares
do mestre. A ordenação por fileiras, no século XVIII, começa a definir a grande
forma de repartição dos indivíduos na ordem escolar: filas de alunos na sala, nos
corredores, no pátio; colocação atribuída a cada um em relação a cada tarefa e cada
prova; colocação que ele obtém de semana em semana, de mês em mês, de ano em
ano; alinhamento das classes de idade umas depois das outras; sucessão dos assuntos
ensinados das questões tratadas segundo uma ordem de dificuldade crescente.
(p.159)
23. 23
Diante dessa afirmação, tem-se consciência que a escola ainda traz algumas heranças
conservadorismo e neoliberal, e acaba deixando desfocada sua principal função: a formação
de indivíduos livres, autônomos, capazes de exercer a cidadania.
Entender o significado do que é uma sala de aula não é tarefa tão fácil, além de um espaço
físico e social, e um espaço representado por suas descobertas, momentos de criação, do
ensino e aprendizagem, como autores principais deste palco os alunos e os professores, peças
chave para dar significado à palavra sala de aula, se não fosse assim, seria apenas um espaço
qualquer sem nenhum anseio. Embora, a sala de aula traga ao longo do tempo sua forma
simplória de definição como um mero ambiente físico que aprisiona o aluno.
Freire (1980) conhecendo esta realidade escreve:
Imediatamente depois do maternal, a criança de seis anos é “parafusada” numa
carteira dura para estudar palavrórios durante horas e horas. Será por acaso que a
criança em desenvolvimento, essa força da natureza, essa exploradora aventurosa, é
mantida imóvel, pretificada, confinada, reduzida a contemplação das paredes,
enquanto brilha o sol lá fora, obrigada a prender a bexiga e os intestinos, 6 horas por
dia, exceto algumas minutos de recreio, durante 7 anos ou mais? Haverá maneira
melhor de aprender a submissão? Isso penetra por músculos, sentidos, tripas, nervos
e neurônios... Trata-se de uma verdadeira lição de totalitarismos. A posição sentada
é reconhecida nefasta para a postura e para a circulação, e, no entanto eis nosso
homem ocidental com problemas de coluna, as veias esclerosadas, os pulmões
retraídos, hemorróidas e nádegas achatadas... Faz um século que vemos as crianças
arrastando os pés debaixo das carteiras, entortando o corpo e pulando como rãs
quando a sineta bate. Esse tipo de manifestação é atribuído à turbulência infantil:
nunca a imobilidade insuportável, imposta a crianças – a culpa é sempre culpa da
própria vítima, não, não é acaso. É um plano. Um plano desconhecido para os que
cumprem. Trata-se de domar. Domesticar fisicamente essa máquina fantástica de
desejos e prazeres que é a criança. (p. 47)
Porém, a verdade é que, contrariando o conservadorismo e neoliberal, embora tenham sido e
são marcantes até os dias de hoje, traz a abordagem sócio-cultural, uma forma subjetiva que
denota grande importância no que se diz respeito ao espaço da sala de aula, ou seja, a escola à
formação do cidadão, visando desta forma, um local privilegiado, não único, porém é um dos
principais ambientes de socialização e construção sistemática onde se tem respaldo para a
elevação de uma visão crítica e verticalizada em relação ao ato de conhecer, pois abre
possibilidades a descobertas, a alimentação da alma e a uma profunda reflexão do mundo em
que o cerca.
Como afirma Gentili (2001):
24. 24
Na sociedade atual, com seu elevado fluxo de informações (muitas das quais
enganosas), o espaço educativo readquire centralidade. As relações que ali se
estabelecem, notadamente entre alunos e professores, além da necessária troca de
saberes, são, intrinsecamente, espaços de troca de perspectivas; percepções e
vivências. Crianças, jovens e também os adultos (aqueles que decidiram, contra a
letal apatia reinante, aprender a ler, escrever e contar, no outono de suas vidas) são
ativos discentes, portadores de esperanças.(p.22)
Diante disso, ao descrever a sala de aula como um espaço de grande importância e ganhando
centralidade por ser um lugar de construção da esperança e de relações, pois é a partir dela
que o aluno é levado a pensar no mundo que o cerca e ser um agente transformador, sendo
assim, a sala de aula é reconhecida com privilégios por Gentili (2001) sendo o lugar que
habita os portadores da esperança, tornando-a um ambiente singular para as transformações e
comportamentos.
CAPÍTULO III
METODOLOGIA
3.1 TIPO DE PESQUISA:
Diante do papel do pesquisador, que é justamente de servir como veículo inteligente e ativo
entre o conhecimento acumulado e as novas evidencia, são estabelecidos estudos a partir da
pesquisa qualitativa. Segundo Ludke e André (1986) “A pesquisa qualitativa supõe um
contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo
investigada, via de regra através do trabalho intensivo de campo.” (p. 11). Conseqüentemente
torna-se cada vez mais evidente a confiabilidade nas informações obtidas pelos pesquisadores
em educação através da metodologia.
