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1l;f.://7'IN (lUlroSt'>ilt'ciIO,-cl",ve
___ o Ce q/le paria uml dire. Léconomie des échanges lingüistiqucs. P~ris: Faj'ard, 1982.
___ o Homo academimJ. Paris: Minu;r, 1984.
___ o A ecol/omla dtls trocas simlJólíc(lS. 3. ed. São Puulo: Perspectiva, 1992.
___ o A economia das rfóC<l$ lingülscic.a~. TraJ. Paulo Mo meto. In: ORUZ, R. Pierre BlJurdim.
São Paulo: Átíct, 1994. (Original: Úlnglle Frtmçaise, 34, ma;o 1977.)
___ o As regras da arf/!. Gêne~e e estrutura do campo lirer~rio. Tmd. Maria l.úcin Machado. São
Pauro: Compnnhia das LClms. 1996. (Original frnncês, 1992,)
___ o Lt d,al//p !c(J!lIJlIliqu('. Acf(s d••ld h'c/grcIJe eflt scieltas S(Jeirtl!:;. P'lris, SCllil. ser. 1997.
n. 119, 1'1'. 4!l·66.
___ ' 5(Jbre ti (Ievlsão. Seguido de A il/fluência da jOrNalismo e Os jogos olí/llpit'óf, lrad. Mnrin L.
Machado. Rio de Janeiro: Jorge Znlw, J 997, (Oríginnl francês, 1996.)
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___ o O; UJóf Jveiai; dn ciêncifl. POY 11JJ1t1 sociologia d1JJiclt do campa rimlljlco. 'j)-:l(J. Dcnicc n.
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Paris: Minuit, 1971,
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___ , História do esrrtlt/lra/imlo 2. O canto do cisne, de 1967 a nossos dbs. ·Irad. Álvaro Cabra!'
Srro Paulo: Ensaio; Campinas: Edieora da Universidade Eseaduál de Camrinas, 1994.
t'.NCllEYI' .• Picrre (org.). 'Inblc ronde "l.ingui.~ti,!ue fT socio!ogic du lallg:l!1'"'' !.fllI,f!.UC/"{/II(f!ÍJr.
n. 34, 1'1" 35-51, 1977.
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gramaticalid,1de. R!'I/;Sfrl &f!uloJ liflgií!Sficos, Campinás, julho 2004, v, 33, lCD.
___ o Confrolllo~ c confluências entre a filos"lh da linguagem de Bourdicu c os lingüisms.
/-{criuJllw, Brag~l,? Paulista, Centro de Docul1lentaç~o C Apoio 11 Pesquisa em Hisltlria Ja
Educação/Editora da Universidnde São Francisco, jan. 2003, v. 20. pp. 49-58.
SOU?••I, Geraldo Tádeu. !lIfrod({(ii(J à f(fJria do erlflllcitldo cotlcreto do Circulo BakhfinlVO/osltilloll!
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I'"ris; Seuil, 1981.
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Interdiscursividade e
intertextualidade
José Luiz Fiorin
Nnm tlhi ea uidenuH qui futura cccincrunt. si nOlldum sumI Neque
enim potest uideri id quoJ non cst. Et qui narranr praeterita, non
UdrjllC llL'mnarmrcllt, s; animo iIIa non cemerem: quac si IlUJJaessem.
cemi omnino non posscnr,l
(Sallto Agostinho)
Só Ilrr" ~xíSl~ " qll~ "ã" p"de .,er illmginaJo.
(MrfflW Mendes)
ExisteI, c·CS!coexisrer.
(Gabrle! Mllcul}
Agostinho, em sua bela reflexão sobre o tempo, mostra-nos, ao discutir
a existência do passado e do futuro, que só se pode falar do que é e não
daquilo que não é. Conclui pela existência do passado e do futuro porque
falamos dele. Sunt fllJO et jittura et prae.terita: Essas reflexões agostinianas
vêm bem a fnopósito, gU:llldo se trata de explicar ° problema da
interdiscursividade c da intencxtualidade em Bakhtin. Se formos arer-nos
Il,KIl TlN oUtrost'tlnccit"s'c1>nvc .• .._ .---... -
ao significante, não temos o que dizer, pois, na obra bakhtiniana, não ocor-
rem os termos interdiscurso, intercexto, interdiscursivo, interdiscursividade,
intercextualidade. No conjunto da obra do autor russo aparece uma única
vez o termo intertextual: "As relações dialógicas intercexcuais e intratextuais.
Seu caráter específico (extralingüístico). Diálogo e dialética" (Bakhtin, 1992,
p. 331). No entanto, a primeira coisa a verificar diante dessa ocorrência é se
ela se trata de um problema de tradução. Como a tradução brasileira foi
feita a partir do francês, consultou-se primeiro o texto em francês, em que
a palavra também aparece: "Les rapports dialogiques intertexwels et
intratextuels. Leur caractere particulier (extra-linguistique). Dialogique et
dialectique" (Bakhtin, 1984, p. 313). Como, no entanto, a tradução fran-
cesa cerramente estaria impregnada das ressonâncias da obra de Kristeva,
que introduziu Bakhtin na França, seria preciso consultar outras traduções
feitas a partir do texto russo. Tomando a tradução espanhola. nota-se que
nela o termo não ocorre: "Las relaciones dialógicas entre Ias textos y dentro
de los textos. Su carácter específico (no lingüística). El diálogo y Ia dialécticà'
(Bakhtin, 1985, p. 296). Essa tradução parece mais fiel ao texto russo
(Bakhtin, 1986, p. 299). Assim, não há nem mesmo o termo intertextuaL na
obra bakhtiniana2 e esse verbete, portanto não teria lugar. No entanto, a
questão é mais complexa, pois, como nota Sírio Possenti, "sob diversos
nomes - polifonia, dialogismo, heterogeneidade, intertextualidade - cada
um implicando algum viés espedfico, como se sabe, o interdiscurso reina
soberano há algum tempo" (Possenti, 2003, p. 253). Assim, a questão é: a)
verificar se, sob outro nome, a questão do interdiscurso está presente na
obra de Bakhtinj b) examinar se é pO,ssível distinguir, com base nas idéias
bakhtinianas, interdiscursividade e intertextualidade.
o APARECIMENTO DO TERMO INTERTEXTUALIDADE
A palavra intertextuaLidttde foi uma das primeiras, consideradas como
bakhtinianas, a ganhar prestígio no Ocidcme. Isso se deu graças à obra de
J úJia Kristeva. Obteve cidada.nia acadêmica, antes mesmo de termos como
dialogismo alcançarem notoriedade na pesquisa lingüística e literária.
Rastreemos brevemente a história do aparecimento desse termo.
162
__ '__. .._.. _.~ lmcrdiscursividndc c imertextunlidadc JOSÉ Lurz FIORIN
Em 1967, Kristeva publica, na Critique, uma longa discussão acerca das
teorias bakhtinianas expostas nas obras Problemas da poética de Dostoiévski e
A obra de Français Rabel.ais (Kristeva, 1967, pp. 438-65).3 A preocupação
da semjoticista era discutir o texto literário. Segundo ela, para Bakhtin, o
discurso literário "não é um ponto (um sentido fixo), mas um cruzamento de
superficies textuais, um diálogo de várias escrituras" (Idem, p. 439). Todo
texto constrói-se, assim, "como um mosaico de citações, todo texto é absor-
ção e transformação de um outro texto" (Idem, p. 440). Em sua leitura da
obra de Bakhtin, Kristeva identifica discurso e texto: "O discurso (o texto)
é um cruzamento de discursos (de textos) em que se lê, pelo menos, um
outrO discurso (rexto)" (Idem, p. 84). Afirma ainda que, no lugar da noção
de intersubjetividade, instala-se a de intertextualidade (Idem, p. 441).
Bakhtin opera com a noção de intertextualidade, porque considera que o
"diálogo é a única esfera possível da vida da linguagem" (Idem, p. 443). Por
isso, ele vê "a escritura como leitura do corpus literário anterior e o texto
como absorção c réplica a um outro texto" (Idem, p. 444). Está aí elltfOnizada
a noção de intertexcualidade como procedimento real de constituição do
texto. Mais t,lt't!C, Kristcva vai elaborar a proposta teórica de um:! ciência
do texto, a que denominou Semanálise (Kristeva, 1974).
No entanto, essa intertexrualidade generalizada não pode funcionar se se
vê o texto da maneira como tradicionalmente ele foi definido. Por isso, Kristeva
trata de repensar essa noção. Roland Banhes, em verbete para a edição de
1973 da Encyclopedia universaLis, explica, de maneira didática, esse conceito
redefinido pela semioticista búlgara (Barthes, 1994, pp. 1.677-89). Segundo
a opinião corrente, o texto é "a superfície fenomênica da obra literária: é o
tecido das palavras utilizadas na obra e organizadas de maneira a impor um
sentido estável e tanto quanto possível Único" (Idem, p. 1.677). Como diz
Banhes, no hll1do, ele não passa de "um objeto perceptível pelo sentido da
visão" (Idem. ibid.). Corno o texto é "o que está escritO", ele é, na obra,
o (lU~,~lSdl:l" g;lfallti" da coi,a e,crita, CtJi"S lilllçõe> de snlvagu:ltda
dl' l'OIlCl'illr,,,de UI11 lado, n cstabilidndl" n pcrmanê,cin dn inscri-
çno. deslilllld., a corrigir à fmgilidndc e a imprecisão d., memória; de
Olltro. a It'galidadc da lelra, tr.ÇOirrcCllsável, indelével, 00 semitlo
quc () aulOr da obra nela imencionalmellte depOSitou, O tex[O é
uma arma contra o tempo. o esquecimento, e contra as velhacarias
163
/1t1KII7'lN oUlr"S(;(lIlCCiWs-chayc
da palavm, que, muito r.,cilmcme. volta atrás, airem-se, renega-se. A
noção de rexto csd, portanto, historicamellte ligad~ a todo um con-
jUlltO de ins!ituiçóe,ç: direito, Igreja, lireraturn, ensino; o texto é um
objeto mornl: é o que eMa eserim, enquanto participa do contrnto
social; ele assujeita, exige ser observado e re$pdtado; m:lS em troc.1
confere à linguagem um atributo inestimável (que em sua essência
eb nao tem): a .'egurnnç.1. (Idem, ibid.)
O texto assim concebido, como "depositário da própria material idade
do signiflcanre" (Idem, p. 1.678), deveria ser mantido em sua exatidão.
Para isso, cria-se a filologia, que se vale da técnica da crítica textual. Essa
concepção de texto está ligada a uma merafísica, a da verdade. Ora, no final
do século XIX, começa~se a demolir essa metaf{sica. Por isso; também a no-
ção de texto entra em xeque (Idem, pp. 1.677-80). Citando Kristeva, Barrhes
redeflne o texto: "aparelho translingüístico que redistribui a ordem da lín-
gua colocando em relação uma palavra comunicativa, que visa à informa-
ção direta, com diferentes enunciados anteriores ou sincrônicos" (Idem,
p. 1.680). Atribui a Kristeva a elaboração dos principais conceitos teóricos
implicados nessa noção de texto: práticas significantes, produtividade,
significância, fenotexto e genotexto e inrertextualidade. Dizer que o texto é
prática significanre quer dizer que "a significação se produz, não no nível
de uma abstração (a língua), tal como postulara Saussure, mas como uma
operação, um trabalho, em que se investem, ao mesmo tempo e num só
movimenro, o debate do sujeito e do Outro e o contexto social" (1994,
p. 1.681). O texto é uma produtividade, porque é o teatro do trabalho com
:1 língua, que ele desconstrói e reconstrói (Idem, ibid.). É significância,
porque é um espaço polissêmico, onde se enrrecruzam v,írios sentidos pos-
síveis, A signiflcância é um processo, em que o sujeito se debate com o
sentido e se desconrrói (Idem, p. 1.682). O fenotexto é "o fenômeno verbal
tal como ele se apresenta na estrutura do enunciado concreto". É contin-
gente. Já o genotcxto é ()campo da significância, domínio verbal c pulsional,
onde se cstrutura o fenotexto, lugar da constiruição do sujeito da cnunciação
(Idem, pp. 1.682~3)."Todo texto é um intertexro; outros textos estão pre~
sentes nele, em níveis variáveis, sob formas mais ou mcn~~ ~e~o;;fjcdveis"
(Idem, p. 1.683). A interrextualidade é a maneira real de construção do
texto (Idem, ibid.).
164
hll('r(list"lr~ivic.l"dc CilHertcxltlulit1:lclc )051: 1.U1Z FIOR/N
Como se observa, o conceito de texto em Kristeva e Banhes, na medida
em que é pdcica significante, em que desconstrói e reconstrói a língua, em
que é o lugar de constituição do sujeito, em que seu modo de funciona~
mento real é a relação constitutiva com OUtros textos, poderia muitO facil-
menre recobrir aquilo que entendemos por discurso. Aliás, esse conceito de
texto apresenta um problema, que é distinguir, de um lado, manifestação
acabada do trabalho com a língua e, de ourro, esse próprio trabalho. Não é
sem raz.'i.oque Kristeva teve de diferença r o fenotexto do genotexto. E Banhes
faz uma distinção entre o texto e a obra. Esta é um objeto acabado, aquele
é um trabalho, uma produção (Idem, p. 1684). Cabe uma última pergun-
ta: por que esses autores não utilizaram o termo discurso? Porque, segundo
Barrhes, essc termo estava comprometido semanticamente. A linguagem
estava dividida em duas regi6es distintas e heterogêneas para fins de análise:
tudo o que era de nível inferior ou igual à frase era do domínio da lingüís-
tica; tudo o que estava no nível superior ao da frase, O discurso, era objeto
de uma ciência normativa, a retórica (Idem, ibid.).
Barthes não desqualiflca a lingüística, nem a retórica, nem a semiótica,
nem a semiologia. Apenas propugna a constituição de uma semanálise, que
teria um objeto, o texto, diverso daqueles dos campos do conhecimento
acima eitados. A semiótica, por exemplo, para ele, estudaria o fenotexto.
Ora, nesse conjunto de níveis e de objeto, ?.q,ue é. exatamente a
intertexwnlidade? Qualquer referência ao Ourro, tomado como põsiçao
discursiva: paródias, alusões, estilizações, citações, ressonâncias, repetiçÕes,
reproduções de modelos, de situações narrativas, de personagens, vai-i'antes
lingüísticas, lugarcs comuns, cte. O conceito foi sendo üêiliz.ãdCide li-iárieira
. muito frouxa, :0 longo do (Cmpo. É hota, entretanto, de voirar à obi-á' de
Bakhtin c começar a discutir os problemas enl1nciados na introdução.
A Ql1IsrAo no INTEIWISCURSO FM BAKIITIN
Em Ihkhtin, a qucstão do inrerdiscurso aparece sob o nome de
dialogisl11o. É preciso examinar mais detidamente e~se conceito. C~~pre,
no c 11 mn to, iniciaimcn tc, afastar duas lei turas recorrentes da obra
bakhtiniana: a) dialogismo equivale a diálogo, no sentido de inceração face
165
IJAKlfT1N OUrosconceilOS'chnvc • _ _______ lnterdiscursividadc c intcncxtualidade JOSÉ LU1Z FIORIN
Mas o que é efetivamente dialogismo em Bakbtin? Interessam-nos
dois sentidos:
textos, do que es!:! concluído e do que eslá sendo elaborado em
relação ao primeito. H:l., portamo, enconCro de dois sujeicos, de
dois autores. (Idem, pp. 332·4).
Como não existe objeto que não seja cercado, envolto, embebido em
discurso, rodo discurso dialoga com outros disctlrso.~, toda palavra é cerca~
da de outras palavras (Bakhtin. 1992, p. 319).
® Por que o dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem?
Os homens não têm acesso direto à realidade, pois nossa relação com
ela é sempre mediada pela linguagem. Afirma Bakhtin que "não se pode
realmente rer a experiência do dado puro" (Bakhtin, 1993, p. 32), ,Isso quer
dizer que o real se apresenta para nós semioticamente, o que impli~~'qtié
nosso discurso não se relaciona diretamente com as coisas, mas com outros
discursos, que semiotizam o mundo. Essa relação entre os discursos é o
dialogismo. Como se vê, se não tem~s reiação com as coisas, mas com o~
discursos que Ibcs diio sentido, o dialogismo é o modo de funcionamento
real da linguagem, uma vez que
i
·1
/ a) é o modo de funcionamento real da linguagem e, portamo, é seu princípio
cansei cutivo;
b) é uma forma particular de composição do discurso.4
[...) todo discurso concreto (cnuncíaçiio) encomra aquele objeto p.ara
o qual esd voltado. sempre. por assim dizer, desacreditado, COntes-
[;Ido, avaliado, cl1volvi<!oI'llt sua névo:t ""lira Oll, pelo conrclrio,
iluminado pelos discursos de outrem que já F.1lamrnsobre ele. O
objeto CSlrlamarrado e penetrado por ideias gerais, por pOntOSde
vism, por apreciações de OUlros e por entonações. Orientado para o
sell objeto. o discurso penetra ncste meio dialogic:unente perturba-
do e lenso de discursos de outrem, de julgamentos e de entonações.
Ele se entrelaça com eles em inremçóe.'i complexas, fundindo-se com
uns, isolando-se de outros, cruzando com terceiros: e tudo isso pode
IOrlnar sulmandalmelllc o discurso, penetrnr em todos os seus es-
Ir;Hos"'1I1:1nlic"",,IOrnar cOlllplcxa a suo express50, influenciar todo
o Srtl 'SPl'CIO "slilfstico. (Bakhtill. 1,),)8, 1" R6)
'..,
a face; b) há dois tipos de dialogismo: o dialogismo entre interlocutores e o
dialogismo entre discursos (cf., por exemplo, Authier, 1982, pp. 118-9).
Essas duas afirmaçóes parecem equivocadas.
Bakhtin, em O problema do texto, afirma;
o esprrito (o próprio e o do outro) n50 pode ser dado enqu~mro
objeto (objeto diretamente obsetvável nas ciências naturnis), mas
somente na expressão que lhe datá o signo, na realiZ<lçãoque lhe
dará o texto - em se tracando de si mesmo e do outro. [...} O gc.,ro
natural na representação do atar que adquire valor de signo (a
lítulo de gesto deliberado, representado, submetido aO desrgnio
do papel). [...1 () estellograma do pensamento humano é sempre
o estcoogralna tle um dirllogo dc tilH) especial: a c01lplexa
inrerdcpendência entre o /(:</0 (objeto de anrllise e de renexão) e o
cOl/re)."/o que o elabora e o envolvc (comexto inrerrogativo,
COl1le.'lat,'>rio,etc.) alt:tv"s dll <]ualse reali?l ,) pellsamento do '"-
jeilO que pratica () :lo tI:t wgniçiío c do juíw. 1-; encolltH) de dois
o diálogo real (conversa comum. discussão ciemífica, conrrovér-
sia poIrtiCl, ecc.). A relação existente entre as réplicas de tal diálo-
go oferece o aspecto externo mais evidente e mais simples da rela-
ção dialogica. Não obstame, a telação dialógica não coincide de
modo algum com as relações existentes emre as réplicas de um
diálogo real, por ser mais extensa, mais variada e mais complexa.
(Bakhtín, 1992. pp. 353-4)
O dialogismo não se confunde com a:intetação face a face (cf. Bakbtin,
1998, p. 92). Essa é uma fOrma composicional em que ocorrem relações
dialógicas, que se dão em todos os enunciados no processo de comunica-
ção, tenham eles a dimensão que tiverem. Não se pode, portamo, pensar o
dialogismo como algo que possa reduzir-se aos estudos que faz, por exem-
plo, a Análise da Conversação.
Em segundo lugar, não se pode dizer que haja dois dialogismos: entre
interlocutores e entre discursos. O dialogismo é sempre entre discursos. O
interlocutor só existe enquanto discurS;'- }-kp~k,
'~me~báêe Clea~is dis-
cursos: o do locmor e o do interlocmor, o que significa que o dialogismo se
dá sempre entre discursos, Isso fica claro quando Bakhtin discute a questão
do que chama as "ciências do espírito" e o problema da "compreensâo":
L66 167
IlAKHTlN "lIlro~r(lI1ceiln';-ch:lVe
Bakhtin, ao contrário do que faz crer cena leitura eivada de marxismo
vulgar, não nega a existência do sistema da Ilngua, já que, "por trás de todo
texto, encontra-se o sistema da língua" (Idem, p. 331).) Não condena seu
estudo; ao contrário, considera-o necessário para estudar as unidades da
língua (Idem, pp. 357-8). No entanto, mostra que ele não dá conta do
modo de funcionamento real da linguagem (Idem, pp. 346-7). Por isso,
propõe uma Outra disciplina, a translingüística,G que teria por objeto o exa-
me das relações dialógicas entre os enunciados, seu modo de constituição
real (Bakhtin, 1970, p. 239; 1992, p. 342).
