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PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
1
DO AUTOR:
LINHAS DO DESTINO
L.P.OWEN
2
A Deus, por não me deixar desistir.
Aos meus familiares, que teimam em
acreditar em mim.
A Sueli, pela paciência de ler os rascunhos
dos livros.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
3
Capitulo um
O ENCONTRO
Todos temos momentos bons ou ruins para
lembrarmos durante nossa existência. Aquele
dia foi um desses marcos. Nas ruas o vai e
vem da multidão preocupada em resolver seus
problemas, não o impedia que avançasse com
rapidez e determinação.
Algumas pessoas seguiam para o trabalho,
outras para as compras, outras apenas
caminhavam apreciando o movimento.
Faltavam alguns dias para o Natal, o
comércio, preparado para as vendas que
costumavam se aquecer durante essa época,
abusava dos enfeites com motivos natalinos.
Ele gostava dessa época porque o espírito
natalino modificava as pessoas, tornando-as
mais fraternas, caridosas, mais sensíveis.
Lamentava-se porque esses sentimentos
poderiam continuar durante o ano todo, mas
infelizmente isso não ocorria, passados as
festas, cada um voltava a pensar apenas nos
próprios problemas.
As pessoas se apinhavam procurando
satisfazer seus instintos de consumo
comprando de tudo. Enquanto ele caminhava
para o seu destino, pensou em tudo o que
aconteceu durante aquele ano. Estava de
volta, era um novo homem, nada seria igual.
No saguão, notou que tudo continuava do
mesmo jeito. Nada tinha modificado. O
porteiro apenas olhou para ele como outrora,
L.P.OWEN
4
não disse uma palavra, não questionou
absolutamente nada, permanecia atrás de um
balcão, como se a sua única atribuição fosse
permanecer imóvel como uma estátua na
entrada do edifício.
Seguiu, pelo corredor em direção aos
elevadores. O tumulto causado pelo número
de pessoas que entravam e saiam do edifício o
fazia pensar: – “Para onde estariam indo? O
que seria tão importante, o que fazia as
pessoas esquecerem de cumprimentar seus
semelhantes?”.
Dentro do elevador o silêncio era tão grande
que podia ouvir sua respiração.
As pessoas estavam muito próximas
fisicamente, mas sequer se olhavam. O único
ruído era causado pelo movimento dos cabos
e correntes do lado de fora.
No rosto das pessoas estava estampada a
infelicidade e angústia. À medida que o
elevador atingia os andares superiores, mais
vazio ficava. Não soube explicar porque desta
vez o fato de ficar sozinho dentro do elevador
para galgar os últimos três andares foi
diferente de outrora. Ao abrir a porta corta-
fogo de acesso ao terraço, da qual se lembrava
muito bem, não pôde acreditar no que estava
acontecendo.
***
Uma manhã quente típica de final de
primavera. Apesar da temperatura elevada,
estava suando frio. O que estava preste a fazer
mudaria radicalmente o rumo de sua vida.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
5
Voltar significava não resolver o problema.
Ficou surpreso, ao abrir a porta corta-fogo.
Última barreira para chegar ao terraço do
edifício. Não imaginou algo semelhante em
toda a sua vida. Para disfarçar sua real
intenção, se encostou a uma parede,
provavelmente da casa das máquinas e
aguardou o desenrolar dos acontecimentos.
Calado, ouvia o que diziam aqueles dois.
Um dos rapazes, um jovem senhor
aparentando uns 45 anos, cabelos e olhos
castanho-escuros. Estava sentado numa
cadeira de rodas. Vestia um terno cinza
chumbo um pouco surrado, camisa branca e
sapatos pretos impecavelmente engraxados.
O outro usava calças jeans, camiseta branca e
botas especiais presas por armação articulada
que era presa na cintura do rapaz e servia
como suporte para as pernas. Andava com o
auxílio de muletas apoiadas no antebraço.
Este tinha a aparência de ser bem mais jovem
que o primeiro, cabelos ruivos e olhos azuis-
claros. Nem de longe aquele corpo combinava
com as suas feições.
Braços finos, nas costas havia uma espécie de
corcova. O quadril muito estreito e as pernas
finas obrigavam-no a utilizar tal armação que
servia para sustentar o corpo e mantê-lo em
pé. O que estava sentado na cadeira de rodas
reclamava da atitude de uma outra pessoa,
que não se encontrava mais no local.
- Hoje em dia, não se pode confiar nas
pessoas.
L.P.OWEN
6
- Você ainda tem de quem reclamar. Eu vim
sozinho, vou reclamar com quem? –
Comentou o rapaz da muleta.
Os dois conversavam sem notarem a presença
de William, que se mantinha no mesmo local,
não conseguindo compreender sobre o que
falavam.
- Por que fazem essas muretas tão altas? –
Perguntou Jorge enquanto posicionava
melhor sua cadeira de rodas.
- Não sei! – Respondeu Oscar que se
esforçava ao extremo para escalá-la.
Depois de várias tentativas, resolveram
desistir.
Ao olharem para o lado perceberam a
presença de William que permanecia imóvel e
calado.
- Talvez o senhor possa nos ajudar. –
Disseram quase ao mesmo tempo.
Encostado na parede, William olhou a sua
volta, percebendo que era com ele que
falavam, respondeu com determinação.
- Podem esquecer!
- Não estamos conseguindo. – Disse Jorge.
- Somos uma dupla de incompetentes. –
Completou Oscar. – O senhor tem que nos
ajudar.
- Por que querem fazer a mesma coisa? –
Questionou William.
Pegos de surpresa com a pergunta, no
princípio ficaram calados, mas Jorge resolveu
responder primeiro. Como se mergulhasse
num passado próximo, iniciou com voz
amarga.
- O que se espera de um homem com ótimo
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
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emprego, casado com uma linda mulher e
filho. Quando decidiu ser hora de ter outro
filho, faz uma viagem de segunda lua de mel.
Num dia lindo de sol temperatura
extremamente quente vai nadar e sofre um
acidente na beira da piscina. Fratura a coluna
e é obrigado a viver numa cadeira de rodas?
Sem fazer qualquer comentário William
perguntou.
- Como aconteceu?
- Fui fazer graça para minha esposa e filho,
subi no trampolim da piscina do hotel. Não
contente com a altura, resolvi subir no ferro
que serve de corrimão. Escorreguei e bati as
costas na plataforma do trampolim. Caí
desmaiado dentro da piscina. Quando
acordei, três meses haviam passados.
Os dois ouviam sem fazerem comentários.
Jorge prosseguiu.
- Fiquei no hospital por quase um ano. Minha
esposa vinha visitar-me, no início todos os
dias. Com o adiantado da gestação começou a
diminuir a frequência dessas visitas.
- Vocês viram que coisa engraçada? –
Comentou rindo sozinho. – Em nossa última
relação engravidei minha mulher. Minha filha
Vivian nasceu enquanto eu ainda estava no
hospital.
– Com o meu retorno para casa passei a
cuidar dos meus filhos. Minha esposa
começou a trabalhar fora para completar a
renda.
– O tempo passou, comecei a perceber uma
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8
alteração no comportamento de minha
esposa. Alguns meses depois, – fez uma pausa
para tomar coragem e continuar seu relato. –
Ela imaginando que estivesse na fisioterapia,
acabou se descuidando.
- Quando retornei, depois de aguardar por
mais de uma hora pelo transporte que me
levaria para a fisioterapia e que não apareceu,
vi as luzes da sala apagadas. Não havia sons
indicando que ali moravam duas crianças.
Pensei num monte de coisas horríveis.
– Abri a porta da sala vagarosamente e entrei.
Ao chegar no quarto das crianças vi que
estavam dormindo. A porta do meu quarto
estava encostada, empurrei-a. Minha esposa e
o seu amante olharam para mim com cara de
idiotas, sem conseguirem dizer uma palavra
sequer.
– Dei meia volta, fui para sala. Não demorou
os dois chegaram dizendo: - “Não é o que está
pensando”. – Nesse momento riu novamente
e comentou. – Por que todos dizem isso?
Realmente o problema não é o que pensamos
é o que vemos!
Depois se calou e William resolveu poupá-lo
de novas perguntas.
- Com você o que aconteceu? – Perguntou,
dirigindo-se ao rapaz da muleta.
Oscar ficou em silêncio, como se buscasse em
sua memória, o que tinha restado de sua
história.
- Meu pai, – engoliu seco - foi embora quando
nasci, por isso não sei nada sobre ele, ou
melhor, sei que era um bom cantor, afinal
cantou minha mãe. – Brincou. - Tinha uma
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
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boa voz, minha mãe dizia que herdei isso
dele.
William já tinha notado desde o início a
beleza do timbre da voz do rapaz, poderia
trabalhar como locutor de rádio ou
atendimento público pelo telefone, mas não
fez qualquer comentário.
- Desde o meu nascimento sou esta coisinha
linda que estão vendo. Se não fosse por minha
mãe tinha servido de comida para os Urubus
em algum lixão.- Comentou. - Na escola
viviam colocando-me apelidos, gozavam da
minha cara, faziam corredor para que eu
passasse e me davam tapas para andar mais
rápido. Algumas vezes o incentivo era tão
grande que acabava de cara no chão.
- Essa tortura parou somente quando
revoltado, resolvi chamar o líder para a briga,
meu primeiro erro. O segundo foi ter ido ao
encontro marcado para o meu massacre.
- Estava indo tudo tão bem, ele me batendo
com o punho fechado na minha cara. Outras
eu com a minha cara no punho dele, até que
finalmente ele caiu exausto, não conseguiu
bater mais e finalmente, consegui vencê-lo
pelo cansaço.
- Apesar de quase me matar, ele resolveu dar-
me crédito pela minha loucura. A partir desse
dia pararam de me chatear. Afinal tinha
vencido o líder da matilha. – Riu novamente.
- Vivia com minha mãe num barraco que ela
comprou depois de tanto sofrimento e muito
trabalho. Ela passava o dia trabalhando na
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limpeza das casas e a noite lavava e passava
o uniforme dos times das proximidades.
- Alguns meses atrás minha mãe faleceu e
desde então atravesso momentos difíceis,
sinto muita saudade dela. – Parou para se
recompor.
– Não tenho parente, não tenho amigos
porque não saía de casa, apenas cuidava da
minha mãe. Depois que ela sofreu o derrame
não falava nem andava, somente vegetava.
Como podem notar não tinha forças para
cuidar dela. Algumas vizinhas vinham para
dar banho, trocar as roupas, mas - abaixou a
cabeça e parou de falar.
William pensou nos seus problemas. No
início, bebia socialmente, mas com o passar
do tempo já fazia parte de sua alma. Por ela
acabou com um casamento de quase dez
anos. Em seguida perdeu o emprego. Sem
emprego acabou vendendo o que possuía para
custear aluguel, comida entre outras dívidas
até que foi obrigado a morar nas ruas. Não
tinha coragem de visitar seus filhos. Não
queria mostrar a pessoa que se tornara. Estava
disposto a acabar com tudo.
- O que os senhores pretendem fazer agora? –
Perguntou William deixando suas
preocupações de lado.
Houve um silêncio por alguns minutos.
Colocando o coração em cada palavra Jorge
respondeu.
- Quando resolvi vir aqui, seria para dar um
basta nesta situação, nessa solidão, nesse
sofrimento. Pensei que minha partida deixaria
que meus filhos esquecessem de mim. –
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
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Chorou copiosamente.
Depois de alguns minutos em silêncio.
- Estava pensando! – Iniciou William. -
Viemos aqui para fazermos algo que
terminaria com nossos sofrimentos. Por
covardia? Egoísmo? Para não enfrentarmos os
problemas de frente? Por que não
conseguimos enxergar uma solução? – Deu
uma pausa.
- Por que nos encontramos exatamente neste
lugar? Não poderia ser numa praça, num
cinema, em outro lugar qualquer? – Mais um
tempo de silêncio.
- O que Deus quer da gente? – Continuou. –
Por que? Apesar de tudo, ainda somos
importantes para Ele?
Como num passe de mágica, se dirigiram para
o centro do terraço onde estava William e se
abraçaram. Ali eles choraram toda dor,
desespero, angústia que sentiam dentro da
alma. Como se estivessem sendo abraçados
pelos seus Anjos da Guarda sentiram paz e
alivio.
Depois de algum tempo.
- Esvaziei minha alma. – Disse Oscar.
Apesar de surpresos com a frase todos
concordaram.
- Hoje já me aconteceu de tudo! – Jorge
exclamou sorrindo. - Fui enganado por um
cara que contratei, desisti do meu objetivo e
ainda acabei encontrando dois malucos.
- Imaginem se alguém entra aqui e vê esta
cena. Três marmanjos abraçados. –
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Comentou Oscar.
A gargalhada foi generalizada, William não
conseguia se controlar e quase passou mal de
tanto rir ao olhar para aquela figura.
- O que vamos fazer agora? – Perguntou
Jorge.
- Vamos aguardar novas instruções. –
Respondeu William ainda rindo.
Caminharam na direção da porta, ainda
tinham uma etapa a ser transposta. A escada
para o andar onde pudessem utilizar o
elevador para deixarem o edifício.
- Será que consigo descer segurando você? –
William não estava seguro quanto ao seu
preparo físico.
- Podemos fazer o seguinte, você me inclina
para traz. Eu controlo a roda, acredito que
juntos nós conseguiremos. – Olhou para o
William sorriu e completou. - Confio
plenamente que estarei seguro em suas mãos,
já me salvou a vida hoje.
William não soube porque, mas sentiu-se bem
com as palavras.
O esforço foi grande, houve momentos que
William achou não conseguir segurá-lo por
mais tempo. Quando chegaram no andar
estavam exaustos, entraram no elevador,
pareciam crianças que acabavam de fazer
uma travessura.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
13
Capítulo dois
A CARTA
Os problemas que os carteiros têm para
entregarem suas correspondências são muitos.
A começar pela letra dos remetentes. Alguns
não se preocupam em escrever com letra
legível, pensam ser a obrigação dos correios
decifrarem os endereços.
Há pessoas que julgam que seus cachorros
não mordem porque são mansos e por isso
não os prendem. Há também os que nunca
são encontrados em suas próprias casas, o sol,
a chuva, o frio, o calor entre outros. Ser
carteiro é gostar de muita ação e adrenalina.
Geraldo era uma pessoa que gostava da
profissão.
Ele acordou disposto, o dia ensolarado
facilitava sua locomoção e a entrega de todas
as cartas parecia que seria simples. Como
sempre, na central dos correios, separou as
correspondências pelo nome das ruas e pelo
número das residências colocando clipes e
elásticos para facilitar seu trabalho.
Ao término da manhã tinha entregado a
maioria delas, mas no final do dia uma das
cartas voltou com ele. Era uma carta
registrada. Por três dias consecutivos tentou
efetuar a entrega, mas como não conseguiu,
foi obrigado a devolvê-la para as providências
necessárias.
Apesar de ter agido conforme os
procedimentos, Geraldo tinha a sensação de
L.P.OWEN
14
dever não cumprido. Sempre pensou, que
toda correspondência é muito importante,
pelo menos para o remetente e o destinatário.
Nelas poderiam estar a diferença entre a
felicidade e a infelicidade, o acordo ou
desacordo, enfim, entre o sim e o não.
Mesmo assim, avisaria o remetente tinha uma
boa memória e por coincidência era um velho
conhecido.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
15
Capítulo três
TUDO PELA JANTA
Na saída do edifício pararam. A pergunta que
surgiu entre eles foi: – O que faremos? Como
ninguém se pronunciou, resolveram caminhar
sem destino.
A tarde chegava ao seu final, o céu estava tão
colorido, que fez os três admirá-lo. O sol com
cor alaranjada, quase vermelha querendo
esconder-se no horizonte, contrastava com o
azul do céu e o branco das nuvens, fazendo
composição com as estruturas dos edifícios,
transformando-se num belíssimo quadro. A
noite preparava-se para tomar o seu lugar
enquanto o sol delicadamente se punha no
horizonte, prometendo no dia seguinte um
novo espetáculo. As luzes da cidade aos
poucos iam sendo acesas para iluminar as
ruas, avenidas e praças dando início a vida
noturna. Como formigas saindo do
formigueiro, as pessoas saiam dos edifícios e
caminhavam, algumas seguindo a mesma
direção, às vezes trombando com outras
pessoas, que vinham em sentido contrário,
desviavam-se para poder continuar seu
caminho, exatamente como as formigas.
- Não sei quanto a vocês, mas estou morrendo
de fome. – Disse Oscar.
- Todos estamos famintos. – Respondeu
William.
- O único problema e que não tenho dinheiro
algum. – Falou Oscar.
L.P.OWEN
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Os outros verificaram seus bolsos.
Concluíram que a quantia total que eles
possuíam, não daria para pagar um lanche.
- Não temos dinheiro para nada, como fui sair
sem nada no bolso? – Questionou Jorge.
– Para onde estávamos querendo ir não
precisaríamos. – Completou Oscar.
- O que podemos fazer? - Perguntou Jorge.
– Posso cantar algumas músicas por comida.
– Respondeu Oscar tranquilamente.
– A quem vamos anunciar? – Emendou
William. – Elvis?
- Por que não Oscar o lindo? – Brincou.
- Não é preciso dizer nome algum é só
perguntarmos se posso cantar por um prato de
comida para cada um.
- A única coisa que pode acontecer é dizerem
não e não nós já temos. – Concluiu William.
O que você vai cantar? – Quem vai
acompanhá-lo?
- Eu posso acompanhá-lo no violão. –
Completou Jorge.
- Você está vendo William? - Disse Oscar. -
Estamos formando uma equipe. – Completou.
Está ótimo! Jorge me acompanha. Não se
preocupe, com essas muletas não dá para ir
longe.
- O que faço? – Perguntou William – fico
jantando?
- Pode ser nosso empresário. – Falou Jorge
sorrindo.
– Isso mesmo, nós precisamos de um
empresário para fechar os contratos. –
Concordou Oscar.
- Então! Lá vamos nós.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
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Quando os três entraram no estabelecimento,
o proprietário olhou-os de cima a baixo, não
gostou do que viu, foi logo perguntando:
- O que os senhores desejam?
- Desejamos alimentar-nos, mas infelizmente
não temos dinheiro.- Disse William.
– Então por que entraram aqui? – Emendou o
sujeito.
– Estamos dispostos a pagá-lo com o nosso
trabalho. – Retrucou.
- O que os senhores estão dispostos a fazer
como pagamento? – Perguntou com
seriedade.
- Meus amigos poderão cantar algumas
músicas.
– Quem disse que em meu restaurante se pode
jantar com música ao vivo? – Interrompeu
novamente o proprietário do estabelecimento.
Vendo as coisas começando a dar errado,
Oscar propôs algo que deixou os outros dois
surpresos.
- Aceitaria, como pagamento por quatro
jantares, que fizesse um desenho do senhor
para colocar num quadro e pendurá-lo na
parede?
Houve um momento de apreensão. O homem
pensou, coçou o que restava de cabelos
ensebados na cabeça e respondeu.
- OK! Só não tenho muito tempo para servir
de modelo. – Avisou.
- O senhor pode ficar a vontade. Fazer o que
quiser. Só preciso olhar seus traços. –
Respondeu Oscar enquanto procurava um
L.P.OWEN
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toco de grafite no bolso da calça.
- O senhor tem algum papel que pudesse
desenhar nele? - Perguntou meio sem jeito.
- Pode desenhar naquela parede que está
pintada de branco próxima do balcão, assim
não preciso comprar quadro algum. –
Respondeu sorrindo maliciosamente.
Disse apenas para dificultar o trabalho do
rapaz e fazer o custo do jantar maior do que
realmente valia. Oscar teria que subir em uma
cadeira para alcançar o local da pintura.
William perguntou sobre a possibilidade da
confecção do desenho naquele local, o rapaz
apenas assentiu com a cabeça.
- Você pode ajudar-me a subir na cadeira?
– Sim. Com todo prazer.
Pegando duas cadeiras colocou-as lado a lado
e subiu em uma. Segurando Oscar pelo tórax
puxou-o para cima e com muito esforço
conseguiu colocá-lo em pé sobre a outra
cadeira. Com a barra de grafite iniciou o
trabalho. Enquanto Oscar desenhava com
uma facilidade que impressionava os dois,
William segurava-o para que não despencasse
lá de cima. O trabalho durou mais de uma
hora, pela dificuldade que o local apresentava.
Quando o proprietário do restaurante viu o
desenho terminado, não acreditou que alguém
pudesse fazê-lo apenas com aquele material.
Serviu os três como combinado.
- Parabéns! – Disseram juntos os dois amigos.
– Você é um tremendo artista conseguiu fazer
o cara mais bonito do que é. – Completou
Jorge.
- Obrigado. – Disse emocionado.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
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– Nós é que te agradecemos. – Emendou
William. – Conseguimos crédito para o jantar.
- Sem vocês não conseguiria fazê-lo. Se o
Jorge não me direcionasse nas proporções e
você não me segurasse.
– Nós estaríamos sem janta. - Disseram rindo.
O jantar estava simples, mas saboroso, antes
de sair, Oscar pegou o outro jantar que foi
colocado numa embalagem para viagem.
Quando saíram foi cambaleando com suas
muletas até um homem que estava sentado na
rua. Entregou a sacola com o alimento.
Voltou cantarolando, fazendo graça com a
música “Dançando na chuva”. Sua versão
“Dançando de muletas”. Chegando perto dos
outros disse emocionado.
- O cara me falou “Deus te abençoe”, não é
maravilhoso isso?
Os outros dois não entenderam e ficaram
quietos, mas ele continuou.
- Hoje é o dia mais feliz de minha vida. Deus
me mandou vocês para me salvarem, agora o
rapaz ali pede para Deus me abençoar. Ele já
me abençoou. – Oscar ria como uma criança.
Os dois ouviam-no dizer que Deus havia
mandado eles para salvá-lo, quando o
contrário pudesse ser a verdade ou cada um
estava salvando o outro.
O que importava agora é que estavam juntos
para superar os obstáculos.
L.P.OWEN
20
Capítulo quatro
KASUO
Desde o momento que começou a dar os
primeiros passos foi uma revolução que
aconteceu em sua casa. Sua mãe se
desdobrava para ensinar o caminho que podia
seguir dentro da sua própria casa.
A família Suzuki ficou feliz com o nascimento
do garoto que foi batizado por Kasuo.
Desde pequeno demonstrava ser muito
decidido e obstinado. Não havia obstáculo
que o fizesse desviar-se de seus objetivos.
A deficiência visual não era empecilho para
aquele menino valente e inquieto, ávido por
conhecer o mundo. A partir dos primeiros
momentos de sua existência lutou para
sobreviver. A gestação difícil e complicada
tornou-o um guerreiro antes mesmo do
nascimento e sua mãe o chamava de “Meu
pequeno Samurai”. Em seus primeiros passos,
sua mãe, para evitar acidentes, retirou do
caminho o banco do piano.
Para sua proteção, ele colocava a mãozinha
na frente procurando por obstáculos a sua
frente. Aconteceu, certa vez, esbarrar nas
teclas do piano. O som produzido chamou
sua atenção. A partir daí não parou de bater a
mãozinha e ouvir o som produzido.
O tempo passou o menino mostrou-se um
excelente pianista. O gosto pela música fê-lo
aprender canto, isso o facilitava na
composição das melodias.
Kasuo mostrava-se uma criança especial. Seu
dom musical era algo inexplicável, a
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
21
facilidade em compor, em tocar, era
impressionante.
Nem tudo era um mar de rosas. O talento do
garoto ajudava seu pai e empresário agendar
um grande número de apresentações, por
outro lado, as viagens constantes não
permitiam criar raízes em lugar nenhum.
Durante uma dessas viagens, para uma
apresentação à terra de seus ancestrais,
ocorreu uma tragédia.
O automóvel em que estavam derrapou numa
camada fina de neve saindo da estrada.
Mesmo conhecendo a região, o motorista não
teve como evitar o acidente. O automóvel
desceu ribanceira abaixo capotando várias
vezes, até bater em uma árvore.