25. 25
É importante ressaltar, também, do perigo de se utilizar do termo “pesquisa qualitativa” em
toda e qualquer pesquisa que não envolva os números, pois a pesquisa qualitativa está ligada
diretamente aos fenômenos humanos e sociais. André (1995), escreve:
Dilthey, que era historiador, foi um dos primeiros a fazer esse tipo de indagação e a
buscar uma metodologia diferente para as ciências sociais, argumentando que os
fenômenos humanos e sociais são muito complexos e dinâmicos, o que torna quase
impossível o estabelecimento de leis gerais como na física ou na biologia. Por outro
lado, afirma Dilthey, quando se estuda história, o interesse maior é o entendimento
de um fato particular e não a sua explicação casual. Além disso, continua ele, o
contexto particular em que ocorre o fato é um elemento essencial para sua
compreensão. (p.16)
Diante disto foi realizada uma pesquisa qualitativa para observação direta e sistemática da
rotina dos professores na sala de 5ª série da Educação Fundamental, intencionada a observar
na prática como acontece a ludicidade na sala de aula. Procurando redirecionar o saber e o
fazer de algumas práticas docentes.
Utilizou-se a pesquisa etnográfica. No entanto, cabe destacar que neste tipo de investigação,
observação, descrição e análise do cotidiano de uma sala de aula que está sendo estudada são
passos essenciais para uma compreensão mais profunda. Por outro lado, julgamento,
avaliação ou configuração das condutas observadas não faz parte desta metodologia. Sendo
que o objetivo deste método é contribuir para um ensino de qualidade e mudança de atitude.
Como afirma André (1995):
A pesquisa etnografia é o estudo de como os indivíduos compreendem e estruturam
seu dia-a-dia, isto é, procura descobrir “os métodos” que as pessoas usam no seu
dia-a-dia, para entender e construir a realidade que as cerca. Seus princípios focos de
interesse são, portanto, os conhecimentos tácitos, as formas de entendimento do
senso comum, as práticas cotidianas e as atividades rotineiras que forjam as
condutas atores sociais.(p.19)
Desta forma, é possível afirmar, um ponto que se destaca na pesquisa etnográfica é a
metodologia que permiti a descoberta da maneira de vida e as experiências no cotidiano das
pessoas – a sua visão do mundo, os sentimentos, ritos, padrões, significados, atitudes,
comportamentos e ações. Esta perspectiva permite apreender o fenômeno humano e a sua
totalidade.
A etnografia permite um olhar mais profundo que envolve o pesquisador com todos os seus
sentidos, ela possibilita a descoberta. Para Laplatine (2004) “Através da vista, do ouvido, do
26. 26
olfato, do tato e do paladar, o pesquisador percorre minuciosamente as diversas sensações
encontradas.(p. 20), ou seja, não basta olhar, mas vivenciar, saborear experiências, o trabalho
do pesquisador não se consiste somente em coletar dados, mas em construir pontes do seu eu
com o que está externo.
A etnografia permite, também, demonstrar para o outro aquilo que se vê através das palavras,
para isso, é necessário escrever o que é visto. Laplatine (2004) diz que sem a escrita, o visível
permaneceria confuso e desordenado. A etnografia é precisamente a elaboração e a
transformação pela escritura desta experiência, é a organização textual do visível em que uma
das funções maiores é também a luta contra o esquecimento. (p.29)
Sendo assim, o trabalho etnográfico será uma descrição das experiências do pesquisador,
procurando descrever aquilo que é visto, sentindo, falado ou ouvido, isto está além de uma
simples descrição de imagens. A descrição enuncia e anuncia, enumera, soletra, detalha,
decompõe, mas antes registra, demonstra, recenseia, contabiliza.(LAPLATINE, 2004, p. 31).
3.2 LÓCUS:
A pesquisa foi operacionalizada no Colégio Municipal Dr. Ulisses Gonçalves da Silva, no
povoado de Caraíbas, aproximadamente 17 km da sede de Campo Formoso, cidade esta,
situada a 400 km de Salvador, com cerca de 80 mil habitantes, sendo dividida em zona rural e
zona urbana. A economia do município está voltada, principalmente, para extração de
minérios, e também, agropecuária e o comércio.
O município dispõe para a população em geral as modalidades de Educação Infantil, Ensino
Fundamental de 1ª a 8ª série, Educação de Jovens e Adultos (EJA). O Colégio foco da
pesquisa atende crianças e jovens do povoado já citado e seus circunvizinhos que são
transportados pelo ônibus escolar, o colégio funciona os três turnos: matutino, vespertino e
noturno, de 4ª a 8ª série; seu quadro de funcionários possui: um diretor, uma coordenadora,
doze professores, uma secretária, dois auxiliares de secretaria, duas merendeiras, seis
zeladores e três vigias.
27. 27
O colégio compõe no seu espaço físico: uma secretaria, uma diretoria, uma biblioteca, cinco
salas de aula, uma cozinha, três banheiros, um almoxarifado, um pátio para os eventos, e uma
área livre para as atividades de Educação Física.
Em relação aos equipamentos áudio-visuais do colégio, é possível contar com um
computador, um retro projetor, uma televisão, um aparelho de DVD, um aparelho de som,
sendo este material insuficiente para atender a necessidade de todos os professores.
Este local foi escolhido para esta pesquisa por ser local de trabalho por mais de três anos do
pesquisador, sendo assim um ambiente conhecido e de fácil acesso, já que o mesmo se faz
presente todos os dias.
