O poema descreve Leanor, uma jovem que vai à fonte. Ela é retratada como bela, porém insegura. Sua beleza física, com destaque para a pele branca e cabelos louros, contrasta com sua posição social humilde. Ao longo do poema, detalhes de sua aparência e trajeto revelam sua graça e pureza interior.
1. Descalça vai para a fonte
a este moto:
Descalça vai para a fonte
Leanor pela verdura;
vai fermosa e não segura.
VOLTAS
Leva na cabeça o pote,
o testo nas mãos de prata,
cinta de fina escarlata tecido vermelho,
saínho camisa/colete de chamalote tecido de lã ;
traz a vasquinha saia com pregas na cintura de coteuso diário,
mais branca que a neve pura;
vai fermosa, e não segura.
Descobre a touca a garganta,
cabelos d’ ouro o trançado,
fita de cor d’ encarnado,
tão linda que o mundo espanta;
chove nela graça tanta
que dá graça à fermosura;
vai fermosa, e não segura.
• Vilancete - mote de três versos
- duas voltas de sete versos (sétimas)
- métrica: redondilha maior (7 sílabas
métricas)
a mulher / a beleza feminina – o retrato da mulher
amada e idealizada.
Classificação
Tema
2. O vilancete
é uma forma poética musical composta a partir de
um mote curto (constituído por 2 ou 3 versos),
tradicional, geralmente alheio, que introduz o
tema. De início, este mote era tirado de uma
canção popular-vilã e a ele cabia, em exclusivo, a
designação de vilancete, que depois passou a
atribuir-se a todo o poema. A seguir ao mote,
existem as voltas ou glosas, compostas por sete
versos (sétimas), que desenvolvem o tema
introduzido pelo mote. A glosa divide-se, por sua
vez, em cabeça (os primeiros 4 versos) e cauda (os
restantes 3). O último verso da cabeça rima com o
primeiro da cauda, fazendo assim a ligação entre
ambos; os dois últimos versos da cauda rimam com
os dois últimos versos do mote, e o último deste é,
no vilancete perfeito, integralmente repetido no
último verso da cauda.
Descalça vai para a fonte
Leanor pela verdura;
vai fermosa e não segura.
Leva na cabeça o pote,
o testo nas mãos de prata,
cinta de fina escarlata,
saínho de chamalote;
traz a vasquinha de cote,
mais branca que a neve pura;
vai fermosa, e não segura.
Mote
Volta
ou
glosa
Cabeça
Cauda
3. Descalça vai para a fonte
Leanor pela verdura;
vai fermosa e não segura.
Mote (tese) – Apresentação de Leanor:
Posição do sujeito poético: observador da figura feminina.
caracterização social:
- pobre / do povo (“Descalça”);
- atividade doméstica: ida à fonte; ▪ física: formosa / bela CF
psicológica:
- insegura (“não segura”)
- ansiosa
localização espacial: a caminho da fonte (ambiente
bucólico e rural)
tempo; primavera (a “verdura”) – presente
5. Leva na cabeça o pote,
o testo nas mãos de prata,
cinta de fina escarlata tecido vermelho,
saínho camisa/colete de chamalote tecido de lã ;
traz a vasquinha saia com pregas na cintura de cote uso diário,
mais branca que a neve pura;
vai fermosa, e não segura.
metáfora pele branca
vermelho → alegria, paixão, sensualidade
diminutivo → carinho
comparação + hipérbole – branco → pureza
pureza
elementos do quotidiano de trabalho de Leanor
insegura e ansiosa
caracterização psicológica
apaixonada
causas da insegurança:
- caminhar com o pote na cabeça > insegurança (desequilíbrio) >
encontro com o amigo?
- a beleza (ser ou não ser apreciada)?
- o encontro com o namorado (faltará ou marcará presença?)
- os seus sentimentos?
adjetivação
expressiva CF
6. Descobre a touca a garganta,
cabelos d’ ouro o trançado,
fita de cor d’ encarnado,
tão linda que o mundo espanta;
chove nela graça tanta
que dá graça à fermosura;
vai fermosa, e não segura.
metáfora cabelo louro
hipérbole + oração subordinada adverbial
consecutiva + personificação
metáfora + trocadilho graciosa CF
Vestuário CF
vermelho → alegria, sensualidade, paixão
▪ espanta o mundo
▪ dá graça à formosura
efeitos da sua beleza física:
7. Estrutura narrativa do poema
ambiente campestre, rural, bucólico (“verdura”, “fonte”).
presente – momento em que o sujeito observa a mulher.
ida à fonte – “vai para a fonte”.
Leanor.
Espaço:
Tempo:
Ação:
Personagem:
8. - esquema rimático: ABB / CDCCBB
- emparelhada e interpolada
- consoante (“verdura”/”segura”)
- rica (“verdura”/”segura”) e pobre (“prata”/”escarlata”
- grave ou feminina (“verdura”/”segura”)
• Métrica: redondilha maior (versos de 7 sílabas métricas) – medida velha.
• Rima:
9.
10. Nomes:
- fonte: ambiente rural e campestre; local de cumprimento de uma tarefa doméstica; possível local
de encontro amoroso;
- verdura: ambiente rural e bucólico;
- neve: a pureza e tom de pele claro de Leanor;
- ouro, prata: metais preciosos que sugerem o tom de pele claro e os cabelos louros de Leanor, bem
como a sua preciosidade.
11. Verbo “chover”, com valor transitivo e sentido hiperbólico: a graça de Leanor era tão evidente e abundante
como a chuva.
• Advérbios de intensidade “tanto” e “tão”: intensificam a beleza física de Leanor.
• Personificação: “tão linda que o mundo espanta”.
• Diminutivos – “sainho” e “vasquinha”: sugerem o carinho e a simpatia do sujeito pela mulher, bem como o seu
encantamento face à sua beleza e graciosidade.
• Trocadilho: “Chove nela graça tanta / Que dá graça à fermosura”.
• Aliteração em /v/.
• Alternância de sons abertos (ó, á), sugestivos de vitalidade, fechadas (ô, u) e nasais (on, na).
• Transporte: vv. 1-2, 15-16.
• Associação de cores (o vermelho do vestuário, o branco da pele e o louro dos cabelos) para sugerir a alegria, a
pureza e a perfeição de Leanor, respetivamente.
• As peças de vestuário e os objetos que transporta, cuja graciosidade o sujeito poético pretende transferir para
a mulher.
14. Petrarca (inovações renascentistas):
- caracterização física (a pele branca, o cabelo louro…) e
psicológica da mulher (a pureza, a castidade;
- caracterização predominantemente psicológica e só
aparentemente física.
A utilização do trocadilho, da hipérbole e do jogo de
conceitos e ambiguidades, como recursos do engenho
poético (também existentes na endecha "Aquela cativa"),
coloca, em certa medida, Camões como precursor da
poesia cultista e conceptista do século XVII.
● Influências