A importância da representatividade e da manutenção do espírito democrático da escolha do presidente da Fiocruz é ressaltada na carta da médica Célia Almeida.
A candidatura de Nisia Trindade descrita pela médica Célia Almeida
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Prezado Marcelo Auler,
Em primeiro lugar, agradeço o apoio com a divulgação do debate que está sendo
travado, em âmbito nacional e internacional, sobre a nomeação da futura
presidente da Fiocruz. Da mesma forma, também sou grata pela abertura desse
espaço a manifestação de opiniões diversas sobre o assunto.
Aceitando seu convite, gostaria de mencionar alguns pontos que me parecem
importantes nessa discussão. De fato, a lista tríplice possibilita que o governante
escolha qualquer um da lista, independentemente da posição que ocupe.
Entretanto, discordo veementemente que a nomeação do primeiro colocado
necessariamente tenha como resultado o “compromisso do escolhido com o
corporativismo da instituição”, como afirma o Subprocurador-geral Eugênio
Aragão.
Pode ser exatamente o contrário, isto é, uma estratégia do perdedor – acionar
o corporativismo institucional a seu favor!
Corrigindo um pouco a sua frase, “a bem da verdade, durante a campanha a
Dra. Tania deixou claro que mesmo não sendo a mais votada, não retiraria seu
nome da lista”, assim como a Dra. Nísia (porque o fariam??). A diferença está
em que a Dra. Nísia afirmou explicitamente que apoiaria a mais votadas, mas a
dra. Tania jamais disse isso, ao contrário, tendo perdido a eleição passou a
defender que na lista tríplice os dois nomes teriam o mesmo valor,
desconsiderando, portanto, a escolha dos trabalhadores da instituição. Sendo
assim, desculpe-me, Marcelo, mas o “silêncio” da dra. Nísia não autoriza
nenhuma interpretação negativa de sua conduta.
Outra informação importante: no CD extraordinário de sexta feira (30/12) as
duas candidatas foram convidadas a participar da reunião, mas a dra. Tania não
compareceu, porque estaria gripada. Foi então criada uma comissão para ir
conversar com ela: ela reiterou que caso fosse nomeada aceitaria, porque
considerava legítima sua nomeação. Ponto final.
O post do colunista de O Globo no dia 29/12 anunciando a decisão do Ministro e
do Presidente pela Dra. Tania e afirmando que o DO seria publicado na segunda
feira (se era verdade, porque não foi publicado logo?), e depois noticiando o
apoio “da bancada federal do Rio”, no dia 30/12, acirrou os ânimos, pois essa
declaração reavivou questões muito debatidas na campanha e lançou dúvidas
sobre a lisura das administrações anteriores da Fiocruz. Foi isso que levou à
rápida organização da resistência na instituição. Além disso, convenhamos,
porque essa notícia sai dessa forma às vésperas das comemorações do Ano
Novo?
Tampouco me parece que a nomeação da nova presidente da Fiocruz tenha se
tornado uma “disputa partidária”, ainda que, obviamente, está inserida na difícil
conjuntura nacional, onde o “petismo” é execrado terminantemente, sinônimo
de aparelhamento, fisiologismo, corrupção e muita coisa mais, como se isso
fosse privilégio somente desse partido.
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Ambas as candidatas têm (ou tiveram) vínculos com o PT e se manifestaram
contra o impeachment da Presidente Dilma e várias outras medidas muito
prejudiciais ao povo brasileiro, não apenas na saúde.
A alegação de alguns de que o PT governa a Fiocruz há anos, não é verdadeira,
e tampouco o é a afirmação de que todos na Fiocruz “são de esquerda”. A Fiocruz
não é nenhuma ilha isolada e, portanto, também espelha a dinâmica da
sociedade como um todo – tem de tudo!
Pois bem, talvez não tenha informação suficiente, mas os projetos das duas
candidatas para a instituição, assim como suas respectivas visões sobre ela −
passado, presente e futuro − foram exaustivamente apresentados e discutidos
em todas as unidades, no Rio de Janeiro e nos demais estados da federação. As
duas candidatas tiveram oportunidade de debater com os trabalhadores, de
forma conjunta e em separado, suas propostas para os próximos 4 anos e o
resultado da votação reflete a escolha do projeto que os trabalhadores julgaram
mais pertinente para a instituição.