3.3 SUJEITOS DE PESQUISA:
Por meio desta pesquisa científica e de uma interação com o objeto de interesse estudado, é
possível aprofundar as investigações e transformar o tema em uma discussão de
transformação. LUDKE e ANDRÉ (1986) afirmam que o interesse do pesquisador ao estudar
um determinado problema é verificar como ele se manifesta nas atividades, nos
procedimentos e nas interações cotidianas. (p. 12)
Compõe como sujeitos diretos desta pesquisa todos os professores que fazem parte da 5ª série,
do turno matutino, no total de oito professores, apresentam faixa etária entre 20 e 50 anos de
idade todos graduados em pedagogia, com mais de cinco anos de atuação em sala de aula.
Assim como, todos os alunos que também fazem parte da 5ª série, do turno matutino, no total
de 34 crianças de faixa etária entre 10 e 17 anos.
3.4 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS
A coleta de dados e a “descoberta” de aspectos novos de como acontece a ludicidade em uma
sala de 5ª série da Educação Fundamental e possibilitando o contato pessoal e estreito com o
sujeito, os instrumentos de coleta de dados foram à entrevista semi-estruturada, o questionário
28. 28
ao lado da observação direta, representarem instrumentos básicos para a coleta de dados
dentro da perspectiva de pesquisa qualitativa.
Segundo Triviños (1987) afirma:
Temos expressado reiteradamente que o processo de pesquisa qualitativa não admite
visões isoladas, parceladas, estanques. Ela se desenvolve em interação dinâmica
retroalimentando-se, reformulando-se constantemente, de maneira que, por exemplo,
a Coleta de Dados, num instante deixa de ser tal e é análise de dados, e esta, em
seguida, é veículo para nova busca de informações. (p. 137)
No que diz respeito à entrevista semi-estruturada Lakatos e Marconi (1991) diz que a
entrevista é um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a
respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza profissional.
Entende-se desta forma, que é uma conversa entre duas pessoas ou mais, tendo de antemão
uma preparação do entrevistador como o roteiro preestabelecido, que tem como objetivo
averiguar fatos e obter respostas as suas indagações. Cada entrevista será gravada para depois
ser analisada com mais eficiência.
Além da entrevista semiestruturada foi utilizado o questionário, com o objetivo de aproximar
melhor o pesquisador ao perfil dos sujeitos, consiste de perguntas claras para que o
informante tenha motivação para responder (BARROS e LEHFELD, 2000; p.90) Perguntas
fechadas são aquelas questões que apresentam categorias ou alternativas de respostas fixas.
3.4.1. DESENVOLVIMENTOS DA PESQUISA
Depois da coleta de dados, sem nenhuma modificação para garantir a veracidade da pesquisa
foi feito a análise dos conteúdos, sem revelar a identidade dos participantes.
Esta análise poderá ser contemplada no próximo capítulo fazendo sua interpretação e
buscando esclarecer o problema apresentado no 1º capítulo - Como a ludicidade acontece em
uma sala da 5ª série da educação fundamental no Colégio Municipal Ulisses Gonçalves da
Silva do povoado de Caraíbas – Bahia.
29. 29
CAPÍTULO IV
4. ANÁLISE DE DADOS E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS
Os dados que se seguem foram observados no Colégio Municipal Dr. Ulisses Gonçalves da
Silva, povoado de Caraíbas, Campo Formoso. Analisados numa perspectiva etnográfica, onde
buscamos uma postura de descrever o cotidiano de uma sala de aula de 5ª série, contexto esse
em que temos atuação como docente. Observamos o movimento de alunos e professores no
desenvolvimento de suas atividades pedagógicas. Ficamos vigilantes aos detalhes presentes na
sala de aula na expectativa de que estes colaborassem na revelação de pontos “luminosos” que
nos inspirassem a olhar esse campo da ludicidade, fazendo uma reflexão.
A pesquisa na perspectiva da mesma, desperta a sensibilidade de descrever o que é visto, não
se limita somente neste aspecto de ver, mas de fazer ver. (LAPLATINE,2004). Então nos
ocupamos em observar e descrever, junto a observação a entrevista com os professores e
30. 30
alunos (sujeitos da pesquisa), considerando que o nosso foco era uma sala de aula específica,
todas as pessoas que a habitavam se tornaram sujeitos diretos para o desenvolvimento desse
trabalho. Os detalhas mais simples foram considerados importantes, desde a proposição de
uma atividade, de uma dinâmica, das brincadeiras no recreio, conversas informais entres
professores na secretaria ou no momento de planejamento.
Estes sutis detalhes foram fundamentais para observarmos a postura lúdica de professores e
alunos, bem como para observarmos bem como a ludicidade é tratada e vista num contexto
escolar.
O campo visível foi ampliado com outros recursos, através da entrevista semiestruturada a
qual nos colaborou com as percepções, somando ao questionário fechado que possibilitou
traçar o perfil diante a formação pedagógica dos professores observados.
4.1. ONDE TUDO COMEÇA
Inicia-se o ano letivo em todo o município, todos retornaram a seu ambiente de trabalho, no
Colégio Ulisses Gonçalves reencontros, pois esta contempla um quadro de professores fixos a
mais três anos, possibilitando um trabalho mais harmonioso, a faixa etária está entre os vinte a
quarenta anos, todas do sexo feminino, exceto o diretor, o único homem do grupo, todos
também, graduados em pedagogia.
