Este documento discute a natureza humana e a cultura. Afirma que os seres humanos não são programados biologicamente e precisam construir seu próprio mundo através da cultura, que serve como uma segunda natureza. A cultura é internalizada e reproduzida socialmente através de valores, normas e instituições. No entanto, permanece dinâmica à medida que novas gerações a questionam e contribuem com soluções criativas.
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ÉTICA, MORAL, CULTURA E SOCIEDADE
Prof. Dr. Valério Guilherme Schaper
Faculdades EST
Texto didático – Ética
INTRODUÇÃO - O SER HUMANO É "TRAVESSIA"
- O "mais bonito do mundo" é que as pessoas "não são sempre
iguais", não estão "terminadas". O ser humano é "travessia." (Riobaldo em
ROSA, Guimarães. Grande Sertão: Veredas.).
- "(...) enquanto ser da liberdade, o ser humano é o ser da decisão e,
conseqüentemente, do risco e da história como o espaço de sua
possível efetivação." (OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Caminho da reflexão ética no pensamento
Ocidental. In: ID. Ética e práxis história. São Paulo : Ática, 1995, p. 25)
A ESTRUTURA DO SER HUMANO
- O ser humano não é "programado" biologicamente (instintos
naturais) nem pelo destino ou uma vontade exterior.
- Os demais animais vêm ao mundo prontos e seus impulso, instintos,
sentidos são altamente especializados e dirigidos. Vivem num mund
muito particular.
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- Temos pouquíssimos comportamentos instintivos natos. O nosso
mundo é aberto. Não está dado. O mundo precisa ser modelado pela
nossa atividade. Precisamos construir um mundo para nós.
CULTURA: UMA SEGUNDA NATUREZA
- Cultura: totalidade dos produtos da atividade humana (materiais e
espirituais).
- A cultura é uma segunda natureza que procura suprir a ausência
parcial de estruturas instintivas em nós.
- A interiorização da cultura da sociedade/grupo social a que
pertencemos é que nos permite agir de uma forma quase instintiva e
automática.
- Este processo de interiorização pressupõe a ianterorização de
valores, normais morais e instituições da sociedade (processo de
subjetivação).
- Não é possível viver sem pertencer a um grupo e não é possível
pertencer a um grupo sem compartilhar uma determinada visão de
mundo, de valores, normas morais, linguagem, instituições, etc. Isto
não significa não ter identidade pessoal ou particularidades.
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CULTURA É CRIAÇÃO SOCIAL
- Esta segunda natureza, cultura, é uma criação social. É o resultado de
soluções e respostas criativas que indivíduos deram diante de
situações que a vida colocou.
- Na constituição desta criação social tem enorme peso a estrutura da
sociedade em suas relações de poder: simétricas ou assimétricas.
- A origem da cultura está na exteriorização criativa das gerações que
nos precederam. Formaa-se a tradição, trasmitida de geração em
geração.
- Os indivíduos ao nascerem entram em relação com esta
exteriorização dada assimilando-a (interiorizando, subjetivando) e
contribuindo com novas perguntas e novas soluções.
- Neste processo a cultura modifica-se sem perder a tradição que lhe
dá identidade social.
- As soluções, na verdade, podem ser de dois tipos: técnicas (não-
conflitivas) ou paradigmática (conflitivas). A segunda tem o poder de
alterar os principais valores, princípios e modelos de funcionamento
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estabelecidos, enfim, a cosmovisão e o sentido de vida dos membros
do grupo.
A OBJETIVAÇÃO DA CULTURA E O DIFERENTE
- Quando uma cultura determinada se torna nossa segunda natureza,
temos muita dificuldade de perceber isso. Ela é "a realidade" e não
uma realidade entre as possíveis. A construção social assume um
caráter objetivo e passa a ser uma verdade auto-evidente.
- A cultura passa a exercer, então, um poder coercitivo. Os que não
compartilham de determinadas normas ou valores são considerados
anormais.
- Esta anormalidade ou "desvio" sofre sanção subjetiva (a culpa). Há,
porém, também sanções objetivas, que são acionadas quando as
sanções subjetivas são transgredidas. Entra em cena a autoridade
constituida das instituições sancionadas pela cultura com seu
respectivos aparato de força (moral, legal ou física) e os necanismos
de punição.
- Obviamente, a reprodução desse processo "dá às pessoas um forte
sentimento de seguranção e de normalidade, o que as leva a rejeitar os
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diferentes e as novidades que questionam e conflitam com a ordem
que está estabelecida e aceita." (MO SUNG e CANDIDO SILVA,
1998, p. 33)
LEGITIMAÇÃO E CONTESTAÇÃO
- O processo de interiorização (subjetivação) numa é completo ou
absoluto. Os estados totalitários tentaram e tentam "colonizar"
completamente nossa interioridade, nossa subjetividade, sem sucesso.
- Há, portanto, para liberdade e para pensar em mundo diferente,
alternativo ao atual. Entretanto, esta mesma liberdade de criação do
novo gera medo e insegurança nos que já estão "integrados" ou
"assimilados" e nas novas gerações.
- Além disso, toda ordem estabelecida tende a buscar segurança e a
sua reprodução. Assim, ela cria mecanismos de defesa: apresentação
da atual situação com "a realidade" (a verdade), exclusão ou
eliminação dos dissidentes (hospícios, prisões, exílio, etc.),
legitimação da ordem diante de questionamentos.
SOCIEDADES TRADICIONAIS E SOCIEDADES MODERNAS
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Há dois grandes modos de legitimar a ordem conforme o tipo de
sociedade:
TRADICIONAL
- Tudo é legitimado em nome da tradição. Nada de fundamental pode
ser modificado. A religião é base de legimitaçáo desta ordem estática.
O sistema moral, com seus valores e normas divinamente justificados,
tem papel fundamental na reprodução da ordem vigente e nos
mecanismos de sanção e repressão às tentativas de inovação.
MODERNA
- Com as mudanças geradas com o mundo, o progresso (ético e
material) torna-se um elemento fundamental. Neste aspecto a tradição
transforma-se em obstáculo. Agora é bom ser inovador, progressista.
- Surge o sujeito, o indivíduo autônomo. Ele é valorizado em
detrimento do coletividade. Não há limites para ação do indivíduo
moderno e o novo passa ser o sinônimo do que há de mais elevado. Há
uma crença forte que progresso conduz a um amanhã melhor.
- Esta é uma visão extremamente otimista da história humana. Esta
visão assume a forma de um mito, legitimando a classe burguesa
(nascente) e o seu projeto de acabar com a morte (violenta, miserável e
natural). Este otimismo alimenta o forte empenho "missionário" da
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sociedade moderna, isto é, o anseio de propagar e implementar esta
visão de sociedade. A religião e a moral tradicional são descartadas,
pois a legitimação é interna à própria sociedade: o mito do progresso e
a progressiva eliminação dos problemas. A técnica toma o lugar da
ética (separam ciência e ética).
LITERATURA
MO SUNG, Jung, DA SILVA, Josué Cândido. Conversando sobre ética e sociedade. 4. ed.
Petrópolis: Vozes, 1998. 117 p.
MAY, Roy H. Discernimiento moral. Una introducción a la ética cristiana. San José: DEI,
2004. 164 p.