As palavras e as orações são as unidades da Ilngua, enquanto os enun-
ciados são as unidades reais de comunicação. As primeiras são repetíveis,
os segundos, irrepetíveis, são sempre acontecimentos únicos (Idem, pp.
334-5; p. 287; pp. 295-7; p. 332). Bakhtin, diante da irrcprodutibilidade
do enunciado, pergunta-se se a ciência pode tratar de uma individualida-
de tão irrepetível, que estaria fora do domínio do conhecimento científi-
co - que deve tender à generalização. Responde que, em seu pOnto de
partida, a ciência trabalha com singularidades. Depois, faz generalizações
sobre a forma específica e a função dessas singularidades, o que significa,
no caso da translingüística, estudar os aspectos e as formas da relação
dialógica que se estabelece entre os enunciados e entre suas formas
tipol6gicas (Idem, p. 335).
Não é a dimensão que determina o que é um enunciado: ele pode set
desde uma réplica monolexemátÍca até um romance em vários tomos (Idem,
p. 305). O que delimita sua fronteira é a aJternância dos sujeitos falantes.
Isso significa que o enunciado é uma réplica de um diálogo que se estabele-
ce entre todos eles (Idem, p. 298). Nesse caso, o dialogismo é constiwtÍvo
do enunciado, ele não existe fora do dialogismo:
Um enunciado concreto é um elo na cadeia da comunicação ver-
hal de urna dada c~fcm. As rrunleirns desse cnuuciado <lctcrmi-
Ilau,",~epela alll'rn~llcia <10,sujeitos f:lantes. o. clluuciado. nijo
são imlircrenres uns :1O.~ otltros nem aUla-suficientes; conhecem-
se uns aos outros, refletem-se mutuamente. $50 precisamente cs-
scs reflexos recfproco .•que Ihcs determinam o caráter. O enuncia-
do eslá replcto dos ecos e lembranças de outros enunciados, aOS
'1uais esliÍ vinculado numn e.,fera Ctllnllm <..Ia
comunicaçâo verbal.
16R
rl1lcr(lj5~:ursividade
c imerrcKtualidade JOSÉ I.UlZ FIOR1N
o cnullciado dcvc ~er considerado acima de tudo como uma res-
pil.~I'1
n cl1l1rt"iad". allleriorl's dClIlrtl de unln dada esfcra (a palavr;t
"resposta" está cmpl'egada aqui no scntido laro): rcfuta-os, confir-
ma-mo complcra-os. supõe-nos cOllhecido~ e, de um modo ou de
ourro. conta com elcs. Niio se pode esquecer que o enunciado
ocupa uma posiç50 defillida numa dada esfera da comunicação
verbal relariva a um dado problema. a uma dada questiio. etc, Não
podemos dcterminar nossa posição sem correlacioná-Ia a OUtra.~
posiçól'., (Idem, p. 3 J 6)
A relação dial6gica é uma relação (de sentido) que se estabelece entre
enunciados na comunicação verbal. Dois enunciados quaisquer, se justa~
postos no plano do sentido (não como objeto ou exemplo IingUístico), en-
tabularão uma relação dialógica (Idem, pp. 345~6).
A primeira caractcrística de um enunciado é ter um autor, ao passo
que as unidades da língua não pertencem a ninguém. Os enunciados re-
velam sempre uma posição de autoria (Bakhtin, 1963, pp. 240-1 j 1992,
p. 308). É por isso que as relações dialógicas não são relações lógicas ou
semânticas, mns rebções entre distintas posições (Bakhtin, 1963, pp. 24-
241). O enunciado, sendo como que uma réplica de um diálogo, possui
um acabamento específico (Bakhtin, 1992, p. 299). Por isso, ele constitui
um todo de sentido (Idem, p. 351) e, por conseguInte, permite uma res-
posta. As unidades da língua não têm acabamento, não constituem um
todo quc possibilita uma resposta (Idem, p. 299). As unidades da língua
são completas, mas não tem acabamento. A completude é característica
do elemento, o acabamentO é o que singulariza o todo (Idem, p. 307). A
palnvra fogo é completa, mas não suscita nenhuma resposta. S6 quando
adquirc uma autoria e ganha um acabamento, rransforma~se em enunci-
ado, (IUC denuncia uma situação de perigo e permite ser objeto de uma
resposta. Sendo réplicas de um diálogo, os enunciados têm um destinatá-
rio, enquanto as unidades da língua não são dirigidas a ninguém (Idem,
p. 3')3). As llnidadl's da língua silo neutras, os enullciados contêm neces-
sariamcnte emoçõcs, juízos de valor, expressões (Idem, pp. 308-12),7 As
unidades da língua, puramente potenciais, têm significação, que se deter-
mina na relação com outras palavras da mesma língua ou de outra l1ngua
(Idem, p. 346). Os enunciados não têm significação, mas sentido (Idem,
169
IJAKHTlN ourros conceitos-chave ,__.__ -.• _
p. 355). Se eles são constitutivamente dialógicos, seu sentido é de ordem
dia lógica (Idem, p. 342 e p. 355). O sentido concreto (distinto da signifi-
cação) é o conteúdo do enunciado (Idem, p. 310) e sua natureza é dialógica
(Idem, pp. 310, 335 e 326). Como se vê, o conceito de enunciado em
Bakhtin recobre o que chamamos habitualmente discurso. Adiante, apre-
sentaremos algumas precisões a mais sobre essas correspondências.
Quando se diz que o dialogismo é constitutivo do enunciado, está-se
afirmando que, mesmo que, em Sua estrutura composicional, as diferentes
vozes não se manifestem, o enunciado é dialógico. Toda réplica, considera-
da em si mesma, é monológica, enquanto lOdo monólogo é dialógico (Idem,
pp. 345 e 317-8). Todo enunciado possui uma dimensão dupla, pois revela
duas posições: a sua e a do outro.
Como noca Faraco, um dos significados da palavra diálogo é o que
remete à "solução de conflitos", "entendimenro", "promoção de consen-
so"; no entanto, o dialogismo é tantO convergência, quanto divergência; é
tantO acordo, quanto desacordo; é tanto adesão, quanto recusa; é tanto
complemento, quanto embate (Faraco, 2003, p. 66). Prossegue ainda
Faraco, mostrando que, na verdade, "o Círculo de Bakhtin entende as
relações dialógicas como espaços de tensão entre os enunciados", pois,
"mesmo a responsividade caracterizada pela adesão incondicional ao dizer
de outrem se faz no ponto de tensão deste dizer com OLltros dizeres (Oll-
tras vozes sociais)" (Idem, p. 67). Isso significa que, do pauto de vista
consCÍtutivo, o dialogismo "deve ser entendido como um espaço de luta
enrre as vozes sociais" (Idem, ibid.). Assim, pode-se dizer que,
constiturivamenre, a relação dialógic~ é contraditória.
Exemplifiquemos esse caráter constiturivo do dialogismo. Para isso, to-
memos um fragmento do sermão do quinto domingo da Quaresma, de Vieira:
Como cstamos na corre, onde das casos dos pequenos não se faz
caso, nem têm nome de casas, busquemos c~ra fé em alguma casa
grnnde e dos grandes, Deus me guie.
O escudo desra port~da em um quartel tem as quin:ls, em outro
as lises, em outro as águias, leões e castelos; sem dúvida esre deve
ser (")palácio em que mor:! a Fé crisrã, c:ltólica e crisrlanf,Isima.
Enrremos c vamos examinando (l q~le virmO.I, pane por 1':1rtc'.
l'rimciro que tudo vejo cav;llo.', lileiras e cnches; wi" cri'ldns dt,
170
.-.--- .. lnrerdiscursividade e Inrerrexrualidade JOSÉ LU/i: FIOR/N
diver~o~ c~libres, uns com Iibré, ourros sem c1~; vejo galas. vejo
jóias. vejo baixela~: as paredes vejo-as cobertas de ricos rapius;
das janelas vejo ao peno jardins, e ao longe quintas; enfim, vejo
rodo o palácio e também o oratória; mas não vejo a fé. E por que
não aparece a fé nesta c~s~? Eu o direi ao dono dela, Se os vossos
cavalos comem à cusra do lavrador, e os freios que mastigam, as
ferradura.~ que pisam e as rodas e o coche que arrastam são dos
pobres oficiais. que andam arrastados sem poder cobrar um real,
como se há de vcr a fé na vos,~acavalariça? Se o que vestem os
lacaios r os pajens. e os socorros do olltro exúcito doméstico
[Ja~cllli'10 e feminino dependem do mereador que vos assistc, e
tio principio do ano lhe pagais com esperanças e no fim com
desr~perações. a risco de quebrar. eomo se há de ver a fé na vossa
fitrn/lia? Se as galas, as jói3s e as baixelas, ou no Reino, ou fora
dele foram ~dqllirid~s com tanta injustiça ou crueldade, que o
ouro e a prnrn derretidos, e as sed~s se se espremeram. haviam de
Vt'rtcr sangue, como se há de ver a fé ncss~ Falsa riqueza? Se as
voss~.' parede,~ estão vestidas de preciosas tapcçarias, e os miserá·
veis a quem despisres para as vestir a elas, estão nus ou morrendo
de frio, como se há de ver a fé, nem pintada nas vossaS paredes?
Se a Primavera está rindo nos j:lrdins e nM quintas, e as fontC5
estão nos olhos da triste viúva c órfãOs, a quem nem por obriga-
çno. ncm por esmola sarísf:1zcis. ou agradcceis o quc seus pais vos
~ervirilm. C01ll0 se há dc ver :I fé nes.las Acres c alamcda,,? Se as
pcdms da me~I1l:lC:lS:lem que vivcls, d"de os telhados ~té os ali-
l'erres t'SIão dlOveml" os "umes dos ;"rnalcirn.~, a quem nnO Glzfcis
a {«ria. c, se q~lerial11ir busc:lr a vida a outra parte, os prcndlcis e
obrig:íveis por força, C0l110 se há de ver a fé. nem sombra dela na
vossa casa1 (Vieira. 1959. vai, 11, como 4, pp. 203-4)
Nesse sermão, Vieira fala do que é a fé e resolve mostrá-Ia no palácio
(alguma casa grande) de um nobre (dos grandes). Simula estar entrando,
juntamente com os ouvintes por ele convidados, em um palácio de fidalgos
muito ricos cujo escudo no alto da portada exibe os signos heráldicos (qui-
nas, Iises, águias, leões e castelos) da "fé cristã, católica e cristianlssima" da
família. Vai, enrão, fazendo ver, de um lado, as riquezas da casa, os objetos
de luxo, os cavalos e coches, a multidão de criados, as belezas dos jardins e
das quintas, ctCi de outro, os seres humanos explorados para que essa rique-
Z:l possa existir: os pcqucnos proprietários de terra, a quem não se paga o
171
IJI1KI JTlN (llllrflHOncdlnS-dlllVC
que os cavalos comem; os artesãos, a quem não se pagam os objeros (freios,
ferraduras, rodas e coches) que fizeràJll; os mercadores, a quem não se pa~
gam as mercadorias que forneceram; os criados, a quem não se pagam os
salários; os diaristas (jornaleiros), a quem não se paga a féria (a diária); as
viúvas e os órfãos de criados, a quem se deixa no abandono.
Vieira nota, então, que não pode haver fé, sem que se leve uma vida em
conformidade com ela, ou seja, deixa claro que não há fé sem as obras
correspondentes. A fé cristã, segundo o pregador, exige a justiça com os que
trabalham, implica que o trabalho seja remunerado, que a riqueza não se
construa sobre a exploração do outro. O sermão de Vieira constitui-se em
oposição ao discurso feudal, que defendia os privilégios da nobreza e as
relações servis de trabalho, em que os servos tinham obrigação de prestar
serviços ao senhor e não podiam I11udar de trabalho, pois estavam presos a
uma propriedade ("se queriam buscar" vida a outra parte, os prendícis e
obrigáveis pela força"). Em oposição ao discurso que defendia os privilégios
da nobreza, dados por seu nascimento, Vieira tem o ponto de vista da socie~
dade mercantil, que valoriza o trabalho dos operários e dos burgueses (mer-
cadores, eec.); que condena as relações servis de trabalho c dcfende o
assalariamento, em que o operário tem a liberdade de fazer contrato de
trabalho com quem quiser; que preconiza que o valor de cada homem não
é dado por seu nascimento, mas por sua ação no mundo. Condena yiva-
mente os que dizem ter fé, mas que não praticam as obras correspondetHes.
O sermão de Vieira faz parte da esfera do discurso religioso, é um discurso
jesufdco, pregando que o ser humano se define por sua ação no mundo.
Opõe-se ao discurso jansenista, segundo o qual a fé basta para salvar o
homem, mesmo que desacompanhada das obras. O discurso religioso de
Vieira manifesra uma voz ativista e pragmática, que se constirui numa rela-
ção polêmica com o que foi chamado o quietismo, que sustenta que a per-
feição consiste na anulação da vontade, na indiferença toral em relação aos
acontecimentos e na união contempladva com Deus.
Observe~se que mesmo que cssas vozes todas não sejam mostradas no
enunciado, elas constituem o enunciado de Vieira, pois ele se constrói em
oposição a elas, em comradição com elas. É dessa forma flue Bakhtin expli-
ca a produção da estatuária grotesca, que se constitui em oposição à estatuária
clássica (Bakhtin, 1970a, pp. 33-6).
17)
Il1Icrdiscursivid~dc C intcrtcxtualidadc JOSÉ I.UlZ I'IORIN
No "simpósio universal" (Ba.khtin, 1989, p. 293), que poderíamos in-
terpretar como uma formação social específica, definida pelo presente de
seus múltiplos enunciados contraditórios, pelo passado discutsivo, a tradi-
ção de que é depositária, e pelo futuro discursivo, suas utopias e seus obje-
tivos, atuam {orças centrípetas e centrífugas. Aquelas buscam impor uma
centralização enunciativa no plurilingüismo da realidade; estas procuram
minar, principalmente, por intermédio da derrisão e do riso, essa tendência
centraJizadora (Bakhtin, 1988, pp. 80~3). As ditaduras são centrípetas; as
democracias centrífugas. Ali ditaduras têm um forre componente nardsico.
Com cfeito, poderíamos fazer uma leitura dos mitos de Narciso e Eco, à luz
do princfpio do dialogismo. Esses dois mitos aparecem sempre juntos: em
Eco existe a negação radical da identidade, já que ela foi condenada por
Juno a jamais ter a iniciativa da palavra; em Narciso ocorre uma recusa tOtal
da "lteridade, pois de se apaixona pela pr6pria imagem refletida llO espelho
das águas de lima falHe. Eco e Narciso são a própria negação do dialogismo.
As ditaduras, em seu afã ccntrípeto, apresentam um forte componente
narcísico, tentando negar a alteridade, impondo sua identidade e exigindo
que os ouU·os a ecoem. No CIH:lnto, essa mesma identidade é consriru(da
dialogicalllcnre (Idem, p. 81).
COIno observa Faraco, Bakhtín, com os conceitos de forças centr(petas
e forças centrífugas, "aponta para a existência de jogos de poder enrre as
vozes que drculam socialmente" (Faraco, 2003, p. 67). Isso significa que,
para o autor russo, não há uma neutralidade na circulação de vozes. Ao
contrário, e1<l tem uma dimensão polfrka. As vozes não circulam fora do
,~xercício do poder; não se diz o que se quer, quando se quer, como se quer.
2) Além desse dialogismo .que não se e~ibe no fio do disc.urso, há u:n
outro, que nele se mosrra. E quando as dlferentes vozes são lllcorpor~~.as l-~+·
110 interior do discurso. Dizemos que, nesse caso, o dialogismo é uma
forma composicional. É aquilo a que Bakhrin chamará "concepção ~si:;ei-
ta do diaJogislJ1o" ou "formas exrernas, yis{veis", do dialogjsmo (Bakhrin,
1992, p. 350). Cabe aqui um esclarecimento. O autor russo não as con-
sidera menos imporrântes. Quando afirma que reduzir o dialogismo a
elas é ter uma visão estreita desse fenômeno, quer dizer que o diaJogismo
vai muito além dessas formas em que as vozes entram na composição do
enunciado, pois ele é o próprio modo de funcionamento real do enuncia-
173
I
U.llK/ J 7JN ()Ull'o:-; cUllú'itüs·chavc"
do, o próprio modo de sua constituição. No entanto, essas formas de
incorporação do discurso do Outro são a própria maneira de tornar visível
esse princípio de funcionamento das unidades reais de comunicação, os
enunciados. São modos pelos quais o princípio real de funcionamento da
linguagem é enunciado.
Há duas maneiras básicas de incorporar distintas vozes no enunciado:
a) aquela em que o discurso do outro é "abertamente citado e nitidamen-
te separado" (Idem, p. 318); b) aquela em que o enunciado é bivocal, ou
seja, internamente dialogizado (Idem, p. 348 e pp. 337-8; 1970, pp. 248-
58). Na primeira categoria, entram formas composidonais como o dis-
curso direto e o discurso indireto (Bakhtin, 1979, pp. 141-59), as aspas
(Bakhtin, 1992, p. 349), a negação (Bakhtin, 1970, pp.240-1); na se-
gunda, aparecem formas composicionais como a paródia, a estilização, a
polêmica velada ou clara (Idem, pp. 259-60); o discurso indireto livre
(Bakhtin, 1979, pp. 160-82).
Observemos um exemplo de cada um desses procedimentos
composicionais. Para o primeiro, tomaremos um caso de negação.
Cansados, finalmente. os embaixadores de lhcs responder o Batis-
ta que não era Messias. nem Elias, nem profeta pediram-lhe, fi-
nalmenre, que, pois ele.' nao acenavam a perguntar, Ihes dis,es.,e
ele quem era. A esta insrância não pôde deixar de deferir o lhlista.
E ° que vos parece que responderia? Ego mln vox c/Al1It1ntiJ i1/
deJato: Eu sou uma V01. que clama I1UdcscrlO, Verd,,,kir:IIl1<'ll1l'
não entendo esta resposta. Se os emhaixadores pergul1ar;Ull ;lu
Batista o que fazia. então estava bem respondido com a voz que
clamava no deserto. porque o que.o Badsta fazia no deserto era dar
vozes e damar; mas se os embaixadores perguntavam au [latl'ln
quem era, como lhes responde ele o que fazia? Respondeu
discretissimamente. Quando lhe petguntavam quem era, respon-
deu o que fazia: porque Clda um é o que faz, e não é ourrn cousa.
As eClUSaS
definem-se pela essência: o Bacista definiu-se pelas ações;
porque as ações de Clda um são a Sua essência. Definiu-se pelo que
fazia, para declarar o que em,
Daqui se entenderá uma grande dúvida, que deixamos atrás de
pondemr, O Batista, perguntado se era Elias, respondeu que não
era Elias: NOIl S1II1I. E Cristo no capfwlo onze de S. Mateus disse
que o Balista era Elias: JOI1/1I1(J Bt1/tisttl ipu tst E/il1s. Pois .'e
174
Jlllel'dí~llrsivi<i;ltI,· c ilI"rlexllluliclntle )051" I.U/Z F/ORIN
CriSto diz que o Badsta em Etias, como diz °mesmo Batista que
não era Elias? Nem o Badsta podia enganar, nem Cristo podia
enganar-se: como se hão de concotdar logo estes textos? Muito
facilmente. O Batism era Elias, e não era Elías; não era Elias,
porque as pessoas de Elías e do Batista eram diversas: era Elias.
porque as ações de Elias e do Batista eram as mesmas. A modés-
tia do Barism disse que não era Elias, pela diversidade das pesso-
as; a verdade de Cristo afirmou que era Elias, pela uniformidade
das ações, Era Folias,porque fazia ações de Elias. Quem f.11. ações
dc Elias li F.lias; quem fizer ações de Batista será Batista; e quem
as fizer de Judas será Judas. Cada um é as suas ações, e não é
outra causa, Oh que grande doutrina esta pata o lugar em que
escamas! Quando vos pcrgull[arem quem sois, oão vades revol-
ver o Ilobilidrio de VO.'iSOS avó.'. ide vera maHicuL1 de vossas ações.
O que fazds, isso soi.', nada mais. Quando ao Batista lhe per-
gulltaram quem em. não disse que se chamava João, nem que er:l
filho de Zncarias; não se definiu pelos pais. nem pelo apelido, Só
de suas :tções formou a sua definição: Ego vox c/AmIl7ltÍJ. (Vieira.