Esta equipe de trabalho recebe no colégio crianças de todas as partes circunvizinhas oriundas
da zona rural e de classe baixa. Algumas crianças, uma minoria, saem de suas casas o dia
ainda escuro pelo fato de morarem distantes, porém isto não é um obstáculo, pois poucos
faltam às atividades escolares, a outra parte dos alunos, os quais compõem sua maioria,
residem próximo da escola.
Os alunos que chegavam para cursar a 5ª série do Ensino Fundamental tinham um diferencial
maior, percebe-se a inquietação de seus comportamentos, era a primeira vez que estavam ali,
31. 31
saíram de uma 4ª série de uma escola pequena, onde lecionava um só professor, agora não,
tudo era diferente, colégio cheio, muitos colegas conhecidos e muitos outros para conhecer.
Da secretaria, uma sala ampla, mobiliário com dois armários pequenos, um computador e uma
mesa redonda no centro, ouviam-se as crianças perguntando entre elas, “Quem é a professora
de matemática?”, “Quem é a de português?”, os que já eram do colégio respondiam com
autoridade por estar dando as informações a um novato, “ a de matemática é aquela que está
de blusa preta, mas não fique animado não que a mulher é uma fera”, “Aquela ali é a de
Inglês...”, “Inglês? Oba!”, “Oba...? deixa ela começar a aula pra ver se tu diz oba...”. E assim
se fazia as apresentações pelos alunos já experientes aos alunos que chegavam para cursar a 5ª
série.
Na hora da apresentação, tocou a campainha e todos correm felizes para o centro do pátio, não
era o dia de levar o caderno, por ser somente dia da apresentação e planejamento dos
professores, mas as crianças nem se importaram muito, queriam mesmo era levar o caderno e
mostrar para os colegas. O diretor se dirige a frente pega o microfone e anuncia o início do
novo ano letivo dando-lhes as boas vindas, todos muito quietos prestam atenção em cada
palavra dita, pois a escola de onde vieram não tinha equipamentos eletrônicos, a direção da
escola ficava ao cargo dos próprios professores, tendo somente a visita da coordenadora
pedagógica periodicamente, então neste momento era tudo muito novo.
O diretor começa a chamada dos professores anunciando as referentes matérias e são todos
recebidos com muito entusiasmo e calorosos aplausos, e fitavam os olhos, a tudo observavam.
Terminado o momento de boas vindas, o alunos retornam as suas casas e os professores se
reúnem para seu planejamento.
4.2. O MOMENTO DO PLANEJAMENTO
Em uma sala de aula reservada, todos os professores se reuniram para ouvir o diretor, o qual
dava as boas vindas, leu uma mensagem e fez uma dinâmica para iniciar a reunião, a maioria
presa à cadeira se recusaram a participar, queriam ficar só olhando, percebemos o quanto as
pessoas resistem ao movimento do corpo.
32. 32
Considerando o que diz Nóbrega (2005) as pessoas parecem viver em uma rede de
relacionamentos onde cada uma deve explicações de seus atos, presas a normas de
comportamentos, as quais julgam ser aceitas pela sociedade, privando seus movimentos ao
íntimo, racionalizando o seu próprio corpo. “Desaprendemos a conviver com a realidade
corpórea e a aprender partindo da reversibilidade dos sentidos, privilegiamos a razão sem
corpo.” (NÓBREGA , 2005, p.608). Então, quando uma pequena parte do grupo confirma sua
participação, levantaram-se e foram até a frente, desajeitados, havia duas ou três professoras
que demonstraram animação, mas, percebe-se em seus movimentos controle do corpo na hora
de bater palmas ou pular, as que ficaram em seus lugares riam muito dos movimentos
realizados pelas colegas, a brincadeira dirigida pelo diretor acabou logo, sem prolongar muito.
Maturana (2004) afirma que o aspecto lúdico faz parte do ser humano, e através de uma
brincadeira o corpo toma consciência de sua liberdade, “As brincadeiras expandem a
consciência corporal à medida que existimos como seres sociais, que se tornam pela total
aceitação e confiança do corpo.” (p.231).
Comentou-se então o objetivo da brincadeira, é percebido neste momento que entre algumas
risadas dos educadores, ainda se divertindo com a brincadeira, que o importante na ludicidade
não é somente a diversão, mas, o encontro consigo mesmo, e se reconhecer o que antes se
fazia oculto, um olhar diferenciado para o seu próprio comportamento e o comportamento do
outro.
Almeida (2003) diz que, em qualquer momento da vida, a ludicidade permite o indivíduo
utilizar seus potenciais de forma criativa, ou seja, tendo liberdade em seus sentidos, algo que
o envolva por inteiro, estando flexíveis, pois o que é mais importante na atividade lúdica, não
é somente a diversão, mas um encontro com o que está dentro de si.
Dar-se seguimento a reunião, dividiram-se grupos por segmentos, professores de 1ª a 4ª em
uma mesa, professores de 5ª a 8ª em outra mesa, foi distribuído um projeto elaborado pelo
grupo de coordenadores do município, o qual contemplava um tema, Resgatando os Valores,
e várias sugestões de atividades, ao ler estas atividades, os professores não fizeram nenhum
questionamento ou adaptação à realidade daquele povoado, visto que o projeto foi feito para
ser aplicado em todo o município, dividiram-se as atividades em partes iguais, a modo que
ninguém ficasse com mais que outros e também que estas não fossem repetidas na mesma
série.