Kasuo foi o único sobrevivente. Sua mãe e
seu pai, para protegê-lo, sofreram a maior
parte do impacto das ferragens retorcidas.
Sem parentes foi encaminhado para um
orfanato de onde saiu depois de completar a
maioridade. Durante este tempo não sentiu
vontade de tocar, compor ou cantar. Sua
música aos poucos estava morrendo.
As propriedades e a excelente situação
financeira que seus pais deixaram eram
suficientes para seu sustento. Retornou a
mansão onde morou quando não estava em
viagem.
Kasuo estava entediado, aquela casa era
imensa, para duas pessoas e um cachorro
morarem.
Não suportando mais ouvir música, resolveu
L.P.OWEN
22
dar uma volta pela cidade. Assim que se
levantou do sofá, seu fiel amigo se colocou ao
seu lado para guiá-lo. Admirava a inteligência
e a fidelidade daquele animal. Sentia o toque
em sua perna todas as vezes que estava pronto
para o trabalho.
Romeu era um Lavrador treinado para ser
guia, dócil e inteligente, o único que
conseguia melhorar o humor de Kasuo.
Costumava passar horas ao lado de seu dono.
Muitas vezes colocava a cabeça no colo de
Kasuo somente para animá-lo.
Todos os dias abriam a porta para que Romeu
desse uma volta pela redondeza. Ao retornar
do passeio ele sentava-se na frente do portão e
latia para as pessoas que estivessem na rua,
como era conhecido pelos vizinhos, sempre
encontrava alguém para atendê-lo. Depois de
aberto o portão latia novamente “como
agradecimento ao seu benfeitor” e entrava
tranquilamente.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
23
Capítulo cinco
NO SUPERMERCADO
- Agora que estamos saciados, precisamos
arrumar um local para ficar. – Disse Jorge.
- Boa ideia, por que não vamos para o Hilton
hotel? - Brincou Oscar.
- Sei de um local que pelo menos servirá para
esta noite. Vamos ao supermercado,
precisamos comprar fósforos e velas. –
William lembrou-se da casa onde morou de
aluguel e que ainda estava vazia.
- Vamos dormir naquelas barracas de camping
expostas no supermercado? – Brincou Oscar.
Oscar foi o sorteado para comprar os fósforos,
enquanto os outros dois procurariam por
velas. Ao andar os seus movimentos
causavam ruído de metal devido ao atrito das
peças desajustadas.
Procurando a prateleira onde o produto
estava exposto, distraído, foi de encontro ao
Kasuo, que vinha em sentido contrário. O
choque foi inevitável, apesar de Kasuo ter
parado ao sinal de Romeu.
- Desculpe-me não o vi. – Disse Oscar
imediatamente.
- Não tem problema, porque continuo não te
vendo. – Respondeu Kasuo.
- Me desculpe novamente. – Tentou concertar
a situação.
- Não precisa ficar chateado, estou
acostumado com situações como esta.
- As pessoas não sabem como se portar em
L.P.OWEN
24
presença de pessoas com necessidades
especiais e ficam todas desajeitadas. –
Comentou Kasuo.
- Concordo plenamente. Sinto-me como você
quando olham para mim.
- Diga uma coisa. Que barulho foi esse? –
Perguntou Kasuo.
- Está falando do meu meio de transporte? –
Disse rindo.
- Você também tem necessidades especiais? –
Perguntou Kasuo surpreso.
- Sim. – Disse Oscar caindo na risada. - Sou
uma espécie em extinção e, olha eu quase fui
extinto hoje.
Para amenizar a situação, Oscar mudou de
assunto.
- Seu cachorro é muito bonito.
- O nome dele é Romeu. O meu é Kasuo,
muito prazer.
- O meu é Oscar, o prazer é todo meu.
Os dois ficaram conversando distraídos.
Oscar contou-lhe que viera comprar fósforos.
Kasuo por um instante ficou sério.
Imediatamente Oscar percebeu que algo
estava errado.
- O que aconteceu com você? – Perguntou
enquanto se ajeitava para poder pegar a caixa
de fósforos. – Você vai comprar alguma coisa?
Quando Kasuo respondeu, Oscar sentiu a
tristeza na voz do rapaz.
- Venho sempre aqui para evitar a solidão,
pelo menos, ouço as pessoas conversando
sobre diversos assuntos, algumas vezes
encontro alguém para conversar. – Disse em
tom amargo.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
25
- De solidão entendo bastante, isso quase me
levou a cometer um erro muito grande. –
Continuou – Graças a Deus conheci dois
anjos que me impediram de cometer um
terrível engano. Agora vamos procurar outro
caminho.
- Por falar nos anjos eles devem estar
pensando que me perdi. Ainda precisamos
encontrar um local para ficar. Foi um prazer
enorme te conhecer Kasuo, mas tenho que ir
andando, ou melhor, me arrastando.
- O prazer foi todo meu. Pela primeira vez
conversei com alguém que não me tratou de
maneira diferente.
Os dois despediram-se. Oscar brincou com
Romeu e afastou-se seguindo em direção ao
caixa. Antes que o som das muletas não fosse
mais ouvido, Kasuo chamou-o.
- Oscar! – Como não obteve resposta chamou
mais alto – Oscar!
Após alguns instantes Kasuo começou a ouvir
o barulho das muletas novamente vindo em
sua direção.
- Pois não, meu amigo, o que você deseja? –
Perguntou Oscar.
- Estava pensando no que você falou sobre
precisar de um local para ficar. Moro aqui
perto, nos fundos tem uma edícula, você
poderá ficar lá.
- Te agradeço, acontece que além de mim tem
os meus dois amigos. – Respondeu Oscar.
- Qual o problema? A edícula é grande, vocês
poderão ficar lá o tempo que quiserem, pelo
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menos, não terei que cuidar dela.
Não demorou muito, os dois que estavam
esperando por Oscar, vieram ver o que
acontecia porque estavam preocupados.
- Olá pessoal! - Começou Oscar. - Este é
Kasuo, nosso novo amigo.
- Não te falei Kasuo, que eles estariam
preocupados comigo.
Os dois cumprimentaram o rapaz e não
esqueceram de fazer um elogio ao Romeu,
que se mantinha ao lado do seu dono.
- Estava conversando com o Kasuo sobre
nossa procura por um local para ficarmos ele
nos ofereceu uma edícula nos fundos de sua
casa. O que vocês acham?
- Acho muito bom, mas infelizmente, não
temos como pagar, para dizer a verdade o
único dinheiro que temos quase não dá para
comprar um pacote de fósforos e um maço de
velas. – Anunciou William.
- Vocês não precisam pagar nada. A casa está
vazia e os móveis se acabando por falta de
uso. Por outro lado, farão companhia para
mim e meu amigo Romeu. – Pela primeira
vez Kasuo falou e a tristeza na voz tinha
desaparecido.
- Poderemos aceitar a oferta, depois faremos
qualquer coisa para pagarmos por nossa
estadia. O que vocês acham? – Sugeriu Jorge.
- Poderemos limpar, cozinhar fazer alguma
manutenção que necessite. Você concorda
Kasuo? – Perguntou William.
- Façam da maneira que vocês quiserem a
casa está vazia. Precisa de uma limpeza.
Vocês poderão ficar lá o tempo que quiserem.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
27
Depois de concordarem sobre a forma de
pagamento caminharam pelo supermercado
enquanto Kasuo fazia algumas compras.
William empurrava o carrinho e a comitiva
seguia por entre as gôndolas.
As pessoas olhavam, alguns sentindo pena,
outros não conseguiam disfarçar o medo
devido a aparência do grupo. Ao passarem no
caixa Oscar fez um comentário sobre a
quantidade de coisas compradas por Kasuo.
- Compro com o maior prazer. – Respondeu
Kasuo.
Os três se olharam. William foi quem tomou
a palavra.
- Hoje aconteceram coisas fabulosas comigo.
Ao sair de casa, não tinha propósito nenhum,
estava só. Em algumas horas tudo se
modificou. Conheci pessoas fantásticas.
Agora tenho até um novo propósito para
prosseguir!
Dividiram as sacolas plásticas, sobrou uma
até para o Romeu.
Seguiram em direção a casa de Kasuo, que
não ficava distante. Quando chegaram, foram
instalar-se na casa dos fundos, ao contrário do
que Kasuo havia dito, a casa estava
impecavelmente limpa.
- Se precisarem de roupas tem algumas
minhas que poderão usar, caso não sirva,
dentro do armário ficara algumas de meu pai
ele era mais alto.
Amanhã poderemos comprar roupas novas. –
Continuou enquanto se dirigia para a casa
L.P.OWEN
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principal.
Ao chegar pediu para Helena preparar chá
para todos. Sua governanta, uma jovem
senhora com seus 38 anos, havia divorciado
depois de sofrer agressões de seu marido por
quase cinco anos e por sorte encontrara
aquele jovem que precisava de cuidados.
Fazia alguns anos que trabalhava com ele e se
fosse possível jamais o deixaria.
Encontrara respeito, carinho, educação, tudo
o que não teve em seu casamento. Não
pensava no assunto, mas caso aparecesse
alguém que a amasse de verdade tentaria
novamente.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
29
Capítulo seis
RUAN
O caminho percorrido todos os dias por Ruan
e sua mãe foram fundamentais na sua
formação e desenvolvimento, era um garoto
que nasceu com Síndrome de Down.
No jardim da infância, uma de suas
professoras notou que ele, não parava quieto,
vivia tamborilando em todos os lugares.
Não aguentava mais ouvir o garoto bater nas
carteiras, paredes, portas e armários, entre
outras coisas, a professora sugeriu a sua mãe
que o matriculasse numa escola de música.
Depois de alertada pela professora, Vera
procurou um profissional para ensiná-lo. O
resultado foi muito bom. Diminuiu a
inquietação do garoto e favoreceu sua
coordenação motora e as atividades manuais,
recebendo elogio da professora do jardim.
Num dos Natais, Ruan acordou cedo, foi
olhar embaixo a árvore de Natal montada na
sala de estar. Ali o “Papai Noel” deixava os
presentes que trazia.
Ao chegar na sala não viu seu presente como
de costume. Ficou desapontado, mas não
disse nada.
Sua mãe sugeriu carinhosamente que
procurasse em outros lugares da casa. “Quem
sabe o Papai Noel se enganou!”.
Procurou em todos os lugares possíveis, mas
não encontrou nada.
- Vamos continuar procurando meu filho, não
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30
devemos desistir nunca. – Disse
carinhosamente.
Continuaram vasculhando por todos os
cantos da casa, ao entrarem na garagem,
Ruan não conseguiu se conter de felicidade ao
ver que o seu presente estava montado num
canto da garagem e gritou de felicidade.
Pulou para os braços de sua mãe beijando-a
muitas vezes.
- Em vez de ficar pulando, por que não a
experimenta? – Disse sorrindo.
A bateria era linda, vermelha, as ferragens
todas cromadas, os pratos na cor cobre
brilhavam de tão polido. Sentou-se na
banqueta, desaparecendo atrás do
instrumento, mas tentou tirar algumas notas.
Com o tempo a intimidade com o
instrumento surgiu.
Ruan passava muitas horas treinando. As
aulas que fazia lapidavam seus dons musicais.
Os anos passaram, sua primeira bateria foi
doada para uma escola, onde começou a
ensinar as crianças. Como prêmio sua mãe
lhe presenteou com uma bateria profissional
tornou-se um excelente baterista.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
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Capítulo sete
A DUPLA
Naquela manhã, Kasuo acordou inspirado e
para se distrair começou a tocar piano. Nos
primeiros acordes da música “O fantasma da
ópera” ouviu um ruído as suas costas,
reconheceu ser o atrito das muletas de Oscar e
parou de tocar.
- Desculpe ter atrapalhado.
- Sou eu quem devo desculpar-me por ter
acordado você. Estava apenas matando a
saudade do meu bom e velho companheiro,
relembrando alguns acordes. Desde a morte
de meus pais não toquei mais.
- O que fez você voltar a querer? – Perguntou
Oscar.
- Sonhei com meus pais. Nele estávamos
caminhando por um local cheio de flores e
plantas tão bonitas, como as que temos aqui
no jardim. Todas elas foram planadas por
minha mãe. – Comentou orgulhoso. - Ela me
pediu para não abandonar meus sonhos e
continuar tocando. Fazer um grande
concerto. Enfim alegrar as pessoas com a
música, que é um dom de Deus e seria um
desperdício não utilizá-lo. Falou-me também
que esta casa estava triste.
- Se a tua mãe falou que queria ouvir música,
você tem que obedecer. – Brincou Oscar.
- Adoro essa canção que estava tocando, se
permitir, posso acompanhar-te.
Kasuo reiniciou os acordes, Oscar começou a
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cantar fazendo o outro ficar admirado ao
ouvi-lo. Sua voz era extremamente agradável,
os agudos pareciam fáceis de serem
alcançados, isto fez Kasuo empolgar-se. Seus
dedos percorriam o teclado do piano fazendo
sua alma encher-se de alegria, transportando-
o para um local onde somente ele conhecia.
Ao terminarem, foram ovacionados por
William, Jorge e Helena que estavam
escutando extasiados.
- Meu Deus! Quanto talento existe em vocês!
– Desabafou William.
- Ainda bem que se encontraram. –
Completou Jorge.
- Ainda bem que os iguais se encontram e
quando isto acontece, o universo comemora.
– Retrucou Helena.
Ficaram ouvindo a dupla por algumas horas.
A música era tão boa que não perceberam o
tempo passar.
- Por que não montam uma banda? -
Comentou William.
- Para uma banda são necessários, alguns
músicos e muito ensaio. – Respondeu Kasuo.
- Aqui existe um pianista, um vocalista e um
guitarrista, já é um bom começo! –
Completou William.
- Onde poderíamos nos apresentar? –
Completou Oscar. – Naquele restaurante
onde jantamos? – Disse rindo relembrando o
incidente com o proprietário.
- O local a gente arruma. – Exclamou
William.
Durante o almoço surgiram várias ideias. A
conversa continuou durante uma caminhada,
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
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à tardinha, pela cidade.
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Capítulo oito
A APRESENTAÇÃO
Por ser especial a dedicação tinha que ser
maior, mas Ruan era perseverante, gostava e
aprendia rapidamente. Seus pais sentiam
orgulho do filho, a síndrome de Down não o
impedia de conseguir superar os obstáculos e
colocar por terra os prognósticos médicos de
suas possibilidades e conquistas.
Algumas metas foram alcançadas, mas faltava
muito para Ruan realizar seus sonhos o de
participar de uma banda. Cada obstáculo que
aparecia em sua vida, Ruan fazia de tudo para
transpô-lo. Seu lema “desistir jamais”,
ensinado por sua mãe.
O mais recente foi uma pequena diferença em
uma de suas pernas que estava prejudicando
seu desenvolvimento. A observação foi feita
pelo professor, ao vê-lo caminhar.
A intervenção cirúrgica foi um sucesso.
Tratou-se de uma mistura de duas técnicas.
Uma era a técnica do alongamento em Z com
outra mais recente, a do enxerto do
combinado de células tronco e osso sintético.
Com o passar do tempo, seu interesse em
ajudar outras pessoas com deficiências
aumentou. Enquanto não conseguiu um local
para doar seu talento não sossegou.
Agora, ao dedicar-se a outras pessoas com
problemas diversos, sentia-se feliz.
O trajeto que fazia era longo, mas a
caminhada o ajudava no condicionamento
físico.
Ir todos os dias para ensinar pessoas era
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
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muito gratificante. Em muitas ocasiões
recebera os cumprimentos do diretor da
escola. Isso o deixava muito contente. Ruan
tinha a impressão que o progresso feito pelos
seus alunos se devia ao entendimento das
dificuldades sentidas por eles e a dedicação de
cada um para romper o seu limite. Finalmente
o dia da apresentação chegou. Seu coração
estava feliz e ansioso ao mesmo tempo.
Aquele dia seria muito especial, seus alunos
tinham empreendido um grande esforço,
mesmo que ocorresse algum deslize, eles
seriam irrelevantes. Sentia-se orgulhoso por
eles. Ruan adorou quando notou que as luzes
que iluminavam o palco não permitiam ver as
pessoas na plateia. Isso ajudaria os mais
tímidos.
A apresentação foi simples, os alunos
acompanhavam playback de músicas de
sucesso. Ruan por sua vez, apenas ficava ao
lado no palco para dar mais tranquilidade as
crianças.
No final, quando as luzes da plateia foram
acesas, viu seu professor e amigo aplaudindo
seu trabalho sentado na primeira fila. Teve
que segurar a emoção. Sentiu a falta de seu
pai que havia falecido algum tempo atrás. Sua
mãe se desdobrava para criá-lo e pelo modo
como chorava sorrindo e aplaudindo ao
mesmo tempo dava para ver que estava muito
orgulhosa. Os aplausos não paravam,
enquanto isso, os participantes curvavam-se
em agradecimento. Na plateia, um grupo
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chamou a atenção de Ruan pelo
entusiasmo de seus componentes. No final da
apresentação se aproximaram e
cumprimentaram-no efusivamente.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
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Capítulo nove
O CONVITE
O passeio após o almoço foi muito agradável,
conversaram sobre diversos assuntos. Ao
atravessarem a praça, Oscar fez uma
observação enquanto tocava o ombro do
Kasuo.
- Veja que mulher maravilhosa! – Falou para
brincar com o rapaz.
- Oscar, por que você não corre atrás dela? –
Respondeu o outro rindo.
Todos riram. O passeio continuou até o final
da tarde. Estavam prestes a retornar, quando
viram pessoas aglomeradas próximas de uma
escola. Aproximaram-se para matarem a
curiosidade.
Quando perceberam, estavam sendo
conduzidos pelas pessoas que se
encaminhavam para dentro do auditório da
escola. Não estava lotado e sentados numa
fileira ao lado da porta puderam assistir ao
show dos alunos. Jorge colocou-se ao lado de
uma fileira de poltronas, o restante do pessoal
acomodou-se nas poltronas que estavam
vazias.
Jorge explicava os acontecimentos ao Kasuo
que estava se sentindo perdido.
Depois das crianças se apresentarem, Ruan
foi requisitado, pela direção da escola, a fazer
uma pequena demonstração.
Com extrema maestria fazia suas baquetas
tocarem em diversos modos e estilos. Mesmo
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alternando o ritmo, tudo era feito com
harmonia e precisão. O talento do rapaz
chamou a atenção de Kasuo.
- Será que ele está procurando tocar em
alguma banda? – Insinuou.
- Só faltaria um baixista. – Completou
William.
- Perguntar não ofende. – Avisou Oscar.
O show foi sensacional, aplaudiam
efusivamente. Quando acabou a apresentação
os quatros fizeram questão de cumprimentá-
lo.
- Agradeço por terem vindo e espero que
todos tenham gostado. – Disse Ruan.
- Gostado? Nós adoramos! – Disse Oscar.
Antes que o Ruan fosse a algum lugar
perguntou.
– Você não gostaria de fazer parte do grupo
que estamos montando?
Não teve tempo para responder, alguém o
puxou pelo braço, em poucos instantes, Ruan
já estava do outro lado do teatro recebendo os
cumprimentos dos pais dos alunos, parentes e
amigos.
Os quatros ficaram sem ação e resolveram ir
embora.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
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Capítulo dez
UM MENDIGO
Naquela manhã William saiu muito antes que
o pessoal acordasse. Caminhou durante
algum tempo sem destino.
Resolveu entrar numa igreja, naquele
momento havia muito poucas pessoas, seguiu
pelo corredor em direção ao altar, fez
reverência e seguiu em direção ao Sacrário.
Sentou num banco próximo ao altar do
Santíssimo.
Ficou quieto, de olhos fechados, sentindo a
tranquilidade e paz que transmitia aquele
local. Agradeceu por ter conhecido aqueles
dois antes de cometerem o maior erro de suas
vidas.
Pensou no filho caçula que comemorava seu
15º aniversário, há muito tempo não lhe dava
um abraço ou ouvia a sua voz. Por esse
motivo estava sentindo-se infeliz.
Estava tão concentrado em seus pensamentos
que não percebeu um homem com as roupas
surradas, sentar-se ao seu lado.
- Bom dia! – Exclamou o homem com olhar
fixo no altar.
- Oh! Desculpe-me, estava distraído. Bom dia!
Como vai o senhor? – Disse William meio
sem graça.
- Muito bem. – Respondeu o outro. – Por que
está tão triste?
- Deu para perceber? Está muito na cara?
- Sim! – Respondeu ainda sem desviar seu
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olhar. – Você não quer falar sobre isso?
William percebeu que desabafar um pouco
não faria mal. Contou o que acontecia. Falou
com orgulho de seus filhos Luís e Mário 18 e
15 anos respectivamente.
- Por que não vai visitá-los?
- Para ser sincero, não tive notícias deles há
alguns meses e também porque não tenho
coragem para encará-los. A bebida conseguiu
tirar-me o que tinha de mais precioso! A
minha dignidade. - O senhor o que faz aqui?
- Sempre venho conversar com Deus. –
Respondeu como antes sem olhá-lo.
- Eu entrei por acaso e resolvi fazer o mesmo,
mas não sei como começar. – Confessou
William.
- Todos temos dificuldades. Quando vou falar
com Deus, primeiro faço uma oração. – Disse
o homem.
- Não fiz oração alguma, talvez, por isso
tenho tanta dificuldade em iniciar.
- É possível. Quem sabe, não abriu seu
coração o suficiente. Por que não começa
novamente agradecendo o que tem e o que
não tem? – Comentou ainda olhando para o
altar.
- Como agradecer o que não tenho?
- Você não está doente! Está?
- Claro que não!
- Então agradeça por não ter uma doença
qualquer.
- Vou fazer isso. – O senhor poderia rezar
comigo? – Perguntou William olhando para o
homem ao seu lado.
- É isso o que realmente quer? – Perguntou,
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mas desta vez olhando-o nos olhos.
- Se puder, ficaria eternamente grato. – Disse
com os olhos marejados.
Os dois ficaram orando por alguns instantes,
quando terminaram William sentiu seu
coração bem mais tranquilo.
Agradeceu por tantas graças que Deus
concedia-lhe. Apenas sorriu para o homem ao
seu lado e agradeceu.
- Obrigado por ajudar-me. – Disse com o
brilho no olhar. - Vou orar por você também.
- Faça isso! É o que nos mantém caminhando.
- O que você faz para viver? – Perguntou
William.
- Apenas converso com aqueles que moram
na rua, os viciados, as prostitutas, os ricos,
todas as pessoas, vivo para aprender e ajudar.
- O que o senhor ganha com isso?
- Um sorriso, uma oração. – Disse o homem
olhando para o altar.
Antes mesmo que William dissesse alguma
palavra se retirou.
Repentinamente William lembrou-se de não
se apresentar, mas era tarde ele já tinha saído.
Continuou por mais algum tempo quieto,
sentindo a presença de Deus na paz que
estava sentindo.
L.P.OWEN
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Capítulo onze
A PROCURA
Todos estavam tomando café exceto William.
A preocupação tomou conta do grupo, porque
não tinha dito nada sobre ausentar-se.
- Por que não damos uma volta para ver se o
encontramos? – Questionou Oscar.
- Como vamos achá-lo numa cidade tão
grande como esta? – Disse Jorge.
- Podemos usar o Romeu é um cão de caça,
vai encontrá-lo facilmente. – Retrucou o
outro.
- Como faremos? – Disse Jorge em tom cético.
- Vou trazer uma meia do William para o
Romeu cheirar, se não passar mal com o
cheiro, poderá encontrá-lo facilmente.
Kasuo, que até então, não tinha dito nada,
iniciou jogando um banho de água fria nos
dois.
- Romeu não foi treinado para caça, mas para
ser guia. O que podemos fazer é sairmos à
procura dele.
Todos concordaram com ele, resolveram
apenas dar uma volta pela redondeza.
Andaram por algum tempo, mas não o
encontraram. Estavam quase desistindo
quando passaram em frente da igreja e
Romeu caminhou em direção a porta.