1959, vai I, torno I. pp. 211-3)
No Sermão da Térceira Dominga do Advento, a que esse trecho pertence,
Vieira parte do episódio bíblico Uoão, 1, 19~34), que narra a ida a João
Batista de uma embaixada de sacerdotes e levitas de Jerusalém, a fim de
perguntar-lhe quem era, e sua resposta de que era a voz que clama no
deserto. Com base nessa resposta, Vieira tece uma argumentação, para
mostrar que cada UI11 sc ddllll' por aquilo que f:1z, pelo seu trabalho. O que
importa aqui é analisar a negação que aparece no seguinte trecho: "Quando
vos perguntarem quem sais, não vades revolver o nobiliário de vossos avós,
ide vcr a matrícula de vossasações", Vieira nega o pOnto de vista social que
afirma que a posição de uma pessoa na sociedade é dada pela família em
que nasceu, pelo sangue. Ao contrário, assevera que o que define o ser
humano é sua ação no mundo. Mais adiante, em outro trecho desse ser-
mão, negará que a fidalguia, a nobreza, seja uma herança familiar, afirman-
do que pertence à esfera da ação, do trabalho. Diz que ela não é qualidade
nem sangue, mas ação. Essesermão opõe-se à posição aristocrática de que a
nobreza é algo onrológico, um valor herdado pelo nascimento. A essa pers-
pectiva Vieira contrasta a idéia de que a nobreza é uma virtude conquistada
no trabalho, de que não há uma ordem social natural. Poderíamos dizer
175
TlAKIITlN OllllOseoneeilOS·chave .._
.. . ...
que à maneira de ver da aristocracia feudal Vieira contrapõe o modo bur-
guês de considerar o mundo. A negação, ao receber um autor, mostra os
dois pontos de vista distintos.
Para o segundo procedimento, tomemos um caso de discurso indireto livte:
Olhou áS cédulas arrumadas na palma, os n(queis e as prams, sus-
pirou, mordeu os beiços. Nem lhe restava o direito de protestar.
Baixava a crista. Se nno baixa.lse, desocuparia a terra, largar-se-ia
com a mulher, os filhos pequenos e os cacarecos. Par.1onde? Hem?
linha par.1 onde levar a mulher e 05 meninos? TInha nada! {...]
Se pudesse mudar-se, gritaria bem alto que o roubavam. Apa-
rentemente resignado. sentia um 6dio imenso a qllalquer coisa
que era ao mesmo tempo a campina seca, o patrno, os soldados
c os agentes da prefeitura. Tudo na -verdade era con tra ele. Es-
tava acostumado, tinha a casca muito grossa, mas às vezes arre-
liava. Nno havia paciência que supormssc tanra coisa. (Ralllos,
1971. PI), 138-9)
No discurso indireto livre, misruram-se duas vozes, a do narrador e a <.Ia
personagem (em nosso texto, Fabiano). No entanto, faltam elementos
lingüísticas, como os dois ponros e o travessão 110 discurso direto ou a
conjunção integrante que no indireto, que determinem a fronteira entre as
duas. Há dois tOns diferentes, que permitem perceber essas duas vozes: o
tom mais ou menos neutro da narração e o tom entre colérico e resignado
da personagem. Há frases claramente do narraoor ("Olhou as cédul;)s arru-
madas na palma, os níqueis e as pratas, suspirou, mordeu os beiços"); ou-
tras que, sem dúvida nenhuma, pertencem à personagem ("Para onde? Hem?
Tinha para onde levar a mulher e os meninos? Tinha nada!"). Outtas, no
entanto, poderiam ser de um ou de outro ("Se pudesse mudar-se, gritaria
bem alto que o roubavam" poderia ser dita tanto pelo narrado r quanto pela
personagem). Essa impossibilidade de separação nítida entre a voz do
narrado r e a da personagem, faz do enunciado em discurso indireto livre
um enunciado bivoca!. Ao misturar Sua voz à da personagem, o narrador
revela uma "profunda simpatia" por esse homem submetido a condições
"pré-capiraJistas" de trabalho, a esse homem espoliado e degradado. É como
se o narrador assumisse como sua a indignação da personagem diante da
exploração a que estava sujeira,
176
.- .. _.- - .... o. _ •• Interdiscursividadc c intertextuaHdade JosE LUIZ FIORIN
Cabe perguntar agora se o dialogismo é um fenômeno social ou indivi-
dual. Em Olltr;)s palavr;)s, as vOzes que estão em re;tção dia lógica são indi-
viduais ou sociais? A teoria formulada por Bakhtin leva em conra tanto o
que é de ordem individual, quanto o que é do domínio social:
o locutor l1~o é um Adno. c por isso ° objeto de seu discurso se
[nma, incvitavelmcllle, o pomo onde se cncommm as opiniões de
illlerloclltores imediatos (numa conversa ou numa discussão acerca
de qualqucr aconcccilllCI1l0 da vida cotidiana) ou então as visócs de
Illundo, as tendências, as lcorias. etc. (na esfera da comunicaç5o
culmral). fi visfio dc mundo. a tendência, o ponto de vista, a opi-
"ifio têm scmpre slIa eXl'res.~áoverbal. (Bakhtin, 1992. pp. 319-20)
Ao levar em conta o individual e o social, Bakhtin pretende considerar
não só ;)s polêmicas políticas, culrurais, econômicas, que refletem visões de
mundo Jivers;1s, maS também fenômenos como a fala - que se vai moldan-
do pela opinião do locuror imediato ou a reprodução da fala alheia com
uma CI1tOIl:1ção
zombeteira, dubitariva, admirativa, indignada, <lprovadora,
reprovadora, etc. (Idem, pp. 337-8; cf. 1988, pp. 91-3) É toda uma gama
de fcn6nK'llos que c.~tiíopresentes na cOl11unicaçií.oreal. No entanto, a rela-
ção entre o individual e o social não é simples nem estanque em Bakhtin.
De um lado, Bakhtin mostra que a maioria das opiniões dos indivíduos é
social. Todo enunciado, além de um destinatário imediato, que é percebido
com mnÍor ou menOr consciência, dirige-se a um superdestinatário, cuja
compreensão respol1siva, idealmemc correta, é determinante em sua pro-
dução. Esse superdestinatário assume uma identidade que varia de época
para época, de formação social para formação social, de grupo social para
grupo social: a Igreja, a "correção polftica", o partido, a ciência, ctc. (Bakhtin,
1992, pp, 356-7). Na medida em que mesmo uma réplica individual numa
conversação cotidiana se dirige ao superdesrinatário, os enunciados são, na
maior parte das vez.es, sociais. De outro, não preconiza um sujeito absolu-
tamenre assujcitado, o que seria a própria negação da heteroglossia e do
dialogismo. Como observa Faraco, a utopia bakhtiniana é "a resistência a I ~
qualquer processo centrípeto, centralizado r" (Faraco, 2003, p. 72); o
dialogismo incessanre é ":1 lll1ica f(ltllla de preservar a liberdade do ser hu-
mano c do seu inacabamento; uma relação, portamo, em que o OUtro nun-
ca é rei ficado; em que os sujeitos não se fundem, mas cada um preserva sua
177
IJ,IKIITlN ounoscOnccilOs'chavc _ -----~_ ..~._~_. -- IJlIl'f,j;sc.:ursivid"dc c illlertexwalídade JOSÉ LUlZ T'IOR1N
própria posiçã~ de extra-espacialidad~ ~ e.x~e~~().de_yisão e a compreensão
daí advindà' (Idem, p. 73-74). A singularidade do sujeito ~corre na "inceração
viva das vozes sociais" e, por isso, ele é social e singular (Idem, p. 83).
Normalmente, quando se fala.em dialogismo, pensa-se em relações com
enunciados já constituídos e, portanto, enunciados anteriores, passados.
No entanto, o enunciado está relacionado não só aos que o precedem, mas
também aos que lhe sucedem na cadeia da comunicação verbal. Com efei-
to, na medida em que um enunciado é elaborado em função de uma res-
posta, está ligado a essa resposta, que ainda não existe. O locmor sempre
espera uma compreensão responsiva ativa e o enunciado se constimi para
essa resposta esperada (Bakhtin, 1992, p. 320).
INTERDlSCURSIVIDADE E INTERTEXTUALIDADE
Notam Beth Brait e Rosineide de Meio que,
como (...] é próprio do pensamento bakhriniano, a concepção de
enunciado/enunciaçiio não se cncomm pronm e acabada numa derer-
minada obT<l,num determinado tCXW:
o sentido e as particularidades
v50 sendo construIdos ao longo do conjunto das obr:ls,
indissociavdmente implicados em outras noções paulatinamente
construídns. [...] O enunciado concreto, visto dessa perspectiva tcóri-
C:I poder., ao longo de outros obras (e em diferentes tradllçóes) [...1
~cr~ubstitllldo "li fundido l1aidéia de r,davra, de teXLO,
dt, disnlfw «-
aré mcsmo de enúndação concreta). (Brait, 2005, p. 65 e 67).
Pelas razões apontadas por Bralt e Melo, há uma dificuldade em distin-
guir os conceiros de texto, enunciado e discurso na obra de Bakhtin. Ora eles
se equivalem; ora se distinguem. Para nossos propósitos, tomaremos o traba-
lho O problema do texto,8 em que Bakhtin tratou, de maneira específica, da
questão do texto. Nele, os termos texto, enunciado e discurso não se recobrem.
O texto "representa uma realidade imediata (do pensamento e da emo~o)"
(Bakhtin, 1992, p. 329). Sendo o texto "um conjwlto coerente de signos", ele
não é uma enddade exclusivamente verbal. Na verdade, ele é uma categoria
presente em todas as linguagens, em todas as semióticas (Idem, ibid.). A dife-
rença fundamental cntre as Ciências Humanas e as Ciências Naturais, embora
sua separação n5,,' ., rígida, reside no fato de que, naquelas, "o pensamento é
78
orientado para o pensamen to, o sentido, o significado do outro, que se manifes-
tam e se apresentam ao pesquisador somente em forma de textos. Quaisquer
que sejam os objedvos de um estudo, o ponto de partida só pode ser O texto"
(Idem, p. 330). O texto, em Bakhtin, é wna unidade da manifestação: manifes-
ta o pensamento, a emoção, o sentido, o significado.
Cada texto tem atrás de si um sistema compreensível para todos (con-
vencional, dentro de uma dada comunidade) - uma língua, "ainda que seja
a língua da arte" (Idem, p. 331). Não há texto que não pressuponha uma
língua. Se não há lima língua atrás de um texto, temos um fenômeno natu-
ral e não um texto: por exemplo, uma sucessão de gritos e gemidos (Idem,
ibid.), Tudo o que no texto é repetitivo e reproduzível é da ordem da lín-
gua, pois o texto é único, individual e irreproduzível (Idem, ibid.). Mesmo
quando o texto é reproduzido por um sujeito (excetuada evidentemente a
reprodução mecânica. como. por exemplo, a reimpressão), "é um aconteci-
mento novo, irreproduzível na vida do texto, é um novo elo na cadeia
histórica da reprodução verbal" (Idem, p. 332). Todo texto tem um autor e,
por isso, o texto enquanto entidade "não se vincula aos elementos
reproduzíveis de um sistema da língua (dos signos) e sim aos outros textos
(irreproduzíveis) numa relação específica, dia[ógica" (Idem, ibid.). "O acon-
tecimento na vida do texto, seu ser autêntico, sempre sucede na fronteira
de duas consciências, de dois sujeitos" (Idem, p. 333). Temos, pois, num
texto, dois pólos: o que é reproduzível e o que é irrepetível.
As Ciências Humanas si[Uam-se entre esses dois pólos:
Pode-se tendcr paT<lo primeiro pólo. isto é, para a lfngua - a lín-
gua de UI1l aUWf, a IIn[!.llade um gênero, de um movimcnto litcrá-
rio, a língua natural (o procedimcl1to da Lingülstica) - c. por fim,
para a língua potencial (o procedimento do esrrururalismo, da
glossemáricaJ. Pode-se tcnder para o segundo pólo, para o acontc-
çimenro irreproduz(vcl do tcxto (Idem, ibid.).
Se o texto tem um autor, é irrepetível e só ganha sentido na relação
dialógica, texto não é, na verdade, sinônimo de enunciado? É preciso ler
cuidadosamente o trabalho de Bakhtin, juntando indícios colocados ao longo
de seu texto:
179
IJIlKIITIN outro~tonteílo~-chave ""'"__o -"
"O texto enquanto emmcÍltdo (Idem, p. 330).
Dois fatores determinam um texto c o tornam um enunciadn: scu
projero (a intenção) e a execução desse projeto (Idem, p. 332).
Fora dessa relação (a relação dia16gica), o enunciado não tem rea-
lidade (a não ser como texfO) (Idem, p. 351).
A Lingüística lida com o texto, não com a obra, [...] Pode-se dizcr,
simplificando, que a abordagem puramcnte linglHstica (ou seja, o
objeto li~gülstico) encara a relação do signo com o signo e COIll os
signos dentro dos limitcs do sL~tema de uma llngua ou dc um
texto (relações com o interior de um sistema ou relações lineares
entre os signos). A relação de um enunciado com a realidade exis-
teme, com o sujeito /iJ.lante real e com os outros enunciados renis
(relação que faz que um enunciado seja o primeiro li articular o
verdadeiro Oll o falso, o belo, ete.). esta relação não poderia [Or-
!lar-se obJeto da Lingtífstica. Os signos tomados isolndnml'nll', O
sistema de IIIll:l IIngua (lU o texto (enquanto Unidade de Siglll")
lliío podem ser verdadeiros, nem falsos, nem bclm", (Idem. PI',
352-353).
Na medida em que o texto se torna um enunciado, de é distinto deste.
O texto pode ser visto como enunciado, mas pode não o ser, pois, quando
o enunciado é considerado fora da relação dialógica, ele só tem realidade
como texto. Pode-se ter uma Lingü(stica que estuda o texto, mas o faz
como uma entidade em si, fora das relações dialógicas, já que essas não
podem ser objeto da Lingüística.
Se o texro é distinto do enunciado e este é um todo de sentido (Idem,
p. 351) - marcado pelo acabamento (a obra) (Idem, p. 345), dado pela
possibilidade de admi tir uma réplica~, cuja natureza específica é dial ógica,
o texro é a manifestação do enunciado, que é uma "postura de sentido"
(Idem, p. 352). Por isso, ele é uma realidade imediata, dotada de uma
materialidade, que advém do fato de ser um "conjunto de signos". O
enunciado é da ordem do sentido; o texto é do domínio da manifestação.
O sentido não pode consrruir"se senão nas relações dialógicas.'J Sua mani-
festação é o texto e este pode ser considerado como uma entidade em si.
Há ainda um elemento curioso nesse texto: é que Bakhtin diferencia
enunciado e discurso. Diz ele:
180
I1lfNdiSl'ursividmlc c inlCrreX1Unlidadc JOSt: I.UlZ FIOR1N
Pode-se estabelecer um pdndpio de identidade corre ti Jlngua e o
discurso, porque no discurso se apagam os limites dialógicos do
ellul1ei~do, m~s jamais se pode confundir IIngua e comunicação
verbal (entendida como comunicação dialógica efetuada mediante
ellunciados). (Idem. p. 335).
o discurso deve ser entendido como uma abstração: uma posição so-
cial considerada fora das relações dialógicas, vista corno uma identidade.
Poder-se-ia então acusar Bakhtin de considerar as relações dialógicas como
exteriores ao discurso. Não, pelo contrário, o enunciado (inrerdiscurso)
não é um conjunto de relações entre intradiscursos (discurso, em Bakhtin).
O inrerdiscurso é interior ao intradiscurso. é constiturivo dele. Na comu-
nicação verbal real, o que existem são enunciados, que são constitu~
tivamentc dialógicos. O discurso é apenas a realidade aparente (mas rea-
lidade) de quc os f.1lamcs concebem seu discurso autonomamente, dão a
de uma idcntidade essencial. Entretanto, no seu funcionamento real, a
linguagem é dialógica.
Com base em tUdo o que foi dito, é poss(vel distinguir interdiscursividade
e inrcrtcxwalidade. Á:llrcmos a Bakhtin: "O texto como mônada específica
que refrata (no limite) todos os textos de uma dada esfera. Interdependência
do sentido (na medida em que se realiza através do enunciado)" (Bakhtin,
1992, p. 331).
Há claramente uma distinção entre as relações dialógicas entre enuncia-
dos e aquelas que se dão emre textos. Por isso, chamaremos qualquer rela-
ção dialógica, na medida em que é uma relação de sentido, inrerdiscursiva.
O termo intertextualidade fica reservado apenas para os casos em que a
relação discursiva é marerializada em textos. Isso significa que a
interrextualidade pressupõe scmpre uma inrerdiscursividade, mas que o
contrário não é verdadeiro. Por exemplo, quando a relação dialógica não se
manifesta 110 texto, temos interdiscursividade, mas não interrextualidade.
No cnlan to, é preciso vcrificar que nem todas aS relações dialógicas mostra-
das no tcxto devcm scr consideradas ifl[crtexruais. Bakhtin fala em "rela-
ções Jialógicas interrexruais e intratexruais" (Idem, ibid.). Como já mostra-
mos, seria mais fiel ao texto russo falar em relaçóes dialógicas entre textos e
dentro do texto. As relaçõcs dentro do cexto ocorrem quando as duas vozes
se acham no interior dc Ulll mesmo texto: no caso do exemplo de Vidas
181
IJAKIITlN outros conceitos-chave
secas, temos uma relação dialógica dentro do texto, pois as vozesdo narrador
e de Fabiano se encontram no interior de um texto, não estão constituídas
num outro texto fora do texto em análise. A mesma coisa acontece no
exemplo da negação em Vieira. No entanto, pode-se ter também relações
entre textos, quando um texto se relaciona dialogicamente com outro texto
jJ constituído. Há no texto que se relaciona com elc um encontro de dois
textos. É o que acontece, por exemplo, na negação que aparece em Satélite,
de Manuel Bandeira:
SATÉLITE
Fim de tarde.
No céu plúmbeo
A Lua baça
Paira
Muito eosmograf1Clmente
Satélite.
Desmeta rori7.ada,
Desmitificada.
Despojada do velho segredo de melancolia.
Não é agora o goirão de cismas,
O astro dos loucos e enamorados,
Mas tão-somente
Satélite.
Ah Lua deste fim de rarde,
Dcmissionária de atribuições romântiCls:
Sem show para as disponibilidades sentimentais!
Fatigado de mais-valia,
Gosto de ti, assim:
Coisa em si,
- Sarélite.
---
(Ihmldra, 1'>7), p. 2.~2)
lR2
Imerdlscursividade e intcrtextualidade JOSÉ LUIZ FIORIN
Nas linhas de 1 a 6, o poeta constrói uma figura da lua, situando-a num
fim de tarde, num céu pltí.mbeo, atribuindo-lhe a qualidade de baça e dizen-
do que ela paira muito cosmografieamente. Como cosmografia é a astrono-
mia descritiva, principalmente referente ao sistema solar, o que o poeta
quer dizer com paira muito cosmograficamente é que a lua está no alto pura
c simplcs1llcI1tccomo um astro. Ele sintetiza essa imagem numa palavra:
Satélite. Com essa figura, pretende enfatizar o conceito "puro" de lua, des-
pojado de qualquer tipo de associação paralela, sem as impressões senti-
mentais que ele evoca.
O uso reiterado do prefixo des, que indica ação contrária (desmetajorizada,
desmitificaJa, despojada), e a afirmação de que a lua não é agora o astro dos
loucos e dos enamorados pressupõe que, no passado, ela foi metaforizada,
mitificada, considerada como o depósito do velho segredo de melancolia,
como um golfão de cismas, como o astro dos loucos e enamorados. A nega-
ção, tanto a indicada pelo prefixo des, quanto a feita pelo advérbio não,
implica a presença de duas vozes, dois pontos de vista a respeito da lua: um
que a vê como uma fonte e um repositório de sentimentos, de mitos e de
metáforas; outro que a considera em sua realidade nua indicada pela pala~
vra satélite.
Apesar de essasduas perspectivas estarem delimitadas pela negação, pre-
cisamos ainda de nosso conhecimento dos texros literários, para entender
bem o que o poera está refutando. As expressões "golfão de cismas" e "astros
dos loucos e enamorados" remetem-nos a uma estrofe do poema P!enilttnio,
de Raimundo Correia:
Há tantOS al10s olhos nela arroubados,
No magnetismo do seu fulgor!
l.ua dos tristes e enamorados,
Golfão de cismas rascil1ador.
(Correia, 1976, p. 65)
Ao opor-se a lima concepção a respeito da lua, atribuída a um literato
do passado, podemos concluir não que o poeta esteja lamentando o fim dos
bons tempos românticos e criticando a frieza do mundo moderno, mas que
é avesso aos exageros sentimentais de uma certa literatura em torno da lua.