33. 33
Diante desta situação, surge um questionamento de se pensar melhor a educação, sendo que o
ponto de partida é o aluno, no entanto, atitudes não refletidas levam a ações medíocres, onde o
objeto essencial da educação se perde pelo caminho, negam a autonomia das crianças,
reprimido suas melhores qualidades de sujeitos ativos e criativos ao perpassar a característica
predominante da educação: uma sociedade disciplinada e atenta à reprodução de conteúdos,
onde reprime a liberdade sistematizando a educação, desta forma, torna possível até um
sentimento de repúdio na relação professor/aluno, por não desenvolver na sua prática
pedagógica o essencial, que seria ver no aluno um ser social, histórico e cultural, ou seja,
reconhecer o aluno como um sujeito pleno. Parte deste ponto de vista, a prática pedagógica
lúdica, sendo identificadas por aplicação de meras dinâmicas, atividades técnicas,
aprisionando a relação da espontaneidade, liberdade, flexibilidade e dialogicidade no processo
de ensino-aprendizagem. (RESSURREIÇÃO, 2006,p.90-91)
4.3 O PRIMEIRO DIA DA SALA DE AULA.
A capainha toca, todos correndo dirigem-se a sala de aula, os professores começam a sair da
sala da secretaria de um a um, depois de um breve e rápido café da manhã, andam devagar
pelos corredores e cumprimentam os alunos com um sorriso ou aceno de mão, na sala da 5ª
série há uma diferença das demais, o silêncio, a professora dá um alegre “Bom Dia” e em coro
as crianças respondem, a partir daqui a professora conduz uma conversa informal, sobre o que
acharam da escola e as expectativas para o ano, assim também, a medida que os alunos mais
descontraídos falavam iam sendo interrogados a respeito de seus nomes e de onde moravam.
Quando todos já tinham se apresentado, a professora disse “Bem gente, vamos começar a
aula?”, esta frase remete as relações de uma sala de aula, a qual se torna fragmentada, pois
esta, pode ser interpretada de outra forma: “Bem gente, vamos para a parte séria?”, Nóbrega
(2005) diz que as atitudes exteriores não são gestos superficiais, inúteis ou desnecessárias,
elas revelam o homem interior, por isso a educação deve preocupar-se com esses aspectos. O
momento de descontração também faz parte da aprendizagem, pois o homem é composto de:
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sentir, pensar e agir. Um não está completo sem a presença do outro. Segundo Maturana
(2004) “A criança só adquire sua consciência social e autoconsciência quando cresce na
consciência operacional de sua corporeidade.” (p. 229)
A professora, então, distribuiu o texto: Fábula do Porco-espinho, o qual falava sobre o
respeito com o próximo e pediu para que fizessem uma leitura silenciosa, após alguns minutos
o texto foi lido pela professora enquanto os alunos acompanhavam, depois da leitura, a
professora fez uma breve reflexão, instigando os alunos sobre como deve acontecer uma
convivência harmoniosa entre as pessoas, para tanto é necessário existir o respeito. Seguindo
a atividade de reflexão, nota-se a atenção que os alunos davam a professora na leitura de cada
parágrafo, um momento onde a ludicidade se fez presente, pois é importante ressaltar que
aspecto lúdico não diz respeito somente à brincadeiras e movimentos, mas também, aos
momentos de plenitude, momentos de entrega ela pode ser identificada em um estado de pura
singeleza e reflexão. Luckesi (2009) afirma que Brincar, jogar, agir ludicamente, exige uma
entrada total do ser humano, corpo e mente, ao mesmo tempo. A atividade lúdica não admite
divisão; e, as próprias atividades lúdicas, por si mesmas, nos conduzem para esse estado de
consciência (p.2)
Friedman (1992), também afirma que a atividade lúdica é a forma através da qual a
sensibilidade e o potencial são liberados e modelados, o que concedeu a mesma um papel
importante nas relações culturais e sociais.
Seguindo com a atividade, a professora propôs para que a turma confeccionasse um
combinado da boa convivência, foi analisando esta atividade que ficou mais claro a forma
como os alunos transformam uma atividade teórica em um momento de construção de
criatividade, a alegria em que cada grupo confeccionou seus cartazes, e o envolvimento pleno
com a atividade. . Silva (2006) trata de como é essencial o educador construir pontes entre o
saber e o sabor da vida e do cotidiano da criança, afirmando: “A ludicidade propicia prazer,
descontração, espontaneidade, pré-requisitos importantíssimos para a fluência dos processos
criativos.” (p. 106)
Assim sendo, a ludicidade é uma atividade de construção interna possibilitando a
aprendizagem, pois, a consciência de si surge quando há um desenvolvimento e um
reconhecimento do próprio corpo de suas habilidades e criatividade. Desta forma, a ludicidade
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vem ganhando espaço como uma fonte de possibilidades no que diz respeito ao
desenvolvimento e a aprendizagem.
