O documento discute os conceitos de referenciação, coesão referencial e progressão referencial no processamento do discurso. Ele explica que a referenciação envolve escolhas significativas dos interlocutores e constrói objetos discursivos. Também descreve estratégias de referenciação como construção e reconstrução e mecanismos como anáfora e catáfora.
2. REFERENCIAÇÃO
Processamento do discurso, por ser
realizado por sujeitos ativos. Ademais, é
estratégico, isto é, implica, da parte dos
interlocutores, a realização de escolhas
significativas entre as múltiplas
possibilidades que a língua oferece. Diz
respeito às operações efetuadas pelos
sujeitos à medida que o discurso se
desenvolve; e que o discurso constrói os
“objetos” a que faz remissão, ao mesmo
tempo que é tributário dessa construção.
3. Em outras palavras:
A referenciação constitui, assim, uma
atividade discursiva. O sujeito, na
interação, opera sobre o material
lingüístico que tem à sua disposição,
operando escolhas significativas para
representar estados de coisas, com vistas
à concretização do seu projeto de dizer
(Koch, 1999; 2002). Isto é, os processos
de referenciação são escolhas do sujeito
em função de um querer-dizer.
4. Estão envolvidas, enquanto operações básicas,
as seguintes estratégias de referenciação:
• 1. construção: pela qual um ‘objeto’
textual até então não mencionado é
introduzido, passando a preencher um
nódulo (“endereço” cognitivo, locação) na
rede conceptual do texto.
• 2. reconstrução: um nódulo já presente na
memória discursiva é reintroduzido na
memória operacional, por meio de uma
forma referencial, de modo que o objeto-de-
discurso permanece saliente.
5. “Endereços” ou nódulos cognitivos já existentes podem
ser, a todo momento, modificados ou expandidos, de modo
que, durante o processo de compreensão, desdobra-se
uma unidade de representação extremamente complexa,
pelo acréscimo sucessivo de novas categorizações e/ou
avaliações acerca do referente.
Por exemplo:
Com a perigosa progressão da demência bélica de
Bush 2º [construção] cabe uma indagação: para que serve
a ONU? Criada logo após a 2ª Guerra Mundial, como
substituta da Liga das Nações (...)
É. Sem guerra não dá. Num mundo de paz, como
iriam ganhar seu honrado dinheirinho os industriais de
armas que pagaram a duvidosa eleição de Bush 2º, o
Aloprado? (...) [nova construção a partir de uma
reativação]
(Jornal do Commercio, Recife, 08/02/2003).
6. Reconstrução ou manutenção no modelo
textual
Os referentes modificam-se ao longo do texto.
Para manter o controle sobre o que foi dito a
respeito deles, usamos constantemente
termos/expressões que retomam outros termos/
expressões do próprio texto, constituindo, assim,
cadeias referenciais. É nesse processo que dois
indivíduos, ao interagirem lingüisticamente,
chegam a saber do que estão falando e como
estão construindo seus referentes (Marcuschi,
2002).
7. Papel do sujeito na referenciação
Ao que escreve cabe a tarefa de delimitar o
referente, ou seja, enquadrá-lo em uma classe,
torná-lo reconhecível. Ao leitor compete a tarefa
de identificar o referente, lançando mão, para
alcançar esse objetivo, de toda informação
tornada disponível no enunciado. A organização
referencial é aspecto central da textualização,
pois dá continuidade e estabilidade ao texto,
contribuindo decididamente para a coerência
discursiva.
8. Recursos referenciais
Pelo fato de o objeto encontrar-se ativado no
modelo textual, ele pode realizar-se por meio de
recursos de:
• Ordem gramatical (pronomes, numerais, etc)
• Ordem lexical (reiteração de itens lexicais,
sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos, etc.).
9. Mecanismos referenciais
Há dois tipos de mecanismos referenciais:
• relativos ao texto (anáfora/catáfora)
• relativos à situação de enunciação (dêixis)
10. Progressão referencial
O processamento textual se dá numa oscilação
entre vários movimentos, um para frente
(projetivo) e outro para trás (retrospectivo),
representáveis parcialmente pela catáfora e
anáfora. Em sentido estrito, pode-se dizer que a
progressão textual se dá com base no já dito, no
que será dito e no que é sugerido, que se co-
determinam progressivamente.
11. Anáfora
A coesão do texto depende em parte de
retomadas. Há expressões que, no texto, se
reportam a outras expressões, enunciados,
conteúdos ou contextos, contribuindo
para a continuidade tópica.
12. Anáfora e correferencialidade
Reconhece-se que a anáfora não é necessariamente
correferencial e que o referente de uma expressão anafórica
não é sempre explicitamente denotado por um termo
anterior. A anáfora vem sendo estudada como um fenômeno
de natureza inferencial.
Ele jogou seu cigarro no jardim e acendeu um outro.
Em Porto Alegre, eles têm orgulho do pôr do sol.
Quando Maria disse que ia se casar, perguntaram-lhe o que ele faz.
13. Algumas considerações
sobre a anáfora
• o pronome não é a única classe de palavras que
pode se constituir como anáfora;
• inexiste uma classe de palavras funcionalmente
definida como anafórica;
• a anáfora é um fenômeno de semântica textual
de natureza inferencial e não um simples
fenômeno de correferencialidade;
• a anáfora não apenas retoma referentes, mas
pode também ativar novos referentes.
14. Exemplos de tipos de anáfora:
• por Sinonímia:
Era um manuscrito de umas cinqüenta páginas. Cedo compreendi que
essas folhas traziam ensinamentos valiosos.
• por Hiponímia:
O salão foi todo decorado com gérberas vermelhas. As flores foram a
atração da festa.
15. • Verbal:
Clarice Lispector inovou nos aspectos formais e temáticos.
Hoje outros autores fazem o mesmo
• Resumitiva (conceitual /avaliativa)
(...) o sistema imunológico dos pacientes reconheceu os
anticorpos do rato e o rejeitou. Isto
significa que eles não permanecem no sistema por tempo
suficiente para se tornarem completamente eficazes. A
segunda geração de anticorpos agora em desenvolvimento é
uma tentativa de contornar este problema através da
“humanização” dos anticorpos do rato, usando uma técnica
desenvolvida por (...)
16. Catáfora
Fala-se de catáfora na situação mais rara, e também bem
menos conhecida, em que o interpretante aparece em
segunda posição.
Isto me espanta: que ele tenha recuado.
Seu cotidiano sempre foi marcado pela luta. Primeiro, pela sobrevivência. Agora,
pelo desenvolvimento no campo e por uma melhor qualidade de vida para as
famílias extrativistas. Trabalhadora rural e quebradeira de coco babaçu, ela
persegue o que, para alguns, é uma utopia: uma vida melhor para o povo
brasileiro e, especialmente, para as mulheres. A saga de Raimunda pode ser
encontrada em reportagem publicada na Revista “Primeira Impressão” de
dezembro de 2001.