(2uando de diz s{'m S/;II1(i pllm as disporúbifidtTdes sentimentttis, quer dizer
183
/l/1KJ ITlN ollfrns"(1I1ttiws'ch"'~
que a lu'a à qual dirige seus versos não está mais a exibir-se para pessoas
predispostas a vê-Ia de maneira sentimental. Se levarmos em conta que a
mais-valia se define como a diferença entre o custo da força de trabalho e o
valor do produro produzido pelo trabalhador, ao dizer fatigado de mais·
valia, o poeta manifesta sua aversão aos exageros próprios de literatos de
épocas passadas, que consistem em explorar a lua, roubando dela significa-
dos que ela não comporta. O poeta expõe sua predileção pela concepção
moderna (Gosto de ti assim: / Coisa em si, I Satélite).
Por meio das negações, e da negação de um texto poético, o poeta cir-
cunscreVe no texto dois pontOS de vista a respeito da poesia. Contesta uma
poesia que idealiza a realidade, assume como sua uma concepção de poética
como busca da essência da realidade.
Só pode ser considerada Ínterrextualidade a negação explícita dos versos
de Raimundo Correia. As outras negações são da ordem da
inrerdiscursividade. No poema de Bandeira, encontram-se dois textos: o de
Bandeira e o de Raimundo Correia. O texto de Raimundo Correia tem
uma existência como texto fora do texto de Bandeira. É só nesses casos que
se deve falar em inrertextualidade. Ela é o processo da relação dialógica não
somente entre duas "posturas de sentido", mas também entre duas
materialidades lingüísticas.
A concepção que, com base na obra de Bakhtin, adotamos de
intertextualidade é bastante restrita - nada tem a ver com o uso frouxo que
se,vem fazendo dela. No entanto, ela pode ser um pouco alargada.
Como os estilos são manifestados por "elementos de ordem material",
"quando existe uma vontade consciente de representar uma variedade de
estilos, estabelece-se sempre LI ma relação dialógica encre eles" (Bak1ltin, 1992,
pp. 339; cf. pp. 345, 347 e 349). Por ter uma materialiJade, os estilos de
autores, de movimentos literários, de grupos sociais, quando são estilizados
OtLparodiados, mantêm também relações inrertcxruais.
Mário de Andrade faz, no texto a seguir, urna parôd ia de estilo.
Senhoras:
Não ruuco vos surpreell,!cd, por certo, CJ ell(lercç<' e a liter:ltllra
delta 1l1issiva. Cumpre.nos, clltrClanto. Inici"r estas linhas de
salldadc e {lIuil<>
amor nllll desagrad,ívd nova, r.bem vcnlade <jlle
na boa cidade de São 1'aul" - a maior do universo no di?cr de Sl'US
184
.. Inlcrdi5<:urslvidadeC itllcrtcxtu"lidade JOSÉ LU12 F10R1N
prolixos habitantes - não sois conhecidas por "iC'lmiabas", voz es-
púria, sinno que pelo :1.peladvo de Amazonas; e de Vós se afirma
cavalgardes bellgeros ginctcs c virdes da Hél"de c1ássiC'l;e assim
sois chamadas. Muito nos pesou a n6s, Imperamr vosso, tais dislates
de erudição, porém hds de convir conosco que, assim, ficais mais
heróicas e mais conspfcuas, mcadas por essa pátína respeidvel d"
tradição e da pUrC7.:1.
antiga.
Mas não devemos espcrdiçarmos vosso tempo fero, e muito me.
1I0S coruurbarnl0s vosso entendimento. com noticias de mau cali.
bre: pas.lemos. pois. de imediato. ao relato de nossos feitos por cá.
Nem einco sóis eram passados que de vós nos panlramos, qU:lndo
a mais temerosa desdita pesou sobre nós, Por uma beh noite dos
idos de maio do nno tr"nslnto, pcrdlamos a muiraquitã; que outrém
grafara muraquitâ. e, "Iguns doutos, ciosos de etirnoJogias
esdníxulas. ortografam muyrakitam e até mesmo muraqué-itã, não
sorriais! H"vcis de saber que este vocábulo. tão f.,mili"r a vossas
troll1i'"S de Eusd'1uio. é quasi dc.'conhecido por aqui. Por estas
I'"ragens mui civis. os guerreiros ch~mam-se policias, grilos, guar·
das-cívicas. hoxislil.l. legaJisras. mazorqueiros. ere.; sendo que aJo
guns desses termos são neologismos ab,lUrdos - bagaço nefando
com que os desleixados e petimeues conspurcam o bom falar lusi.
tano. M"s não nos sobra já vagar para discretearmos "sub tegmine
f.1gi", sobre a Jrngua portuguesa. também chamada lusitana. O
que vos interessará. por Sem dúvíd:l. é saberdes que os guerreiros
de cá não buscam mavórdcas damas para o enlace epital:imieo.
I11~S antes a.s preferem dóceis e facilmente tratáveis por voláteis
folhas de papel a que o vulgo chamará dinheiro, o "curriculum
vitae" da civiliZàÇão a que boje fazemos pOnto de honra em per-
tencermos, (Andrade. 1978, pp. 71-2)
Esse texto, logo à primeirn vista, parece ter sido escrito num período
al~terior ao modernismo, em que se cultivava uma forma "clássica" de es-
crever. Os traços que permitem afirmar isso são:
:I) uso da segunda pcs,oa do p1ur,11 pata tratamento;
b) l"Illprt'gll sislt'm.'Íli(l) do p/uml majr.:stádco;
c) utilização do objeto indirero pleonástico, em Muito nos pesorl ti nós;
d) uso de um léxico prcciosista c até de sabor arcaizante (voz por "palavra",
missi/ltfS por "canas". Hél.ttde por "Grécia", beflgeros ginetes por "cavalos de
185
liA K//TIN outros conceilos-chnvc ------~-----------------------~-
guerra", distates por "asneiras", conspfcUllSpor" ilustres", "respeitáveis",pátina
por "envelhecimento" ,firo por "feroz", idos de maio por "dia 15 de maio";
translato por "passado", petimetre por "homem que se veste com apuro
exagerado", discretear por "discorrer calmamente", enlace epitalâmico por
"casamento", vulgo por "povo", mavórticas - adjetivo derivado de Mavorte,
forma epentética de Marte - por "guerreiras");
e) utilização de perífrases que chegam aOridículo, para falar de coisas bastante
banais (trompas de Eustáquio por "ouvidos");
f) emprego de formas da sintaxe clássica, como, por exemplo, oração reduzida
de infinidvo em casoS em que no português moderno se utiliza uma
oração desenvolvida (de vós se afirma caval'{.ardes be!fgeros ginetes e virdes
da Hélade clássica);
g) uso do inflnitivo fIexionado em locuções verbais ou juntO de auxiliares
causadvos (não devemos esperdiçarmos;fazemos ponto de honra pertencermos);
h) emprego das normas portuguesas andgas de acentuação (sm'aiade em lugar
de saudade, epitaldmico em vez de epitat.ímico);
i) citação de dois versoS de Os Lwíadas, com que se inicia o célebre episódio
do Gigante Adamastor.
Porém já cinco sóis eram p:lssados
Que dali nos parrframos cortando (v, 37, 1-2).
..
j) citação de um trecho do primeiro verso das BlICÓÜCtlS, de Virgflio: mb
tegmine jàgi.
O texto surpreende no contexto do romance, porque o narrado r rompe
com a modalidade espontânea de linguagem que vinha utilizando até então
e adota um registro marcadamente formal. Ao optar por um léxico e uma
sintaxe já desusados, muito a gosto dos parnasianos e pré-modernistas (como
Rui Barbosa, Coelho Neto, Bi/ac) , o narrador imita o estilo desses autores,
para ridicularizar a literatura brasileira do período anterior ao modernismo
e, por conseguinte, toda a cultura brasileira dessa época - já que esse estilo
correspondia ao gosto da moda. Ao satirizar o caráter anacrônico e formal
da linguagem d;l época, escarnece do caráter ultrapassado e solene de nossa
cultuf:i urbana em geral. Imniza as Jiscllssócs crimológ'lcls, l11uito aprccia-
das então. Ao dizer que as palavras da gíria ou da linguagem familiar são
186
. ~- Inlerdiscursividadc c intcrtcxtualidnde JOSE LVIZ F10RIN
neologismos absurdos, bagaço nefando, com que se conspurca a língua
portuguesa, satiriza os puristas. Ridiculariza uma certa norma do português,
o que era tido por "português castiço" no período. lroniza uma forma de
escrever, em que, sem o menor prop6sito, cita-se a literatura clássica. Ê um
caso de paródia de estilo, pois o narrado r desqualifica o estilo imitado no
próprio movimento de imitação,
Trata-se de um caSo de intertextualidade, pois é a rnaterialidade
lingüística-textual do escilo do pré-modernismo que se encontra presente
no texto de Manuel Bandeira. Entretanto, nem tudo o que diz respeito a
estilo será do domínio da inrertextualidade. O estilo, sendo um fato do
funcionamento real da linguagem, constitui-se dialogicamenre. Nesse caso,
não se encontra num texto a materialidade lingüística-textual de dois esti-
los. Temos, então, um fato de interdiscursividade e não de incertextualidade,
pois é da ordem do dialogismo constitudvo.
A poesia da terceira geração romântica brasileira é uma poesia libertária.
Por isso, posicionou-se contra a escravidão e a favor do progresso. É escri-
ta numa linguagem grandiosa, cheia de hipérboles e antíteses. Toma à
natureza, à divindade e à história o material para metáforas e compara-
ções. Nela, a natureza significa e revela. Os símiles são construídos com
os aspectos da natureza que sugerem a imensidão e a infinitude: os astros,
o oceano, as procelas, os tufões, os alcantis, o Himalaia, os Andes. a águia,
o condor. É urna pocsia indignada (a "ira condoreira"), plena de vocativos,
dc ap<Ístl'Ofcs, de imprccações coIltra a divil1lbdc, de convocação da natu-
reza e dos heróis do passado. 'lem um tom oratória e, por isso, apresenta
a oralidade do discurso exaltado da praça pública. Esse tom declamatório
é marcado por reticências, que indicam as pausas dramáticas; por traves~
sées, que assinalam as pausas de e1ocução; por pontos de exclamação, que
modulam a ênfase. Há um grande subjetivismo no trato dos temas, pois
se pane do princípio de que os sentimentos e as emoções têm papel cen-
tral na História. Aos ideais de liberdade expostos no plano do conteúdo
correspondc lima grande liberdade de versificação, de ritmos e de rimas
(Bosi, 1975, pp. 132-6). Tomemos, para exemplificar, um fragmentO de
Navio negreiro, de Castro Alvcs, sem dúvida nenhuma o maior represen~
tal1le dessa geração.
187
1ltI<HTJN OltlrOs,'oncciros-chnvc ._ _._ ..__._.
Existe um povo quc a bandeira empresta
Pra cobrir rama inf:imi:t e coOOrdia!... [...]
Auriverde pcndão da minha tcrm,
Que a brisa do Brasil bcij~ e b~lança,
E.çtandane que a luz do sol encerra
E as promessas divinas de esperança",
Tu que. da liberdade após a guerra,
POHe hasteada dos heróis na lança,
Antes te houvessem roco na batalha.
Que servires a um povo de mortalha! ...
Fatalidade atroz que a mente esmaga!.,.
Extingue nesta hora o brigue imundo
O [filho que Colombo ahriu lia vaga,'
Como um lris no pélago prorundo!'"
.,. Ma" ê inf?1mia de mais ... Da elérea plaga
uvantai-vos. hcróis do Novo Mundo ...
Andrada! arranca csre pendão dos ares!
Colombo! recha a porra de teus mares!
(Alves, 1972, pp. 183-4)
Em oposição ao tom grandiloqüente da poesia da cerceira geração ro'
mântica, o parnasianismo representou uma descida de tom. Constrói uma
poesia inenfática, que faz um esforço para aproximar-se impessoalmente
das coisas, dos objetos. Há um culto à forma, um ideal da arte pela arte. O
supremo cuidado estilístico não é senão a manifestação do desejo de criar
um objeto imperecível, longe dos embates da história. A religião da forma
cem origem no pessimismo que subjaz à ideologia do determinismo (Bosi,
1975, p. 187). No parnasianismo, há um efeito de objetividade no trato
dos temas. Não se trara de remas sociais; ao contrário, há um fetichismo
dos objetos: "0 parnasiano típico acabará deleitando-se na nomeação de
alfaias, vasos e leques chineses, flautas gregas, taças de coral, ídolos de gesso
em túmulos de mdrmore ... e exaurindo-se na sensação de um detalhe ou na
memória de um fragmento narrativo" (Idem, p. 248). Por isso, o
parnasianismo tem um gosto particular pela descrição nítida (a "mlmese
pela mímese"), rrata-se de uma poética descritiva. do quadro, da cena, do
retrato. Seu compromisso não é intervir na História, mas operar a mímese.
188
l"lcrcli>ClIrsil'id~cle c inrertcxlunlidade .I0Sf: I.U/7. r-IOR1N
A esse desejo de consrruir um objero imarcesdvel correspondem os usos de
uma língua clássica, de uma sintaxe plena de inversões e s{nquises, de for-
mas tradicionais de metro, de rima e de ritmo, de um léxico preciosisra. A
poética parnasiana acaba com o que era considerado a frouxidão e a incorM
reção dos românticos (Idem, pp. 246-56). Sirva de exemplo para essa poéM
tica, o soneto Vaso grego. de Alberto de Oliveira:
bla d~ áureo relevos. trabalhada
De Jivns mãos. brilhante copa, um dia.
Já de aos deuses servir como cansada
VinJa do Olimpo, a um novo deus servia.
Em o púcta Tens que a suspendia
Enl.io, ( om rcpk'ra ora cnv:'{:çada,
A Inça amiga :l()~ dcdos .~t:ustini:!,
'I"da de roxas l,éta1a" colmad:1.
D"l1ois... Ma.' o lavor da taça admira,
loca-a. e do ouvido aproximando as bDrd:l.~
Finas hás-de lhe ollvir. canora e doce.
Ignota V07., qual se da amiga lira
Fos,c a encanmda música das cordas,
Qual se e,,~aV07, de Anacrcomc rosse.
(n:1rIJosa, 1997, p. (42)
O estilo parnasiano se constitui numa relação dialógica com o da tercei-
ra geração romântica. Temos aqui um caso de interdiscursividade, mas não
de intcrrcxwalidade, pois não se encontram, no mesmo texto, duas
materialidades textuais distintas, como se vê, por exemplo, na "Carta pras
icamiabas", de Mário de Andrade.
Olnvo Bílac tinha consciência da constitutividade dialógica do estilo e
expôs isso em SlI" Profissão de fi.
N,io '111~m(l /.""S CapilO!illO.
Herclíle(l c hdo.
'l:lIhar 110 In:[rl1lC>r('
divi"o
(~nll1o 'ç;Lnl.1rtdo.
189
EJAKHTlN oUlrosconceitos'ch~vo ---~------~~----------------
Que outro - não eul - a pedra corte
Par.l, brutal,
Erguer de Athene o altivo porre
Descomunal.
Mais do que esse vulto eXtraordinário,
Que assombra a vista,
Sedu7.-me unI leve relidrio
De fino artista.
Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de urna flor.
Imito-o. E, pois, nem de Carrara
A pedra Firo;
O ;tIvo cristal, a pedra rara,
O ônix prefiro.
Por isso, corre, por servir-me,
Sobre o papel
A pena, corno em prata firme
Corre o cinzel.
Corre; desenha, enfeita a imagem.
A idéia veste:
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
A2ul-eclcste.
Torce, aprimora, altcia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima, .
Como um mbim.
Quero que a estrofe cristalina
Dobrada ao jeitO
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:
E que o bvor do verso, acaso,
Por tão sutil,
Possa o lavor lembrar de um vaso
Ik lkcerri1.
(Bibc, 1942, pp. S-7)
lq0
___ ._. . ~ Inlcrdiscursividadc c intcrtcxtualidadc JOSÉ LUlZ F10R1N
Bi/ac afirma que não quer fazer o que faz o escultor, mas que seu traba-
lho é semelhante ao do ourives. O escultor é a figura do poeta da terceira
geração romântica com sua grandiloqüência, sua grandiosidade, sua
monumentalidade, com sua imersão na realidade, com suas hipérboles, com
seu gosto pronunciado pelo narrativo, com sua liberdade formal; o ourives
é o poeta parnasiano, com sua leveza, sua sutileza, seu requinte. com seu
afastamento da realidade, com sua busca pela perfeição, com seu tom
inenfático, com seu culto ao descritivo, com sua rigidez formal.
CONCLUSÃO
Se em Bakhtin há uma distinção entre texto e enunciado e este pode ser
aproximado ao que se entende por interdiscurso - já que se constitui nas
relações dialógicas, enquanto aquele é a manifestação do enunciado -, a
realidade imediata dada ao leitor, pode~se fazer uma diferença entre
interdiscursividade e intertextualidade. Aquela é qualquer relação dialógica
entre enunciados; esta é um tipo particular de interdiscursividade, aquela
em que se encontram num texto duas materialidades textuais distintas. Cabe
entender que, por materialidade textual, pode-se entender um texto em
sentido estrito ou um conjunto de fatos lingüísticos, que configura um
estilo, um jargão, uma variante lingüística, etc. O caráter fundamental~
mente dialógico de todo enunciado do discurso impossibilita dissociar do
funcionamento discursivo a relação do discurso com seu outro.
O discurso em Bakhtin é lingüística e histórico. No entanto, o autor
russo não apreende essa historicidade discursÍva por meio de "anedotas"
acerca da produção de um determinado discurso. Com o conceito de
dialogismo, capta-a no próprio movimento lingüística de sua constituição.
É na relação com o discurso do Outro, que se apreende a história que
perpassa o discurso. Essa relação está inscrita na própria interioridade do
discurso, constitutiva ou mostradameme. Com a concepção dialógica da
linguagem, a análise histórica de um texto deixa de ser a descrição da época
em que o texto foi produzido e passa a ser uma fina e sutil análise semânti-
ca, que leva em conta confrontos sêmicos, deslizarnentos de sentido, apaga-
Il1Clj().~ de signifIcados, illtt'l'illCOlllprccnsócs, ete. Em sfntcse, em Bakhtin.
191
/J/lKIITIN OUtroscollccitos'ch~"c _. _ • , .•• _ .••••••. ._ 'w •• _~
l"lcrdi~ursividadc c ITllerlcxlUalidade JO.~(;
I.li/? I'/ORIN
a História não é algo exterior ao discurso, mas é interior a ele, pois o sentido
é histórico. Por isso, para petceber o sentido, é preciso situar o enunciado
no diálogo com outros enunciados e apreender os confrontos sêmicos que
geram os sentidos. Enfim, é preciso captar o dialogismo que o permeia.
NOTAS
I Com efeiro. aqueles CJuepreviram as coisas futuras onde as Viram, se e13Snão existem ainda? Não
se pode prever o que não é. E aqueles que narram as coisas passadas. de toda maneira não
narrariam coisas verdadeiras, se não as apreendessem pela imaginação: porque se das não fossem
nada, náo poderiam de modo algum ser apreendidas.
1 A quesrão das relações dial6gicas entre textos e delllro dos lextos será discutida mais adiame.
J Posteriormellle, esse texto constituiu o capitulo 4 do livro lmroduçiío li Semnndliu.
4 Poder-se-ia dizer que há ainda um terceiro sentido. mais geral: é um prindpio de constituição
dos seres humanos; é o modo de agir e de estar no mundo.
I Observe-se ainda: "Cada texrO pressupõe um sisrema compreens(vel pará lodos (convencional,
delllro de uma dada coletividade) - uma !fngun (ainda que seja a lIngua da anel. Se por trás do
texro não há uma IIngua, já não se tr.'Ila de um rexro, mas de um fenômeno natural (não perten-
ceme à csfera do signo); por exemplo, uma combinação de grilOS e de gemidos. desprovida da
reprodutibilidade lingüística (própria do signo)" (Bakhrin, 1992, p. 331).
(, O termo proposto por Bakhtin é Mero{ingiilstiea. Prc!erimos, no enranro, chamar essa ciência. à
maneira dos franceses, trnnslingüfslica, por causa dos valores semii.micos que envolvem a palavra
Muo!ingiils/ica. Esse problema de denominação é uma prova da correçao das teses bakhtinian:>s
sobre o problema da distinção entre as unidades porenciais do sistema (objero da Lingüística) e
as unidades reais de comuniC:1ção (objelo .1, lranslingülsríca). Do ponro de vista do sistema,
meta (prefixo grego) e trdtÚ (prefixo latin',: nJ equivalenres; no entanto, eles são completameme
distintos no funcionamemo discursiv,_ !--L ,[ualquer forma. o que Bakhtin pretendia em consti·
luir uma ciência que fosse além da Lingüfstica puis rrararia de analisar o funcionamenro real da
linguagem e não apenas o sistema virtual 'I"': possibilita esse funcionamento.