4.4. “NÃO AGUENTO MAIS TANTA BRINCADEIRA”
Finalizando o momento de confecção de cartazes, foi feita a apresentação, alguns alunos
resistiram em ir até a frente e apresentar sua obra, mas a professora não insistiu, afixaram nas
paredes e para terminar o que já tinha duração de duas aulas, foi feita uma brincadeira. A
professora pediu que afastassem as carteiras para a parede e fizessem um círculo no centro da
sala, percebe-se o entusiasmo da maioria, embora um pequeno grupo de alunos não quis
participar, a professora insistiu, mas, não obteve sucesso, isto faz lembrar o dia anterior
quando alguns professores no planejamento se recusaram também em participar da dinâmica
de grupo.
Para Maturana (2004) “O homem perde a capacidade de brincar por estar continuamente
submetido às exigências do competir, projetar uma imagem ou obter êxitos, esse sentimento
está relacionado a uma rede de conversações.” (p. 230). Esta resistência ao ato de movimento,
rir, ser espontânea, está ligado diretamente ao fato de que sempre se deve passar uma “boa
impressão de comportamento” para as outras pessoas, e o brincar vai dificultar esta “boa
impressão”, desta forma se estabelecem normas de comportamentos rígidas que prendem os
movimentos, negando desta forma o momento de plenitude e de sentidos e interação com o
próprio corpo.
E foi desta forma, muita dinâmica e descontraída deu-se início a primeira semana de aula do
colégio, conhecida como semana de integração, chegando já ao término desta semana, a sala
da 5ª série não tão mais silenciosa como o primeiro dia, os colegas já se conheciam melhor, já
se criara algumas amizades. O professor ao entrar na sala de aula, com alguns materiais na
mão, quando de repente um aluno do fundo da sala grita: “Brincadeira de novo? Não agüento
mais tanta brincadeira...”, o outro completa dizendo: “Professor, hoje o professor vai escrever
no quadro?”.
Este fato deixa claro a forte interpretação do significado do que é lúdico, geralmente quando
se fala em ludicidade vem a mente brincadeiras, no entanto atividades que tem um aspecto
36. 36
lúdico, não necessariamente segue a esta regra. Luckesi (2009) afirma o que significa a
ludicidade voltada para a pedagogia:
As atividades lúdicas são instrumentos da criação da identidade pessoal, na medida
em que elas, nessa perspectiva, estabelecem uma ponte entre a realidade interior e a
realidade exterior. Esse é o lado construtivo das atividades lúdicas. Pelas atividades
em geral e pelas atividades lúdicas em específico, a criança aproxima da realidade,
criando a sua identidade. O princípio do prazer equilibra-se com o princípio da
realidade, na criança. Através das atividades lúdicas. (2009)
Diante disso, identificar as atividades lúdicas como uma atividade cultural, psíquica e
pedagógica, a qual envolve o social, emocional, o motor e a criatividade de todos aqueles que
a vivencia plenamente, desta forma o resultado será uma educação integral possibilitando as
três áreas do ser humano: o sentir, o agir, o pensar.
No entanto as atitudes adotadas por uma grande parte de pessoas, ao tentar elaborar um
projeto de integração, tem como conceito do que é ludicidade, momentos de brincadeiras ou
descontração, ou seja, ludicidade é somente o agir, porém, não existe aspecto lúdico quando
só um destes elementos se encontram presentes, um não está completo sem a presença do
outro, não é possível ter uma real plenitude se estes três estiverem desvinculados: o
movimento, o sentimento e a razão.
Dando seguimento ao planejamento, a professora, continuou seu trabalho, seria a culminância
do projeto “Resgatando Valores”, logo após o recreio, e todos precisavam estar preparados
para apresentar os trabalhos desenvolvidos durante a semana, a sala de 5ª série ficou com a
tarefa de apresentar suas produções textuais e ilustrações, restava somente colar em um cartaz,
a sala foi dividida em grupos, neste dia o colégio estava agitado, muito barulho e
movimentação, todas as salas estavam desenvolvendo a mesma atividade de preparação, uma
janela quebrada foi um obstáculo para a professora que tentava conter os alunos concentrados
em suas atividades, pois queriam ficar admirando a movimentação da escola, fora da sala de
aula.
Não tendo muito êxito, a professora se dedicou a um pequeno grupo que estava interessado
em concluir o trabalho. Durante o processo de ornamentação dos cartazes a professora fez
todo o trabalho enquanto os alunos a observava atentamente, a professora não demonstrou
preocupação com o barulho da sala nem o entra e sai de alguns alunos. Uma atividade terá um
37. 37
aspecto lúdico quando de forma plena envolve a pessoa que a vivencia, mesmo quando o
sujeito está vivenciando essa experiência com outros, a ludicidade é interna; a partilha e a
convivência poderão oferecer-lhe, e certamente oferece, sensações do prazer. (LUCKESI,
2009), ainda assim, este sentimento é de cada um de forma particular, mesmo que o grupo
possa harmonizar-se nessa sensação comum, não deixará de ser algo interno de cada sujeito.
Em um momento de distração, a criança cria em si novos significados, a ludicidade tem este
poder de fazer com que as pessoas projetem em si outra realidade, como em uma dinâmica de
sentimentos, no qual se dá um novo saber.
4.5. “AULA NORMAL”.
Algumas semanas depois da semana de integração a realidade na escola já tinha tomado outro
direcionamento, segundo alguns professores, “agora é aula normal”, a semana de brincadeira
tinha passado, chegando assim, o momento “sério”.