- Ele está querendo que entremos na igreja. –
Falou Oscar.
Oscar entrou, tomando o cuidado para não
fazer muito barulho com as muletas, seguiu
pelo corredor central indo sentar-se num
banco bem em frente ao altar do Santíssimo.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
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- Como foi que me encontrou aqui? -
Perguntou William.
- Podemos dizer que seu cheiro atraiu a gente.
– Respondeu Oscar.
- O que você quis dizer com isso?
- Dei uma de suas meias para o Romeu
cheirar depois de se recuperar ele nos trouxe
até você. – Brincou. - Estávamos
preocupados. Poderia ter nos avisados. –
Desta vez disse sério.
- Vocês estavam dormindo, não quis
incomodá-los. Estava precisando ficar algum
tempo só. Se quiser podemos ir andando.
Os dois saíram ao encontro do restante do
pessoal, que aguardavam no lado de fora.
- Por que não entraram? – Perguntou
William.
- Nem sabíamos que estava aqui. Outro
motivo é o Romeu. – Respondeu Kasuo.
- Não acredito que Deus fique bravo. Ele
também é sua criação. – Disse William.
Enquanto caminhavam de volta para casa,
conversavam sobre o que fariam no futuro.
L.P.OWEN
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Capítulo doze
A DECEPÇÃO
Sua mãe estava eufórica com o sucesso da
apresentação, enquanto ela comemorava e
recebia os cumprimentos Ruan estava
distraído pensando no grupo que estava na
fileira lateral próximo a porta de entrada.
Ficou intrigado com aquele pessoal que o
aplaudia freneticamente. Infelizmente não
tivera oportunidade de conversar por mais
tempo. Lamentou, quando conseguiu ficar
livre e notou que tinham saído.
O dia amanheceu bonito, o sol brilhava
absoluto e prometia temperaturas elevadas.
As pessoas caminhavam pela praça, Ruan
costumava passear e ficar alguns momentos
relaxando ouvindo os sons das águas
provocados pela cascata que mantinha o nível
do aquário. Um tanque de concreto e em
alguns locais da parede havia mais de dois
metros de altura. Construído em terreno com
desnível, era possível apreciá-lo por dois
modos, por cima e lateralmente. Em vários
locais foram colocadas placas de vidro por
onde era possível ver os peixes nadando como
se o espectador mergulhasse junto a eles.
Estava sentado apreciando o movimento,
quando olhou em direção ao playground e viu
uma criança que brincava numa das balanças.
Ao ficar em pé o garoto perdeu o equilíbrio e
caiu.
Ruan instintivamente levantou-se e correu em
direção do garoto. Enquanto corria gritava
para chamarem um médico.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
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Percebendo que o garoto tinha quebrado um
dos braços. Notou também que estava
desacordado, mas respirava. Sua mãe,
descontrolada, queria pegá-lo no colo e levá-
lo ao hospital, mas por instinto, Ruan
segurou-a pelo braço, não permitindo que o
fizesse.
- Calma! – Pediu Ruan à mãe do menino.
A mulher não conseguia se controlar e o
acusava de não deixar socorrer seu filho.
- Se mexer nele pode complicar a situação. Os
médicos estão chegando.
Não acabou de falar e ao seu lado dois
paramédicos já estavam examinando o
garoto. Deixando-o em boas mãos, Ruan
deixou a praça retornando para casa.
- Olá meu filho! O que aconteceu?
Vera conhecia seu filho muito bem para
desconfiar que algo estava errado.
- Aconteceu um acidente com um garotinho
na praça. Fiquei chateado com isso. Lembrei-
me, quando sofri aquele acidente de bicicleta
e fiquei triste pelo garoto que num momento
estava brincando e em seguida não podia
mover o braço.
Depois de contar tudo para sua mãe ela disse
com voz doce:
- Você agiu corretamente filho, como sempre
lhe falamos. Se não sabemos o que fazer, o
melhor é pedir ajuda e não fazer nada.
Depois da conversa, foi para a garagem, onde
passava a maior parte do tempo fazendo o
que mais gostava, tocar bateria.
L.P.OWEN
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Capítulo treze
O SHOW ACABOU
Cláudio, um rapaz bonito, cabelos e olhos
castanho escuros, 1,85m de altura, porte
atlético. Era um dos que atraia maior número
de fãs para a banda. Apesar de todo assédio
que recebia das garotas que frequentava os
locais onde costumavam tocar, não tinha
namorada. Alguns pensavam que era
homossexual, mas o real motivo era o
complexo que tinha por usar uma prótese na
perna esquerda e um pequeno problema de
gagueira que era acentuado pela ansiedade ou
nervosismo.
O show como sempre, nos últimos tempos,
foi muito bom. Por ser o último, tinha um
sabor amargo, era verdade, mas deviam uma
ótima apresentação para os fãs que
conquistaram ao longo do tempo. No final,
cumprimentou os companheiros e saiu.
Como sempre fazia após cada apresentação,
passou uma flanela sobre as cordas do seu
contrabaixo para não oxidarem. Guardou-o
com carinho na maleta. Despediu-se do
pessoal e saiu a caminho de casa.
Enquanto caminhava, pensou na trajetória da
banda. Lembrou-se da maneira como passou
a integrá-la. Na época, com 22 anos, ao
retornar da escola, entrou no restaurante
apenas para tomar um suco e seguir seu
caminho. Ao colocar seu instrumento sobre a
mesa, não conseguiu passar desapercebido.
O líder da banda que se apresentava no local
foi em sua direção, parou na sua frente e
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
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convidou-o a tocar com eles. Não foi
necessário dizer duas vezes.
Cláudio subiu no palco, durante a música a
banda parou para ouvi-lo. Ficaram admirados
com a apresentação do rapaz. Ver aquele
talento e deixá-lo partir seria um desperdício.
– Pensou o líder. Aplaudiram-no de pé por
algum tempo. Agradeceu e já ia se retirando,
quando foi convidado para ser o novo
integrante do grupo. A partir daí o sucesso da
banda foi aumentando até transformá-lo num
dos líderes do grupo.
Lembrou-se das viagens que fizeram, dos
locais onde se apresentaram, das dificuldades
e no momento em que deveriam colher os
frutos, os egos dos integrantes, falou mais
alto.
Na rua, caminhando sozinho, sentiu algumas
lagrimas rolando pelo rosto, assim como seus
sonhos, desmoronaram. Sua vontade, naquele
momento, era de sumir do mundo.
L.P.OWEN
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Capítulo catorze
UM PROJETO ESPECIAL
Sentado na varanda, apreciando o Sol que
iluminava o jardim, muito bem cuidado,
William pegou o lápis e o seu caderno de
notas e começou a escrever.
Você que me aquece;
Dá a vida e a luz;
Ilumina meu caminho;
O destino me conduz.
De dia estás ao meu lado;
À noite longe estás;
Sinto-me só, sinto frio;
Deitado em minha cama;
Como sempre acontece;
Quando acordo e abro a janela;
Lá me esperas tranquilo;
Ao ver-te, tudo se alegra.
Parou quando pressentiu a presença de Oscar.
- Bom dia! – Disse o rapaz.
- Bom dia! – Respondeu enquanto fechava o
caderno.
- Gosta de escrever?
- É uma terapia. Gosto de escrever algumas
coisas. Desabafo no papel.
- Você nunca nos fala o que sente.
- Sou um pouco retraído, escrevo, mas depois
acabo jogando fora. – Respondeu William.
- Poderia mostrá-las para as pessoas, quem
sabe pudessem ajudá-las a ver as coisas de
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
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outra forma.
Ficou em silêncio.
- Você não teve mais notícias de seus filhos? –
Perguntou o outro.
- Não. Faz uns seis meses. A última vez foi no
aniversário do mais velho. Naquele dia,
resolvemos caminhar, durante o passeio
conversamos um pouco. Sentia vergonha por
não ter condições de cuidar deles. Não tive
condição de dar-lhe nenhum presente, nem
uma pequena lembrança.
- Será que ele não achou sua presença o maior
presente, ou melhor, a melhor lembrança que
pudesse ter ganhado?
- Me senti impotente, uma sensação muito
ruim. – William falou com tristeza na voz.
Novamente ficaram algum tempo em silêncio,
quando retomaram foi William quem mudou
de assunto.
- Por falar em sensação ruim, precisamos
conversar sobre as despesas que estamos
dando para o Kasuo.
- Você tem razão. Temos que arranjar um
trabalho o mais rápido possível.
- O que poderemos fazer? Trabalhava com
projetos e manutenções industriais. Com a
minha idade não consigo nem entrevista. –
Comentou William.
- Eu sei pintar, cantar e andar de muletas. –
Disse Oscar.
William riu. Gostava do humor do rapaz,
mesmo nas ocasiões mais difíceis sempre
mostrava seu bom humor.
L.P.OWEN
50
“Oscar tinha idade para ser seu filho”.-
Pensou.
Admirava aquele ser maravilhoso que, a cada
dia, conhecia um pouco mais. Enquanto
falavam, Kasuo e Jorge se aproximaram para
participarem da conversa.
- Sobre o que estão conversando? – Quis saber
Jorge.
- Como faremos para pagar o Kasuo por
nossas despesas. – Respondeu William.
- Vocês poderiam pagar-me trabalhando num
projeto diferente de tudo o que já fizeram. –
Kasuo falou enigmático.
- E o que seria esse projeto? – Perguntaram
quase em conjunto.
- Os senhores poderiam acompanhar-me? –
Indagou Kasuo, enquanto seguiu pelo jardim
guiado por Romeu.
Caminharam em direção a um galpão situado
ao lado da casa. Pintado na cor Palha. Tinha
duas portas, uma localizada na lateral, dava
acesso a casa. A outra, na parte da frente,
tinha 5 metros de comprimento por 3 metros
de altura.
- Senhores preparem-se para o que vão
presenciar, porque até hoje não vi nada igual.
– Disse sério.
Todos riram. Quando Kasuo acionou o
controle remoto ouviu-se o ruído do motor
esforçando-se para erguer a porta enorme.
Todos estavam curiosos para saber o que
havia ali dentro.
Depois de inteiramente aberta, revelou-se o
que existia no galpão.
O sentimento estampado em cada um dos
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
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semblantes foi desolador. Pelo silêncio, Kasuo
imaginou o tamanho da decepção do grupo.
A descrição exata era do verdadeiro caos,
estava inteiramente tomado por móveis,
caixas, havia de tudo um pouco. Um depósito
de tralhas.
- Estou com você. Kasuo, nunca vi algo
semelhante em toda minha vida. – Disse
Oscar.
- Calma pessoal! Explicarei minha ideia. Não
se impressionem com o que estão vendo. –
Tentou animá-los. - Pelo jeito deve estar pior
do que imaginei.
- Estou querendo limpar essa bagunça, jogar
as tralhas fora, separar o que pode ser usado.
O importante é liberarmos este espaço. –
Finalizou Kasuo.
- Não via a hora de fazer algo. Agora que já
sabemos o que fazer, mãos à obra. – Disse
William.
No final todos se empolgaram e meteram a
mão na massa. Cada um fez o que podia.
Separaram as coisas pequenas dos móveis
para um canto do quintal para serem doados
às entidades assistenciais.
Os materiais que poderiam ser reciclados
foram colocados em outro local. Depois disso,
foram retirados os móveis, com a ajuda dos
catadores. William notou a presença de um
automóvel colocado no fundo do galpão
coberto com uma lona. Ao removê-la deu um
grito de admiração.
- Mas o que é isto? Kasuo, você conseguiu
L.P.OWEN
52
enganar a todos. - Completou.
- Em que estavam pensando? Somente em
limpar a garagem, jogando os entulhos fora? –
Respondeu orgulhoso.
- O verdadeiro motivo é criar espaço para
colocar este automóvel após sua reforma. –
Finalizou
O cansaço foi esquecido pelo grupo.
- Precisamos fazer uma avaliação para ver se
vale a pena. – Indagou Jorge.
- Quanto ao custo da reforma não se
preocupem. Não reformei antes porque não
tinha como verificar a qualidade do serviço.
Agora que tenho em quem confiar, podemos
iniciar o mais rápido possível, seu valor
sentimental é muito alto, afinal ele pertenceu
ao meu pai.
- Está propondo que apenas fiscalizemos o
serviço? – Perguntou Jorge.
- Fiscalizar, verificar onde podemos encontrar
profissionais de gabarito para a execução do
serviço. Precisamos de um meio de
transporte, ele será o nosso.
- Além de um automóvel precisamos de um
local para nossos ensaios acredito que
poderemos formar uma banda mais breve do
que pensei. Essa garagem é excelente, basta
melhorar sua acústica e será perfeita. Faremos
uma pequena reforma para separarmos a
garagem do estúdio.
- Você está propondo que formemos uma
banda? – Desta vez foi Oscar quem
perguntou.
- Pensei muito no que William tinha proposto
e achei algo razoável.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
53
- Então vamos começar agora mesmo. –
Oscar conclamou entusiasmado.
Cada um deu sua sugestão para execução do
projeto da reforma da garagem. O desenho do
projeto ficou por conta de William.
O segundo passo foi verificar as peças que
deveriam ser trocadas no automóvel, para
terem uma ideia mais precisa, limparam o
automóvel por completo.
No final, o automóvel estava limpo, mas ao
contrário, com a guerra de água iniciada por
Oscar, todos ficaram molhados.
- Até que não está tão estragado como você
pensava Kasuo! – Comentou Jorge.
L.P.OWEN
54
Capítulo quinze
RECADO DADO
Geraldo, como sempre, deu um beijo na
esposa, no filho de cinco anos e saiu.
Enquanto aguardava o ônibus imaginava a
forma de melhor aproveitar o dia.
Chegando na central, depois de 70 minutos de
viagem, cumprimentou seus colegas de
trabalho, recebeu a bolsa contendo todas as
cartas que deveriam ser entregues.
Com o bom humor, que todos admiravam,
saiu para cumprir sua obrigação. Passou em
frente da residência de William, mas como
antes, estava fechada.
Continuou seu caminho para fazer as entregas
das cartas em outras ruas do bairro.
Restavam poucas correspondências para
terminar seu trabalho. Estava compenetrado
em confirmar o endereço de uma entrega
quando, ao tocar a campainha, não percebeu
o perigo.
Sentiu uma dor muito aguda em seu
antebraço, a primeira impressão foi de receber
uma descarga elétrica muito forte, mas
quando se deu conta percebeu que estava
sendo dilacerado pela forte mandíbula de um
animal.
O ataque foi tão rápido que Geraldo não teve
tempo de se defender. Gritou por socorro,
mas não viu ninguém próximo que pudesse
ajudá-lo.
A única coisa que sentiu, antes de desmaiar
foi a presença de um homem lutando para
retirar seu braço da boca da fera.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
55
Quando acordou estava sendo tratado por um
médico dentro de um automóvel de resgate ao
lado um velho conhecido, que segurava a
barra de ferro utilizada para livrá-lo do ataque
do animal.
- Geraldo está tudo bem com você? –
Perguntou William.
- Sim! Somente me lembro de ser atacado por
um cachorro, o que aconteceu depois, não sei
de nada mais.
- Já está tudo sob controle. O cachorro está
em observação para saber se você não o
intoxicou. – Disse brincando. – A dona estava
lavando o local onde ele fica e não percebeu
que ele tinha escapado.
- Conheço esta senhora ela é gente boa.
Nunca tinha visto esse cachorro. – Respondeu
Geraldo.
- Ele fica na parte de trás da casa. O
importante é que você vai ser encaminhado
para o hospital, lá deixarão você novo em
folha. Daqui a alguns dias você estará pronto
para outra. – William riu novamente.
- Acabei de lembrar-me. Tentei entregar uma
carta registrada na casa onde morava. Como
não te encontrei devolvi para central. Ligue
para lá e procure se informar.
- Ah! Antes que me esqueça. Obrigado!
- Eu é que te agradeço por lembrar-se da
carta. – Respondeu William.
O rapaz foi levado para o hospital.
L.P.OWEN
56
Capítulo dezesseis
O CONSELHO
O dia amanheceu ensolarado, a temperatura
muito agradável, um excelente convite para as
atividades físicas. Ruan acordou cedo, seguiu
em direção a praça. Como de costume, fez
sua caminhada. Depois dos alongamentos,
sentou-se num banco próximo da cascata que
mantinha controlado o nível do aquário.
Distraiu-se olhando as crianças que
brincavam no parquinho em frente. Notou
que cada uma delas tinha preferência por um
determinado brinquedo. Algumas preferiam a
balança, outras trepa-trepa e etc.
Ruan apreciava o movimento, quando uma
sombra enorme surgiu no chão à sua frente.
Ao olhar para o lado deparou-se com o
causador do fenômeno. Um homem alto e
forte, barba por fazer. Usava um chapéu de
feltro, que escondia os cabelos castanhos,
parado à sua frente.
Trazia embaixo do braço um jornal muito
bem dobrado. Na mão, um saquinho pardo
impresso panificadora Coisa Boa.
- Bom dia! – disse o homem em tom alegre.
- Bom dia! – respondeu Ruan.
- Posso sentar-me ao seu lado? – Aguardando
a resposta em pé.
- Por favor! – Respondeu Ruan sorrindo.
- Obrigado! Aqui é um ótimo lugar para
relaxar, não acha? – Observou o andarilho.
- O senhor tem razão. Venho aqui todos os
dias. Faço uma caminhada, sento-me neste
banco, ouço o som das águas caindo,
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
57
enquanto aprecio as crianças brincando no
parque. Quase ia esquecendo-me dos pássaros
que vivem disputando os melhores lugares
nestas árvores. – Completou.
– Você está servido? – Mostrando o pacote
aberto com alguns pães.
- Obrigado. – Respondeu. - A propósito, meu
nome é Ruan muito prazer. – Completou.
- O meu é Sílvio e o prazer é todo meu.
Quando cheguei, notei que estava
preocupado. – Falou enquanto mordia um
dos pães.
- Na verdade lembrei-me de um garoto que
caiu do balanço. Gostaria que estivesse
passando bem.
- Você, como está passando? – Perguntou
Sílvio.
- Estou bem. – Respondeu evasivamente.
Quando Ruan olhou para o lado, os olhos de
Sílvio foram de encontro ao seu.
Imediatamente, sentiu seu rosto corar e
completou.
- Pensando melhor, não estou tão bem assim.
- O que te deixa infeliz? – Perguntou Sílvio
enquanto mordia novamente o pão.
A tranquilidade, a ternura transmitida na voz
incentivava as pessoas a abrirem seus
corações. Sua aparência simples despertava a
confiança nas pessoas, além disso, tinha o
dom de saber ouvir.
- Desde que me conheço por gente estou
sempre mostrando aos outros que sou capaz
de fazer o que me proponho. – Iniciou Ruan. -
L.P.OWEN
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Nasci com um pequeno problema, por isso
tenho algumas limitações. A música faz parte
da minha vida. Ela é como a minha alma, não
sou nada sem ela. Ao falar em tocar bateria,
as pessoas debocham, não me dão
oportunidade de mostrar o que posso fazer.
Tudo pelo preconceito.
- Há pouco tempo atrás recebi o convite, para
fazer parte de uma banda, de um pessoal que
estava assistindo minha apresentação onde
leciono. No tumulto não os vi mais. Talvez
tenha perdido minha oportunidade, dizem
que ela só aparece uma vez.
- Não acredito que se tenha apenas uma
oportunidade na vida. Você não acharia
injusto para os que perdessem essa chance? –
Perguntou Sílvio enquanto terminava de
amassar o saquinho de pão.
- Isso é o que dizem. – Retrucou Ruan.
- Se acredita realmente nessa afirmação, só
posso dizer que você perdeu sua
oportunidade, caso o contrário, digo que ela
ainda não apareceu, ou não era sua
verdadeira oportunidade. – Falava
docemente, mas com firmeza.
- Você imagina se Pedro não tivesse uma
segunda chance para seguir Jesus? – Sílvio
continuou.
– Muitas vezes queremos que as nossas
necessidades sejam satisfeitas no momento
que determinamos. Quando isso não acontece
o pensamento que surge em nossa mente é de
não termos outras oportunidades e ficamos
chorando nos cantos como crianças mimadas
que não tiveram suas vontades atendidas.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
59
Continue treinando que um dia, quando
menos esperar, terá sua oportunidade, então
se lembrará do que estou falando.
- Bem! A conversa está boa, mas tenho que ir
andando. – Sílvio despediu-se.
Ruan pensou nas palavras que acabara de
ouvir enquanto via Sílvio caminhar em
direção a lata de lixo para jogar o saquinho de
papel amassado.
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Capítulo dezessete
RUAN E CLÁUDIO
Cláudio tomou café da manhã e saiu. Estava
sentindo-se bem. Caminhar sempre lhe dava
prazer, aproveitava o tempo para pensar. As
pessoas estavam todas apressadas sequer
olhavam uma às outras. Ele, por sua vez,
estava tranquilo, apenas pensando em dar um
novo rumo para sua vida.
Compenetrado nos seus pensamentos, quase
atropelou Ruan, que se levantava do banco da
praça para ir ver os peixes que passavam
tranquilos próximos ao visor de vidro, não
dando importância para os humanos que
ficavam próximos do aquário.
O impacto de Ruan no corpo de Cláudio foi
tão forte, por pouco os dois não caíram
sentados no chão.
- Me desculpe estava distraído. – Disse Ruan
imediatamente.
- Eu que peço desculpas estava mergulhado
nos meus pensamentos que não percebi você
na minha frente – Respondeu Cláudio.
- Espero não ter machucado com minha perna
biônica. – Comentou Cláudio sorrindo.
Percebendo que Ruan não tinha entendido a
piada, resolveu mostrar-lhe a perna. A
surpresa de Ruan ficou estampada em sua
cara, mas no final os dois começaram a rir.
- Meu nome é Ruan muito prazer.
- O meu é Cláudio, o prazer é meu.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
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Capítulo dezoito
SÍLVIO
Sílvio ajudava as pessoas, mas seus próprios
problemas ficavam sem solução, não tinha
com quem desabafar. Eles haviam começado
alguns anos antes. Casado pai de um garoto
bonito e inteligente. Um homem trabalhador
que vivia para sua família.
Começou a beber, no início, socialmente até
se tornar um hábito. Algum tempo depois não
tinha mais controle sobre o vício. Sua vida
tornou-se um verdadeiro inferno.
As brigas com sua esposa começaram a fazer
parte do cotidiano. Até que um dia quase
chegaram a se agredir, antes que ocorresse
uma tragédia, resolveu sair de casa e não
voltou mais. Passou a viver na rua, dormindo
embaixo de viadutos, marquises. Sua
alimentação era conseguida por doação de
pessoas que encontrava. Seu estado de
embriaguez era permanente, dificilmente
estava sóbrio.
Em um momento raro de lucidez, quando
caminhava por uma avenida, viu uma
aglomeração ao redor de uma pessoa que
estava deitada no chão. Ao lado do corpo
notou um saco onde havia algumas
quinquilharias, pertences do rapaz que fora
atropelado. Aproximou-se para matar sua
curiosidade, levantou o plástico que cobria o
corpo, não suportou a emoção e desmaiou.
Cada um foi levado para um local diferente.
L.P.OWEN
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Sílvio foi encaminhado para um hospital
público onde ficou em observação e
encaminhado em seguida, para uma casa de
recuperação para dependente químico.
O rapaz foi levado para o IML.
No começo tudo era difícil, sentia falta da
ingestão do álcool, as dores eram intensas,
ansiedade, irritação, sensações horríveis. Com
o passar do tempo os sintomas diminuíram. A
única coisa que não passava era a dor que
sentia da perda. O arrependimento de ter
escolhido um caminho errado.
O tempo se arrastava, como uma forma de
fuga dos seus pensamentos, dedicou-se aos
afazeres do lugar e ajudar aos que estavam no
início do tratamento.
Quando saiu, voltou a morar nas ruas. Ficava
nos bancos das praças, embaixo dos viadutos
e etc.