7 Essa tCSC
bakhriniana mosrr:1.o equIvoco d . ~hamada linguagem politicamente correra, que pre-
tende dar às palavras da lI"I',ua um sentidu imrínseco. O campo de batalha ideológico não são as
unidades da lIngua, m", ", enunci~,Jos.
, Esse rextO é um manuscri:o, não toralmeme acabado. que deve rer sido produúdo por volta do
inicio da década de 1960.
? Viu-.,e amerl()rmente que Bakhtin distingue signifiC:1ç.~oe senrido.
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  • 2. 1l;f.://7'IN (lUlroSt'>ilt'ciIO,-cl",ve ___ o Ce q/le paria uml dire. Léconomie des échanges lingüistiqucs. P~ris: Faj'ard, 1982. ___ o Homo academimJ. Paris: Minu;r, 1984. ___ o A ecol/omla dtls trocas simlJólíc(lS. 3. ed. São Puulo: Perspectiva, 1992. ___ o A economia das rfóC<l$ lingülscic.a~. TraJ. Paulo Mo meto. In: ORUZ, R. Pierre BlJurdim. São Paulo: Átíct, 1994. (Original: Úlnglle Frtmçaise, 34, ma;o 1977.) ___ o As regras da arf/!. Gêne~e e estrutura do campo lirer~rio. Tmd. Maria l.úcin Machado. São Pauro: Compnnhia das LClms. 1996. (Original frnncês, 1992,) ___ o Lt d,al//p !c(J!lIJlIliqu('. Acf(s d••ld h'c/grcIJe eflt scieltas S(Jeirtl!:;. P'lris, SCllil. ser. 1997. n. 119, 1'1'. 4!l·66. ___ ' 5(Jbre ti (Ievlsão. Seguido de A il/fluência da jOrNalismo e Os jogos olí/llpit'óf, lrad. Mnrin L. Machado. Rio de Janeiro: Jorge Znlw, J 997, (Oríginnl francês, 1996.) ~. Sríma d( Ia scimc( «( rij/o:iviré. Paris: Rai.~ons <l'agir, 2001. ___ o O; UJóf Jveiai; dn ciêncifl. POY 11JJ1t1 sociologia d1JJiclt do campa rimlljlco. 'j)-:l(J. Dcnicc n. C1tani. São Paulo: Unc.sp. 2004. (Origin:J francês, 1997.) __ , I'AssElloN, J. C. La reproductioll: élémcnts pour une théorie du systcme "'enseignemcnl. Paris: Minuit, 1971, BHMT. Beth. lmcr:!ção. gênero e estilo, 1o: PnJ:'l'l, D. (org,). lJ1/eYtl(iio}lo pLa ('}Ia eJcrito. 5So P.1ulo: Humanitas/Fl'LCH/usl', 2002. pp. 125-57. ___ (org.). BakhriJl: conceitos-chave. São Paulo: Contexto. 2005. BUENO, Wilson. ]ornal'ismo científico: conceito e funções. Ciência e cultlir,!, São Paulo, SUI'C, seI. 1985, v. 37, n. 9, pp_ 1420-7. ()OSSE, François. Hislórill do esrrut/lm/ismo 1. O campo do signo. 1945/1966. Trad. Álvaro Cabra!' São Paulo: Ensaio; Campinas: Editora da Universidade Estadual de Camrinas, 1993. ___ , História do esrrtlt/lra/imlo 2. O canto do cisne, de 1967 a nossos dbs. ·Irad. Álvaro Cabra!' Srro Paulo: Ensaio; Campinas: Edieora da Universidade Eseaduál de Camrinas, 1994. t'.NCllEYI' .• Picrre (org.). 'Inblc ronde "l.ingui.~ti,!ue fT socio!ogic du lallg:l!1'"'' !.fllI,f!.UC/"{/II(f!ÍJr. n. 34, 1'1" 35-51, 1977. GRIU.O, S. V. C. Bourdieu e OS lingüistas: a discussão dos conceitos de 1fngua, comunicaçSo c gramaticalid,1de. R!'I/;Sfrl &f!uloJ liflgií!Sficos, Campinás, julho 2004, v, 33, lCD. ___ o Confrolllo~ c confluências entre a filos"lh da linguagem de Bourdicu c os lingüisms. /-{criuJllw, Brag~l,? Paulista, Centro de Docul1lentaç~o C Apoio 11 Pesquisa em Hisltlria Ja Educação/Editora da Universidnde São Francisco, jan. 2003, v. 20. pp. 49-58. SOU?••I, Geraldo Tádeu. !lIfrod({(ii(J à f(fJria do erlflllcitldo cotlcreto do Circulo BakhfinlVO/osltilloll! Medvedev. São Paulo: Humaniras, 1999. TOlJOltOV, TzVctall. Mikhllit Bakl>tille'. le rrincipc dialogique. Suivi de Écrils dtr (freie de 8akhrlne. I'"ris; Seuil, 1981. , ti' Interdiscursividade e intertextualidade José Luiz Fiorin Nnm tlhi ea uidenuH qui futura cccincrunt. si nOlldum sumI Neque enim potest uideri id quoJ non cst. Et qui narranr praeterita, non UdrjllC llL'mnarmrcllt, s; animo iIIa non cemerem: quac si IlUJJaessem. cemi omnino non posscnr,l (Sallto Agostinho) Só Ilrr" ~xíSl~ " qll~ "ã" p"de .,er illmginaJo. (MrfflW Mendes) ExisteI, c·CS!coexisrer. (Gabrle! Mllcul} Agostinho, em sua bela reflexão sobre o tempo, mostra-nos, ao discutir a existência do passado e do futuro, que só se pode falar do que é e não daquilo que não é. Conclui pela existência do passado e do futuro porque falamos dele. Sunt fllJO et jittura et prae.terita: Essas reflexões agostinianas vêm bem a fnopósito, gU:llldo se trata de explicar ° problema da interdiscursividade c da intencxtualidade em Bakhtin. Se formos arer-nos
  • 3. Il,KIl TlN oUtrost'tlnccit"s'c1>nvc .• .._ .---... - ao significante, não temos o que dizer, pois, na obra bakhtiniana, não ocor- rem os termos interdiscurso, intercexto, interdiscursivo, interdiscursividade, intercextualidade. No conjunto da obra do autor russo aparece uma única vez o termo intertextual: "As relações dialógicas intercexcuais e intratextuais. Seu caráter específico (extralingüístico). Diálogo e dialética" (Bakhtin, 1992, p. 331). No entanto, a primeira coisa a verificar diante dessa ocorrência é se ela se trata de um problema de tradução. Como a tradução brasileira foi feita a partir do francês, consultou-se primeiro o texto em francês, em que a palavra também aparece: "Les rapports dialogiques intertexwels et intratextuels. Leur caractere particulier (extra-linguistique). Dialogique et dialectique" (Bakhtin, 1984, p. 313). Como, no entanto, a tradução fran- cesa cerramente estaria impregnada das ressonâncias da obra de Kristeva, que introduziu Bakhtin na França, seria preciso consultar outras traduções feitas a partir do texto russo. Tomando a tradução espanhola. nota-se que nela o termo não ocorre: "Las relaciones dialógicas entre Ias textos y dentro de los textos. Su carácter específico (no lingüística). El diálogo y Ia dialécticà' (Bakhtin, 1985, p. 296). Essa tradução parece mais fiel ao texto russo (Bakhtin, 1986, p. 299). Assim, não há nem mesmo o termo intertextuaL na obra bakhtiniana2 e esse verbete, portanto não teria lugar. No entanto, a questão é mais complexa, pois, como nota Sírio Possenti, "sob diversos nomes - polifonia, dialogismo, heterogeneidade, intertextualidade - cada um implicando algum viés espedfico, como se sabe, o interdiscurso reina soberano há algum tempo" (Possenti, 2003, p. 253). Assim, a questão é: a) verificar se, sob outro nome, a questão do interdiscurso está presente na obra de Bakhtinj b) examinar se é pO,ssível distinguir, com base nas idéias bakhtinianas, interdiscursividade e intertextualidade. o APARECIMENTO DO TERMO INTERTEXTUALIDADE A palavra intertextuaLidttde foi uma das primeiras, consideradas como bakhtinianas, a ganhar prestígio no Ocidcme. Isso se deu graças à obra de J úJia Kristeva. Obteve cidada.nia acadêmica, antes mesmo de termos como dialogismo alcançarem notoriedade na pesquisa lingüística e literária. Rastreemos brevemente a história do aparecimento desse termo. 162 __ '__. .._.. _.~ lmcrdiscursividndc c imertextunlidadc JOSÉ Lurz FIORIN Em 1967, Kristeva publica, na Critique, uma longa discussão acerca das teorias bakhtinianas expostas nas obras Problemas da poética de Dostoiévski e A obra de Français Rabel.ais (Kristeva, 1967, pp. 438-65).3 A preocupação da semjoticista era discutir o texto literário. Segundo ela, para Bakhtin, o discurso literário "não é um ponto (um sentido fixo), mas um cruzamento de superficies textuais, um diálogo de várias escrituras" (Idem, p. 439). Todo texto constrói-se, assim, "como um mosaico de citações, todo texto é absor- ção e transformação de um outro texto" (Idem, p. 440). Em sua leitura da obra de Bakhtin, Kristeva identifica discurso e texto: "O discurso (o texto) é um cruzamento de discursos (de textos) em que se lê, pelo menos, um outrO discurso (rexto)" (Idem, p. 84). Afirma ainda que, no lugar da noção de intersubjetividade, instala-se a de intertextualidade (Idem, p. 441). Bakhtin opera com a noção de intertextualidade, porque considera que o "diálogo é a única esfera possível da vida da linguagem" (Idem, p. 443). Por isso, ele vê "a escritura como leitura do corpus literário anterior e o texto como absorção c réplica a um outro texto" (Idem, p. 444). Está aí elltfOnizada a noção de intertexcualidade como procedimento real de constituição do texto. Mais t,lt't!C, Kristcva vai elaborar a proposta teórica de um:! ciência do texto, a que denominou Semanálise (Kristeva, 1974). No entanto, essa intertexrualidade generalizada não pode funcionar se se vê o texto da maneira como tradicionalmente ele foi definido. Por isso, Kristeva trata de repensar essa noção. Roland Banhes, em verbete para a edição de 1973 da Encyclopedia universaLis, explica, de maneira didática, esse conceito redefinido pela semioticista búlgara (Barthes, 1994, pp. 1.677-89). Segundo a opinião corrente, o texto é "a superfície fenomênica da obra literária: é o tecido das palavras utilizadas na obra e organizadas de maneira a impor um sentido estável e tanto quanto possível Único" (Idem, p. 1.677). Como diz Banhes, no hll1do, ele não passa de "um objeto perceptível pelo sentido da visão" (Idem. ibid.). Corno o texto é "o que está escritO", ele é, na obra, o (lU~,~lSdl:l" g;lfallti" da coi,a e,crita, CtJi"S lilllçõe> de snlvagu:ltda dl' l'OIlCl'illr,,,de UI11 lado, n cstabilidndl" n pcrmanê,cin dn inscri- çno. deslilllld., a corrigir à fmgilidndc e a imprecisão d., memória; de Olltro. a It'galidadc da lelra, tr.ÇOirrcCllsável, indelével, 00 semitlo quc () aulOr da obra nela imencionalmellte depOSitou, O tex[O é uma arma contra o tempo. o esquecimento, e contra as velhacarias 163
  • 4. /1t1KII7'lN oUlr"S(;(lIlCCiWs-chayc da palavm, que, muito r.,cilmcme. volta atrás, airem-se, renega-se. A noção de rexto csd, portanto, historicamellte ligad~ a todo um con- jUlltO de ins!ituiçóe,ç: direito, Igreja, lireraturn, ensino; o texto é um objeto mornl: é o que eMa eserim, enquanto participa do contrnto social; ele assujeita, exige ser observado e re$pdtado; m:lS em troc.1 confere à linguagem um atributo inestimável (que em sua essência eb nao tem): a .'egurnnç.1. (Idem, ibid.) O texto assim concebido, como "depositário da própria material idade do signiflcanre" (Idem, p. 1.678), deveria ser mantido em sua exatidão. Para isso, cria-se a filologia, que se vale da técnica da crítica textual. Essa concepção de texto está ligada a uma merafísica, a da verdade. Ora, no final do século XIX, começa~se a demolir essa metaf{sica. Por isso; também a no- ção de texto entra em xeque (Idem, pp. 1.677-80). Citando Kristeva, Barrhes redeflne o texto: "aparelho translingüístico que redistribui a ordem da lín- gua colocando em relação uma palavra comunicativa, que visa à informa- ção direta, com diferentes enunciados anteriores ou sincrônicos" (Idem, p. 1.680). Atribui a Kristeva a elaboração dos principais conceitos teóricos implicados nessa noção de texto: práticas significantes, produtividade, significância, fenotexto e genotexto e inrertextualidade. Dizer que o texto é prática significanre quer dizer que "a significação se produz, não no nível de uma abstração (a língua), tal como postulara Saussure, mas como uma operação, um trabalho, em que se investem, ao mesmo tempo e num só movimenro, o debate do sujeito e do Outro e o contexto social" (1994, p. 1.681). O texto é uma produtividade, porque é o teatro do trabalho com :1 língua, que ele desconstrói e reconstrói (Idem, ibid.). É significância, porque é um espaço polissêmico, onde se enrrecruzam v,írios sentidos pos- síveis, A signiflcância é um processo, em que o sujeito se debate com o sentido e se desconrrói (Idem, p. 1.682). O fenotexto é "o fenômeno verbal tal como ele se apresenta na estrutura do enunciado concreto". É contin- gente. Já o genotcxto é ()campo da significância, domínio verbal c pulsional, onde se cstrutura o fenotexto, lugar da constiruição do sujeito da cnunciação (Idem, pp. 1.682~3)."Todo texto é um intertexro; outros textos estão pre~ sentes nele, em níveis variáveis, sob formas mais ou mcn~~ ~e~o;;fjcdveis" (Idem, p. 1.683). A interrextualidade é a maneira real de construção do texto (Idem, ibid.). 164 hll('r(list"lr~ivic.l"dc CilHertcxltlulit1:lclc )051: 1.U1Z FIOR/N Como se observa, o conceito de texto em Kristeva e Banhes, na medida em que é pdcica significante, em que desconstrói e reconstrói a língua, em que é o lugar de constituição do sujeito, em que seu modo de funciona~ mento real é a relação constitutiva com OUtros textos, poderia muitO facil- menre recobrir aquilo que entendemos por discurso. Aliás, esse conceito de texto apresenta um problema, que é distinguir, de um lado, manifestação acabada do trabalho com a língua e, de ourro, esse próprio trabalho. Não é sem raz.'i.oque Kristeva teve de diferença r o fenotexto do genotexto. E Banhes faz uma distinção entre o texto e a obra. Esta é um objeto acabado, aquele é um trabalho, uma produção (Idem, p. 1684). Cabe uma última pergun- ta: por que esses autores não utilizaram o termo discurso? Porque, segundo Barrhes, essc termo estava comprometido semanticamente. A linguagem estava dividida em duas regi6es distintas e heterogêneas para fins de análise: tudo o que era de nível inferior ou igual à frase era do domínio da lingüís- tica; tudo o que estava no nível superior ao da frase, O discurso, era objeto de uma ciência normativa, a retórica (Idem, ibid.). Barthes não desqualiflca a lingüística, nem a retórica, nem a semiótica, nem a semiologia. Apenas propugna a constituição de uma semanálise, que teria um objeto, o texto, diverso daqueles dos campos do conhecimento acima eitados. A semiótica, por exemplo, para ele, estudaria o fenotexto. Ora, nesse conjunto de níveis e de objeto, ?.q,ue é. exatamente a intertexwnlidade? Qualquer referência ao Ourro, tomado como põsiçao discursiva: paródias, alusões, estilizações, citações, ressonâncias, repetiçÕes, reproduções de modelos, de situações narrativas, de personagens, vai-i'antes lingüísticas, lugarcs comuns, cte. O conceito foi sendo üêiliz.ãdCide li-iárieira . muito frouxa, :0 longo do (Cmpo. É hota, entretanto, de voirar à obi-á' de Bakhtin c começar a discutir os problemas enl1nciados na introdução. A Ql1IsrAo no INTEIWISCURSO FM BAKIITIN Em Ihkhtin, a qucstão do inrerdiscurso aparece sob o nome de dialogisl11o. É preciso examinar mais detidamente e~se conceito. C~~pre, no c 11 mn to, iniciaimcn tc, afastar duas lei turas recorrentes da obra bakhtiniana: a) dialogismo equivale a diálogo, no sentido de inceração face 165
  • 5. IJAKlfT1N OUrosconceilOS'chnvc • _ _______ lnterdiscursividadc c intcncxtualidade JOSÉ LU1Z FIORIN Mas o que é efetivamente dialogismo em Bakbtin? Interessam-nos dois sentidos: textos, do que es!:! concluído e do que eslá sendo elaborado em relação ao primeito. H:l., portamo, enconCro de dois sujeicos, de dois autores. (Idem, pp. 332·4). Como não existe objeto que não seja cercado, envolto, embebido em discurso, rodo discurso dialoga com outros disctlrso.~, toda palavra é cerca~ da de outras palavras (Bakhtin. 1992, p. 319). ® Por que o dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem? Os homens não têm acesso direto à realidade, pois nossa relação com ela é sempre mediada pela linguagem. Afirma Bakhtin que "não se pode realmente rer a experiência do dado puro" (Bakhtin, 1993, p. 32), ,Isso quer dizer que o real se apresenta para nós semioticamente, o que impli~~'qtié nosso discurso não se relaciona diretamente com as coisas, mas com outros discursos, que semiotizam o mundo. Essa relação entre os discursos é o dialogismo. Como se vê, se não tem~s reiação com as coisas, mas com o~ discursos que Ibcs diio sentido, o dialogismo é o modo de funcionamento real da linguagem, uma vez que i ·1 / a) é o modo de funcionamento real da linguagem e, portamo, é seu princípio cansei cutivo; b) é uma forma particular de composição do discurso.4 [...) todo discurso concreto (cnuncíaçiio) encomra aquele objeto p.ara o qual esd voltado. sempre. por assim dizer, desacreditado, COntes- [;Ido, avaliado, cl1volvi<!oI'llt sua névo:t ""lira Oll, pelo conrclrio, iluminado pelos discursos de outrem que já F.1lamrnsobre ele. O objeto CSlrlamarrado e penetrado por ideias gerais, por pOntOSde vism, por apreciações de OUlros e por entonações. Orientado para o sell objeto. o discurso penetra ncste meio dialogic:unente perturba- do e lenso de discursos de outrem, de julgamentos e de entonações. Ele se entrelaça com eles em inremçóe.'i complexas, fundindo-se com uns, isolando-se de outros, cruzando com terceiros: e tudo isso pode IOrlnar sulmandalmelllc o discurso, penetrnr em todos os seus es- Ir;Hos"'1I1:1nlic"",,IOrnar cOlllplcxa a suo express50, influenciar todo o Srtl 'SPl'CIO "slilfstico. (Bakhtill. 1,),)8, 1" R6) '.., a face; b) há dois tipos de dialogismo: o dialogismo entre interlocutores e o dialogismo entre discursos (cf., por exemplo, Authier, 1982, pp. 118-9). Essas duas afirmaçóes parecem equivocadas. Bakhtin, em O problema do texto, afirma; o esprrito (o próprio e o do outro) n50 pode ser dado enqu~mro objeto (objeto diretamente obsetvável nas ciências naturnis), mas somente na expressão que lhe datá o signo, na realiZ<lçãoque lhe dará o texto - em se tracando de si mesmo e do outro. [...} O gc.,ro natural na representação do atar que adquire valor de signo (a lítulo de gesto deliberado, representado, submetido aO desrgnio do papel). [...1 () estellograma do pensamento humano é sempre o estcoogralna tle um dirllogo dc tilH) especial: a c01lplexa inrerdcpendência entre o /(:</0 (objeto de anrllise e de renexão) e o cOl/re)."/o que o elabora e o envolvc (comexto inrerrogativo, COl1le.'lat,'>rio,etc.) alt:tv"s dll <]ualse reali?l ,) pellsamento do '"- jeilO que pratica () :lo tI:t wgniçiío c do juíw. 1-; encolltH) de dois o diálogo real (conversa comum. discussão ciemífica, conrrovér- sia poIrtiCl, ecc.). A relação existente entre as réplicas de tal diálo- go oferece o aspecto externo mais evidente e mais simples da rela- ção dialogica. Não obstame, a telação dialógica não coincide de modo algum com as relações existentes emre as réplicas de um diálogo real, por ser mais extensa, mais variada e mais complexa. (Bakhtín, 1992. pp. 353-4) O dialogismo não se confunde com a:intetação face a face (cf. Bakbtin, 1998, p. 92). Essa é uma fOrma composicional em que ocorrem relações dialógicas, que se dão em todos os enunciados no processo de comunica- ção, tenham eles a dimensão que tiverem. Não se pode, portamo, pensar o dialogismo como algo que possa reduzir-se aos estudos que faz, por exem- plo, a Análise da Conversação. Em segundo lugar, não se pode dizer que haja dois dialogismos: entre interlocutores e entre discursos. O dialogismo é sempre entre discursos. O interlocutor só existe enquanto discurS;'- }-kp~k, '~me~báêe Clea~is dis- cursos: o do locmor e o do interlocmor, o que significa que o dialogismo se dá sempre entre discursos, Isso fica claro quando Bakhtin discute a questão do que chama as "ciências do espírito" e o problema da "compreensâo": L66 167