Como afirma Borba (2007):
A brincadeira está entre atividades frequentemente avaliadas por nós como tempo
perdido. Por que isso ocorre? Ora, essa visão é fruto da idéia de que a brincadeira é
uma atividade oposta ao trabalho, sendo por isso menos importante, uma vez que
não se vincula ao mundo produtivo, não gera resultados. (p. 35)
E assim, se fortalece a idéia formada, a divisão do que é sério não pode ser divertido nem
proporcionar prazer, movimento, fantasia, diversão e descontração, desvinculando-a da
educação. Machado (1998) não concordando com isto afirma: “O lúdico encontra-se no
espaço do sonho. Uma criança livre, feliz, brinca quando come, quando faz seus pequenos
discursos poéticos.” (p. 19).
Os alunos agora fardados davam também, outra imagem a sala para quem ali entrava, ao
mesmo tempo em que era bonito, todos de blusas branca e calças azul-marinho, também um
ar rígido e de padronização obrigatória. As carteiras não eram alinhadas, mas também, não
tinha uma organização, os alunos se amontoavam em qualquer espaço obedecendo a suas
afinidades com algum grupo de colegas.
38. 38
A rotina da sala se dava desta maneira, tocava-se o sino, os alunos corriam para porta da sala
a espera da professora, alguns minutos depois todos os professores saiam da secretaria em
direção a suas salas de aula, era um grupo muito harmonioso, gostavam de rir, trocar
experiências, isto transparecia para os alunos muito empatia com todos eles, ao chegar na sala
todos sentavam para ouvir a chamada, os alunos pareciam já estar mais acostumado com a
rotina de ter vários professores, cada um com sua matéria e cada um com suas cobranças,
tornando assim, a rotina escolar comum e monótona. As aulas eram expositivas, geralmente
não se utilizavam recursos didáticos ou audiovisuais, os recursos normalmente utilizados
eram os livros e o quadro.
Todos os alunos ao iniciar uma 5ª série trazem consigo muitas expectativas, anseios, no
entanto isto não demora tanto, nesta sala de 5ª série, durou menos que três semanas, pois os
alunos já reclamavam das cobranças, da quantidade de atividades diárias que cada professor
exigia.
A cada aula que se iniciava, a mesma rotina recomeçava, é possível notar o comportamento da
primeira semana com a terceira semana, a bagagem de valores e cultura trazidos pela criança,
em nenhum momento foi mencionada, a escola oferece a criança um outro tipo de educação,
uma educação fragmentada, negando a plenitude. FREIRE (1980) critica esta educação,
quando se torna um sistema reprodutivo que nega o movimento e a cultura das crianças
impondo-lhes comportamentos que devem ser inculcadas nos alunos, quando diz: Qualquer
que seja a sociedade, a função da educação é sempre a de preparar as novas gerações para a
vida adulta, para a vida no mundo dos adultos (p. 94)
Seguiu-se assim a semana de “aula normal” na escola.
Havia o dia esperado por todos, não fugia muito da rotina, mas, os alunos experimentavam
mais liberdade, usavam sua autonomia na excussão de atividade, uma aula muito interessante,
foi quando a professora sem mostrar gravuras nenhuma, leu um texto sobre “O boitatá”, o
livro era ilustrado, mas a professora pediu para que todos fechassem os olhos e imaginasse
aquela cobra enorme que saíra do centro da terra com seus grandes olhos brilhantes, neste
momento cada um pôde criar na sua mente o boitatá da sua imaginação, a professora iniciou a
estória, causando às vezes alguns sorrisos e murmúrios na sala.
39. 39
Quando a professora terminou de ler pediu para que todos reproduzissem em um papel o
animal construído na sua imaginação, eles gostavam de desenhar, cada um seguindo a
orientação do seu imaginário construiu seu bicho, impressionante a criatividade de cada um.
Vendo os alunos animados com seu desenho mostrando para os colegas a professora solicitou
que eles em grupos escrevessem agora uma estória, onde estivessem fazendo parte dela
juntamente com seu animal gigante, mais uma vez a sala de aula foi palco de descobertas,
momentos de criação, do ensino e aprendizagem, os alunos como autores principais desta
construção. A aprendizagem ocorrerá significativamente quando mais formos capazes de
aproximar o pensar do pensar e do sentir. (D’ÁVILA, 2006). Infelizmente, isto não durou
muito tempo, a aula foi interrompida pelo som do sino, não concluindo o trabalho a professora
pediu para concluírem a atividade depois.
No momento seguinte, outra professora entra na sala, faz a chamada, e diz: “Vamos parar a
brincadeira, a aula de artes acabou, guardem seus desenhos, pois a aula é de história”.
Acredito que não só as estruturas cognitivas devam ser objetivo de preocupação dos
professores, mas a educação do ser por inteiro. (D’ÁVILA, 2006)
4.6. HORA DO RECREIO
No colégio havia uma preocupação especial no momento do recreio com os alunos de 5ª série
por serem os mais novos, sempre saiam poucos minutos antes da sineta tocar, para evitar que
os maiores machucassem os menores na fila da merenda.