Muitas vezes perguntou a Deus por que ele
vivia enquanto crianças e jovens morriam.
A resposta não tardou. Uma criança
caminhava sozinha chorando. As pessoas
passavam pelo garotinho sem notarem o que
acontecia, preocupadas com elas mesmas.
Sílvio resolveu se aproximar. Depois de
acalmá-la, pegou em sua mão, caminharam
em direção a uma base da polícia próxima de
uma praça.
Quando chegaram, viu um casal que estava
desesperado conversando com um policial em
uma sala próxima. Ao informar que havia
encontrado aquele garoto andando sem rumo
o casal se virou e os dois choraram de alegria.
Depois de muito abraço e choro, o pai do
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
63
garotinho foi em sua direção.
- Não sei como te agradecer. – Disse o pai do
garoto enquanto apertava a mão de Sílvio. –
Que Deus te abençoe.
- Quem tem de agradecer seu filho sou eu. –
Sílvio acabava de descobrir a resposta de sua
pergunta.
Retirou-se, deixando os pais do garoto sem
entenderem sobre o que estava falando.
L.P.OWEN
64
Capítulo dezenove
MÃOS À OBRA
Com a retirada das bugigangas, restando
somente o automóvel, o espaço da garagem
parecia bem maior do que anteriormente.
Fizeram contato com diversos
estabelecimentos de funilaria e pintura, para
execução de um orçamento.
- Vamos ter que aguardar a cotação completa
da parte mecânica, da funilaria e pintura. –
Disse William.
Kasuo não estava preocupado com o valor do
serviço, mas sim, com a qualidade.
- Como ficou a garagem? Vai ser necessário
pintarmos? – Perguntou Kasuo.
- É uma boa ideia. Poderemos pintá-la, assim
que retirarmos o automóvel. – Respondeu
William.
Todo material separado no dia anterior estava
sendo despachado por Oscar e Jorge. Os dois
presenciaram a felicidade do pessoal que
vieram retirar os materiais descartados que,
para eles, seria de muita serventia.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
65
Capítulo vinte
A VISITA
A campainha do interfone soou estridente,
Helena deixou seus afazeres para atendê-la.
Alguém do outro lado procurava pelo
William.
Quando abriu o portão, William ficou
contente ao ver que Geraldo estava com
ótima aparência, apesar do braço imobilizado.
- O que te fizeram no hospital? Uma
recauchutagem completa?
- Fui reformado por completo, mas muito
bem tratado. – Respondeu Geraldo. – O
motivo da minha visita é apenas para te
entregar o telefone e o endereço da central,
onde retornam as cartas não entregues.
- Vou verificar esse assunto. Desde já te
agradeço pela gentileza e preocupação.
- Como sempre digo, uma carta é sempre
importante para duas pessoas; o remetente e o
destinatário. – Disse Geraldo.
- Nunca pensei por esse lado. – Comentou
William.
- Bom! Agora preciso ir, ainda vou passar pelo
médico, não vejo a hora de tirar isso. - Disse
mostrando o braço.
- Você não quer entrar?
- Vamos deixar para outro dia, estou ficando
atrasado para a consulta.
- Então obrigado pela atenção. – Disse
William estendendo a mão.
- Eu é que devo agradecer-te por ter-me salvo.
L.P.OWEN
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Capítulo vinte e um
ALGO INESPERADO
Mais um dia havia passado sem notícia
alguma do paradeiro de seu marido e do seu
filho. Não entendia porque os dois resolveram
partir e nunca mais voltar. Eram, o que se
poderia dizer, uma família normal, com
momentos de altos e baixo. Apesar de ser
uma pessoa esclarecida, a atitude dos dois não
foi assimilada.
Maria, mulher guerreira, tinha traços bonitos,
alta, cabelos castanho-claros. Grandes olhos
castanhos davam a impressão de estarem
atentos a tudo ao seu redor. Não sofria com a
balança, seu peso não se alterava há anos, por
isso, sempre foi invejada pelas amigas.
Procurou por longo tempo encontrá-los num
hospital, numa prisão, necrotério, mas não
havia quem pudesse dizer onde os dois
estavam.
Nos últimos tempos já se acostumara a pensar
na hipótese de terem sido enterrados como
indigente. Seu coração já não suportava mais
desilusões, pistas que nunca a levou a um
lugar que pudesse ter certeza do que havia
ocorrido.
Há muito que deixara de procurá-los. Sentada
no sofá da sala enquanto jantava sozinha,
como de costume, quando se surpreendeu.
Pela televisão, assistia a edição do jornal,
quando mostraram um corpo coberto com
sacos plásticos.
Seu sexto sentido maternal imediatamente
deixou-a em estado de alerta de que pudesse
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
67
ser alguém querido, uma tristeza profunda
invadiu seu peito.
O prato de comida foi deixado sobre a mesa
ao lado. Agora sua atenção voltou-se para as
informações sobre o acidente quando, um
homem passando por trás do repórter chamou
sua atenção.
Novamente seu instinto deu sinais de que
conhecia aquele homem. Um pouco mais
velho e desalinhado, mas ainda assim
continuava sendo aquele que a fizera fugir de
casa para dividir o mesmo teto. Aquele que
ainda fazia seu coração bater mais forte e sua
respiração ficar ofegante.
Ao vê-lo desmaiar ao olhar para o corpo
estendido no chão, sua dúvida tornou-se
quase uma certeza e não conseguiu mais se
conter. Uma dor alucinante tomou conta de
seu peito, como se uma espada atravessasse
seu coração. Não demorou e o choro
convulsivo foi inevitável. Sozinha sem alguém
para confortá-la.
Foi difícil voltar ao estado normal
novamente, mas depois de tomar alguns
copos de água com açúcar conseguiu se
acalmar um pouco e colocar novamente as
ideias no lugar e planejar o que faria. Dormir
naquela noite, somente depois de muito custo
e vencida pelo cansaço.
Seu instinto mais uma vez não se enganara,
após alguns dias, recebeu a notícia de que seu
filho havia sido enterrado como indigente e
que deveria providenciar toda documentação
L.P.OWEN
68
para reverter o caso e transladar o corpo
para o jazigo de sua preferência.
Um pensamento não saia de sua mente, que
Sílvio teria dado informações sobre seu filho,
mas não soube explicar por que não a
procurou.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
69
Capítulo vinte e dois
ALGUNS MOMENTOS
O trabalho na garagem caminhava a todo
vapor, foram colocadas placas acústicas no
teto e parede, para evitar que o som se
propagasse e incomodasse os vizinhos.
Uma divisória foi feita, deixado um espaço
suficiente para o automóvel, que passava por
um conserto completo numa oficina
especializada.
Enquanto isso na oficina de funilaria e pintura
eram feitos os reparos em toda a lataria. Foi
necessário deixar o automóvel apenas no
chassi, para uma perfeita verificação do
estado do veiculo e fazer um trabalho perfeito.
Nesta etapa, já haviam removido todas as
partes podres e restauradas as amassadas,
restando apenas um fundo para proteção. A
obra de funilaria estava entregue, faltando
apenas pintura e polimento.
A parte mecânica era executada por outro
grupo. Motor, câmbio e suspensão estavam
desmontados. Todas as peças passavam por
inspeção detalhada a fim de verificar o estado
de conservação de cada uma para sua
reutilização.
***
Ruan estava feliz, receberia naquela tarde em
sua casa, uma visita muito importante.
Quando a campainha tocou Ruan caminhou
em direção à porta, alinhou a roupa, abriu-a.
L.P.OWEN
70
Ao ver Cláudio parado no portão ficou
muito contente, porque muitas pessoas
haviam combinado anteriormente com ele,
mas nenhuma tinha aparecido, Cláudio seria
o primeiro. Dona Vera não sabia o que fazer
para agradar o visitante.
Preparou um bolo de cenoura coberto com
muito chocolate, alguns sanduíches de atum e
maionese e um cafezinho feito na hora, que
exalava seu aroma, enfeitiçando a todos.
- Desse jeito vou vir aqui todos os dias! –
Disse Cláudio.
- Teremos um prazer enorme em te receber. –
Respondeu sorrindo.
Ruan mostrou a casa e o local onde sua
bateria estava montada para seus ensaios de
todos os dias. Quando Cláudio entrou na
garagem e viu o tamanho da bateria não se
conteve.
- Minha Nossa! Os seus vizinhos devem ficar
malucos com você! Ela é linda!
Cláudio tirou seu baixo da maleta e os dois
começaram a tocar. No início foi um Rock,
depois foram alterando os ritmos, até fazerem
um agrado para dona Vera tocando uma
valsa. As horas passaram rapidamente, os
dois combinaram outros ensaios.
***
Caminhando pelas ruas da cidade, sem rumo
é verdade, mas com a missão de ajudar
aqueles pobres coitados que, como ele, viviam
sob as estrelas, sem destino certo, sem bens
materiais, a não ser a roupa do corpo. Com o
seu faro para descobrir aqueles que estavam
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
71
com dificuldades, Sílvio abordou um rapaz
que estava preste a drogar-se.
- Olá meu rapaz! – Exclamou. - O que está
afligindo-te? – Perguntou enquanto agachava-
se para sentar ao seu lado.
- Pô tiozinho! Deixa quieto! – Respondeu
enquanto preparava-se para enfiar o rosto no
saco onde se encontrava a droga.
- Onde você mora?
- Aqui na rua tio!
- Onde morava antes de vir para as ruas? –
Insistiu ele.
Para despachar logo aquele homem
inoportuno resolveu responder-lhe todas as
perguntas.
- Você não gostaria de voltar para casa?
- Quem me quer lá? – Respondeu com
tristeza.
- Acredito que seus pais estejam preocupados
querendo que você volte.
Nesse momento o rapaz ficou calado por
alguns momentos, mas quando começou,
Sílvio sentiu toda a amargura na sua voz.
- Voltar pra que? – Para apanhar para acordar,
para almoçar, para jantar e para dormir? –
Continuou.
- O senhor não sabe o que é viver numa casa
como a minha. Meu pai tinha cometido um
roubo e foi preso. Na penitenciária, durante
uma rebelião, foi morto, não sei se pelos
policiais ou pelos presos.
- Minha mãe arranjou um namorado mais
torto ainda. - Enchia minha irmã de beijos e
L.P.OWEN
72
abraços. Comigo era só na pancadaria. Há
muito tempo tinha notado que minha irmã
estava diferente, calada e todas as vezes que
meu padrasto a pegava no colo ela estremecia
de medo. Até que um dia cheguei mais cedo
da escola, ao abrir a porta do barraco,
encontrei os dois nus na cama. Ele obrigava
minha irmã a fazer caricia nele dizendo que,
se ela contasse para alguém, mataria todo
mundo em casa.
- Quando vi aquela cena, não pensei duas
vezes, peguei uma faca na cozinha e voei para
cima dele. Não consegui matá-lo, mas o
estrago foi grande, a partir daí não vai poder
mexer com menina nenhuma. Nunca mais. –
Nesse momento sorriu.
- Quando minha mãe soube do que tinha
acontecido, deu parte na polícia para me
prender, por tentativa de homicídio. Quem
me salvou, foi o vizinho que presenciou tudo
o que aconteceu e contou aos policiais que
levaram o indivíduo. – Fez uma pausa e
concluiu. - Acredito que agora seja mulher de
algum preso ou já morreu.
O rapaz agora mais receptivo olhou para
Sílvio e disse:
- Você foi o único que conversou comigo até
agora para saber o que aconteceu. – Fez uma
pausa e agradeceu. - Obrigado!
- Por que não volta para casa? – Insistiu
Sílvio.
- Minha mãe é capaz de matar-me.
- Só existe uma forma de saber. É você indo lá
para ver. – Completou. – Se quiser posso
ajudar-te.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
73
- Estaria disposto a isso? – Perguntou o
garoto.
Sílvio apenas estendeu a mão e aguardou que
o rapaz a pegasse.
- Se quiser se ajudar, eu também te ajudo.
- A propósito, como você se chama? –
Perguntou Sílvio.
- Meu nome é José Luís, mas pode chamar-
me de Zé Luís.
Sílvio conseguiu levá-lo para o centro de
recuperação por onde ele mesmo já tinha
passado tempos atrás.
- Este é o primeiro passo, eu espero que
possamos dar outros. Estarei aqui para o que
precisar. – Disse enquanto dava um abraço de
despedida. – Tenho certeza que conseguirá
dar outros.
L.P.OWEN
74
Capítulo vinte e três
RUAN
A síndrome de Down acarretava algumas
dificuldades para ser transposta por Ruan,
uma era a dicção. Quando falava, algumas
palavras tinham a necessidade de serem
repetidas, isso o deixava nervoso e,
consequentemente, a necessidade de repetição
aumentava. Como de costume, Ruan seguiu
para fazer sua caminhada. A praça estava
repleta de gente. Ele aproveitava o momento
de suas caminhadas para fazer novas
amizades. Nas várias vezes em que caminhou
sozinho, ficou prestando atenção nas
diferenças entre as pessoas. Tinha aqueles que
se produziam, outros, utilizavam apenas
shorts e camisetas e assim por diante, cada
um ao seu estilo.
Suas roupas eram a mais confortável que
pudesse usar. Algo que lhe chamava a
atenção, era o fato, de algumas pessoas
somente conversarem sobre doenças,
enquanto cuidavam da saúde.
Ruan prestava atenção nas características das
pessoas que por ele passavam. Naquele
horário eram quase sempre as mesmas. Havia
um senhor, muito distinto, que fazia suas
caminhadas, nos dias mais frios, utilizando
jaqueta de jeans impecável. Admirava-se com
sua elegância.
Havia outro, um advogado, que
invariavelmente era acompanhado por um de
seus amigos, que não perdia a oportunidade
de fazer uma consulta grátis.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
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Ruan estava distraído em seus pensamentos,
quando alguém tocou em seu ombro.
- Bom dia! – Disse ao virar-se.
- Faz muito tempo que você está
caminhando? – Perguntou Cláudio.
- Uns quinze minutos. – Respondeu Ruan
com sua dificuldade peculiar na fala.
- Preciso que me faça o favor de ir mais
devagar! – Disse Cláudio.
- É a minha perna mecânica! – Completou
fazendo uma careta e encolhendo o ombro.
Os dois caminharam por pouco mais de uma
hora e depois fizeram alguns alongamentos,
em seguida sentaram-se num banco embaixo
de uma árvore enquanto apreciavam o
movimento e colocavam a conversa em dia.
- Espero que os pássaros nos poupem do
bombardeio. – Disse Cláudio.
Os dois riram muito, imaginando a cena, mas
permaneceram ali onde conversaram sobre
vários assuntos, um deles, não poderia deixar
de estar na pauta, a formação de uma banda.
L.P.OWEN
76
Capítulo vinte e quatro
NA OFICINA
Quase todos os dias e em horários próximos,
a janela da casa de Kasuo era atingida por
uma pedra. Todos ficavam chateados de não
conseguirem descobrir quem era o autor, por
esse motivo, resolveram manter a janela
fechada para que as pedras não machucassem
alguém.
Alguns dias mais tarde, Oscar saiu cedo, sua
missão, levar o novo projeto para a reforma
do automóvel. Kasuo havia avisado o
responsável, que seu homem de confiança
passaria por lá neste dia. O pessoal da
funilaria já estava aguardando ansioso por ele
e quando foi anunciada a presença de Oscar,
todos pararam o que estavam fazendo para
conhecerem o “homem de confiança”.
Quando aquela figura, parecendo um robô
desengonçado, que ao movimentar-se fazia
um barulho de metal rangendo, entrou na
oficina, quase não conseguiram manter a
seriedade.
Oscar caminhou lentamente em direção do
grupo, uma bolsa tiracolo contendo um tubo
de papelão, parecido com os recebidos na
colação de grau, porém um pouco maior. Os
rapazes aguardavam ansiosos por ele. Em
redor de uma bancada redonda, transformada
em mesa para reuniões, esperavam a
apresentação do projeto.
Oscar parou apoiando-se numa das cadeiras,
enquanto se debatia para pegar o tubo de
papelão, que teimou em acomodar-se nas suas
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
77
costas, onde se encontrava o projeto final do
automóvel.
Ao desenrolar o papel vegetal sobre a mesa,
não puderam acreditar no que estavam vendo
e com tamanha perfeição. Cada um dos
rapazes que olhava para o companheiro podia
notar a mesma expressão no rosto,
perplexidade.
- Me desculpem a qualidade do desenho,
espero que possa dar uma ideia do produto
acabado. – Disse Oscar pensando que não
tinham gostado do desenho.
- Ele está tão perfeito que é capaz de sair do
papel. Parece até que está desenhado em 3D.
– Brincou o chefe da oficina.
Oscar nem precisou dar explicações, porque o
desenho falava por si e todos não tinham
dúvidas sobre o que fariam. A conversa que se
seguiu foi sobre amenidades. Divertiram-se
tanto com Oscar que o comentário feito, não
causou nenhuma surpresa.
- Já que vocês são feras em funilaria como o
Kasuo diz, não teria um jeito de melhorar
minha carenagem? – Brincou Oscar.
- Se quiser, poderemos pelo menos tirar o
barulho!
- Seria muito bom, quase assustei vocês
quando cheguei. – Disse rindo.
Depois de algum tempo sentado, Oscar
recebeu seus suportes de pernas. Todas as
articulações do equipamento que possibilitava
sua locomoção estavam ajustadas e
lubrificadas, não fazendo mais barulho algum.
L.P.OWEN
78
- Nossa! Nunca pensei, que algum dia
poderia andar sem fazer barulho. Muito
obrigado por tudo que fez.
- Foi um prazer. – Respondeu o chefe.
Oscar se despediu e enquanto caminhava
fazia algumas graças para mostrar que
caminhava muito melhor agora e o principal,
sem barulho.
Enquanto se afastava em direção a saída, os
mecânicos se olhavam, no semblante de cada
um podia ser visto uma grande admiração por
aquela figura.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
79
Capítulo vinte e cinco
O DURO INÍCIO
Quando chegou à clínica, levado por Sílvio,
foi apresentado a um homem aparentando ter
entre 30 e 40 anos chamado Valter. Sua barba
e cabelos compridos davam-lhe o aspecto de
ser mais velho do que realmente era, a
primeira impressão era de ser uma pessoa
austera, mas no fundo, tinha um coração
enorme.
Ao ser apresentado ao Valter, José Luís
recebeu um terço de presente e junto um
livreto onde estava escrito “O Novo Rosário”.
Sem muita conversa foi indicado um quarto
onde dormiria naquela noite.
O quarto era pequeno, mal cabia a cama e um
armário. Num dos cantos tinha uma porta
que dava acesso a um banheiro.
- Tome um bom banho, escolha camisa, calça,
cueca, meias e sapato desse armário, depois
jogue toda sua roupa naquele saco plástico. –
Informou Valter.
- Os horários do café da manha, do almoço e
jantar estão neste folheto afixado no quadro
de avisos, se ocorrer atrasos, fica sem comer.
Vá tomar um banho depois virei buscá-lo para
o jantar.
Saiu deixando-o só. Pensou em ir embora,
mas resolveu tomar um banho e fazer como
fora instruído. Ficou aguardando deitado
enquanto lia o livreto que recebera. Pouco
depois Valter chegou para buscá-lo.
L.P.OWEN
80
- Vejo que estava lendo o livreto? – Disse
Valter.
- Sim, mas não entendi muito bem.
- Este livreto vai ajuda-lo na hora de rezar o
Terço. – Explicou Valter.
- Rezar o Terço?
- Sim o Terço. Todos os dias, após o café da
manhã e após o jantar você irá até a capela,
ficará rezando conforme as explicações do
livreto.
Nos primeiros dias fez o Terço com boa
vontade, mas com o passar dos dias começou
a se revoltar e não querer mais fazer as
orações. Resolveu falar com o diretor a
respeito.
Bateu na porta e uma voz deu permissão para
entrar.
- Posso falar com o senhor?
- Pois não! Em que posso ajuda-lo? –
Perguntou olhando por cima dos óculos.
- Estou aqui a mais de uma semana e as
únicas coisas que faço são: rezar o Terço de
manhã e à tarde. – Disse um pouco alterado
devido à abstinência.
- Então quer dizer que está cansado de rezar o
Terço, duas vezes por dia?
- É isso aí! – Respondeu balançando a cabeça
afirmativamente.
Valter parou de falar, como se estivesse
meditando algo, respondeu enquanto se
levantava da cadeira e caminhava em direção
a porta.
- OK! Já está na hora de parar de fazer o
Terço, amanhã comece a fazer o Rosário.
Sem esperar qualquer resposta, abriu a porta e
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
81
aguardou o rapaz sair da sala.
L.P.OWEN
82
Capítulo vinte e seis
UMA BOA CONVERSA
Oscar saiu da mecânica muito contente, o
suporte para as pernas não fazia mais barulho,
até a sua locomoção ficou mais fácil.
Kasuo havia determinado que Oscar utilizasse
táxi para sua locomoção, mas ele resolveu
voltar de ônibus.
Desceu alguns quarteirões antes para
caminhar um pouco e aproveitar o conforto
que o ajuste estava proporcionando.
Ao entrar na rua onde morava encontrou, por
acaso, com os dois adolescentes que
caminhavam um pouco mais à frente.
- Olá! – Oscar cumprimentou os dois no exato
momento em que jogavam uma pedra na
janela de Kasuo.
- Vamos nessa que sujou! – Disse um deles
dando o sinal para fugirem.
- Se vocês correrem, não vou conseguir
acompanhá-los. – Disse Oscar.
Quando perceberam que não poderiam ser
molestados por aquele ser estranho e indefeso.
Resolveram parar.
- Poderíamos conversar um pouco? –
Perguntou enquanto caminhava em direção
dos rapazes.
Vendo que os dois estavam parados
esperando por ele iniciou com tranquilidade.
- Nas primeiras vezes que jogaram pedra na
minha janela, imaginei apenas algumas
crianças procurando por aventura.
- Ao descobrir que vocês são quase dois
homens feitos, pensei no motivo que os levou
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
83
a esse ato, mas não consegui encontrar
nenhum. Isso me deixou triste porque vi que o
futuro próximo do meu País estará nas vossas
mãos. O que poderemos esperar de vocês?
Não esperou pela resposta ele mesmo
concluiu.
- Janelas quebradas? Espero que não! Imagino
serem inteligentes o bastante, para saberem
que isso não os levará a lugar algum, ou
melhor, poderá levá-los a lugares indesejáveis.
Só espero que antes que atirem uma pedra em
alguma janela, pensem nas vossas mães em
casa pensando que seus filhos queridos estão
fazendo algo mais útil. Pensem nos seus
irmãos menores, que exemplos, vocês
poderiam ser para eles? - Sem esperar
qualquer reação concluiu.
- Obrigado por ouvirem, se quiserem tomar
um café é só aparecer.
Oscar caminhou em direção ao portão e
entrou sem olhar para trás. Sabia que alguma
coisa mudaria a partir de então. Os dois
ficaram apenas ouvindo sem fazerem nenhum
comentário.
L.P.OWEN
84
Capítulo vinte e sete
NOVAS PISTAS
Maria acordou disposta a continuar
recolhendo os pedaços, do que fora um dia,
sua vida. Tomou um banho quente para
relaxar e planejar a maneira como conduziria
as investigações.
O dia estava claro com poucas nuvens, o céu
muito azul, mas não estava quente. Pegou sua
bolsa, onde havia algumas fotos, carteira entre
outros objetos, mas o principal era um bloco
de notas com alguns endereços, datas e
telefones anotados.
Estava determinada a obter respostas para as
questões que ainda atormentavam sua alma.
No dia do atropelamento de seu filho, que
assistiu no telejornal, seu instinto maternal lhe
avisara do ocorrido, fato confirmado dias
mais tarde. Agora restavam outras questões
para serem esclarecidas.
Entrou em contato com o pessoal da emissora
para tentar rever a notícia sobre o
atropelamento e verificar com calma se as
suas suspeitas tinham algum fundamento.
Foi recebida por um rapaz com seus 25 anos
muito atencioso, que a conduziu para uma
sala onde havia alguns televisores pequenos.