Trata-se, portanto, não apenas de fazer valer as regras democráticas
institucionais, mas de garantir que a nova Presidência possa contar com a base
institucional de apoio necessária para levar adiante sua proposta. Não estamos
falando apenas de uma “tradição institucional”, mas sim de projetos e
perspectivas diferentes em relação a como conduzir uma instituição como a
Fiocruz – complexa, heterogênea, imensa e com uma missão importantíssima
para a saúde coletiva, não apenas no Brasil, mas também no mundo. Basta ver
a diversidade de atividades que desempenha, a quantidade e importância das
colaborações nacionais e internacionais que desenvolve, assim como os projetos
de cooperação internacional em pesquisa, formação pós-graduada, transferência
tecnológica etc. com os EUA, Europa, Ásia, África e América Latina.
Em nenhum momento se tratou de denegrir ou desqualificar qualquer uma das
duas candidatas, profissionais de reconhecida competência e contribuição para
a saúde coletiva, no Brasil e no mundo. Porém, como em qualquer campanha
eleitoral, existem desvios e não temos controle sobre as pessoas e suas ações,
nem pretendemos ter. Porém, quando houve calúnias ou manipulação de
informações, foram devidamente respondidas, corrigidas e publicizadas,
honrando a transparência na gestão, caraterística que a Fiocruz cultiva desde
meados dos 1980, quando começou a ser resgatada do limbo a que estava
confinada pela ditadura, voltando a ser a instituição respeitada que é hoje. Foi
muito trabalho, Marcelo, e só aumenta com o passar dos anos!! Aliás, as duas
candidatas participaram e participam desse processo.
Pode ter havido equívocos e até difamações de ambos os lados (infelizmente há
algum tempo que o país não se pauta pela tal “verdade”, ou mesmo pela “lei,
não é mesmo? As pessoas seguem os exemplos...), mas algum disparador
provocou essa dinâmica. Sugiro que dê uma olhada no site “Asfoc de Luta”,
mantido pelos apoiadores da dra. Tania. Creio que aí terá uma ideia dos
chamados “equívocos”.
Com todo respeito à colega Fatima Cristina Mendes Magalhães, porque seria tão
necessário desfazer os “tristes equívocos, como este...” em relação à dra. Tania?
A qual equivoco se refere? Será que apenas a dra. Tania foi alvo de difamação??
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Será que apenas as contribuições da dra. Tania para a saúde coletiva e os mais
pobres, são relevantes?
Esse depoimento sim, me parece bem corporativo! Como se a verdadeira luta
pela saúde fosse aquela que se trava contra a doença, quando as condições de
saúde são multideterminadas e não adianta tratar somente a doença. Atenção:
não estou desmerecendo a excelência do trabalho da dra. Tania na sua área.
Apenas ressalto que existem muitas outras áreas importantes da qual a saúde
das populações depende e me causou certa estranheza essa defesa a meu ver...
corporativa. A dra. Nísia, por ser socióloga, não teria contribuições importantes
na instituição? Ou para a saúde coletiva? Ou ainda conhecimento suficiente da
área para conduzir a Fiocruz?? Essas são algumas das questões que a referida
carta me suscita.
A Fiocruz é uma instituição de Estado, vinculada ao Ministério da Saúde, com
quem trabalha sempre em conjunto, independentemente de quem seja o
ministro ou o presidente, e nunca se negou a apoiar o ministério seja no
enfrentamento de crises sanitárias, as mais variadas, seja nos problemas do
cotidiano. As eleições internas propositalmente não coincidem com as eleições
presidenciais, exatamente para proteger a instituição das insanas barganhas
políticas pouco recomendáveis. Agora, tem autonomia de opinião sobre vários
temas, pautada sempre pela experiência que acumula há mais de um século, e
jamais se negou a discutir suas posições, argumentando solidamente, seja com
o Ministério da Saúde, das Relações Exteriores ou qualquer outra instituição. E
sempre foi capaz de negociar e ajudar a encontrar soluções de consenso, aliás,
sempre provisórios, como se sabe.
Enfim, prezado Marcelo, obrigada pela abertura e espero, sinceramente, que se
consiga uma solução de consenso palatável para todos e, principalmente,
benéfica para o povo brasileiro, e que possibilite que continuemos trabalhando
em paz, pois a conjuntura nacional e global nos exige essa tranquilidade!
Grande abraço.
Celia Almeida
Médica, mestre em Medicina Social, doutora em políticas de saúde e
planejamento, pesquisadora e docente da
Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP)/Fiocruz
Email: celia.almeida09@gmail.com
Cel.: (21) 99943-5458
Rio de Janeiro, 02/01/2017