Possivelmente o melhor horário para as crianças, que corriam em direção à fila e com
brincadeiras, empurravam-se para pegar logo sua merenda, cada aluno seguia para um canto
do colégio e ia saborear seu lanche, aos poucos começava a correria, uns com bola, outros
sem bola, mas gostavam de se movimentar e gritar, faziam de tudo instrumentos para suas
brincadeiras, o papel de escritório ou a folha de caderno encontrado no lixo, se confeccionava
uma bola, coberta com fita adesiva e começava a brincadeira de bolear. O espaço da escola
era muito amplo, sobravam espaços para as brincadeiras em grupos ou individuais. Para
Luckesi (2009) a brincadeira propicia um estado interno de inteireza, alegria, prazer, seja em
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um grupo, pulando corda ou sozinho desfrutando um momento de felicidade. Enquanto isto os
professores ficavam descansando na secretaria, e conversando com os colegas de trabalho.
Pela movimentação existente na hora do recreio, deixa claro o encontro com a plenitude do
ser, plenitude esta muitas vezes negada dentro da sala de aula, o suor correndo pelo rosto, a
respiração ofegante, a farda que estava branca agora suja com as marcas das brincadeiras e
principalmente os sorrisos.
Mas o que mais me chamou a atenção, foi um pequeno grupo de alunas que brincavam de
Show de Calouros, entre estas alunas havia uma que na sala de aula pouco ouvia sua voz, ou
melhor, sua voz era ouvida na hora da chamada, tamanha a sua timidez, sua presença na sala
de aula quase imperceptível, mas ela estava lá, brincando de “show de Calouros” e para a
surpresa maior, ela era a apresentadora, falava alto, dançava, rodopiava, fazia entrevista,
criara em sua cabeça uma fantasia e a vivenciava plenamente. O espaço da sala de aula
poderia criar conexões com essa liberdade interagindo mais com as experiências que as
crianças vivenciam fora dela, e poder pensar o lúdico de forma mais positiva, não como
oposição ao trabalho, mas como uma atividade que se articula aos processos de aprender, de
desenvolver e conhecer, e que está ligada à cultura e ao cotidiano das crianças. Machado
(1998) diz: “E que o brincar seja, para todos, ação apaixonada e comedida.” (p. 32)
Para os alunos o recreio torna-se o momento mais esperado, é neste momento, que a criança é
criança, pois dá sentindo a característica própria da infância, que para muitos adultos não tem
grande importância. A prova real disto é quando se percebe que não havia nenhum professor,
secretária ou direção escolar participando deste momento espetacular para os alunos que era à
hora do recreio.
Mas, infelizmente, nem tudo era brincadeira no recreio, uma menina muito assustada entrou
na secretaria com os olhos arregalados, mal conseguia falar, informando aos professores que
sua colega havia sido agredida pelo seu outro colega, os professores perguntaram: “Onde está
a menina? Chame-a aqui...” a criança ainda nervosa responde: “Ela não pode caminhar”. Os
professores preocupados com a gravidade saem correndo da sala ao encontro da criança,
estava deitada no chão e chorando muito, enquanto alguns professores preocupavam-se em
levá-la para a secretaria e cuidar dos seus ferimentos, outros questionavam aos alunos que ali
faziam um círculo em torno da confusão, quem teria causado aquilo e como teria sido, depois
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de identificar o causador, o diretor solicitou sua presença na secretaria. Por um lado, a menina
com dois hematomas abaixo do joelho e do outro, o garoto suado, ofegante, apertando seus
dedos trêmulos, a menina em meio ao choro diz que seu colega jogou o braço de uma cadeira
quebrada em direção as suas pernas, ele logo se defendeu dizendo que não tinha a intenção de
atingi-la, os alunos que ali observavam na janela davam também sua opinião, dizendo que não
foi intencional. Fizemos uma massagem nas pernas da menina com pomadas, ela levantou-se
e foi para a sala, o menino continuou na secretaria conversando com o diretor.
No recreio escolar sempre houve situações de agressividades entre colegas, isto pode ser
reflexo da falta de alguns valores que geralmente são transmitidos pelos momentos lúdicos,
que são a cooperação e o respeito pelo outro, geralmente quando este aspecto não é trabalhado
dentro da sala de aula, fazendo deles estímulos positivos podem surgir atitudes de rebeldia e
destruição, fazendo da competição não um momento de aprendizagem e superação, mas uma
violência.
4.7. “OBA! É AULA DE MATEMÁTICA!”
Como de costume, a aula de matemática sempre era iniciada com a leitura de um texto
reflexivo, seguido de uma conversa informal sobre a idéia central do texto, os alunos
pareciam gostar, pois davam sua contribuição, não todos, havia aqueles que falavam e os que
somente observavam.
Continuando, a professora propôs fazer uma revisão a cerca do último conteúdo estudado, os
números racionais. Distribuiu entre os alunos bexigas que continha em cada uma dela um
número racional, não foi impossível perceber a euforia das crianças ao encher as bexigas para
em seguida estourá-las, agora ao som de uma música eles levantaram da cadeira e se
movimentaram pela sala brincando com a bola Ao comando da professora eles deveriam
pegar a bola mais próxima estourar e ver qual o número que estava dentro dela. No momento
dos estouros o barulho chamou a atenção da turma vizinha, e começaram a aparecer alunos de
outras turmas na janela da sala para observar o movimento.
Esta professora, especificamente de matemática assumiu uma postura de considerar a
importância do aspecto lúdico despertando a emoção, da corporeidade, da sensibilidade na