- Bom dia! Meu nome é Dagoberto. Vou
mostrar para senhora a reportagem em nosso
equipamento de edição, assim a senhora
poderá ter uma visão melhor, poderemos
fazer diversos efeitos que não são possíveis
num aparelho comum de TV, aqui a
reportagem está completa, isto é, sem cortes.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
85
Maria fez um enorme esforço para rever as
imagens do acidente. Nelas apareceria o
corpo inerte de seu filho deitado naquele chão
coberto apenas com um plástico escuro.
Lágrimas rolaram pelo seu rosto, enquanto
tentava contê-las com as mãos, Dagoberto
estendeu-lhe gentilmente uma caixa de lenços
de papel.
- A senhora tem certeza de que quer ver estas
imagens?
- Está tudo bem, vou tentar concentrar-me no
que aconteceu ao redor. – Eu preciso ser forte
se quero descobrir toda a verdade. – Pensou.
- A senhora está pronta?
Ela apenas balançou a cabeça
afirmativamente, enquanto inspirava uma
grande quantidade de oxigênio para se
acalmar.
Assistiu por várias vezes o VT, até que não
teve mais dúvidas sobre o homem que havia
desmaiado ao lado do corpo de seu filho.
Apesar da dor que sentia em rever aquelas
cenas, observar todos os detalhes possíveis era
necessário.
Após assistir dezenas de vezes, conseguiu
obter detalhes sobre a ambulância, a quem
pertencia, o hospital para o qual se dirigiu,
horário e outras informações.
- Agradeço imensamente de todo o coração
tudo o que o senhor fez por mim. – Disse
Maria ao rapaz que a atendeu na emissora.
- Não por isso, estamos aqui para ajudar.
Espero, sinceramente, que as informações
L.P.OWEN
86
possam ajudá-la de alguma forma. –
Respondeu sorrindo.
Maria saiu confiante de que encontraria o que
procurava.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
87
Capítulo vinte e oito
UM ALMOÇO
A caminhada havia terminado há algum
tempo.
Estavam apenas sentados apreciando o
movimento e conversando, quando ao longe
Cláudio avistou Sílvio que caminhava na
direção onde os dois estavam. Ele se
aproximou, cumprimentou-os ia passando
reto quando Ruan chamou-o.
- Sílvio!
- Pois não! – Respondeu imediatamente.
- Pensei que viesse falar com a gente? – Disse
Ruan.
- Imaginei ser uma conversa particular, por
isso não parei. Como vocês estão?
- Bem e você? – Responderam juntos.
- Os planos de montar a banda? Já saiu do
outro plano e chegou a este?
- Infelizmente ainda não conseguimos mais
nenhum louco para se juntar a nós. – Desta
vez quem respondeu foi Cláudio.
- Algum tempo atrás conheci uns rapazes que
estavam conversando sobre isso na porta de
uma igreja. – Informou Sílvio.
- Como eram? – Perguntou Ruan.
Sem esperar resposta ele mesmo respondeu.
- Eram meio esquisitos? Assim como nós? –
Completou.
- O que você quer dizer por esquisito? – Sílvio
quis saber.
- Desculpe me expressei mal. Tinham
L.P.OWEN
88
necessidades especiais. Um dos rapazes
com deficiência visual, outro com necessidade
de cadeira de rodas, um outro com muletas e
o mais esquisito, aparentemente, não tinha
necessidade alguma. – Informou Ruan.
- Você já os conhece? – Disse Sílvio.
- Foram eles que me convidaram para
participar da banda que estavam formando. O
senhor sabe onde eles moram?
- Para ser sincero não, encontrei-os na porta
da igreja, mas acredito que não será difícil
encontrá-los.
- Poderia nos ajudar a procurá-los?
- Claro Ruan. Será o maior prazer ajudá-los.
Ando por tantos lugares, conheço muitas
pessoas. Vou ver o que posso fazer.
- Bem eu preciso ir andando, afinal o quanto
antes encontrá-los, melhor.
- Você aceita ir almoçar com a gente lá em
casa? – Perguntou Ruan.
- Puxa! Agora você me balançou! É a primeira
vez, desde quando comecei a morar sob as
estrelas, que alguém me convida para almoçar
em casa.
- Então é mais um motivo para você não
recusar.
- Estou mal vestido! - Tentou arranjar uma
desculpa.
- Não tem problema, nós vamos para minha
casa e não ao restaurante. – Disse Ruan
sorrindo.
Os três seguiram em direção a residência do
rapaz.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
89
Capítulo vinte e nove
O PASSEIO
Oscar ouviu o som de pessoas conversando
vindo da garagem e resolveu dar uma olhada.
Ao entrar, todos levaram um susto, não
ouviram o ranger das articulações das pernas.
- O que vocês estão fazendo?
- Estamos nos preparando para iniciar os
ensaios. – Respondeu Kasuo.
- Como foi na mecânica? – Perguntou
William.
- Ótimo! Atenderam-me magnificamente bem.
- O que acharam? – Perguntou Jorge.
- Ao mostrar o projeto não puderam esconder
o que sentiram, foi desespero. – Sorriu.
- Por que se desesperariam? – Desta vez foi
Kasuo quem falou.
- Você não viu os detalhes da pintura? –
Brincou.
- Deixa de ser palhaço, Oscar e conta logo. –
Retrucou sorrindo.
- Adoraram o desenho e as cores! Até
reformaram minha carenagem, vocês não
notaram nada de diferente?
- Sim! Notamos! Você não faz barulho
quando anda. – Responderam juntos.
- O que mais me impressiona em vocês é que
apesar de não terem ensaiado, estão muito
afinados.
- Agora que as coisas estão arrumadas, que tal
darmos uma volta para arejarmos a cabeça? –
Sugeriu William.
L.P.OWEN
90
- É uma ótima ideia. Poderemos ir até a
loja de instrumentos musicais e pesquisarmos
alguns instrumentos, teclados, guitarras,
equipamento para o som etc. – Kasuo estava
determinado a voltar a tocar.
Apenas deu um leve toque na guia e Romeu
colocou-se ao seu lado, pronto para protegê-lo
e levá-lo por caminhos seguros. Havia
confiança, afinidade e sintonia entre eles.
Quando saiam ninguém se preocupava com
Kasuo, sabiam que Romeu cuidaria dele, se
necessário, com a própria vida. A caminho da
loja conversavam sobre diversos assuntos, um
é sobre a necessidade de encontrar outros
integrantes para o grupo. Surgiram alguns
nomes para a banda, mas nenhum que
agradasse a maioria.
Kasuo estava feliz com o pessoal, nunca se
sentira tão bem quanto agora, seu semblante e
sua voz transmitiam a felicidade que estava
sentindo. Até o Romeu demonstrava estar
contente porque não parava de abanar o rabo
a todo o momento.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
91
Capítulo trinta
A SURPRESA
José Luís não havia entendido o que Valter
tinha dito, mas só o fato de não ter que rezar
o Terço já era uma boa notícia. No almoço
durante uma conversa com um amigo,
comentou sobre o encontro que tivera com o
diretor.
- Hoje falei com o diretor e disse que não
aguentava mais ficar rezando durante tanto
tempo. – Disse sentindo-se um herói.
- O que ele falou? – Perguntou já imaginando
a resposta.
- Falou que estava tudo bem, poderia parar de
rezar hoje mesmo.
- Não acredito, só isso? – Perguntou o outro
inconformado.
- Não! Disse que amanhã deverei passar a
rezar o Rosário duas vezes ao dia. –
Respondeu triunfante.
- Me diz uma coisa! – Falou mais baixo. - O
que é esse Rosário?
- Você não sabe? – Disse o outro, quase não
conseguindo falar de tanto rir.
- Um Rosário, nada mais é do que, três
Terços. Antes você rezava dois Terços por
dia, agora serão seis Terços. – Completou.
- Não brinca! Ele fez aquela cara de bonzinho,
de compreensivo e me apronta uma coisa
dessas.
- Hoje à tarde vou falar com ele novamente. –
Estava revoltado.
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
PORQUE AS BORBOLETAS VOAM
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PORQUE AS BORBOLETAS VOAM

  • 1. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 1 DO AUTOR: LINHAS DO DESTINO
  • 2. L.P.OWEN 2 A Deus, por não me deixar desistir. Aos meus familiares, que teimam em acreditar em mim. A Sueli, pela paciência de ler os rascunhos dos livros.
  • 3. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 3 Capitulo um O ENCONTRO Todos temos momentos bons ou ruins para lembrarmos durante nossa existência. Aquele dia foi um desses marcos. Nas ruas o vai e vem da multidão preocupada em resolver seus problemas, não o impedia que avançasse com rapidez e determinação. Algumas pessoas seguiam para o trabalho, outras para as compras, outras apenas caminhavam apreciando o movimento. Faltavam alguns dias para o Natal, o comércio, preparado para as vendas que costumavam se aquecer durante essa época, abusava dos enfeites com motivos natalinos. Ele gostava dessa época porque o espírito natalino modificava as pessoas, tornando-as mais fraternas, caridosas, mais sensíveis. Lamentava-se porque esses sentimentos poderiam continuar durante o ano todo, mas infelizmente isso não ocorria, passados as festas, cada um voltava a pensar apenas nos próprios problemas. As pessoas se apinhavam procurando satisfazer seus instintos de consumo comprando de tudo. Enquanto ele caminhava para o seu destino, pensou em tudo o que aconteceu durante aquele ano. Estava de volta, era um novo homem, nada seria igual. No saguão, notou que tudo continuava do mesmo jeito. Nada tinha modificado. O porteiro apenas olhou para ele como outrora,
  • 4. L.P.OWEN 4 não disse uma palavra, não questionou absolutamente nada, permanecia atrás de um balcão, como se a sua única atribuição fosse permanecer imóvel como uma estátua na entrada do edifício. Seguiu, pelo corredor em direção aos elevadores. O tumulto causado pelo número de pessoas que entravam e saiam do edifício o fazia pensar: – “Para onde estariam indo? O que seria tão importante, o que fazia as pessoas esquecerem de cumprimentar seus semelhantes?”. Dentro do elevador o silêncio era tão grande que podia ouvir sua respiração. As pessoas estavam muito próximas fisicamente, mas sequer se olhavam. O único ruído era causado pelo movimento dos cabos e correntes do lado de fora. No rosto das pessoas estava estampada a infelicidade e angústia. À medida que o elevador atingia os andares superiores, mais vazio ficava. Não soube explicar porque desta vez o fato de ficar sozinho dentro do elevador para galgar os últimos três andares foi diferente de outrora. Ao abrir a porta corta- fogo de acesso ao terraço, da qual se lembrava muito bem, não pôde acreditar no que estava acontecendo. *** Uma manhã quente típica de final de primavera. Apesar da temperatura elevada, estava suando frio. O que estava preste a fazer mudaria radicalmente o rumo de sua vida.
  • 5. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 5 Voltar significava não resolver o problema. Ficou surpreso, ao abrir a porta corta-fogo. Última barreira para chegar ao terraço do edifício. Não imaginou algo semelhante em toda a sua vida. Para disfarçar sua real intenção, se encostou a uma parede, provavelmente da casa das máquinas e aguardou o desenrolar dos acontecimentos. Calado, ouvia o que diziam aqueles dois. Um dos rapazes, um jovem senhor aparentando uns 45 anos, cabelos e olhos castanho-escuros. Estava sentado numa cadeira de rodas. Vestia um terno cinza chumbo um pouco surrado, camisa branca e sapatos pretos impecavelmente engraxados. O outro usava calças jeans, camiseta branca e botas especiais presas por armação articulada que era presa na cintura do rapaz e servia como suporte para as pernas. Andava com o auxílio de muletas apoiadas no antebraço. Este tinha a aparência de ser bem mais jovem que o primeiro, cabelos ruivos e olhos azuis- claros. Nem de longe aquele corpo combinava com as suas feições. Braços finos, nas costas havia uma espécie de corcova. O quadril muito estreito e as pernas finas obrigavam-no a utilizar tal armação que servia para sustentar o corpo e mantê-lo em pé. O que estava sentado na cadeira de rodas reclamava da atitude de uma outra pessoa, que não se encontrava mais no local. - Hoje em dia, não se pode confiar nas pessoas.
  • 6. L.P.OWEN 6 - Você ainda tem de quem reclamar. Eu vim sozinho, vou reclamar com quem? – Comentou o rapaz da muleta. Os dois conversavam sem notarem a presença de William, que se mantinha no mesmo local, não conseguindo compreender sobre o que falavam. - Por que fazem essas muretas tão altas? – Perguntou Jorge enquanto posicionava melhor sua cadeira de rodas. - Não sei! – Respondeu Oscar que se esforçava ao extremo para escalá-la. Depois de várias tentativas, resolveram desistir. Ao olharem para o lado perceberam a presença de William que permanecia imóvel e calado. - Talvez o senhor possa nos ajudar. – Disseram quase ao mesmo tempo. Encostado na parede, William olhou a sua volta, percebendo que era com ele que falavam, respondeu com determinação. - Podem esquecer! - Não estamos conseguindo. – Disse Jorge. - Somos uma dupla de incompetentes. – Completou Oscar. – O senhor tem que nos ajudar. - Por que querem fazer a mesma coisa? – Questionou William. Pegos de surpresa com a pergunta, no princípio ficaram calados, mas Jorge resolveu responder primeiro. Como se mergulhasse num passado próximo, iniciou com voz amarga. - O que se espera de um homem com ótimo
  • 7. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 7 emprego, casado com uma linda mulher e filho. Quando decidiu ser hora de ter outro filho, faz uma viagem de segunda lua de mel. Num dia lindo de sol temperatura extremamente quente vai nadar e sofre um acidente na beira da piscina. Fratura a coluna e é obrigado a viver numa cadeira de rodas? Sem fazer qualquer comentário William perguntou. - Como aconteceu? - Fui fazer graça para minha esposa e filho, subi no trampolim da piscina do hotel. Não contente com a altura, resolvi subir no ferro que serve de corrimão. Escorreguei e bati as costas na plataforma do trampolim. Caí desmaiado dentro da piscina. Quando acordei, três meses haviam passados. Os dois ouviam sem fazerem comentários. Jorge prosseguiu. - Fiquei no hospital por quase um ano. Minha esposa vinha visitar-me, no início todos os dias. Com o adiantado da gestação começou a diminuir a frequência dessas visitas. - Vocês viram que coisa engraçada? – Comentou rindo sozinho. – Em nossa última relação engravidei minha mulher. Minha filha Vivian nasceu enquanto eu ainda estava no hospital. – Com o meu retorno para casa passei a cuidar dos meus filhos. Minha esposa começou a trabalhar fora para completar a renda. – O tempo passou, comecei a perceber uma
  • 8. L.P.OWEN 8 alteração no comportamento de minha esposa. Alguns meses depois, – fez uma pausa para tomar coragem e continuar seu relato. – Ela imaginando que estivesse na fisioterapia, acabou se descuidando. - Quando retornei, depois de aguardar por mais de uma hora pelo transporte que me levaria para a fisioterapia e que não apareceu, vi as luzes da sala apagadas. Não havia sons indicando que ali moravam duas crianças. Pensei num monte de coisas horríveis. – Abri a porta da sala vagarosamente e entrei. Ao chegar no quarto das crianças vi que estavam dormindo. A porta do meu quarto estava encostada, empurrei-a. Minha esposa e o seu amante olharam para mim com cara de idiotas, sem conseguirem dizer uma palavra sequer. – Dei meia volta, fui para sala. Não demorou os dois chegaram dizendo: - “Não é o que está pensando”. – Nesse momento riu novamente e comentou. – Por que todos dizem isso? Realmente o problema não é o que pensamos é o que vemos! Depois se calou e William resolveu poupá-lo de novas perguntas. - Com você o que aconteceu? – Perguntou, dirigindo-se ao rapaz da muleta. Oscar ficou em silêncio, como se buscasse em sua memória, o que tinha restado de sua história. - Meu pai, – engoliu seco - foi embora quando nasci, por isso não sei nada sobre ele, ou melhor, sei que era um bom cantor, afinal cantou minha mãe. – Brincou. - Tinha uma
  • 9. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 9 boa voz, minha mãe dizia que herdei isso dele. William já tinha notado desde o início a beleza do timbre da voz do rapaz, poderia trabalhar como locutor de rádio ou atendimento público pelo telefone, mas não fez qualquer comentário. - Desde o meu nascimento sou esta coisinha linda que estão vendo. Se não fosse por minha mãe tinha servido de comida para os Urubus em algum lixão.- Comentou. - Na escola viviam colocando-me apelidos, gozavam da minha cara, faziam corredor para que eu passasse e me davam tapas para andar mais rápido. Algumas vezes o incentivo era tão grande que acabava de cara no chão. - Essa tortura parou somente quando revoltado, resolvi chamar o líder para a briga, meu primeiro erro. O segundo foi ter ido ao encontro marcado para o meu massacre. - Estava indo tudo tão bem, ele me batendo com o punho fechado na minha cara. Outras eu com a minha cara no punho dele, até que finalmente ele caiu exausto, não conseguiu bater mais e finalmente, consegui vencê-lo pelo cansaço. - Apesar de quase me matar, ele resolveu dar- me crédito pela minha loucura. A partir desse dia pararam de me chatear. Afinal tinha vencido o líder da matilha. – Riu novamente. - Vivia com minha mãe num barraco que ela comprou depois de tanto sofrimento e muito trabalho. Ela passava o dia trabalhando na
  • 10. L.P.OWEN 10 limpeza das casas e a noite lavava e passava o uniforme dos times das proximidades. - Alguns meses atrás minha mãe faleceu e desde então atravesso momentos difíceis, sinto muita saudade dela. – Parou para se recompor. – Não tenho parente, não tenho amigos porque não saía de casa, apenas cuidava da minha mãe. Depois que ela sofreu o derrame não falava nem andava, somente vegetava. Como podem notar não tinha forças para cuidar dela. Algumas vizinhas vinham para dar banho, trocar as roupas, mas - abaixou a cabeça e parou de falar. William pensou nos seus problemas. No início, bebia socialmente, mas com o passar do tempo já fazia parte de sua alma. Por ela acabou com um casamento de quase dez anos. Em seguida perdeu o emprego. Sem emprego acabou vendendo o que possuía para custear aluguel, comida entre outras dívidas até que foi obrigado a morar nas ruas. Não tinha coragem de visitar seus filhos. Não queria mostrar a pessoa que se tornara. Estava disposto a acabar com tudo. - O que os senhores pretendem fazer agora? – Perguntou William deixando suas preocupações de lado. Houve um silêncio por alguns minutos. Colocando o coração em cada palavra Jorge respondeu. - Quando resolvi vir aqui, seria para dar um basta nesta situação, nessa solidão, nesse sofrimento. Pensei que minha partida deixaria que meus filhos esquecessem de mim. –
  • 11. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 11 Chorou copiosamente. Depois de alguns minutos em silêncio. - Estava pensando! – Iniciou William. - Viemos aqui para fazermos algo que terminaria com nossos sofrimentos. Por covardia? Egoísmo? Para não enfrentarmos os problemas de frente? Por que não conseguimos enxergar uma solução? – Deu uma pausa. - Por que nos encontramos exatamente neste lugar? Não poderia ser numa praça, num cinema, em outro lugar qualquer? – Mais um tempo de silêncio. - O que Deus quer da gente? – Continuou. – Por que? Apesar de tudo, ainda somos importantes para Ele? Como num passe de mágica, se dirigiram para o centro do terraço onde estava William e se abraçaram. Ali eles choraram toda dor, desespero, angústia que sentiam dentro da alma. Como se estivessem sendo abraçados pelos seus Anjos da Guarda sentiram paz e alivio. Depois de algum tempo. - Esvaziei minha alma. – Disse Oscar. Apesar de surpresos com a frase todos concordaram. - Hoje já me aconteceu de tudo! – Jorge exclamou sorrindo. - Fui enganado por um cara que contratei, desisti do meu objetivo e ainda acabei encontrando dois malucos. - Imaginem se alguém entra aqui e vê esta cena. Três marmanjos abraçados. –
  • 12. L.P.OWEN 12 Comentou Oscar. A gargalhada foi generalizada, William não conseguia se controlar e quase passou mal de tanto rir ao olhar para aquela figura. - O que vamos fazer agora? – Perguntou Jorge. - Vamos aguardar novas instruções. – Respondeu William ainda rindo. Caminharam na direção da porta, ainda tinham uma etapa a ser transposta. A escada para o andar onde pudessem utilizar o elevador para deixarem o edifício. - Será que consigo descer segurando você? – William não estava seguro quanto ao seu preparo físico. - Podemos fazer o seguinte, você me inclina para traz. Eu controlo a roda, acredito que juntos nós conseguiremos. – Olhou para o William sorriu e completou. - Confio plenamente que estarei seguro em suas mãos, já me salvou a vida hoje. William não soube porque, mas sentiu-se bem com as palavras. O esforço foi grande, houve momentos que William achou não conseguir segurá-lo por mais tempo. Quando chegaram no andar estavam exaustos, entraram no elevador, pareciam crianças que acabavam de fazer uma travessura.
  • 13. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 13 Capítulo dois A CARTA Os problemas que os carteiros têm para entregarem suas correspondências são muitos. A começar pela letra dos remetentes. Alguns não se preocupam em escrever com letra legível, pensam ser a obrigação dos correios decifrarem os endereços. Há pessoas que julgam que seus cachorros não mordem porque são mansos e por isso não os prendem. Há também os que nunca são encontrados em suas próprias casas, o sol, a chuva, o frio, o calor entre outros. Ser carteiro é gostar de muita ação e adrenalina. Geraldo era uma pessoa que gostava da profissão. Ele acordou disposto, o dia ensolarado facilitava sua locomoção e a entrega de todas as cartas parecia que seria simples. Como sempre, na central dos correios, separou as correspondências pelo nome das ruas e pelo número das residências colocando clipes e elásticos para facilitar seu trabalho. Ao término da manhã tinha entregado a maioria delas, mas no final do dia uma das cartas voltou com ele. Era uma carta registrada. Por três dias consecutivos tentou efetuar a entrega, mas como não conseguiu, foi obrigado a devolvê-la para as providências necessárias. Apesar de ter agido conforme os procedimentos, Geraldo tinha a sensação de
  • 14. L.P.OWEN 14 dever não cumprido. Sempre pensou, que toda correspondência é muito importante, pelo menos para o remetente e o destinatário. Nelas poderiam estar a diferença entre a felicidade e a infelicidade, o acordo ou desacordo, enfim, entre o sim e o não. Mesmo assim, avisaria o remetente tinha uma boa memória e por coincidência era um velho conhecido.
  • 15. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 15 Capítulo três TUDO PELA JANTA Na saída do edifício pararam. A pergunta que surgiu entre eles foi: – O que faremos? Como ninguém se pronunciou, resolveram caminhar sem destino. A tarde chegava ao seu final, o céu estava tão colorido, que fez os três admirá-lo. O sol com cor alaranjada, quase vermelha querendo esconder-se no horizonte, contrastava com o azul do céu e o branco das nuvens, fazendo composição com as estruturas dos edifícios, transformando-se num belíssimo quadro. A noite preparava-se para tomar o seu lugar enquanto o sol delicadamente se punha no horizonte, prometendo no dia seguinte um novo espetáculo. As luzes da cidade aos poucos iam sendo acesas para iluminar as ruas, avenidas e praças dando início a vida noturna. Como formigas saindo do formigueiro, as pessoas saiam dos edifícios e caminhavam, algumas seguindo a mesma direção, às vezes trombando com outras pessoas, que vinham em sentido contrário, desviavam-se para poder continuar seu caminho, exatamente como as formigas. - Não sei quanto a vocês, mas estou morrendo de fome. – Disse Oscar. - Todos estamos famintos. – Respondeu William. - O único problema e que não tenho dinheiro algum. – Falou Oscar.