  • 6. IlAKHTlN "lIlro~r(lI1ceiln';-ch:lVe Bakhtin, ao contrário do que faz crer cena leitura eivada de marxismo vulgar, não nega a existência do sistema da Ilngua, já que, "por trás de todo texto, encontra-se o sistema da língua" (Idem, p. 331).) Não condena seu estudo; ao contrário, considera-o necessário para estudar as unidades da língua (Idem, pp. 357-8). No entanto, mostra que ele não dá conta do modo de funcionamento real da linguagem (Idem, pp. 346-7). Por isso, propõe uma Outra disciplina, a translingüística,G que teria por objeto o exa- me das relações dialógicas entre os enunciados, seu modo de constituição real (Bakhtin, 1970, p. 239; 1992, p. 342). As palavras e as orações são as unidades da Ilngua, enquanto os enun- ciados são as unidades reais de comunicação. As primeiras são repetíveis, os segundos, irrepetíveis, são sempre acontecimentos únicos (Idem, pp. 334-5; p. 287; pp. 295-7; p. 332). Bakhtin, diante da irrcprodutibilidade do enunciado, pergunta-se se a ciência pode tratar de uma individualida- de tão irrepetível, que estaria fora do domínio do conhecimento científi- co - que deve tender à generalização. Responde que, em seu pOnto de partida, a ciência trabalha com singularidades. Depois, faz generalizações sobre a forma específica e a função dessas singularidades, o que significa, no caso da translingüística, estudar os aspectos e as formas da relação dialógica que se estabelece entre os enunciados e entre suas formas tipol6gicas (Idem, p. 335). Não é a dimensão que determina o que é um enunciado: ele pode set desde uma réplica monolexemátÍca até um romance em vários tomos (Idem, p. 305). O que delimita sua fronteira é a aJternância dos sujeitos falantes. Isso significa que o enunciado é uma réplica de um diálogo que se estabele- ce entre todos eles (Idem, p. 298). Nesse caso, o dialogismo é constiwtÍvo do enunciado, ele não existe fora do dialogismo: Um enunciado concreto é um elo na cadeia da comunicação ver- hal de urna dada c~fcm. As rrunleirns desse cnuuciado <lctcrmi- Ilau,",~epela alll'rn~llcia <10,sujeitos f:lantes. o. clluuciado. nijo são imlircrenres uns :1O.~ otltros nem aUla-suficientes; conhecem- se uns aos outros, refletem-se mutuamente. $50 precisamente cs- scs reflexos recfproco .•que Ihcs determinam o caráter. O enuncia- do eslá replcto dos ecos e lembranças de outros enunciados, aOS '1uais esliÍ vinculado numn e.,fera Ctllnllm <..Ia comunicaçâo verbal. 16R rl1lcr(lj5~:ursividade c imerrcKtualidade JOSÉ I.UlZ FIOR1N o cnullciado dcvc ~er considerado acima de tudo como uma res- pil.~I'1 n cl1l1rt"iad". allleriorl's dClIlrtl de unln dada esfcra (a palavr;t "resposta" está cmpl'egada aqui no scntido laro): rcfuta-os, confir- ma-mo complcra-os. supõe-nos cOllhecido~ e, de um modo ou de ourro. conta com elcs. Niio se pode esquecer que o enunciado ocupa uma posiç50 defillida numa dada esfera da comunicação verbal relariva a um dado problema. a uma dada questiio. etc, Não podemos dcterminar nossa posição sem correlacioná-Ia a OUtra.~ posiçól'., (Idem, p. 3 J 6) A relação dial6gica é uma relação (de sentido) que se estabelece entre enunciados na comunicação verbal. Dois enunciados quaisquer, se justa~ postos no plano do sentido (não como objeto ou exemplo IingUístico), en- tabularão uma relação dialógica (Idem, pp. 345~6). A primeira caractcrística de um enunciado é ter um autor, ao passo que as unidades da língua não pertencem a ninguém. Os enunciados re- velam sempre uma posição de autoria (Bakhtin, 1963, pp. 240-1 j 1992, p. 308). É por isso que as relações dialógicas não são relações lógicas ou semânticas, mns rebções entre distintas posições (Bakhtin, 1963, pp. 24- 241). O enunciado, sendo como que uma réplica de um diálogo, possui um acabamento específico (Bakhtin, 1992, p. 299). Por isso, ele constitui um todo de sentido (Idem, p. 351) e, por conseguInte, permite uma res- posta. As unidades da língua não têm acabamento, não constituem um todo quc possibilita uma resposta (Idem, p. 299). As unidades da língua são completas, mas não tem acabamento. A completude é característica do elemento, o acabamentO é o que singulariza o todo (Idem, p. 307). A palnvra fogo é completa, mas não suscita nenhuma resposta. S6 quando adquirc uma autoria e ganha um acabamento, rransforma~se em enunci- ado, (IUC denuncia uma situação de perigo e permite ser objeto de uma resposta. Sendo réplicas de um diálogo, os enunciados têm um destinatá- rio, enquanto as unidades da língua não são dirigidas a ninguém (Idem, p. 3')3). As llnidadl's da língua silo neutras, os enullciados contêm neces- sariamcnte emoçõcs, juízos de valor, expressões (Idem, pp. 308-12),7 As unidades da língua, puramente potenciais, têm significação, que se deter- mina na relação com outras palavras da mesma língua ou de outra l1ngua (Idem, p. 346). Os enunciados não têm significação, mas sentido (Idem, 169
  • 7. IJAKHTlN ourros conceitos-chave ,__.__ -.• _ p. 355). Se eles são constitutivamente dialógicos, seu sentido é de ordem dia lógica (Idem, p. 342 e p. 355). O sentido concreto (distinto da signifi- cação) é o conteúdo do enunciado (Idem, p. 310) e sua natureza é dialógica (Idem, pp. 310, 335 e 326). Como se vê, o conceito de enunciado em Bakhtin recobre o que chamamos habitualmente discurso. Adiante, apre- sentaremos algumas precisões a mais sobre essas correspondências. Quando se diz que o dialogismo é constitutivo do enunciado, está-se afirmando que, mesmo que, em Sua estrutura composicional, as diferentes vozes não se manifestem, o enunciado é dialógico. Toda réplica, considera- da em si mesma, é monológica, enquanto lOdo monólogo é dialógico (Idem, pp. 345 e 317-8). Todo enunciado possui uma dimensão dupla, pois revela duas posições: a sua e a do outro. Como noca Faraco, um dos significados da palavra diálogo é o que remete à "solução de conflitos", "entendimenro", "promoção de consen- so"; no entanto, o dialogismo é tantO convergência, quanto divergência; é tantO acordo, quanto desacordo; é tanto adesão, quanto recusa; é tanto complemento, quanto embate (Faraco, 2003, p. 66). Prossegue ainda Faraco, mostrando que, na verdade, "o Círculo de Bakhtin entende as relações dialógicas como espaços de tensão entre os enunciados", pois, "mesmo a responsividade caracterizada pela adesão incondicional ao dizer de outrem se faz no ponto de tensão deste dizer com OLltros dizeres (Oll- tras vozes sociais)" (Idem, p. 67). Isso significa que, do pauto de vista consCÍtutivo, o dialogismo "deve ser entendido como um espaço de luta enrre as vozes sociais" (Idem, ibid.). Assim, pode-se dizer que, constiturivamenre, a relação dialógic~ é contraditória. Exemplifiquemos esse caráter constiturivo do dialogismo. Para isso, to- memos um fragmento do sermão do quinto domingo da Quaresma, de Vieira: Como cstamos na corre, onde das casos dos pequenos não se faz caso, nem têm nome de casas, busquemos c~ra fé em alguma casa grnnde e dos grandes, Deus me guie. O escudo desra port~da em um quartel tem as quin:ls, em outro as lises, em outro as águias, leões e castelos; sem dúvida esre deve ser (")palácio em que mor:! a Fé crisrã, c:ltólica e crisrlanf,Isima. Enrremos c vamos examinando (l q~le virmO.I, pane por 1':1rtc'. l'rimciro que tudo vejo cav;llo.', lileiras e cnches; wi" cri'ldns dt, 170 .-.--- .. lnrerdiscursividade e Inrerrexrualidade JOSÉ LU/i: FIOR/N diver~o~ c~libres, uns com Iibré, ourros sem c1~; vejo galas. vejo jóias. vejo baixela~: as paredes vejo-as cobertas de ricos rapius; das janelas vejo ao peno jardins, e ao longe quintas; enfim, vejo rodo o palácio e também o oratória; mas não vejo a fé. E por que não aparece a fé nesta c~s~? Eu o direi ao dono dela, Se os vossos cavalos comem à cusra do lavrador, e os freios que mastigam, as ferradura.~ que pisam e as rodas e o coche que arrastam são dos pobres oficiais. que andam arrastados sem poder cobrar um real, como se há de vcr a fé na vos,~acavalariça? Se o que vestem os lacaios r os pajens. e os socorros do olltro exúcito doméstico [Ja~cllli'10 e feminino dependem do mereador que vos assistc, e tio principio do ano lhe pagais com esperanças e no fim com desr~perações. a risco de quebrar. eomo se há de ver a fé na vossa fitrn/lia? Se as galas, as jói3s e as baixelas, ou no Reino, ou fora dele foram ~dqllirid~s com tanta injustiça ou crueldade, que o ouro e a prnrn derretidos, e as sed~s se se espremeram. haviam de Vt'rtcr sangue, como se há de ver a fé ncss~ Falsa riqueza? Se as voss~.' parede,~ estão vestidas de preciosas tapcçarias, e os miserá· veis a quem despisres para as vestir a elas, estão nus ou morrendo de frio, como se há de ver a fé, nem pintada nas vossaS paredes? Se a Primavera está rindo nos j:lrdins e nM quintas, e as fontC5 estão nos olhos da triste viúva c órfãOs, a quem nem por obriga- çno. ncm por esmola sarísf:1zcis. ou agradcceis o quc seus pais vos ~ervirilm. C01ll0 se há dc ver :I fé nes.las Acres c alamcda,,? Se as pcdms da me~I1l:lC:lS:lem que vivcls, d"de os telhados ~té os ali- l'erres t'SIão dlOveml" os "umes dos ;"rnalcirn.~, a quem nnO Glzfcis a {«ria. c, se q~lerial11ir busc:lr a vida a outra parte, os prcndlcis e obrig:íveis por força, C0l110 se há de ver a fé. nem sombra dela na vossa casa1 (Vieira. 1959. vai, 11, como 4, pp. 203-4) Nesse sermão, Vieira fala do que é a fé e resolve mostrá-Ia no palácio (alguma casa grande) de um nobre (dos grandes). Simula estar entrando, juntamente com os ouvintes por ele convidados, em um palácio de fidalgos muito ricos cujo escudo no alto da portada exibe os signos heráldicos (qui- nas, Iises, águias, leões e castelos) da "fé cristã, católica e cristianlssima" da família. Vai, enrão, fazendo ver, de um lado, as riquezas da casa, os objetos de luxo, os cavalos e coches, a multidão de criados, as belezas dos jardins e das quintas, ctCi de outro, os seres humanos explorados para que essa rique- Z:l possa existir: os pcqucnos proprietários de terra, a quem não se paga o 171
  • 8. IJI1KI JTlN (llllrflHOncdlnS-dlllVC que os cavalos comem; os artesãos, a quem não se pagam os objeros (freios, ferraduras, rodas e coches) que fizeràJll; os mercadores, a quem não se pa~ gam as mercadorias que forneceram; os criados, a quem não se pagam os salários; os diaristas (jornaleiros), a quem não se paga a féria (a diária); as viúvas e os órfãos de criados, a quem se deixa no abandono. Vieira nota, então, que não pode haver fé, sem que se leve uma vida em conformidade com ela, ou seja, deixa claro que não há fé sem as obras correspondentes. A fé cristã, segundo o pregador, exige a justiça com os que trabalham, implica que o trabalho seja remunerado, que a riqueza não se construa sobre a exploração do outro. O sermão de Vieira constitui-se em oposição ao discurso feudal, que defendia os privilégios da nobreza e as relações servis de trabalho, em que os servos tinham obrigação de prestar serviços ao senhor e não podiam I11udar de trabalho, pois estavam presos a uma propriedade ("se queriam buscar" vida a outra parte, os prendícis e obrigáveis pela força"). Em oposição ao discurso que defendia os privilégios da nobreza, dados por seu nascimento, Vieira tem o ponto de vista da socie~ dade mercantil, que valoriza o trabalho dos operários e dos burgueses (mer- cadores, eec.); que condena as relações servis de trabalho c dcfende o assalariamento, em que o operário tem a liberdade de fazer contrato de trabalho com quem quiser; que preconiza que o valor de cada homem não é dado por seu nascimento, mas por sua ação no mundo. Condena yiva- mente os que dizem ter fé, mas que não praticam as obras correspondetHes. O sermão de Vieira faz parte da esfera do discurso religioso, é um discurso jesufdco, pregando que o ser humano se define por sua ação no mundo. Opõe-se ao discurso jansenista, segundo o qual a fé basta para salvar o homem, mesmo que desacompanhada das obras. O discurso religioso de Vieira manifesra uma voz ativista e pragmática, que se constirui numa rela- ção polêmica com o que foi chamado o quietismo, que sustenta que a per- feição consiste na anulação da vontade, na indiferença toral em relação aos acontecimentos e na união contempladva com Deus. Observe~se que mesmo que cssas vozes todas não sejam mostradas no enunciado, elas constituem o enunciado de Vieira, pois ele se constrói em oposição a elas, em comradição com elas. É dessa forma flue Bakhtin expli- ca a produção da estatuária grotesca, que se constitui em oposição à estatuária clássica (Bakhtin, 1970a, pp. 33-6). 17) Il1Icrdiscursivid~dc C intcrtcxtualidadc JOSÉ I.UlZ I'IORIN No "simpósio universal" (Ba.khtin, 1989, p. 293), que poderíamos in- terpretar como uma formação social específica, definida pelo presente de seus múltiplos enunciados contraditórios, pelo passado discutsivo, a tradi- ção de que é depositária, e pelo futuro discursivo, suas utopias e seus obje- tivos, atuam {orças centrípetas e centrífugas. Aquelas buscam impor uma centralização enunciativa no plurilingüismo da realidade; estas procuram minar, principalmente, por intermédio da derrisão e do riso, essa tendência centraJizadora (Bakhtin, 1988, pp. 80~3). As ditaduras são centrípetas; as democracias centrífugas. Ali ditaduras têm um forre componente nardsico. Com cfeito, poderíamos fazer uma leitura dos mitos de Narciso e Eco, à luz do princfpio do dialogismo. Esses dois mitos aparecem sempre juntos: em Eco existe a negação radical da identidade, já que ela foi condenada por Juno a jamais ter a iniciativa da palavra; em Narciso ocorre uma recusa tOtal da "lteridade, pois de se apaixona pela pr6pria imagem refletida llO espelho das águas de lima falHe. Eco e Narciso são a própria negação do dialogismo. As ditaduras, em seu afã ccntrípeto, apresentam um forte componente narcísico, tentando negar a alteridade, impondo sua identidade e exigindo que os ouU·os a ecoem. No CIH:lnto, essa mesma identidade é consriru(da dialogicalllcnre (Idem, p. 81). COIno observa Faraco, Bakhtín, com os conceitos de forças centr(petas e forças centrífugas, "aponta para a existência de jogos de poder enrre as vozes que drculam socialmente" (Faraco, 2003, p. 67). Isso significa que, para o autor russo, não há uma neutralidade na circulação de vozes. Ao contrário, e1<l tem uma dimensão polfrka. As vozes não circulam fora do ,~xercício do poder; não se diz o que se quer, quando se quer, como se quer. 2) Além desse dialogismo .que não se e~ibe no fio do disc.urso, há u:n outro, que nele se mosrra. E quando as dlferentes vozes são lllcorpor~~.as l-~+· 110 interior do discurso. Dizemos que, nesse caso, o dialogismo é uma forma composicional. É aquilo a que Bakhrin chamará "concepção ~si:;ei- ta do diaJogislJ1o" ou "formas exrernas, yis{veis", do dialogjsmo (Bakhrin, 1992, p. 350). Cabe aqui um esclarecimento. O autor russo não as con- sidera menos imporrântes. Quando afirma que reduzir o dialogismo a elas é ter uma visão estreita desse fenômeno, quer dizer que o diaJogismo vai muito além dessas formas em que as vozes entram na composição do enunciado, pois ele é o próprio modo de funcionamento real do enuncia- 173
  • 9. I U.llK/ J 7JN ()Ull'o:-; cUllú'itüs·chavc" do, o próprio modo de sua constituição. No entanto, essas formas de incorporação do discurso do Outro são a própria maneira de tornar visível esse princípio de funcionamento das unidades reais de comunicação, os enunciados. São modos pelos quais o princípio real de funcionamento da linguagem é enunciado. Há duas maneiras básicas de incorporar distintas vozes no enunciado: a) aquela em que o discurso do outro é "abertamente citado e nitidamen- te separado" (Idem, p. 318); b) aquela em que o enunciado é bivocal, ou seja, internamente dialogizado (Idem, p. 348 e pp. 337-8; 1970, pp. 248- 58). Na primeira categoria, entram formas composidonais como o dis- curso direto e o discurso indireto (Bakhtin, 1979, pp. 141-59), as aspas (Bakhtin, 1992, p. 349), a negação (Bakhtin, 1970, pp.240-1); na se- gunda, aparecem formas composicionais como a paródia, a estilização, a polêmica velada ou clara (Idem, pp. 259-60); o discurso indireto livre (Bakhtin, 1979, pp. 160-82). Observemos um exemplo de cada um desses procedimentos composicionais. Para o primeiro, tomaremos um caso de negação. Cansados, finalmente. os embaixadores de lhcs responder o Batis- ta que não era Messias. nem Elias, nem profeta pediram-lhe, fi- nalmenre, que, pois ele.' nao acenavam a perguntar, Ihes dis,es.,e ele quem era. A esta insrância não pôde deixar de deferir o lhlista. E ° que vos parece que responderia? Ego mln vox c/Al1It1ntiJ i1/ deJato: Eu sou uma V01. que clama I1UdcscrlO, Verd,,,kir:IIl1<'ll1l' não entendo esta resposta. Se os emhaixadores pergul1ar;Ull ;lu Batista o que fazia. então estava bem respondido com a voz que clamava no deserto. porque o que.o Badsta fazia no deserto era dar vozes e damar; mas se os embaixadores perguntavam au [latl'ln quem era, como lhes responde ele o que fazia? Respondeu discretissimamente. Quando lhe petguntavam quem era, respon- deu o que fazia: porque Clda um é o que faz, e não é ourrn cousa. As eClUSaS definem-se pela essência: o Bacista definiu-se pelas ações; porque as ações de Clda um são a Sua essência. Definiu-se pelo que fazia, para declarar o que em, Daqui se entenderá uma grande dúvida, que deixamos atrás de pondemr, O Batista, perguntado se era Elias, respondeu que não era Elias: NOIl S1II1I. E Cristo no capfwlo onze de S. Mateus disse que o Balista era Elias: JOI1/1I1(J Bt1/tisttl ipu tst E/il1s. Pois .'e 174 Jlllel'dí~llrsivi<i;ltI,· c ilI"rlexllluliclntle )051" I.U/Z F/ORIN CriSto diz que o Badsta em Etias, como diz °mesmo Batista que não era Elias? Nem o Badsta podia enganar, nem Cristo podia enganar-se: como se hão de concotdar logo estes textos? Muito facilmente. O Batism era Elias, e não era Elías; não era Elias, porque as pessoas de Elías e do Batista eram diversas: era Elias. porque as ações de Elias e do Batista eram as mesmas. A modés- tia do Barism disse que não era Elias, pela diversidade das pesso- as; a verdade de Cristo afirmou que era Elias, pela uniformidade das ações, Era Folias,porque fazia ações de Elias. Quem f.11. ações dc Elias li F.lias; quem fizer ações de Batista será Batista; e quem as fizer de Judas será Judas. Cada um é as suas ações, e não é outra causa, Oh que grande doutrina esta pata o lugar em que escamas! Quando vos pcrgull[arem quem sois, oão vades revol- ver o Ilobilidrio de VO.'iSOS avó.'. ide vera maHicuL1 de vossas ações. O que fazds, isso soi.', nada mais. Quando ao Batista lhe per- gulltaram quem em. não disse que se chamava João, nem que er:l filho de Zncarias; não se definiu pelos pais. nem pelo apelido, Só de suas :tções formou a sua definição: Ego vox c/AmIl7ltÍJ. (Vieira. 1959, vai I, torno I. pp. 211-3) No Sermão da Térceira Dominga do Advento, a que esse trecho pertence, Vieira parte do episódio bíblico Uoão, 1, 19~34), que narra a ida a João Batista de uma embaixada de sacerdotes e levitas de Jerusalém, a fim de perguntar-lhe quem era, e sua resposta de que era a voz que clama no deserto. Com base nessa resposta, Vieira tece uma argumentação, para mostrar que cada UI11 sc ddllll' por aquilo que f:1z, pelo seu trabalho. O que importa aqui é analisar a negação que aparece no seguinte trecho: "Quando vos perguntarem quem sais, não vades revolver o nobiliário de vossos avós, ide vcr a matrícula de vossasações", Vieira nega o pOnto de vista social que afirma que a posição de uma pessoa na sociedade é dada pela família em que nasceu, pelo sangue. Ao contrário, assevera que o que define o ser humano é sua ação no mundo. Mais adiante, em outro trecho desse ser- mão, negará que a fidalguia, a nobreza, seja uma herança familiar, afirman- do que pertence à esfera da ação, do trabalho. Diz que ela não é qualidade nem sangue, mas ação. Essesermão opõe-se à posição aristocrática de que a nobreza é algo onrológico, um valor herdado pelo nascimento. A essa pers- pectiva Vieira contrasta a idéia de que a nobreza é uma virtude conquistada no trabalho, de que não há uma ordem social natural. Poderíamos dizer 175