  • 16. L.P.OWEN 16 Os outros verificaram seus bolsos. Concluíram que a quantia total que eles possuíam, não daria para pagar um lanche. - Não temos dinheiro para nada, como fui sair sem nada no bolso? – Questionou Jorge. – Para onde estávamos querendo ir não precisaríamos. – Completou Oscar. - O que podemos fazer? - Perguntou Jorge. – Posso cantar algumas músicas por comida. – Respondeu Oscar tranquilamente. – A quem vamos anunciar? – Emendou William. – Elvis? - Por que não Oscar o lindo? – Brincou. - Não é preciso dizer nome algum é só perguntarmos se posso cantar por um prato de comida para cada um. - A única coisa que pode acontecer é dizerem não e não nós já temos. – Concluiu William. O que você vai cantar? – Quem vai acompanhá-lo? - Eu posso acompanhá-lo no violão. – Completou Jorge. - Você está vendo William? - Disse Oscar. - Estamos formando uma equipe. – Completou. Está ótimo! Jorge me acompanha. Não se preocupe, com essas muletas não dá para ir longe. - O que faço? – Perguntou William – fico jantando? - Pode ser nosso empresário. – Falou Jorge sorrindo. – Isso mesmo, nós precisamos de um empresário para fechar os contratos. – Concordou Oscar. - Então! Lá vamos nós.
  • 17. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 17 Quando os três entraram no estabelecimento, o proprietário olhou-os de cima a baixo, não gostou do que viu, foi logo perguntando: - O que os senhores desejam? - Desejamos alimentar-nos, mas infelizmente não temos dinheiro.- Disse William. – Então por que entraram aqui? – Emendou o sujeito. – Estamos dispostos a pagá-lo com o nosso trabalho. – Retrucou. - O que os senhores estão dispostos a fazer como pagamento? – Perguntou com seriedade. - Meus amigos poderão cantar algumas músicas. – Quem disse que em meu restaurante se pode jantar com música ao vivo? – Interrompeu novamente o proprietário do estabelecimento. Vendo as coisas começando a dar errado, Oscar propôs algo que deixou os outros dois surpresos. - Aceitaria, como pagamento por quatro jantares, que fizesse um desenho do senhor para colocar num quadro e pendurá-lo na parede? Houve um momento de apreensão. O homem pensou, coçou o que restava de cabelos ensebados na cabeça e respondeu. - OK! Só não tenho muito tempo para servir de modelo. – Avisou. - O senhor pode ficar a vontade. Fazer o que quiser. Só preciso olhar seus traços. – Respondeu Oscar enquanto procurava um
  • 18. L.P.OWEN 18 toco de grafite no bolso da calça. - O senhor tem algum papel que pudesse desenhar nele? - Perguntou meio sem jeito. - Pode desenhar naquela parede que está pintada de branco próxima do balcão, assim não preciso comprar quadro algum. – Respondeu sorrindo maliciosamente. Disse apenas para dificultar o trabalho do rapaz e fazer o custo do jantar maior do que realmente valia. Oscar teria que subir em uma cadeira para alcançar o local da pintura. William perguntou sobre a possibilidade da confecção do desenho naquele local, o rapaz apenas assentiu com a cabeça. - Você pode ajudar-me a subir na cadeira? – Sim. Com todo prazer. Pegando duas cadeiras colocou-as lado a lado e subiu em uma. Segurando Oscar pelo tórax puxou-o para cima e com muito esforço conseguiu colocá-lo em pé sobre a outra cadeira. Com a barra de grafite iniciou o trabalho. Enquanto Oscar desenhava com uma facilidade que impressionava os dois, William segurava-o para que não despencasse lá de cima. O trabalho durou mais de uma hora, pela dificuldade que o local apresentava. Quando o proprietário do restaurante viu o desenho terminado, não acreditou que alguém pudesse fazê-lo apenas com aquele material. Serviu os três como combinado. - Parabéns! – Disseram juntos os dois amigos. – Você é um tremendo artista conseguiu fazer o cara mais bonito do que é. – Completou Jorge. - Obrigado. – Disse emocionado.
  • 19. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 19 – Nós é que te agradecemos. – Emendou William. – Conseguimos crédito para o jantar. - Sem vocês não conseguiria fazê-lo. Se o Jorge não me direcionasse nas proporções e você não me segurasse. – Nós estaríamos sem janta. - Disseram rindo. O jantar estava simples, mas saboroso, antes de sair, Oscar pegou o outro jantar que foi colocado numa embalagem para viagem. Quando saíram foi cambaleando com suas muletas até um homem que estava sentado na rua. Entregou a sacola com o alimento. Voltou cantarolando, fazendo graça com a música “Dançando na chuva”. Sua versão “Dançando de muletas”. Chegando perto dos outros disse emocionado. - O cara me falou “Deus te abençoe”, não é maravilhoso isso? Os outros dois não entenderam e ficaram quietos, mas ele continuou. - Hoje é o dia mais feliz de minha vida. Deus me mandou vocês para me salvarem, agora o rapaz ali pede para Deus me abençoar. Ele já me abençoou. – Oscar ria como uma criança. Os dois ouviam-no dizer que Deus havia mandado eles para salvá-lo, quando o contrário pudesse ser a verdade ou cada um estava salvando o outro. O que importava agora é que estavam juntos para superar os obstáculos.
  • 20. L.P.OWEN 20 Capítulo quatro KASUO Desde o momento que começou a dar os primeiros passos foi uma revolução que aconteceu em sua casa. Sua mãe se desdobrava para ensinar o caminho que podia seguir dentro da sua própria casa. A família Suzuki ficou feliz com o nascimento do garoto que foi batizado por Kasuo. Desde pequeno demonstrava ser muito decidido e obstinado. Não havia obstáculo que o fizesse desviar-se de seus objetivos. A deficiência visual não era empecilho para aquele menino valente e inquieto, ávido por conhecer o mundo. A partir dos primeiros momentos de sua existência lutou para sobreviver. A gestação difícil e complicada tornou-o um guerreiro antes mesmo do nascimento e sua mãe o chamava de “Meu pequeno Samurai”. Em seus primeiros passos, sua mãe, para evitar acidentes, retirou do caminho o banco do piano. Para sua proteção, ele colocava a mãozinha na frente procurando por obstáculos a sua frente. Aconteceu, certa vez, esbarrar nas teclas do piano. O som produzido chamou sua atenção. A partir daí não parou de bater a mãozinha e ouvir o som produzido. O tempo passou o menino mostrou-se um excelente pianista. O gosto pela música fê-lo aprender canto, isso o facilitava na composição das melodias. Kasuo mostrava-se uma criança especial. Seu dom musical era algo inexplicável, a
  • 21. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 21 facilidade em compor, em tocar, era impressionante. Nem tudo era um mar de rosas. O talento do garoto ajudava seu pai e empresário agendar um grande número de apresentações, por outro lado, as viagens constantes não permitiam criar raízes em lugar nenhum. Durante uma dessas viagens, para uma apresentação à terra de seus ancestrais, ocorreu uma tragédia. O automóvel em que estavam derrapou numa camada fina de neve saindo da estrada. Mesmo conhecendo a região, o motorista não teve como evitar o acidente. O automóvel desceu ribanceira abaixo capotando várias vezes, até bater em uma árvore. Kasuo foi o único sobrevivente. Sua mãe e seu pai, para protegê-lo, sofreram a maior parte do impacto das ferragens retorcidas. Sem parentes foi encaminhado para um orfanato de onde saiu depois de completar a maioridade. Durante este tempo não sentiu vontade de tocar, compor ou cantar. Sua música aos poucos estava morrendo. As propriedades e a excelente situação financeira que seus pais deixaram eram suficientes para seu sustento. Retornou a mansão onde morou quando não estava em viagem. Kasuo estava entediado, aquela casa era imensa, para duas pessoas e um cachorro morarem. Não suportando mais ouvir música, resolveu
  • 22. L.P.OWEN 22 dar uma volta pela cidade. Assim que se levantou do sofá, seu fiel amigo se colocou ao seu lado para guiá-lo. Admirava a inteligência e a fidelidade daquele animal. Sentia o toque em sua perna todas as vezes que estava pronto para o trabalho. Romeu era um Lavrador treinado para ser guia, dócil e inteligente, o único que conseguia melhorar o humor de Kasuo. Costumava passar horas ao lado de seu dono. Muitas vezes colocava a cabeça no colo de Kasuo somente para animá-lo. Todos os dias abriam a porta para que Romeu desse uma volta pela redondeza. Ao retornar do passeio ele sentava-se na frente do portão e latia para as pessoas que estivessem na rua, como era conhecido pelos vizinhos, sempre encontrava alguém para atendê-lo. Depois de aberto o portão latia novamente “como agradecimento ao seu benfeitor” e entrava tranquilamente.
  • 23. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 23 Capítulo cinco NO SUPERMERCADO - Agora que estamos saciados, precisamos arrumar um local para ficar. – Disse Jorge. - Boa ideia, por que não vamos para o Hilton hotel? - Brincou Oscar. - Sei de um local que pelo menos servirá para esta noite. Vamos ao supermercado, precisamos comprar fósforos e velas. – William lembrou-se da casa onde morou de aluguel e que ainda estava vazia. - Vamos dormir naquelas barracas de camping expostas no supermercado? – Brincou Oscar. Oscar foi o sorteado para comprar os fósforos, enquanto os outros dois procurariam por velas. Ao andar os seus movimentos causavam ruído de metal devido ao atrito das peças desajustadas. Procurando a prateleira onde o produto estava exposto, distraído, foi de encontro ao Kasuo, que vinha em sentido contrário. O choque foi inevitável, apesar de Kasuo ter parado ao sinal de Romeu. - Desculpe-me não o vi. – Disse Oscar imediatamente. - Não tem problema, porque continuo não te vendo. – Respondeu Kasuo. - Me desculpe novamente. – Tentou concertar a situação. - Não precisa ficar chateado, estou acostumado com situações como esta. - As pessoas não sabem como se portar em
  • 24. L.P.OWEN 24 presença de pessoas com necessidades especiais e ficam todas desajeitadas. – Comentou Kasuo. - Concordo plenamente. Sinto-me como você quando olham para mim. - Diga uma coisa. Que barulho foi esse? – Perguntou Kasuo. - Está falando do meu meio de transporte? – Disse rindo. - Você também tem necessidades especiais? – Perguntou Kasuo surpreso. - Sim. – Disse Oscar caindo na risada. - Sou uma espécie em extinção e, olha eu quase fui extinto hoje. Para amenizar a situação, Oscar mudou de assunto. - Seu cachorro é muito bonito. - O nome dele é Romeu. O meu é Kasuo, muito prazer. - O meu é Oscar, o prazer é todo meu. Os dois ficaram conversando distraídos. Oscar contou-lhe que viera comprar fósforos. Kasuo por um instante ficou sério. Imediatamente Oscar percebeu que algo estava errado. - O que aconteceu com você? – Perguntou enquanto se ajeitava para poder pegar a caixa de fósforos. – Você vai comprar alguma coisa? Quando Kasuo respondeu, Oscar sentiu a tristeza na voz do rapaz. - Venho sempre aqui para evitar a solidão, pelo menos, ouço as pessoas conversando sobre diversos assuntos, algumas vezes encontro alguém para conversar. – Disse em tom amargo.
  • 25. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 25 - De solidão entendo bastante, isso quase me levou a cometer um erro muito grande. – Continuou – Graças a Deus conheci dois anjos que me impediram de cometer um terrível engano. Agora vamos procurar outro caminho. - Por falar nos anjos eles devem estar pensando que me perdi. Ainda precisamos encontrar um local para ficar. Foi um prazer enorme te conhecer Kasuo, mas tenho que ir andando, ou melhor, me arrastando. - O prazer foi todo meu. Pela primeira vez conversei com alguém que não me tratou de maneira diferente. Os dois despediram-se. Oscar brincou com Romeu e afastou-se seguindo em direção ao caixa. Antes que o som das muletas não fosse mais ouvido, Kasuo chamou-o. - Oscar! – Como não obteve resposta chamou mais alto – Oscar! Após alguns instantes Kasuo começou a ouvir o barulho das muletas novamente vindo em sua direção. - Pois não, meu amigo, o que você deseja? – Perguntou Oscar. - Estava pensando no que você falou sobre precisar de um local para ficar. Moro aqui perto, nos fundos tem uma edícula, você poderá ficar lá. - Te agradeço, acontece que além de mim tem os meus dois amigos. – Respondeu Oscar. - Qual o problema? A edícula é grande, vocês poderão ficar lá o tempo que quiserem, pelo
  • 26. L.P.OWEN 26 menos, não terei que cuidar dela. Não demorou muito, os dois que estavam esperando por Oscar, vieram ver o que acontecia porque estavam preocupados. - Olá pessoal! - Começou Oscar. - Este é Kasuo, nosso novo amigo. - Não te falei Kasuo, que eles estariam preocupados comigo. Os dois cumprimentaram o rapaz e não esqueceram de fazer um elogio ao Romeu, que se mantinha ao lado do seu dono. - Estava conversando com o Kasuo sobre nossa procura por um local para ficarmos ele nos ofereceu uma edícula nos fundos de sua casa. O que vocês acham? - Acho muito bom, mas infelizmente, não temos como pagar, para dizer a verdade o único dinheiro que temos quase não dá para comprar um pacote de fósforos e um maço de velas. – Anunciou William. - Vocês não precisam pagar nada. A casa está vazia e os móveis se acabando por falta de uso. Por outro lado, farão companhia para mim e meu amigo Romeu. – Pela primeira vez Kasuo falou e a tristeza na voz tinha desaparecido. - Poderemos aceitar a oferta, depois faremos qualquer coisa para pagarmos por nossa estadia. O que vocês acham? – Sugeriu Jorge. - Poderemos limpar, cozinhar fazer alguma manutenção que necessite. Você concorda Kasuo? – Perguntou William. - Façam da maneira que vocês quiserem a casa está vazia. Precisa de uma limpeza. Vocês poderão ficar lá o tempo que quiserem.
  • 27. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 27 Depois de concordarem sobre a forma de pagamento caminharam pelo supermercado enquanto Kasuo fazia algumas compras. William empurrava o carrinho e a comitiva seguia por entre as gôndolas. As pessoas olhavam, alguns sentindo pena, outros não conseguiam disfarçar o medo devido a aparência do grupo. Ao passarem no caixa Oscar fez um comentário sobre a quantidade de coisas compradas por Kasuo. - Compro com o maior prazer. – Respondeu Kasuo. Os três se olharam. William foi quem tomou a palavra. - Hoje aconteceram coisas fabulosas comigo. Ao sair de casa, não tinha propósito nenhum, estava só. Em algumas horas tudo se modificou. Conheci pessoas fantásticas. Agora tenho até um novo propósito para prosseguir! Dividiram as sacolas plásticas, sobrou uma até para o Romeu. Seguiram em direção a casa de Kasuo, que não ficava distante. Quando chegaram, foram instalar-se na casa dos fundos, ao contrário do que Kasuo havia dito, a casa estava impecavelmente limpa. - Se precisarem de roupas tem algumas minhas que poderão usar, caso não sirva, dentro do armário ficara algumas de meu pai ele era mais alto. Amanhã poderemos comprar roupas novas. – Continuou enquanto se dirigia para a casa
  • 28. L.P.OWEN 28 principal. Ao chegar pediu para Helena preparar chá para todos. Sua governanta, uma jovem senhora com seus 38 anos, havia divorciado depois de sofrer agressões de seu marido por quase cinco anos e por sorte encontrara aquele jovem que precisava de cuidados. Fazia alguns anos que trabalhava com ele e se fosse possível jamais o deixaria. Encontrara respeito, carinho, educação, tudo o que não teve em seu casamento. Não pensava no assunto, mas caso aparecesse alguém que a amasse de verdade tentaria novamente.
  • 29. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 29 Capítulo seis RUAN O caminho percorrido todos os dias por Ruan e sua mãe foram fundamentais na sua formação e desenvolvimento, era um garoto que nasceu com Síndrome de Down. No jardim da infância, uma de suas professoras notou que ele, não parava quieto, vivia tamborilando em todos os lugares. Não aguentava mais ouvir o garoto bater nas carteiras, paredes, portas e armários, entre outras coisas, a professora sugeriu a sua mãe que o matriculasse numa escola de música. Depois de alertada pela professora, Vera procurou um profissional para ensiná-lo. O resultado foi muito bom. Diminuiu a inquietação do garoto e favoreceu sua coordenação motora e as atividades manuais, recebendo elogio da professora do jardim. Num dos Natais, Ruan acordou cedo, foi olhar embaixo a árvore de Natal montada na sala de estar. Ali o “Papai Noel” deixava os presentes que trazia. Ao chegar na sala não viu seu presente como de costume. Ficou desapontado, mas não disse nada. Sua mãe sugeriu carinhosamente que procurasse em outros lugares da casa. “Quem sabe o Papai Noel se enganou!”. Procurou em todos os lugares possíveis, mas não encontrou nada. - Vamos continuar procurando meu filho, não
  • 30. L.P.OWEN 30 devemos desistir nunca. – Disse carinhosamente. Continuaram vasculhando por todos os cantos da casa, ao entrarem na garagem, Ruan não conseguiu se conter de felicidade ao ver que o seu presente estava montado num canto da garagem e gritou de felicidade. Pulou para os braços de sua mãe beijando-a muitas vezes. - Em vez de ficar pulando, por que não a experimenta? – Disse sorrindo. A bateria era linda, vermelha, as ferragens todas cromadas, os pratos na cor cobre brilhavam de tão polido. Sentou-se na banqueta, desaparecendo atrás do instrumento, mas tentou tirar algumas notas. Com o tempo a intimidade com o instrumento surgiu. Ruan passava muitas horas treinando. As aulas que fazia lapidavam seus dons musicais. Os anos passaram, sua primeira bateria foi doada para uma escola, onde começou a ensinar as crianças. Como prêmio sua mãe lhe presenteou com uma bateria profissional tornou-se um excelente baterista.
  • 31. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 31 Capítulo sete A DUPLA Naquela manhã, Kasuo acordou inspirado e para se distrair começou a tocar piano. Nos primeiros acordes da música “O fantasma da ópera” ouviu um ruído as suas costas, reconheceu ser o atrito das muletas de Oscar e parou de tocar. - Desculpe ter atrapalhado. - Sou eu quem devo desculpar-me por ter acordado você. Estava apenas matando a saudade do meu bom e velho companheiro, relembrando alguns acordes. Desde a morte de meus pais não toquei mais. - O que fez você voltar a querer? – Perguntou Oscar. - Sonhei com meus pais. Nele estávamos caminhando por um local cheio de flores e plantas tão bonitas, como as que temos aqui no jardim. Todas elas foram planadas por minha mãe. – Comentou orgulhoso. - Ela me pediu para não abandonar meus sonhos e continuar tocando. Fazer um grande concerto. Enfim alegrar as pessoas com a música, que é um dom de Deus e seria um desperdício não utilizá-lo. Falou-me também que esta casa estava triste. - Se a tua mãe falou que queria ouvir música, você tem que obedecer. – Brincou Oscar. - Adoro essa canção que estava tocando, se permitir, posso acompanhar-te. Kasuo reiniciou os acordes, Oscar começou a
  • 32. L.P.OWEN 32 cantar fazendo o outro ficar admirado ao ouvi-lo. Sua voz era extremamente agradável, os agudos pareciam fáceis de serem alcançados, isto fez Kasuo empolgar-se. Seus dedos percorriam o teclado do piano fazendo sua alma encher-se de alegria, transportando- o para um local onde somente ele conhecia. Ao terminarem, foram ovacionados por William, Jorge e Helena que estavam escutando extasiados. - Meu Deus! Quanto talento existe em vocês! – Desabafou William. - Ainda bem que se encontraram. – Completou Jorge. - Ainda bem que os iguais se encontram e quando isto acontece, o universo comemora. – Retrucou Helena. Ficaram ouvindo a dupla por algumas horas. A música era tão boa que não perceberam o tempo passar. - Por que não montam uma banda? - Comentou William. - Para uma banda são necessários, alguns músicos e muito ensaio. – Respondeu Kasuo. - Aqui existe um pianista, um vocalista e um guitarrista, já é um bom começo! – Completou William. - Onde poderíamos nos apresentar? – Completou Oscar. – Naquele restaurante onde jantamos? – Disse rindo relembrando o incidente com o proprietário. - O local a gente arruma. – Exclamou William. Durante o almoço surgiram várias ideias. A conversa continuou durante uma caminhada,
  • 33. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 33 à tardinha, pela cidade.
  • 34. L.P.OWEN 34 Capítulo oito A APRESENTAÇÃO Por ser especial a dedicação tinha que ser maior, mas Ruan era perseverante, gostava e aprendia rapidamente. Seus pais sentiam orgulho do filho, a síndrome de Down não o impedia de conseguir superar os obstáculos e colocar por terra os prognósticos médicos de suas possibilidades e conquistas. Algumas metas foram alcançadas, mas faltava muito para Ruan realizar seus sonhos o de participar de uma banda. Cada obstáculo que aparecia em sua vida, Ruan fazia de tudo para transpô-lo. Seu lema “desistir jamais”, ensinado por sua mãe. O mais recente foi uma pequena diferença em uma de suas pernas que estava prejudicando seu desenvolvimento. A observação foi feita pelo professor, ao vê-lo caminhar. A intervenção cirúrgica foi um sucesso. Tratou-se de uma mistura de duas técnicas. Uma era a técnica do alongamento em Z com outra mais recente, a do enxerto do combinado de células tronco e osso sintético. Com o passar do tempo, seu interesse em ajudar outras pessoas com deficiências aumentou. Enquanto não conseguiu um local para doar seu talento não sossegou. Agora, ao dedicar-se a outras pessoas com problemas diversos, sentia-se feliz. O trajeto que fazia era longo, mas a caminhada o ajudava no condicionamento físico. Ir todos os dias para ensinar pessoas era
  • 35. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 35 muito gratificante. Em muitas ocasiões recebera os cumprimentos do diretor da escola. Isso o deixava muito contente. Ruan tinha a impressão que o progresso feito pelos seus alunos se devia ao entendimento das dificuldades sentidas por eles e a dedicação de cada um para romper o seu limite. Finalmente o dia da apresentação chegou. Seu coração estava feliz e ansioso ao mesmo tempo. Aquele dia seria muito especial, seus alunos tinham empreendido um grande esforço, mesmo que ocorresse algum deslize, eles seriam irrelevantes. Sentia-se orgulhoso por eles. Ruan adorou quando notou que as luzes que iluminavam o palco não permitiam ver as pessoas na plateia. Isso ajudaria os mais tímidos. A apresentação foi simples, os alunos acompanhavam playback de músicas de sucesso. Ruan por sua vez, apenas ficava ao lado no palco para dar mais tranquilidade as crianças. No final, quando as luzes da plateia foram acesas, viu seu professor e amigo aplaudindo seu trabalho sentado na primeira fila. Teve que segurar a emoção. Sentiu a falta de seu pai que havia falecido algum tempo atrás. Sua mãe se desdobrava para criá-lo e pelo modo como chorava sorrindo e aplaudindo ao mesmo tempo dava para ver que estava muito orgulhosa. Os aplausos não paravam, enquanto isso, os participantes curvavam-se em agradecimento. Na plateia, um grupo
  • 36. L.P.OWEN 36 chamou a atenção de Ruan pelo entusiasmo de seus componentes. No final da apresentação se aproximaram e cumprimentaram-no efusivamente.
  • 37. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 37 Capítulo nove O CONVITE O passeio após o almoço foi muito agradável, conversaram sobre diversos assuntos. Ao atravessarem a praça, Oscar fez uma observação enquanto tocava o ombro do Kasuo. - Veja que mulher maravilhosa! – Falou para brincar com o rapaz. - Oscar, por que você não corre atrás dela? – Respondeu o outro rindo. Todos riram. O passeio continuou até o final da tarde. Estavam prestes a retornar, quando viram pessoas aglomeradas próximas de uma escola. Aproximaram-se para matarem a curiosidade. Quando perceberam, estavam sendo conduzidos pelas pessoas que se encaminhavam para dentro do auditório da escola. Não estava lotado e sentados numa fileira ao lado da porta puderam assistir ao show dos alunos. Jorge colocou-se ao lado de uma fileira de poltronas, o restante do pessoal acomodou-se nas poltronas que estavam vazias. Jorge explicava os acontecimentos ao Kasuo que estava se sentindo perdido. Depois das crianças se apresentarem, Ruan foi requisitado, pela direção da escola, a fazer uma pequena demonstração. Com extrema maestria fazia suas baquetas tocarem em diversos modos e estilos. Mesmo
  • 38. L.P.OWEN 38 alternando o ritmo, tudo era feito com harmonia e precisão. O talento do rapaz chamou a atenção de Kasuo. - Será que ele está procurando tocar em alguma banda? – Insinuou. - Só faltaria um baixista. – Completou William. - Perguntar não ofende. – Avisou Oscar. O show foi sensacional, aplaudiam efusivamente. Quando acabou a apresentação os quatros fizeram questão de cumprimentá- lo. - Agradeço por terem vindo e espero que todos tenham gostado. – Disse Ruan. - Gostado? Nós adoramos! – Disse Oscar. Antes que o Ruan fosse a algum lugar perguntou. – Você não gostaria de fazer parte do grupo que estamos montando? Não teve tempo para responder, alguém o puxou pelo braço, em poucos instantes, Ruan já estava do outro lado do teatro recebendo os cumprimentos dos pais dos alunos, parentes e amigos. Os quatros ficaram sem ação e resolveram ir embora.
  • 39. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 39 Capítulo dez UM MENDIGO Naquela manhã William saiu muito antes que o pessoal acordasse. Caminhou durante algum tempo sem destino. Resolveu entrar numa igreja, naquele momento havia muito poucas pessoas, seguiu pelo corredor em direção ao altar, fez reverência e seguiu em direção ao Sacrário. Sentou num banco próximo ao altar do Santíssimo. Ficou quieto, de olhos fechados, sentindo a tranquilidade e paz que transmitia aquele local. Agradeceu por ter conhecido aqueles dois antes de cometerem o maior erro de suas vidas. Pensou no filho caçula que comemorava seu 15º aniversário, há muito tempo não lhe dava um abraço ou ouvia a sua voz. Por esse motivo estava sentindo-se infeliz. Estava tão concentrado em seus pensamentos que não percebeu um homem com as roupas surradas, sentar-se ao seu lado. - Bom dia! – Exclamou o homem com olhar fixo no altar. - Oh! Desculpe-me, estava distraído. Bom dia! Como vai o senhor? – Disse William meio sem graça. - Muito bem. – Respondeu o outro. – Por que está tão triste? - Deu para perceber? Está muito na cara? - Sim! – Respondeu ainda sem desviar seu
  • 40. L.P.OWEN 40 olhar. – Você não quer falar sobre isso? William percebeu que desabafar um pouco não faria mal. Contou o que acontecia. Falou com orgulho de seus filhos Luís e Mário 18 e 15 anos respectivamente. - Por que não vai visitá-los? - Para ser sincero, não tive notícias deles há alguns meses e também porque não tenho coragem para encará-los. A bebida conseguiu tirar-me o que tinha de mais precioso! A minha dignidade. - O senhor o que faz aqui? - Sempre venho conversar com Deus. – Respondeu como antes sem olhá-lo. - Eu entrei por acaso e resolvi fazer o mesmo, mas não sei como começar. – Confessou William. - Todos temos dificuldades. Quando vou falar com Deus, primeiro faço uma oração. – Disse o homem. - Não fiz oração alguma, talvez, por isso tenho tanta dificuldade em iniciar. - É possível. Quem sabe, não abriu seu coração o suficiente. Por que não começa novamente agradecendo o que tem e o que não tem? – Comentou ainda olhando para o altar. - Como agradecer o que não tenho? - Você não está doente! Está? - Claro que não! - Então agradeça por não ter uma doença qualquer. - Vou fazer isso. – O senhor poderia rezar comigo? – Perguntou William olhando para o homem ao seu lado. - É isso o que realmente quer? – Perguntou,
  • 41. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 41 mas desta vez olhando-o nos olhos. - Se puder, ficaria eternamente grato. – Disse com os olhos marejados. Os dois ficaram orando por alguns instantes, quando terminaram William sentiu seu coração bem mais tranquilo. Agradeceu por tantas graças que Deus concedia-lhe. Apenas sorriu para o homem ao seu lado e agradeceu. - Obrigado por ajudar-me. – Disse com o brilho no olhar. - Vou orar por você também. - Faça isso! É o que nos mantém caminhando. - O que você faz para viver? – Perguntou William. - Apenas converso com aqueles que moram na rua, os viciados, as prostitutas, os ricos, todas as pessoas, vivo para aprender e ajudar. - O que o senhor ganha com isso? - Um sorriso, uma oração. – Disse o homem olhando para o altar. Antes mesmo que William dissesse alguma palavra se retirou. Repentinamente William lembrou-se de não se apresentar, mas era tarde ele já tinha saído. Continuou por mais algum tempo quieto, sentindo a presença de Deus na paz que estava sentindo.
  • 42. L.P.OWEN 42 Capítulo onze A PROCURA Todos estavam tomando café exceto William. A preocupação tomou conta do grupo, porque não tinha dito nada sobre ausentar-se. - Por que não damos uma volta para ver se o encontramos? – Questionou Oscar. - Como vamos achá-lo numa cidade tão grande como esta? – Disse Jorge. - Podemos usar o Romeu é um cão de caça, vai encontrá-lo facilmente. – Retrucou o outro. - Como faremos? – Disse Jorge em tom cético. - Vou trazer uma meia do William para o Romeu cheirar, se não passar mal com o cheiro, poderá encontrá-lo facilmente. Kasuo, que até então, não tinha dito nada, iniciou jogando um banho de água fria nos dois. - Romeu não foi treinado para caça, mas para ser guia. O que podemos fazer é sairmos à procura dele. Todos concordaram com ele, resolveram apenas dar uma volta pela redondeza. Andaram por algum tempo, mas não o encontraram. Estavam quase desistindo quando passaram em frente da igreja e Romeu caminhou em direção a porta. - Ele está querendo que entremos na igreja. – Falou Oscar. Oscar entrou, tomando o cuidado para não fazer muito barulho com as muletas, seguiu pelo corredor central indo sentar-se num banco bem em frente ao altar do Santíssimo.
  • 43. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 43 - Como foi que me encontrou aqui? - Perguntou William. - Podemos dizer que seu cheiro atraiu a gente. – Respondeu Oscar. - O que você quis dizer com isso? - Dei uma de suas meias para o Romeu cheirar depois de se recuperar ele nos trouxe até você. – Brincou. - Estávamos preocupados. Poderia ter nos avisados. – Desta vez disse sério. - Vocês estavam dormindo, não quis incomodá-los. Estava precisando ficar algum tempo só. Se quiser podemos ir andando. Os dois saíram ao encontro do restante do pessoal, que aguardavam no lado de fora. - Por que não entraram? – Perguntou William. - Nem sabíamos que estava aqui. Outro motivo é o Romeu. – Respondeu Kasuo. - Não acredito que Deus fique bravo. Ele também é sua criação. – Disse William. Enquanto caminhavam de volta para casa, conversavam sobre o que fariam no futuro.
  • 44. L.P.OWEN 44 Capítulo doze A DECEPÇÃO Sua mãe estava eufórica com o sucesso da apresentação, enquanto ela comemorava e recebia os cumprimentos Ruan estava distraído pensando no grupo que estava na fileira lateral próximo a porta de entrada. Ficou intrigado com aquele pessoal que o aplaudia freneticamente. Infelizmente não tivera oportunidade de conversar por mais tempo. Lamentou, quando conseguiu ficar livre e notou que tinham saído. O dia amanheceu bonito, o sol brilhava absoluto e prometia temperaturas elevadas. As pessoas caminhavam pela praça, Ruan costumava passear e ficar alguns momentos relaxando ouvindo os sons das águas provocados pela cascata que mantinha o nível do aquário. Um tanque de concreto e em alguns locais da parede havia mais de dois metros de altura. Construído em terreno com desnível, era possível apreciá-lo por dois modos, por cima e lateralmente. Em vários locais foram colocadas placas de vidro por onde era possível ver os peixes nadando como se o espectador mergulhasse junto a eles. Estava sentado apreciando o movimento, quando olhou em direção ao playground e viu uma criança que brincava numa das balanças. Ao ficar em pé o garoto perdeu o equilíbrio e caiu. Ruan instintivamente levantou-se e correu em direção do garoto. Enquanto corria gritava para chamarem um médico.
  • 45. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 45 Percebendo que o garoto tinha quebrado um dos braços. Notou também que estava desacordado, mas respirava. Sua mãe, descontrolada, queria pegá-lo no colo e levá- lo ao hospital, mas por instinto, Ruan segurou-a pelo braço, não permitindo que o fizesse. - Calma! – Pediu Ruan à mãe do menino. A mulher não conseguia se controlar e o acusava de não deixar socorrer seu filho. - Se mexer nele pode complicar a situação. Os médicos estão chegando. Não acabou de falar e ao seu lado dois paramédicos já estavam examinando o garoto. Deixando-o em boas mãos, Ruan deixou a praça retornando para casa. - Olá meu filho! O que aconteceu? Vera conhecia seu filho muito bem para desconfiar que algo estava errado. - Aconteceu um acidente com um garotinho na praça. Fiquei chateado com isso. Lembrei- me, quando sofri aquele acidente de bicicleta e fiquei triste pelo garoto que num momento estava brincando e em seguida não podia mover o braço. Depois de contar tudo para sua mãe ela disse com voz doce: - Você agiu corretamente filho, como sempre lhe falamos. Se não sabemos o que fazer, o melhor é pedir ajuda e não fazer nada. Depois da conversa, foi para a garagem, onde passava a maior parte do tempo fazendo o que mais gostava, tocar bateria.
  • 46. L.P.OWEN 46 Capítulo treze O SHOW ACABOU Cláudio, um rapaz bonito, cabelos e olhos castanho escuros, 1,85m de altura, porte atlético. Era um dos que atraia maior número de fãs para a banda. Apesar de todo assédio que recebia das garotas que frequentava os locais onde costumavam tocar, não tinha namorada. Alguns pensavam que era homossexual, mas o real motivo era o complexo que tinha por usar uma prótese na perna esquerda e um pequeno problema de gagueira que era acentuado pela ansiedade ou nervosismo. O show como sempre, nos últimos tempos, foi muito bom. Por ser o último, tinha um sabor amargo, era verdade, mas deviam uma ótima apresentação para os fãs que conquistaram ao longo do tempo. No final, cumprimentou os companheiros e saiu. Como sempre fazia após cada apresentação, passou uma flanela sobre as cordas do seu contrabaixo para não oxidarem. Guardou-o com carinho na maleta. Despediu-se do pessoal e saiu a caminho de casa. Enquanto caminhava, pensou na trajetória da banda. Lembrou-se da maneira como passou a integrá-la. Na época, com 22 anos, ao retornar da escola, entrou no restaurante apenas para tomar um suco e seguir seu caminho. Ao colocar seu instrumento sobre a mesa, não conseguiu passar desapercebido. O líder da banda que se apresentava no local foi em sua direção, parou na sua frente e
  • 47. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 47 convidou-o a tocar com eles. Não foi necessário dizer duas vezes. Cláudio subiu no palco, durante a música a banda parou para ouvi-lo. Ficaram admirados com a apresentação do rapaz. Ver aquele talento e deixá-lo partir seria um desperdício. – Pensou o líder. Aplaudiram-no de pé por algum tempo. Agradeceu e já ia se retirando, quando foi convidado para ser o novo integrante do grupo. A partir daí o sucesso da banda foi aumentando até transformá-lo num dos líderes do grupo. Lembrou-se das viagens que fizeram, dos locais onde se apresentaram, das dificuldades e no momento em que deveriam colher os frutos, os egos dos integrantes, falou mais alto. Na rua, caminhando sozinho, sentiu algumas lagrimas rolando pelo rosto, assim como seus sonhos, desmoronaram. Sua vontade, naquele momento, era de sumir do mundo.
  • 48. L.P.OWEN 48 Capítulo catorze UM PROJETO ESPECIAL Sentado na varanda, apreciando o Sol que iluminava o jardim, muito bem cuidado, William pegou o lápis e o seu caderno de notas e começou a escrever. Você que me aquece; Dá a vida e a luz; Ilumina meu caminho; O destino me conduz. De dia estás ao meu lado; À noite longe estás; Sinto-me só, sinto frio; Deitado em minha cama; Como sempre acontece; Quando acordo e abro a janela; Lá me esperas tranquilo; Ao ver-te, tudo se alegra. Parou quando pressentiu a presença de Oscar. - Bom dia! – Disse o rapaz. - Bom dia! – Respondeu enquanto fechava o caderno. - Gosta de escrever? - É uma terapia. Gosto de escrever algumas coisas. Desabafo no papel. - Você nunca nos fala o que sente. - Sou um pouco retraído, escrevo, mas depois acabo jogando fora. – Respondeu William. - Poderia mostrá-las para as pessoas, quem sabe pudessem ajudá-las a ver as coisas de
  • 49. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 49 outra forma. Ficou em silêncio. - Você não teve mais notícias de seus filhos? – Perguntou o outro. - Não. Faz uns seis meses. A última vez foi no aniversário do mais velho. Naquele dia, resolvemos caminhar, durante o passeio conversamos um pouco. Sentia vergonha por não ter condições de cuidar deles. Não tive condição de dar-lhe nenhum presente, nem uma pequena lembrança. - Será que ele não achou sua presença o maior presente, ou melhor, a melhor lembrança que pudesse ter ganhado? - Me senti impotente, uma sensação muito ruim. – William falou com tristeza na voz. Novamente ficaram algum tempo em silêncio, quando retomaram foi William quem mudou de assunto. - Por falar em sensação ruim, precisamos conversar sobre as despesas que estamos dando para o Kasuo. - Você tem razão. Temos que arranjar um trabalho o mais rápido possível. - O que poderemos fazer? Trabalhava com projetos e manutenções industriais. Com a minha idade não consigo nem entrevista. – Comentou William. - Eu sei pintar, cantar e andar de muletas. – Disse Oscar. William riu. Gostava do humor do rapaz, mesmo nas ocasiões mais difíceis sempre mostrava seu bom humor.
  • 50. L.P.OWEN 50 “Oscar tinha idade para ser seu filho”.- Pensou. Admirava aquele ser maravilhoso que, a cada dia, conhecia um pouco mais. Enquanto falavam, Kasuo e Jorge se aproximaram para participarem da conversa. - Sobre o que estão conversando? – Quis saber Jorge. - Como faremos para pagar o Kasuo por nossas despesas. – Respondeu William. - Vocês poderiam pagar-me trabalhando num projeto diferente de tudo o que já fizeram. – Kasuo falou enigmático. - E o que seria esse projeto? – Perguntaram quase em conjunto. - Os senhores poderiam acompanhar-me? – Indagou Kasuo, enquanto seguiu pelo jardim guiado por Romeu. Caminharam em direção a um galpão situado ao lado da casa. Pintado na cor Palha. Tinha duas portas, uma localizada na lateral, dava acesso a casa. A outra, na parte da frente, tinha 5 metros de comprimento por 3 metros de altura. - Senhores preparem-se para o que vão presenciar, porque até hoje não vi nada igual. – Disse sério. Todos riram. Quando Kasuo acionou o controle remoto ouviu-se o ruído do motor esforçando-se para erguer a porta enorme. Todos estavam curiosos para saber o que havia ali dentro. Depois de inteiramente aberta, revelou-se o que existia no galpão. O sentimento estampado em cada um dos
  • 51. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 51 semblantes foi desolador. Pelo silêncio, Kasuo imaginou o tamanho da decepção do grupo. A descrição exata era do verdadeiro caos, estava inteiramente tomado por móveis, caixas, havia de tudo um pouco. Um depósito de tralhas. - Estou com você. Kasuo, nunca vi algo semelhante em toda minha vida. – Disse Oscar. - Calma pessoal! Explicarei minha ideia. Não se impressionem com o que estão vendo. – Tentou animá-los. - Pelo jeito deve estar pior do que imaginei. - Estou querendo limpar essa bagunça, jogar as tralhas fora, separar o que pode ser usado. O importante é liberarmos este espaço. – Finalizou Kasuo. - Não via a hora de fazer algo. Agora que já sabemos o que fazer, mãos à obra. – Disse William. No final todos se empolgaram e meteram a mão na massa. Cada um fez o que podia. Separaram as coisas pequenas dos móveis para um canto do quintal para serem doados às entidades assistenciais. Os materiais que poderiam ser reciclados foram colocados em outro local. Depois disso, foram retirados os móveis, com a ajuda dos catadores. William notou a presença de um automóvel colocado no fundo do galpão coberto com uma lona. Ao removê-la deu um grito de admiração. - Mas o que é isto? Kasuo, você conseguiu
  • 52. L.P.OWEN 52 enganar a todos. - Completou. - Em que estavam pensando? Somente em limpar a garagem, jogando os entulhos fora? – Respondeu orgulhoso. - O verdadeiro motivo é criar espaço para colocar este automóvel após sua reforma. – Finalizou O cansaço foi esquecido pelo grupo. - Precisamos fazer uma avaliação para ver se vale a pena. – Indagou Jorge. - Quanto ao custo da reforma não se preocupem. Não reformei antes porque não tinha como verificar a qualidade do serviço. Agora que tenho em quem confiar, podemos iniciar o mais rápido possível, seu valor sentimental é muito alto, afinal ele pertenceu ao meu pai. - Está propondo que apenas fiscalizemos o serviço? – Perguntou Jorge. - Fiscalizar, verificar onde podemos encontrar profissionais de gabarito para a execução do serviço. Precisamos de um meio de transporte, ele será o nosso. - Além de um automóvel precisamos de um local para nossos ensaios acredito que poderemos formar uma banda mais breve do que pensei. Essa garagem é excelente, basta melhorar sua acústica e será perfeita. Faremos uma pequena reforma para separarmos a garagem do estúdio. - Você está propondo que formemos uma banda? – Desta vez foi Oscar quem perguntou. - Pensei muito no que William tinha proposto e achei algo razoável.
  • 53. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 53 - Então vamos começar agora mesmo. – Oscar conclamou entusiasmado. Cada um deu sua sugestão para execução do projeto da reforma da garagem. O desenho do projeto ficou por conta de William. O segundo passo foi verificar as peças que deveriam ser trocadas no automóvel, para terem uma ideia mais precisa, limparam o automóvel por completo. No final, o automóvel estava limpo, mas ao contrário, com a guerra de água iniciada por Oscar, todos ficaram molhados. - Até que não está tão estragado como você pensava Kasuo! – Comentou Jorge.
  • 54. L.P.OWEN 54 Capítulo quinze RECADO DADO Geraldo, como sempre, deu um beijo na esposa, no filho de cinco anos e saiu. Enquanto aguardava o ônibus imaginava a forma de melhor aproveitar o dia. Chegando na central, depois de 70 minutos de viagem, cumprimentou seus colegas de trabalho, recebeu a bolsa contendo todas as cartas que deveriam ser entregues. Com o bom humor, que todos admiravam, saiu para cumprir sua obrigação. Passou em frente da residência de William, mas como antes, estava fechada. Continuou seu caminho para fazer as entregas das cartas em outras ruas do bairro. Restavam poucas correspondências para terminar seu trabalho. Estava compenetrado em confirmar o endereço de uma entrega quando, ao tocar a campainha, não percebeu o perigo. Sentiu uma dor muito aguda em seu antebraço, a primeira impressão foi de receber uma descarga elétrica muito forte, mas quando se deu conta percebeu que estava sendo dilacerado pela forte mandíbula de um animal. O ataque foi tão rápido que Geraldo não teve tempo de se defender. Gritou por socorro, mas não viu ninguém próximo que pudesse ajudá-lo. A única coisa que sentiu, antes de desmaiar foi a presença de um homem lutando para retirar seu braço da boca da fera.
  • 55. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 55 Quando acordou estava sendo tratado por um médico dentro de um automóvel de resgate ao lado um velho conhecido, que segurava a barra de ferro utilizada para livrá-lo do ataque do animal. - Geraldo está tudo bem com você? – Perguntou William. - Sim! Somente me lembro de ser atacado por um cachorro, o que aconteceu depois, não sei de nada mais. - Já está tudo sob controle. O cachorro está em observação para saber se você não o intoxicou. – Disse brincando. – A dona estava lavando o local onde ele fica e não percebeu que ele tinha escapado. - Conheço esta senhora ela é gente boa. Nunca tinha visto esse cachorro. – Respondeu Geraldo. - Ele fica na parte de trás da casa. O importante é que você vai ser encaminhado para o hospital, lá deixarão você novo em folha. Daqui a alguns dias você estará pronto para outra. – William riu novamente. - Acabei de lembrar-me. Tentei entregar uma carta registrada na casa onde morava. Como não te encontrei devolvi para central. Ligue para lá e procure se informar. - Ah! Antes que me esqueça. Obrigado! - Eu é que te agradeço por lembrar-se da carta. – Respondeu William. O rapaz foi levado para o hospital.
  • 56. L.P.OWEN 56 Capítulo dezesseis O CONSELHO O dia amanheceu ensolarado, a temperatura muito agradável, um excelente convite para as atividades físicas. Ruan acordou cedo, seguiu em direção a praça. Como de costume, fez sua caminhada. Depois dos alongamentos, sentou-se num banco próximo da cascata que mantinha controlado o nível do aquário. Distraiu-se olhando as crianças que brincavam no parquinho em frente. Notou que cada uma delas tinha preferência por um determinado brinquedo. Algumas preferiam a balança, outras trepa-trepa e etc. Ruan apreciava o movimento, quando uma sombra enorme surgiu no chão à sua frente. Ao olhar para o lado deparou-se com o causador do fenômeno. Um homem alto e forte, barba por fazer. Usava um chapéu de feltro, que escondia os cabelos castanhos, parado à sua frente. Trazia embaixo do braço um jornal muito bem dobrado. Na mão, um saquinho pardo impresso panificadora Coisa Boa. - Bom dia! – disse o homem em tom alegre. - Bom dia! – respondeu Ruan. - Posso sentar-me ao seu lado? – Aguardando a resposta em pé. - Por favor! – Respondeu Ruan sorrindo. - Obrigado! Aqui é um ótimo lugar para relaxar, não acha? – Observou o andarilho. - O senhor tem razão. Venho aqui todos os dias. Faço uma caminhada, sento-me neste banco, ouço o som das águas caindo,
  • 57. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 57 enquanto aprecio as crianças brincando no parque. Quase ia esquecendo-me dos pássaros que vivem disputando os melhores lugares nestas árvores. – Completou. – Você está servido? – Mostrando o pacote aberto com alguns pães. - Obrigado. – Respondeu. - A propósito, meu nome é Ruan muito prazer. – Completou. - O meu é Sílvio e o prazer é todo meu. Quando cheguei, notei que estava preocupado. – Falou enquanto mordia um dos pães. - Na verdade lembrei-me de um garoto que caiu do balanço. Gostaria que estivesse passando bem. - Você, como está passando? – Perguntou Sílvio. - Estou bem. – Respondeu evasivamente. Quando Ruan olhou para o lado, os olhos de Sílvio foram de encontro ao seu. Imediatamente, sentiu seu rosto corar e completou. - Pensando melhor, não estou tão bem assim. - O que te deixa infeliz? – Perguntou Sílvio enquanto mordia novamente o pão. A tranquilidade, a ternura transmitida na voz incentivava as pessoas a abrirem seus corações. Sua aparência simples despertava a confiança nas pessoas, além disso, tinha o dom de saber ouvir. - Desde que me conheço por gente estou sempre mostrando aos outros que sou capaz de fazer o que me proponho. – Iniciou Ruan. -
  • 58. L.P.OWEN 58 Nasci com um pequeno problema, por isso tenho algumas limitações. A música faz parte da minha vida. Ela é como a minha alma, não sou nada sem ela. Ao falar em tocar bateria, as pessoas debocham, não me dão oportunidade de mostrar o que posso fazer. Tudo pelo preconceito. - Há pouco tempo atrás recebi o convite, para fazer parte de uma banda, de um pessoal que estava assistindo minha apresentação onde leciono. No tumulto não os vi mais. Talvez tenha perdido minha oportunidade, dizem que ela só aparece uma vez. - Não acredito que se tenha apenas uma oportunidade na vida. Você não acharia injusto para os que perdessem essa chance? – Perguntou Sílvio enquanto terminava de amassar o saquinho de pão. - Isso é o que dizem. – Retrucou Ruan. - Se acredita realmente nessa afirmação, só posso dizer que você perdeu sua oportunidade, caso o contrário, digo que ela ainda não apareceu, ou não era sua verdadeira oportunidade. – Falava docemente, mas com firmeza. - Você imagina se Pedro não tivesse uma segunda chance para seguir Jesus? – Sílvio continuou. – Muitas vezes queremos que as nossas necessidades sejam satisfeitas no momento que determinamos. Quando isso não acontece o pensamento que surge em nossa mente é de não termos outras oportunidades e ficamos chorando nos cantos como crianças mimadas que não tiveram suas vontades atendidas.