  • 10. TlAKIITlN OllllOseoneeilOS·chave .._ .. . ... que à maneira de ver da aristocracia feudal Vieira contrapõe o modo bur- guês de considerar o mundo. A negação, ao receber um autor, mostra os dois pontos de vista distintos. Para o segundo procedimento, tomemos um caso de discurso indireto livte: Olhou áS cédulas arrumadas na palma, os n(queis e as prams, sus- pirou, mordeu os beiços. Nem lhe restava o direito de protestar. Baixava a crista. Se nno baixa.lse, desocuparia a terra, largar-se-ia com a mulher, os filhos pequenos e os cacarecos. Par.1onde? Hem? linha par.1 onde levar a mulher e 05 meninos? TInha nada! {...] Se pudesse mudar-se, gritaria bem alto que o roubavam. Apa- rentemente resignado. sentia um 6dio imenso a qllalquer coisa que era ao mesmo tempo a campina seca, o patrno, os soldados c os agentes da prefeitura. Tudo na -verdade era con tra ele. Es- tava acostumado, tinha a casca muito grossa, mas às vezes arre- liava. Nno havia paciência que supormssc tanra coisa. (Ralllos, 1971. PI), 138-9) No discurso indireto livre, misruram-se duas vozes, a do narrador e a <.Ia personagem (em nosso texto, Fabiano). No entanto, faltam elementos lingüísticas, como os dois ponros e o travessão 110 discurso direto ou a conjunção integrante que no indireto, que determinem a fronteira entre as duas. Há dois tOns diferentes, que permitem perceber essas duas vozes: o tom mais ou menos neutro da narração e o tom entre colérico e resignado da personagem. Há frases claramente do narraoor ("Olhou as cédul;)s arru- madas na palma, os níqueis e as pratas, suspirou, mordeu os beiços"); ou- tras que, sem dúvida nenhuma, pertencem à personagem ("Para onde? Hem? Tinha para onde levar a mulher e os meninos? Tinha nada!"). Outtas, no entanto, poderiam ser de um ou de outro ("Se pudesse mudar-se, gritaria bem alto que o roubavam" poderia ser dita tanto pelo narrado r quanto pela personagem). Essa impossibilidade de separação nítida entre a voz do narrado r e a da personagem, faz do enunciado em discurso indireto livre um enunciado bivoca!. Ao misturar Sua voz à da personagem, o narrador revela uma "profunda simpatia" por esse homem submetido a condições "pré-capiraJistas" de trabalho, a esse homem espoliado e degradado. É como se o narrador assumisse como sua a indignação da personagem diante da exploração a que estava sujeira, 176 .- .. _.- - .... o. _ •• Interdiscursividadc c intertextuaHdade JosE LUIZ FIORIN Cabe perguntar agora se o dialogismo é um fenômeno social ou indivi- dual. Em Olltr;)s palavr;)s, as vOzes que estão em re;tção dia lógica são indi- viduais ou sociais? A teoria formulada por Bakhtin leva em conra tanto o que é de ordem individual, quanto o que é do domínio social: o locutor l1~o é um Adno. c por isso ° objeto de seu discurso se [nma, incvitavelmcllle, o pomo onde se cncommm as opiniões de illlerloclltores imediatos (numa conversa ou numa discussão acerca de qualqucr aconcccilllCI1l0 da vida cotidiana) ou então as visócs de Illundo, as tendências, as lcorias. etc. (na esfera da comunicaç5o culmral). fi visfio dc mundo. a tendência, o ponto de vista, a opi- "ifio têm scmpre slIa eXl'res.~áoverbal. (Bakhtin, 1992. pp. 319-20) Ao levar em conta o individual e o social, Bakhtin pretende considerar não só ;)s polêmicas políticas, culrurais, econômicas, que refletem visões de mundo Jivers;1s, maS também fenômenos como a fala - que se vai moldan- do pela opinião do locuror imediato ou a reprodução da fala alheia com uma CI1tOIl:1ção zombeteira, dubitariva, admirativa, indignada, <lprovadora, reprovadora, etc. (Idem, pp. 337-8; cf. 1988, pp. 91-3) É toda uma gama de fcn6nK'llos que c.~tiíopresentes na cOl11unicaçií.oreal. No entanto, a rela- ção entre o individual e o social não é simples nem estanque em Bakhtin. De um lado, Bakhtin mostra que a maioria das opiniões dos indivíduos é social. Todo enunciado, além de um destinatário imediato, que é percebido com mnÍor ou menOr consciência, dirige-se a um superdestinatário, cuja compreensão respol1siva, idealmemc correta, é determinante em sua pro- dução. Esse superdestinatário assume uma identidade que varia de época para época, de formação social para formação social, de grupo social para grupo social: a Igreja, a "correção polftica", o partido, a ciência, ctc. (Bakhtin, 1992, pp, 356-7). Na medida em que mesmo uma réplica individual numa conversação cotidiana se dirige ao superdesrinatário, os enunciados são, na maior parte das vez.es, sociais. De outro, não preconiza um sujeito absolu- tamenre assujcitado, o que seria a própria negação da heteroglossia e do dialogismo. Como observa Faraco, a utopia bakhtiniana é "a resistência a I ~ qualquer processo centrípeto, centralizado r" (Faraco, 2003, p. 72); o dialogismo incessanre é ":1 lll1ica f(ltllla de preservar a liberdade do ser hu- mano c do seu inacabamento; uma relação, portamo, em que o OUtro nun- ca é rei ficado; em que os sujeitos não se fundem, mas cada um preserva sua 177
  • 11. IJ,IKIITlN ounoscOnccilOs'chavc _ -----~_ ..~._~_. -- IJlIl'f,j;sc.:ursivid"dc c illlertexwalídade JOSÉ LUlZ T'IOR1N própria posiçã~ de extra-espacialidad~ ~ e.x~e~~().de_yisão e a compreensão daí advindà' (Idem, p. 73-74). A singularidade do sujeito ~corre na "inceração viva das vozes sociais" e, por isso, ele é social e singular (Idem, p. 83). Normalmente, quando se fala.em dialogismo, pensa-se em relações com enunciados já constituídos e, portanto, enunciados anteriores, passados. No entanto, o enunciado está relacionado não só aos que o precedem, mas também aos que lhe sucedem na cadeia da comunicação verbal. Com efei- to, na medida em que um enunciado é elaborado em função de uma res- posta, está ligado a essa resposta, que ainda não existe. O locmor sempre espera uma compreensão responsiva ativa e o enunciado se constimi para essa resposta esperada (Bakhtin, 1992, p. 320). INTERDlSCURSIVIDADE E INTERTEXTUALIDADE Notam Beth Brait e Rosineide de Meio que, como (...] é próprio do pensamento bakhriniano, a concepção de enunciado/enunciaçiio não se cncomm pronm e acabada numa derer- minada obT<l,num determinado tCXW: o sentido e as particularidades v50 sendo construIdos ao longo do conjunto das obr:ls, indissociavdmente implicados em outras noções paulatinamente construídns. [...] O enunciado concreto, visto dessa perspectiva tcóri- C:I poder., ao longo de outros obras (e em diferentes tradllçóes) [...1 ~cr~ubstitllldo "li fundido l1aidéia de r,davra, de teXLO, dt, disnlfw «- aré mcsmo de enúndação concreta). (Brait, 2005, p. 65 e 67). Pelas razões apontadas por Bralt e Melo, há uma dificuldade em distin- guir os conceiros de texto, enunciado e discurso na obra de Bakhtin. Ora eles se equivalem; ora se distinguem. Para nossos propósitos, tomaremos o traba- lho O problema do texto,8 em que Bakhtin tratou, de maneira específica, da questão do texto. Nele, os termos texto, enunciado e discurso não se recobrem. O texto "representa uma realidade imediata (do pensamento e da emo~o)" (Bakhtin, 1992, p. 329). Sendo o texto "um conjwlto coerente de signos", ele não é uma enddade exclusivamente verbal. Na verdade, ele é uma categoria presente em todas as linguagens, em todas as semióticas (Idem, ibid.). A dife- rença fundamental cntre as Ciências Humanas e as Ciências Naturais, embora sua separação n5,,' ., rígida, reside no fato de que, naquelas, "o pensamento é 78 orientado para o pensamen to, o sentido, o significado do outro, que se manifes- tam e se apresentam ao pesquisador somente em forma de textos. Quaisquer que sejam os objedvos de um estudo, o ponto de partida só pode ser O texto" (Idem, p. 330). O texto, em Bakhtin, é wna unidade da manifestação: manifes- ta o pensamento, a emoção, o sentido, o significado. Cada texto tem atrás de si um sistema compreensível para todos (con- vencional, dentro de uma dada comunidade) - uma língua, "ainda que seja a língua da arte" (Idem, p. 331). Não há texto que não pressuponha uma língua. Se não há lima língua atrás de um texto, temos um fenômeno natu- ral e não um texto: por exemplo, uma sucessão de gritos e gemidos (Idem, ibid.), Tudo o que no texto é repetitivo e reproduzível é da ordem da lín- gua, pois o texto é único, individual e irreproduzível (Idem, ibid.). Mesmo quando o texto é reproduzido por um sujeito (excetuada evidentemente a reprodução mecânica. como. por exemplo, a reimpressão), "é um aconteci- mento novo, irreproduzível na vida do texto, é um novo elo na cadeia histórica da reprodução verbal" (Idem, p. 332). Todo texto tem um autor e, por isso, o texto enquanto entidade "não se vincula aos elementos reproduzíveis de um sistema da língua (dos signos) e sim aos outros textos (irreproduzíveis) numa relação específica, dia[ógica" (Idem, ibid.). "O acon- tecimento na vida do texto, seu ser autêntico, sempre sucede na fronteira de duas consciências, de dois sujeitos" (Idem, p. 333). Temos, pois, num texto, dois pólos: o que é reproduzível e o que é irrepetível. As Ciências Humanas si[Uam-se entre esses dois pólos: Pode-se tendcr paT<lo primeiro pólo. isto é, para a lfngua - a lín- gua de UI1l aUWf, a IIn[!.llade um gênero, de um movimcnto litcrá- rio, a língua natural (o procedimcl1to da Lingülstica) - c. por fim, para a língua potencial (o procedimento do esrrururalismo, da glossemáricaJ. Pode-se tcnder para o segundo pólo, para o acontc- çimenro irreproduz(vcl do tcxto (Idem, ibid.). Se o texto tem um autor, é irrepetível e só ganha sentido na relação dialógica, texto não é, na verdade, sinônimo de enunciado? É preciso ler cuidadosamente o trabalho de Bakhtin, juntando indícios colocados ao longo de seu texto: 179
  • 12. IJIlKIITIN outro~tonteílo~-chave ""'"__o -" "O texto enquanto emmcÍltdo (Idem, p. 330). Dois fatores determinam um texto c o tornam um enunciadn: scu projero (a intenção) e a execução desse projeto (Idem, p. 332). Fora dessa relação (a relação dia16gica), o enunciado não tem rea- lidade (a não ser como texfO) (Idem, p. 351). A Lingüística lida com o texto, não com a obra, [...] Pode-se dizcr, simplificando, que a abordagem puramcnte linglHstica (ou seja, o objeto li~gülstico) encara a relação do signo com o signo e COIll os signos dentro dos limitcs do sL~tema de uma llngua ou dc um texto (relações com o interior de um sistema ou relações lineares entre os signos). A relação de um enunciado com a realidade exis- teme, com o sujeito /iJ.lante real e com os outros enunciados renis (relação que faz que um enunciado seja o primeiro li articular o verdadeiro Oll o falso, o belo, ete.). esta relação não poderia [Or- !lar-se obJeto da Lingtífstica. Os signos tomados isolndnml'nll', O sistema de IIIll:l IIngua (lU o texto (enquanto Unidade de Siglll") lliío podem ser verdadeiros, nem falsos, nem bclm", (Idem. PI', 352-353). Na medida em que o texto se torna um enunciado, de é distinto deste. O texto pode ser visto como enunciado, mas pode não o ser, pois, quando o enunciado é considerado fora da relação dialógica, ele só tem realidade como texto. Pode-se ter uma Lingü(stica que estuda o texto, mas o faz como uma entidade em si, fora das relações dialógicas, já que essas não podem ser objeto da Lingüística. Se o texro é distinto do enunciado e este é um todo de sentido (Idem, p. 351) - marcado pelo acabamento (a obra) (Idem, p. 345), dado pela possibilidade de admi tir uma réplica~, cuja natureza específica é dial ógica, o texro é a manifestação do enunciado, que é uma "postura de sentido" (Idem, p. 352). Por isso, ele é uma realidade imediata, dotada de uma materialidade, que advém do fato de ser um "conjunto de signos". O enunciado é da ordem do sentido; o texto é do domínio da manifestação. O sentido não pode consrruir"se senão nas relações dialógicas.'J Sua mani- festação é o texto e este pode ser considerado como uma entidade em si. Há ainda um elemento curioso nesse texto: é que Bakhtin diferencia enunciado e discurso. Diz ele: 180 I1lfNdiSl'ursividmlc c inlCrreX1Unlidadc JOSt: I.UlZ FIOR1N Pode-se estabelecer um pdndpio de identidade corre ti Jlngua e o discurso, porque no discurso se apagam os limites dialógicos do ellul1ei~do, m~s jamais se pode confundir IIngua e comunicação verbal (entendida como comunicação dialógica efetuada mediante ellunciados). (Idem. p. 335). o discurso deve ser entendido como uma abstração: uma posição so- cial considerada fora das relações dialógicas, vista corno uma identidade. Poder-se-ia então acusar Bakhtin de considerar as relações dialógicas como exteriores ao discurso. Não, pelo contrário, o enunciado (inrerdiscurso) não é um conjunto de relações entre intradiscursos (discurso, em Bakhtin). O inrerdiscurso é interior ao intradiscurso. é constiturivo dele. Na comu- nicação verbal real, o que existem são enunciados, que são constitu~ tivamentc dialógicos. O discurso é apenas a realidade aparente (mas rea- lidade) de quc os f.1lamcs concebem seu discurso autonomamente, dão a de uma idcntidade essencial. Entretanto, no seu funcionamento real, a linguagem é dialógica. Com base em tUdo o que foi dito, é poss(vel distinguir interdiscursividade e inrcrtcxwalidade. Á:llrcmos a Bakhtin: "O texto como mônada específica que refrata (no limite) todos os textos de uma dada esfera. Interdependência do sentido (na medida em que se realiza através do enunciado)" (Bakhtin, 1992, p. 331). Há claramente uma distinção entre as relações dialógicas entre enuncia- dos e aquelas que se dão emre textos. Por isso, chamaremos qualquer rela- ção dialógica, na medida em que é uma relação de sentido, inrerdiscursiva. O termo intertextualidade fica reservado apenas para os casos em que a relação discursiva é marerializada em textos. Isso significa que a interrextualidade pressupõe scmpre uma inrerdiscursividade, mas que o contrário não é verdadeiro. Por exemplo, quando a relação dialógica não se manifesta 110 texto, temos interdiscursividade, mas não interrextualidade. No cnlan to, é preciso vcrificar que nem todas aS relações dialógicas mostra- das no tcxto devcm scr consideradas ifl[crtexruais. Bakhtin fala em "rela- ções Jialógicas interrexruais e intratexruais" (Idem, ibid.). Como já mostra- mos, seria mais fiel ao texto russo falar em relaçóes dialógicas entre textos e dentro do texto. As relaçõcs dentro do cexto ocorrem quando as duas vozes se acham no interior dc Ulll mesmo texto: no caso do exemplo de Vidas 181
  • 13. IJAKIITlN outros conceitos-chave secas, temos uma relação dialógica dentro do texto, pois as vozesdo narrador e de Fabiano se encontram no interior de um texto, não estão constituídas num outro texto fora do texto em análise. A mesma coisa acontece no exemplo da negação em Vieira. No entanto, pode-se ter também relações entre textos, quando um texto se relaciona dialogicamente com outro texto jJ constituído. Há no texto que se relaciona com elc um encontro de dois textos. É o que acontece, por exemplo, na negação que aparece em Satélite, de Manuel Bandeira: SATÉLITE Fim de tarde. No céu plúmbeo A Lua baça Paira Muito eosmograf1Clmente Satélite. Desmeta rori7.ada, Desmitificada. Despojada do velho segredo de melancolia. Não é agora o goirão de cismas, O astro dos loucos e enamorados, Mas tão-somente Satélite. Ah Lua deste fim de rarde, Dcmissionária de atribuições romântiCls: Sem show para as disponibilidades sentimentais! Fatigado de mais-valia, Gosto de ti, assim: Coisa em si, - Sarélite. --- (Ihmldra, 1'>7), p. 2.~2) lR2 Imerdlscursividade e intcrtextualidade JOSÉ LUIZ FIORIN Nas linhas de 1 a 6, o poeta constrói uma figura da lua, situando-a num fim de tarde, num céu pltí.mbeo, atribuindo-lhe a qualidade de baça e dizen- do que ela paira muito cosmografieamente. Como cosmografia é a astrono- mia descritiva, principalmente referente ao sistema solar, o que o poeta quer dizer com paira muito cosmograficamente é que a lua está no alto pura c simplcs1llcI1tccomo um astro. Ele sintetiza essa imagem numa palavra: Satélite. Com essa figura, pretende enfatizar o conceito "puro" de lua, des- pojado de qualquer tipo de associação paralela, sem as impressões senti- mentais que ele evoca. O uso reiterado do prefixo des, que indica ação contrária (desmetajorizada, desmitificaJa, despojada), e a afirmação de que a lua não é agora o astro dos loucos e dos enamorados pressupõe que, no passado, ela foi metaforizada, mitificada, considerada como o depósito do velho segredo de melancolia, como um golfão de cismas, como o astro dos loucos e enamorados. A nega- ção, tanto a indicada pelo prefixo des, quanto a feita pelo advérbio não, implica a presença de duas vozes, dois pontos de vista a respeito da lua: um que a vê como uma fonte e um repositório de sentimentos, de mitos e de metáforas; outro que a considera em sua realidade nua indicada pela pala~ vra satélite. Apesar de essasduas perspectivas estarem delimitadas pela negação, pre- cisamos ainda de nosso conhecimento dos texros literários, para entender bem o que o poera está refutando. As expressões "golfão de cismas" e "astros dos loucos e enamorados" remetem-nos a uma estrofe do poema P!enilttnio, de Raimundo Correia: Há tantOS al10s olhos nela arroubados, No magnetismo do seu fulgor! l.ua dos tristes e enamorados, Golfão de cismas rascil1ador. (Correia, 1976, p. 65) Ao opor-se a lima concepção a respeito da lua, atribuída a um literato do passado, podemos concluir não que o poeta esteja lamentando o fim dos bons tempos românticos e criticando a frieza do mundo moderno, mas que é avesso aos exageros sentimentais de uma certa literatura em torno da lua. (2uando de diz s{'m S/;II1(i pllm as disporúbifidtTdes sentimentttis, quer dizer 183
  • 14. /l/1KJ ITlN ollfrns"(1I1ttiws'ch"'~ que a lu'a à qual dirige seus versos não está mais a exibir-se para pessoas predispostas a vê-Ia de maneira sentimental. Se levarmos em conta que a mais-valia se define como a diferença entre o custo da força de trabalho e o valor do produro produzido pelo trabalhador, ao dizer fatigado de mais· valia, o poeta manifesta sua aversão aos exageros próprios de literatos de épocas passadas, que consistem em explorar a lua, roubando dela significa- dos que ela não comporta. O poeta expõe sua predileção pela concepção moderna (Gosto de ti assim: / Coisa em si, I Satélite). Por meio das negações, e da negação de um texto poético, o poeta cir- cunscreVe no texto dois pontOS de vista a respeito da poesia. Contesta uma poesia que idealiza a realidade, assume como sua uma concepção de poética como busca da essência da realidade. Só pode ser considerada Ínterrextualidade a negação explícita dos versos de Raimundo Correia. As outras negações são da ordem da inrerdiscursividade. No poema de Bandeira, encontram-se dois textos: o de Bandeira e o de Raimundo Correia. O texto de Raimundo Correia tem uma existência como texto fora do texto de Bandeira. É só nesses casos que se deve falar em inrertextualidade. Ela é o processo da relação dialógica não somente entre duas "posturas de sentido", mas também entre duas materialidades lingüísticas. A concepção que, com base na obra de Bakhtin, adotamos de intertextualidade é bastante restrita - nada tem a ver com o uso frouxo que se,vem fazendo dela. No entanto, ela pode ser um pouco alargada. Como os estilos são manifestados por "elementos de ordem material", "quando existe uma vontade consciente de representar uma variedade de estilos, estabelece-se sempre LI ma relação dialógica encre eles" (Bak1ltin, 1992, pp. 339; cf. pp. 345, 347 e 349). Por ter uma materialiJade, os estilos de autores, de movimentos literários, de grupos sociais, quando são estilizados OtLparodiados, mantêm também relações inrertcxruais. Mário de Andrade faz, no texto a seguir, urna parôd ia de estilo. Senhoras: Não ruuco vos surpreell,!cd, por certo, CJ ell(lercç<' e a liter:ltllra delta 1l1issiva. Cumpre.nos, clltrClanto. Inici"r estas linhas de salldadc e {lIuil<> amor nllll desagrad,ívd nova, r.bem vcnlade <jlle na boa cidade de São 1'aul" - a maior do universo no di?cr de Sl'US 184 .. Inlcrdi5<:urslvidadeC itllcrtcxtu"lidade JOSÉ LU12 F10R1N prolixos habitantes - não sois conhecidas por "iC'lmiabas", voz es- púria, sinno que pelo :1.peladvo de Amazonas; e de Vós se afirma cavalgardes bellgeros ginctcs c virdes da Hél"de c1ássiC'l;e assim sois chamadas. Muito nos pesou a n6s, Imperamr vosso, tais dislates de erudição, porém hds de convir conosco que, assim, ficais mais heróicas e mais conspfcuas, mcadas por essa pátína respeidvel d" tradição e da pUrC7.:1. antiga. Mas não devemos espcrdiçarmos vosso tempo fero, e muito me. 1I0S coruurbarnl0s vosso entendimento. com noticias de mau cali. bre: pas.lemos. pois. de imediato. ao relato de nossos feitos por cá. Nem einco sóis eram passados que de vós nos panlramos, qU:lndo a mais temerosa desdita pesou sobre nós, Por uma beh noite dos idos de maio do nno tr"nslnto, pcrdlamos a muiraquitã; que outrém grafara muraquitâ. e, "Iguns doutos, ciosos de etirnoJogias esdníxulas. ortografam muyrakitam e até mesmo muraqué-itã, não sorriais! H"vcis de saber que este vocábulo. tão f.,mili"r a vossas troll1i'"S de Eusd'1uio. é quasi dc.'conhecido por aqui. Por estas I'"ragens mui civis. os guerreiros ch~mam-se policias, grilos, guar· das-cívicas. hoxislil.l. legaJisras. mazorqueiros. ere.; sendo que aJo guns desses termos são neologismos ab,lUrdos - bagaço nefando com que os desleixados e petimeues conspurcam o bom falar lusi. tano. M"s não nos sobra já vagar para discretearmos "sub tegmine f.1gi", sobre a Jrngua portuguesa. também chamada lusitana. O que vos interessará. por Sem dúvíd:l. é saberdes que os guerreiros de cá não buscam mavórdcas damas para o enlace epital:imieo. I11~S antes a.s preferem dóceis e facilmente tratáveis por voláteis folhas de papel a que o vulgo chamará dinheiro, o "curriculum vitae" da civiliZàÇão a que boje fazemos pOnto de honra em per- tencermos, (Andrade. 1978, pp. 71-2) Esse texto, logo à primeirn vista, parece ter sido escrito num período al~terior ao modernismo, em que se cultivava uma forma "clássica" de es- crever. Os traços que permitem afirmar isso são: :I) uso da segunda pcs,oa do p1ur,11 pata tratamento; b) l"Illprt'gll sislt'm.'Íli(l) do p/uml majr.:stádco; c) utilização do objeto indirero pleonástico, em Muito nos pesorl ti nós; d) uso de um léxico prcciosista c até de sabor arcaizante (voz por "palavra", missi/ltfS por "canas". Hél.ttde por "Grécia", beflgeros ginetes por "cavalos de 185
  • 15. liA K//TIN outros conceilos-chnvc ------~-----------------------~- guerra", distates por "asneiras", conspfcUllSpor" ilustres", "respeitáveis",pátina por "envelhecimento" ,firo por "feroz", idos de maio por "dia 15 de maio"; translato por "passado", petimetre por "homem que se veste com apuro exagerado", discretear por "discorrer calmamente", enlace epitalâmico por "casamento", vulgo por "povo", mavórticas - adjetivo derivado de Mavorte, forma epentética de Marte - por "guerreiras"); e) utilização de perífrases que chegam aOridículo, para falar de coisas bastante banais (trompas de Eustáquio por "ouvidos"); f) emprego de formas da sintaxe clássica, como, por exemplo, oração reduzida de infinidvo em casoS em que no português moderno se utiliza uma oração desenvolvida (de vós se afirma caval'{.ardes be!fgeros ginetes e virdes da Hélade clássica); g) uso do inflnitivo fIexionado em locuções verbais ou juntO de auxiliares causadvos (não devemos esperdiçarmos;fazemos ponto de honra pertencermos); h) emprego das normas portuguesas andgas de acentuação (sm'aiade em lugar de saudade, epitaldmico em vez de epitat.ímico); i) citação de dois versoS de Os Lwíadas, com que se inicia o célebre episódio do Gigante Adamastor. Porém já cinco sóis eram p:lssados Que dali nos parrframos cortando (v, 37, 1-2). .. j) citação de um trecho do primeiro verso das BlICÓÜCtlS, de Virgflio: mb tegmine jàgi. O texto surpreende no contexto do romance, porque o narrado r rompe com a modalidade espontânea de linguagem que vinha utilizando até então e adota um registro marcadamente formal. Ao optar por um léxico e uma sintaxe já desusados, muito a gosto dos parnasianos e pré-modernistas (como Rui Barbosa, Coelho Neto, Bi/ac) , o narrador imita o estilo desses autores, para ridicularizar a literatura brasileira do período anterior ao modernismo e, por conseguinte, toda a cultura brasileira dessa época - já que esse estilo correspondia ao gosto da moda. Ao satirizar o caráter anacrônico e formal da linguagem d;l época, escarnece do caráter ultrapassado e solene de nossa cultuf:i urbana em geral. Imniza as Jiscllssócs crimológ'lcls, l11uito aprccia- das então. Ao dizer que as palavras da gíria ou da linguagem familiar são 186 . ~- Inlerdiscursividadc c intcrtcxtualidnde JOSE LVIZ F10RIN neologismos absurdos, bagaço nefando, com que se conspurca a língua portuguesa, satiriza os puristas. Ridiculariza uma certa norma do português, o que era tido por "português castiço" no período. lroniza uma forma de escrever, em que, sem o menor prop6sito, cita-se a literatura clássica. Ê um caso de paródia de estilo, pois o narrado r desqualifica o estilo imitado no próprio movimento de imitação, Trata-se de um caSo de intertextualidade, pois é a rnaterialidade lingüística-textual do escilo do pré-modernismo que se encontra presente no texto de Manuel Bandeira. Entretanto, nem tudo o que diz respeito a estilo será do domínio da inrertextualidade. O estilo, sendo um fato do funcionamento real da linguagem, constitui-se dialogicamenre. Nesse caso, não se encontra num texto a materialidade lingüística-textual de dois esti- los. Temos, então, um fato de interdiscursividade e não de incertextualidade, pois é da ordem do dialogismo constitudvo. A poesia da terceira geração romântica brasileira é uma poesia libertária. Por isso, posicionou-se contra a escravidão e a favor do progresso. É escri- ta numa linguagem grandiosa, cheia de hipérboles e antíteses. Toma à natureza, à divindade e à história o material para metáforas e compara- ções. Nela, a natureza significa e revela. Os símiles são construídos com os aspectos da natureza que sugerem a imensidão e a infinitude: os astros, o oceano, as procelas, os tufões, os alcantis, o Himalaia, os Andes. a águia, o condor. É urna pocsia indignada (a "ira condoreira"), plena de vocativos, dc ap<Ístl'Ofcs, de imprccações coIltra a divil1lbdc, de convocação da natu- reza e dos heróis do passado. 'lem um tom oratória e, por isso, apresenta a oralidade do discurso exaltado da praça pública. Esse tom declamatório é marcado por reticências, que indicam as pausas dramáticas; por traves~ sées, que assinalam as pausas de e1ocução; por pontos de exclamação, que modulam a ênfase. Há um grande subjetivismo no trato dos temas, pois se pane do princípio de que os sentimentos e as emoções têm papel cen- tral na História. Aos ideais de liberdade expostos no plano do conteúdo correspondc lima grande liberdade de versificação, de ritmos e de rimas (Bosi, 1975, pp. 132-6). Tomemos, para exemplificar, um fragmentO de Navio negreiro, de Castro Alvcs, sem dúvida nenhuma o maior represen~ tal1le dessa geração. 187
  • 16. 1ltI<HTJN OltlrOs,'oncciros-chnvc ._ _._ ..__._. Existe um povo quc a bandeira empresta Pra cobrir rama inf:imi:t e coOOrdia!... [...] Auriverde pcndão da minha tcrm, Que a brisa do Brasil bcij~ e b~lança, E.çtandane que a luz do sol encerra E as promessas divinas de esperança", Tu que. da liberdade após a guerra, POHe hasteada dos heróis na lança, Antes te houvessem roco na batalha. Que servires a um povo de mortalha! ... Fatalidade atroz que a mente esmaga!.,. Extingue nesta hora o brigue imundo O [filho que Colombo ahriu lia vaga,' Como um lris no pélago prorundo!'" .,. Ma" ê inf?1mia de mais ... Da elérea plaga uvantai-vos. hcróis do Novo Mundo ... Andrada! arranca csre pendão dos ares! Colombo! recha a porra de teus mares! (Alves, 1972, pp. 183-4) Em oposição ao tom grandiloqüente da poesia da cerceira geração ro' mântica, o parnasianismo representou uma descida de tom. Constrói uma poesia inenfática, que faz um esforço para aproximar-se impessoalmente das coisas, dos objetos. Há um culto à forma, um ideal da arte pela arte. O supremo cuidado estilístico não é senão a manifestação do desejo de criar um objeto imperecível, longe dos embates da história. A religião da forma cem origem no pessimismo que subjaz à ideologia do determinismo (Bosi, 1975, p. 187). No parnasianismo, há um efeito de objetividade no trato dos temas. Não se trara de remas sociais; ao contrário, há um fetichismo dos objetos: "0 parnasiano típico acabará deleitando-se na nomeação de alfaias, vasos e leques chineses, flautas gregas, taças de coral, ídolos de gesso em túmulos de mdrmore ... e exaurindo-se na sensação de um detalhe ou na memória de um fragmento narrativo" (Idem, p. 248). Por isso, o parnasianismo tem um gosto particular pela descrição nítida (a "mlmese pela mímese"), rrata-se de uma poética descritiva. do quadro, da cena, do retrato. Seu compromisso não é intervir na História, mas operar a mímese. 188 l"lcrcli>ClIrsil'id~cle c inrertcxlunlidade .I0Sf: I.U/7. r-IOR1N A esse desejo de consrruir um objero imarcesdvel correspondem os usos de uma língua clássica, de uma sintaxe plena de inversões e s{nquises, de for- mas tradicionais de metro, de rima e de ritmo, de um léxico preciosisra. A poética parnasiana acaba com o que era considerado a frouxidão e a incorM reção dos românticos (Idem, pp. 246-56). Sirva de exemplo para essa poéM tica, o soneto Vaso grego. de Alberto de Oliveira: bla d~ áureo relevos. trabalhada De Jivns mãos. brilhante copa, um dia. Já de aos deuses servir como cansada VinJa do Olimpo, a um novo deus servia. Em o púcta Tens que a suspendia Enl.io, ( om rcpk'ra ora cnv:'{:çada, A Inça amiga :l()~ dcdos .~t:ustini:!, 'I"da de roxas l,éta1a" colmad:1. D"l1ois... Ma.' o lavor da taça admira, loca-a. e do ouvido aproximando as bDrd:l.~ Finas hás-de lhe ollvir. canora e doce. Ignota V07., qual se da amiga lira Fos,c a encanmda música das cordas, Qual se e,,~aV07, de Anacrcomc rosse. (n:1rIJosa, 1997, p. (42) O estilo parnasiano se constitui numa relação dialógica com o da tercei- ra geração romântica. Temos aqui um caso de interdiscursividade, mas não de intcrrcxwalidade, pois não se encontram, no mesmo texto, duas materialidades textuais distintas, como se vê, por exemplo, na "Carta pras icamiabas", de Mário de Andrade. Olnvo Bílac tinha consciência da constitutividade dialógica do estilo e expôs isso em SlI" Profissão de fi. N,io '111~m(l /.""S CapilO!illO. Herclíle(l c hdo. 'l:lIhar 110 In:[rl1lC>r(' divi"o (~nll1o 'ç;Lnl.1rtdo. 189
  • 17. EJAKHTlN oUlrosconceitos'ch~vo ---~------~~---------------- Que outro - não eul - a pedra corte Par.l, brutal, Erguer de Athene o altivo porre Descomunal. Mais do que esse vulto eXtraordinário, Que assombra a vista, Sedu7.-me unI leve relidrio De fino artista. Invejo o ourives quando escrevo: Imito o amor Com que ele, em ouro, o alto relevo Faz de urna flor. Imito-o. E, pois, nem de Carrara A pedra Firo; O ;tIvo cristal, a pedra rara, O ônix prefiro. Por isso, corre, por servir-me, Sobre o papel A pena, corno em prata firme Corre o cinzel. Corre; desenha, enfeita a imagem. A idéia veste: Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem A2ul-eclcste. Torce, aprimora, altcia, lima A frase; e, enfim, No verso de ouro engasta a rima, . Como um mbim. Quero que a estrofe cristalina Dobrada ao jeitO Do ourives, saia da oficina Sem um defeito: E que o bvor do verso, acaso, Por tão sutil, Possa o lavor lembrar de um vaso Ik lkcerri1. (Bibc, 1942, pp. S-7) lq0 ___ ._. . ~ Inlcrdiscursividadc c intcrtcxtualidadc JOSÉ LUlZ F10R1N Bi/ac afirma que não quer fazer o que faz o escultor, mas que seu traba- lho é semelhante ao do ourives. O escultor é a figura do poeta da terceira geração romântica com sua grandiloqüência, sua grandiosidade, sua monumentalidade, com sua imersão na realidade, com suas hipérboles, com seu gosto pronunciado pelo narrativo, com sua liberdade formal; o ourives é o poeta parnasiano, com sua leveza, sua sutileza, seu requinte. com seu afastamento da realidade, com sua busca pela perfeição, com seu tom inenfático, com seu culto ao descritivo, com sua rigidez formal. CONCLUSÃO Se em Bakhtin há uma distinção entre texto e enunciado e este pode ser aproximado ao que se entende por interdiscurso - já que se constitui nas relações dialógicas, enquanto aquele é a manifestação do enunciado -, a realidade imediata dada ao leitor, pode~se fazer uma diferença entre interdiscursividade e intertextualidade. Aquela é qualquer relação dialógica entre enunciados; esta é um tipo particular de interdiscursividade, aquela em que se encontram num texto duas materialidades textuais distintas. Cabe entender que, por materialidade textual, pode-se entender um texto em sentido estrito ou um conjunto de fatos lingüísticos, que configura um estilo, um jargão, uma variante lingüística, etc. O caráter fundamental~ mente dialógico de todo enunciado do discurso impossibilita dissociar do funcionamento discursivo a relação do discurso com seu outro. O discurso em Bakhtin é lingüística e histórico. No entanto, o autor russo não apreende essa historicidade discursÍva por meio de "anedotas" acerca da produção de um determinado discurso. Com o conceito de dialogismo, capta-a no próprio movimento lingüística de sua constituição. É na relação com o discurso do Outro, que se apreende a história que perpassa o discurso. Essa relação está inscrita na própria interioridade do discurso, constitutiva ou mostradameme. Com a concepção dialógica da linguagem, a análise histórica de um texto deixa de ser a descrição da época em que o texto foi produzido e passa a ser uma fina e sutil análise semânti- ca, que leva em conta confrontos sêmicos, deslizarnentos de sentido, apaga- Il1Clj().~ de signifIcados, illtt'l'illCOlllprccnsócs, ete. Em sfntcse, em Bakhtin. 191
  • 18. /J/lKIITIN OUtroscollccitos'ch~"c _. _ • , .•• _ .••••••. ._ 'w •• _~ l"lcrdi~ursividadc c ITllerlcxlUalidade JO.~(; I.li/? I'/ORIN a História não é algo exterior ao discurso, mas é interior a ele, pois o sentido é histórico. Por isso, para petceber o sentido, é preciso situar o enunciado no diálogo com outros enunciados e apreender os confrontos sêmicos que geram os sentidos. Enfim, é preciso captar o dialogismo que o permeia. NOTAS I Com efeiro. aqueles CJuepreviram as coisas futuras onde as Viram, se e13Snão existem ainda? Não se pode prever o que não é. E aqueles que narram as coisas passadas. de toda maneira não narrariam coisas verdadeiras, se não as apreendessem pela imaginação: porque se das não fossem nada, náo poderiam de modo algum ser apreendidas. 1 A quesrão das relações dial6gicas entre textos e delllro dos lextos será discutida mais adiame. J Posteriormellle, esse texto constituiu o capitulo 4 do livro lmroduçiío li Semnndliu. 4 Poder-se-ia dizer que há ainda um terceiro sentido. mais geral: é um prindpio de constituição dos seres humanos; é o modo de agir e de estar no mundo. I Observe-se ainda: "Cada texrO pressupõe um sisrema compreens(vel pará lodos (convencional, delllro de uma dada coletividade) - uma !fngun (ainda que seja a lIngua da anel. Se por trás do texro não há uma IIngua, já não se tr.'Ila de um rexro, mas de um fenômeno natural (não perten- ceme à csfera do signo); por exemplo, uma combinação de grilOS e de gemidos. desprovida da reprodutibilidade lingüística (própria do signo)" (Bakhrin, 1992, p. 331). (, O termo proposto por Bakhtin é Mero{ingiilstiea. Prc!erimos, no enranro, chamar essa ciência. à maneira dos franceses, trnnslingüfslica, por causa dos valores semii.micos que envolvem a palavra Muo!ingiils/ica. Esse problema de denominação é uma prova da correçao das teses bakhtinian:>s sobre o problema da distinção entre as unidades porenciais do sistema (objero da Lingüística) e as unidades reais de comuniC:1ção (objelo .1, lranslingülsríca). Do ponro de vista do sistema, meta (prefixo grego) e trdtÚ (prefixo latin',: nJ equivalenres; no entanto, eles são completameme distintos no funcionamemo discursiv,_ !--L ,[ualquer forma. o que Bakhtin pretendia em consti· luir uma ciência que fosse além da Lingüfstica puis rrararia de analisar o funcionamenro real da linguagem e não apenas o sistema virtual 'I"': possibilita esse funcionamento. 7 Essa tCSC bakhriniana mosrr:1.o equIvoco d . ~hamada linguagem politicamente correra, que pre- tende dar às palavras da lI"I',ua um sentidu imrínseco. O campo de batalha ideológico não são as unidades da lIngua, m", ", enunci~,Jos. , Esse rextO é um manuscri:o, não toralmeme acabado. que deve rer sido produúdo por volta do inicio da década de 1960. ? 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