  • 59. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 59 Continue treinando que um dia, quando menos esperar, terá sua oportunidade, então se lembrará do que estou falando. - Bem! A conversa está boa, mas tenho que ir andando. – Sílvio despediu-se. Ruan pensou nas palavras que acabara de ouvir enquanto via Sílvio caminhar em direção a lata de lixo para jogar o saquinho de papel amassado.
  • 60. L.P.OWEN 60 Capítulo dezessete RUAN E CLÁUDIO Cláudio tomou café da manhã e saiu. Estava sentindo-se bem. Caminhar sempre lhe dava prazer, aproveitava o tempo para pensar. As pessoas estavam todas apressadas sequer olhavam uma às outras. Ele, por sua vez, estava tranquilo, apenas pensando em dar um novo rumo para sua vida. Compenetrado nos seus pensamentos, quase atropelou Ruan, que se levantava do banco da praça para ir ver os peixes que passavam tranquilos próximos ao visor de vidro, não dando importância para os humanos que ficavam próximos do aquário. O impacto de Ruan no corpo de Cláudio foi tão forte, por pouco os dois não caíram sentados no chão. - Me desculpe estava distraído. – Disse Ruan imediatamente. - Eu que peço desculpas estava mergulhado nos meus pensamentos que não percebi você na minha frente – Respondeu Cláudio. - Espero não ter machucado com minha perna biônica. – Comentou Cláudio sorrindo. Percebendo que Ruan não tinha entendido a piada, resolveu mostrar-lhe a perna. A surpresa de Ruan ficou estampada em sua cara, mas no final os dois começaram a rir. - Meu nome é Ruan muito prazer. - O meu é Cláudio, o prazer é meu.
  • 61. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 61 Capítulo dezoito SÍLVIO Sílvio ajudava as pessoas, mas seus próprios problemas ficavam sem solução, não tinha com quem desabafar. Eles haviam começado alguns anos antes. Casado pai de um garoto bonito e inteligente. Um homem trabalhador que vivia para sua família. Começou a beber, no início, socialmente até se tornar um hábito. Algum tempo depois não tinha mais controle sobre o vício. Sua vida tornou-se um verdadeiro inferno. As brigas com sua esposa começaram a fazer parte do cotidiano. Até que um dia quase chegaram a se agredir, antes que ocorresse uma tragédia, resolveu sair de casa e não voltou mais. Passou a viver na rua, dormindo embaixo de viadutos, marquises. Sua alimentação era conseguida por doação de pessoas que encontrava. Seu estado de embriaguez era permanente, dificilmente estava sóbrio. Em um momento raro de lucidez, quando caminhava por uma avenida, viu uma aglomeração ao redor de uma pessoa que estava deitada no chão. Ao lado do corpo notou um saco onde havia algumas quinquilharias, pertences do rapaz que fora atropelado. Aproximou-se para matar sua curiosidade, levantou o plástico que cobria o corpo, não suportou a emoção e desmaiou. Cada um foi levado para um local diferente.
  • 62. L.P.OWEN 62 Sílvio foi encaminhado para um hospital público onde ficou em observação e encaminhado em seguida, para uma casa de recuperação para dependente químico. O rapaz foi levado para o IML. No começo tudo era difícil, sentia falta da ingestão do álcool, as dores eram intensas, ansiedade, irritação, sensações horríveis. Com o passar do tempo os sintomas diminuíram. A única coisa que não passava era a dor que sentia da perda. O arrependimento de ter escolhido um caminho errado. O tempo se arrastava, como uma forma de fuga dos seus pensamentos, dedicou-se aos afazeres do lugar e ajudar aos que estavam no início do tratamento. Quando saiu, voltou a morar nas ruas. Ficava nos bancos das praças, embaixo dos viadutos e etc. Muitas vezes perguntou a Deus por que ele vivia enquanto crianças e jovens morriam. A resposta não tardou. Uma criança caminhava sozinha chorando. As pessoas passavam pelo garotinho sem notarem o que acontecia, preocupadas com elas mesmas. Sílvio resolveu se aproximar. Depois de acalmá-la, pegou em sua mão, caminharam em direção a uma base da polícia próxima de uma praça. Quando chegaram, viu um casal que estava desesperado conversando com um policial em uma sala próxima. Ao informar que havia encontrado aquele garoto andando sem rumo o casal se virou e os dois choraram de alegria. Depois de muito abraço e choro, o pai do
  • 63. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 63 garotinho foi em sua direção. - Não sei como te agradecer. – Disse o pai do garoto enquanto apertava a mão de Sílvio. – Que Deus te abençoe. - Quem tem de agradecer seu filho sou eu. – Sílvio acabava de descobrir a resposta de sua pergunta. Retirou-se, deixando os pais do garoto sem entenderem sobre o que estava falando.
  • 64. L.P.OWEN 64 Capítulo dezenove MÃOS À OBRA Com a retirada das bugigangas, restando somente o automóvel, o espaço da garagem parecia bem maior do que anteriormente. Fizeram contato com diversos estabelecimentos de funilaria e pintura, para execução de um orçamento. - Vamos ter que aguardar a cotação completa da parte mecânica, da funilaria e pintura. – Disse William. Kasuo não estava preocupado com o valor do serviço, mas sim, com a qualidade. - Como ficou a garagem? Vai ser necessário pintarmos? – Perguntou Kasuo. - É uma boa ideia. Poderemos pintá-la, assim que retirarmos o automóvel. – Respondeu William. Todo material separado no dia anterior estava sendo despachado por Oscar e Jorge. Os dois presenciaram a felicidade do pessoal que vieram retirar os materiais descartados que, para eles, seria de muita serventia.
  • 65. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 65 Capítulo vinte A VISITA A campainha do interfone soou estridente, Helena deixou seus afazeres para atendê-la. Alguém do outro lado procurava pelo William. Quando abriu o portão, William ficou contente ao ver que Geraldo estava com ótima aparência, apesar do braço imobilizado. - O que te fizeram no hospital? Uma recauchutagem completa? - Fui reformado por completo, mas muito bem tratado. – Respondeu Geraldo. – O motivo da minha visita é apenas para te entregar o telefone e o endereço da central, onde retornam as cartas não entregues. - Vou verificar esse assunto. Desde já te agradeço pela gentileza e preocupação. - Como sempre digo, uma carta é sempre importante para duas pessoas; o remetente e o destinatário. – Disse Geraldo. - Nunca pensei por esse lado. – Comentou William. - Bom! Agora preciso ir, ainda vou passar pelo médico, não vejo a hora de tirar isso. - Disse mostrando o braço. - Você não quer entrar? - Vamos deixar para outro dia, estou ficando atrasado para a consulta. - Então obrigado pela atenção. – Disse William estendendo a mão. - Eu é que devo agradecer-te por ter-me salvo.
  • 66. L.P.OWEN 66 Capítulo vinte e um ALGO INESPERADO Mais um dia havia passado sem notícia alguma do paradeiro de seu marido e do seu filho. Não entendia porque os dois resolveram partir e nunca mais voltar. Eram, o que se poderia dizer, uma família normal, com momentos de altos e baixo. Apesar de ser uma pessoa esclarecida, a atitude dos dois não foi assimilada. Maria, mulher guerreira, tinha traços bonitos, alta, cabelos castanho-claros. Grandes olhos castanhos davam a impressão de estarem atentos a tudo ao seu redor. Não sofria com a balança, seu peso não se alterava há anos, por isso, sempre foi invejada pelas amigas. Procurou por longo tempo encontrá-los num hospital, numa prisão, necrotério, mas não havia quem pudesse dizer onde os dois estavam. Nos últimos tempos já se acostumara a pensar na hipótese de terem sido enterrados como indigente. Seu coração já não suportava mais desilusões, pistas que nunca a levou a um lugar que pudesse ter certeza do que havia ocorrido. Há muito que deixara de procurá-los. Sentada no sofá da sala enquanto jantava sozinha, como de costume, quando se surpreendeu. Pela televisão, assistia a edição do jornal, quando mostraram um corpo coberto com sacos plásticos. Seu sexto sentido maternal imediatamente deixou-a em estado de alerta de que pudesse
  • 67. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 67 ser alguém querido, uma tristeza profunda invadiu seu peito. O prato de comida foi deixado sobre a mesa ao lado. Agora sua atenção voltou-se para as informações sobre o acidente quando, um homem passando por trás do repórter chamou sua atenção. Novamente seu instinto deu sinais de que conhecia aquele homem. Um pouco mais velho e desalinhado, mas ainda assim continuava sendo aquele que a fizera fugir de casa para dividir o mesmo teto. Aquele que ainda fazia seu coração bater mais forte e sua respiração ficar ofegante. Ao vê-lo desmaiar ao olhar para o corpo estendido no chão, sua dúvida tornou-se quase uma certeza e não conseguiu mais se conter. Uma dor alucinante tomou conta de seu peito, como se uma espada atravessasse seu coração. Não demorou e o choro convulsivo foi inevitável. Sozinha sem alguém para confortá-la. Foi difícil voltar ao estado normal novamente, mas depois de tomar alguns copos de água com açúcar conseguiu se acalmar um pouco e colocar novamente as ideias no lugar e planejar o que faria. Dormir naquela noite, somente depois de muito custo e vencida pelo cansaço. Seu instinto mais uma vez não se enganara, após alguns dias, recebeu a notícia de que seu filho havia sido enterrado como indigente e que deveria providenciar toda documentação
  • 68. L.P.OWEN 68 para reverter o caso e transladar o corpo para o jazigo de sua preferência. Um pensamento não saia de sua mente, que Sílvio teria dado informações sobre seu filho, mas não soube explicar por que não a procurou.
  • 69. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 69 Capítulo vinte e dois ALGUNS MOMENTOS O trabalho na garagem caminhava a todo vapor, foram colocadas placas acústicas no teto e parede, para evitar que o som se propagasse e incomodasse os vizinhos. Uma divisória foi feita, deixado um espaço suficiente para o automóvel, que passava por um conserto completo numa oficina especializada. Enquanto isso na oficina de funilaria e pintura eram feitos os reparos em toda a lataria. Foi necessário deixar o automóvel apenas no chassi, para uma perfeita verificação do estado do veiculo e fazer um trabalho perfeito. Nesta etapa, já haviam removido todas as partes podres e restauradas as amassadas, restando apenas um fundo para proteção. A obra de funilaria estava entregue, faltando apenas pintura e polimento. A parte mecânica era executada por outro grupo. Motor, câmbio e suspensão estavam desmontados. Todas as peças passavam por inspeção detalhada a fim de verificar o estado de conservação de cada uma para sua reutilização. *** Ruan estava feliz, receberia naquela tarde em sua casa, uma visita muito importante. Quando a campainha tocou Ruan caminhou em direção à porta, alinhou a roupa, abriu-a.
  • 70. L.P.OWEN 70 Ao ver Cláudio parado no portão ficou muito contente, porque muitas pessoas haviam combinado anteriormente com ele, mas nenhuma tinha aparecido, Cláudio seria o primeiro. Dona Vera não sabia o que fazer para agradar o visitante. Preparou um bolo de cenoura coberto com muito chocolate, alguns sanduíches de atum e maionese e um cafezinho feito na hora, que exalava seu aroma, enfeitiçando a todos. - Desse jeito vou vir aqui todos os dias! – Disse Cláudio. - Teremos um prazer enorme em te receber. – Respondeu sorrindo. Ruan mostrou a casa e o local onde sua bateria estava montada para seus ensaios de todos os dias. Quando Cláudio entrou na garagem e viu o tamanho da bateria não se conteve. - Minha Nossa! Os seus vizinhos devem ficar malucos com você! Ela é linda! Cláudio tirou seu baixo da maleta e os dois começaram a tocar. No início foi um Rock, depois foram alterando os ritmos, até fazerem um agrado para dona Vera tocando uma valsa. As horas passaram rapidamente, os dois combinaram outros ensaios. *** Caminhando pelas ruas da cidade, sem rumo é verdade, mas com a missão de ajudar aqueles pobres coitados que, como ele, viviam sob as estrelas, sem destino certo, sem bens materiais, a não ser a roupa do corpo. Com o seu faro para descobrir aqueles que estavam
  • 71. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 71 com dificuldades, Sílvio abordou um rapaz que estava preste a drogar-se. - Olá meu rapaz! – Exclamou. - O que está afligindo-te? – Perguntou enquanto agachava- se para sentar ao seu lado. - Pô tiozinho! Deixa quieto! – Respondeu enquanto preparava-se para enfiar o rosto no saco onde se encontrava a droga. - Onde você mora? - Aqui na rua tio! - Onde morava antes de vir para as ruas? – Insistiu ele. Para despachar logo aquele homem inoportuno resolveu responder-lhe todas as perguntas. - Você não gostaria de voltar para casa? - Quem me quer lá? – Respondeu com tristeza. - Acredito que seus pais estejam preocupados querendo que você volte. Nesse momento o rapaz ficou calado por alguns momentos, mas quando começou, Sílvio sentiu toda a amargura na sua voz. - Voltar pra que? – Para apanhar para acordar, para almoçar, para jantar e para dormir? – Continuou. - O senhor não sabe o que é viver numa casa como a minha. Meu pai tinha cometido um roubo e foi preso. Na penitenciária, durante uma rebelião, foi morto, não sei se pelos policiais ou pelos presos. - Minha mãe arranjou um namorado mais torto ainda. - Enchia minha irmã de beijos e
  • 72. L.P.OWEN 72 abraços. Comigo era só na pancadaria. Há muito tempo tinha notado que minha irmã estava diferente, calada e todas as vezes que meu padrasto a pegava no colo ela estremecia de medo. Até que um dia cheguei mais cedo da escola, ao abrir a porta do barraco, encontrei os dois nus na cama. Ele obrigava minha irmã a fazer caricia nele dizendo que, se ela contasse para alguém, mataria todo mundo em casa. - Quando vi aquela cena, não pensei duas vezes, peguei uma faca na cozinha e voei para cima dele. Não consegui matá-lo, mas o estrago foi grande, a partir daí não vai poder mexer com menina nenhuma. Nunca mais. – Nesse momento sorriu. - Quando minha mãe soube do que tinha acontecido, deu parte na polícia para me prender, por tentativa de homicídio. Quem me salvou, foi o vizinho que presenciou tudo o que aconteceu e contou aos policiais que levaram o indivíduo. – Fez uma pausa e concluiu. - Acredito que agora seja mulher de algum preso ou já morreu. O rapaz agora mais receptivo olhou para Sílvio e disse: - Você foi o único que conversou comigo até agora para saber o que aconteceu. – Fez uma pausa e agradeceu. - Obrigado! - Por que não volta para casa? – Insistiu Sílvio. - Minha mãe é capaz de matar-me. - Só existe uma forma de saber. É você indo lá para ver. – Completou. – Se quiser posso ajudar-te.
  • 73. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 73 - Estaria disposto a isso? – Perguntou o garoto. Sílvio apenas estendeu a mão e aguardou que o rapaz a pegasse. - Se quiser se ajudar, eu também te ajudo. - A propósito, como você se chama? – Perguntou Sílvio. - Meu nome é José Luís, mas pode chamar- me de Zé Luís. Sílvio conseguiu levá-lo para o centro de recuperação por onde ele mesmo já tinha passado tempos atrás. - Este é o primeiro passo, eu espero que possamos dar outros. Estarei aqui para o que precisar. – Disse enquanto dava um abraço de despedida. – Tenho certeza que conseguirá dar outros.
  • 74. L.P.OWEN 74 Capítulo vinte e três RUAN A síndrome de Down acarretava algumas dificuldades para ser transposta por Ruan, uma era a dicção. Quando falava, algumas palavras tinham a necessidade de serem repetidas, isso o deixava nervoso e, consequentemente, a necessidade de repetição aumentava. Como de costume, Ruan seguiu para fazer sua caminhada. A praça estava repleta de gente. Ele aproveitava o momento de suas caminhadas para fazer novas amizades. Nas várias vezes em que caminhou sozinho, ficou prestando atenção nas diferenças entre as pessoas. Tinha aqueles que se produziam, outros, utilizavam apenas shorts e camisetas e assim por diante, cada um ao seu estilo. Suas roupas eram a mais confortável que pudesse usar. Algo que lhe chamava a atenção, era o fato, de algumas pessoas somente conversarem sobre doenças, enquanto cuidavam da saúde. Ruan prestava atenção nas características das pessoas que por ele passavam. Naquele horário eram quase sempre as mesmas. Havia um senhor, muito distinto, que fazia suas caminhadas, nos dias mais frios, utilizando jaqueta de jeans impecável. Admirava-se com sua elegância. Havia outro, um advogado, que invariavelmente era acompanhado por um de seus amigos, que não perdia a oportunidade de fazer uma consulta grátis.
  • 75. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 75 Ruan estava distraído em seus pensamentos, quando alguém tocou em seu ombro. - Bom dia! – Disse ao virar-se. - Faz muito tempo que você está caminhando? – Perguntou Cláudio. - Uns quinze minutos. – Respondeu Ruan com sua dificuldade peculiar na fala. - Preciso que me faça o favor de ir mais devagar! – Disse Cláudio. - É a minha perna mecânica! – Completou fazendo uma careta e encolhendo o ombro. Os dois caminharam por pouco mais de uma hora e depois fizeram alguns alongamentos, em seguida sentaram-se num banco embaixo de uma árvore enquanto apreciavam o movimento e colocavam a conversa em dia. - Espero que os pássaros nos poupem do bombardeio. – Disse Cláudio. Os dois riram muito, imaginando a cena, mas permaneceram ali onde conversaram sobre vários assuntos, um deles, não poderia deixar de estar na pauta, a formação de uma banda.
  • 76. L.P.OWEN 76 Capítulo vinte e quatro NA OFICINA Quase todos os dias e em horários próximos, a janela da casa de Kasuo era atingida por uma pedra. Todos ficavam chateados de não conseguirem descobrir quem era o autor, por esse motivo, resolveram manter a janela fechada para que as pedras não machucassem alguém. Alguns dias mais tarde, Oscar saiu cedo, sua missão, levar o novo projeto para a reforma do automóvel. Kasuo havia avisado o responsável, que seu homem de confiança passaria por lá neste dia. O pessoal da funilaria já estava aguardando ansioso por ele e quando foi anunciada a presença de Oscar, todos pararam o que estavam fazendo para conhecerem o “homem de confiança”. Quando aquela figura, parecendo um robô desengonçado, que ao movimentar-se fazia um barulho de metal rangendo, entrou na oficina, quase não conseguiram manter a seriedade. Oscar caminhou lentamente em direção do grupo, uma bolsa tiracolo contendo um tubo de papelão, parecido com os recebidos na colação de grau, porém um pouco maior. Os rapazes aguardavam ansiosos por ele. Em redor de uma bancada redonda, transformada em mesa para reuniões, esperavam a apresentação do projeto. Oscar parou apoiando-se numa das cadeiras, enquanto se debatia para pegar o tubo de papelão, que teimou em acomodar-se nas suas
  • 77. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 77 costas, onde se encontrava o projeto final do automóvel. Ao desenrolar o papel vegetal sobre a mesa, não puderam acreditar no que estavam vendo e com tamanha perfeição. Cada um dos rapazes que olhava para o companheiro podia notar a mesma expressão no rosto, perplexidade. - Me desculpem a qualidade do desenho, espero que possa dar uma ideia do produto acabado. – Disse Oscar pensando que não tinham gostado do desenho. - Ele está tão perfeito que é capaz de sair do papel. Parece até que está desenhado em 3D. – Brincou o chefe da oficina. Oscar nem precisou dar explicações, porque o desenho falava por si e todos não tinham dúvidas sobre o que fariam. A conversa que se seguiu foi sobre amenidades. Divertiram-se tanto com Oscar que o comentário feito, não causou nenhuma surpresa. - Já que vocês são feras em funilaria como o Kasuo diz, não teria um jeito de melhorar minha carenagem? – Brincou Oscar. - Se quiser, poderemos pelo menos tirar o barulho! - Seria muito bom, quase assustei vocês quando cheguei. – Disse rindo. Depois de algum tempo sentado, Oscar recebeu seus suportes de pernas. Todas as articulações do equipamento que possibilitava sua locomoção estavam ajustadas e lubrificadas, não fazendo mais barulho algum.
  • 78. L.P.OWEN 78 - Nossa! Nunca pensei, que algum dia poderia andar sem fazer barulho. Muito obrigado por tudo que fez. - Foi um prazer. – Respondeu o chefe. Oscar se despediu e enquanto caminhava fazia algumas graças para mostrar que caminhava muito melhor agora e o principal, sem barulho. Enquanto se afastava em direção a saída, os mecânicos se olhavam, no semblante de cada um podia ser visto uma grande admiração por aquela figura.
  • 79. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 79 Capítulo vinte e cinco O DURO INÍCIO Quando chegou à clínica, levado por Sílvio, foi apresentado a um homem aparentando ter entre 30 e 40 anos chamado Valter. Sua barba e cabelos compridos davam-lhe o aspecto de ser mais velho do que realmente era, a primeira impressão era de ser uma pessoa austera, mas no fundo, tinha um coração enorme. Ao ser apresentado ao Valter, José Luís recebeu um terço de presente e junto um livreto onde estava escrito “O Novo Rosário”. Sem muita conversa foi indicado um quarto onde dormiria naquela noite. O quarto era pequeno, mal cabia a cama e um armário. Num dos cantos tinha uma porta que dava acesso a um banheiro. - Tome um bom banho, escolha camisa, calça, cueca, meias e sapato desse armário, depois jogue toda sua roupa naquele saco plástico. – Informou Valter. - Os horários do café da manha, do almoço e jantar estão neste folheto afixado no quadro de avisos, se ocorrer atrasos, fica sem comer. Vá tomar um banho depois virei buscá-lo para o jantar. Saiu deixando-o só. Pensou em ir embora, mas resolveu tomar um banho e fazer como fora instruído. Ficou aguardando deitado enquanto lia o livreto que recebera. Pouco depois Valter chegou para buscá-lo.
  • 80. L.P.OWEN 80 - Vejo que estava lendo o livreto? – Disse Valter. - Sim, mas não entendi muito bem. - Este livreto vai ajuda-lo na hora de rezar o Terço. – Explicou Valter. - Rezar o Terço? - Sim o Terço. Todos os dias, após o café da manhã e após o jantar você irá até a capela, ficará rezando conforme as explicações do livreto. Nos primeiros dias fez o Terço com boa vontade, mas com o passar dos dias começou a se revoltar e não querer mais fazer as orações. Resolveu falar com o diretor a respeito. Bateu na porta e uma voz deu permissão para entrar. - Posso falar com o senhor? - Pois não! Em que posso ajuda-lo? – Perguntou olhando por cima dos óculos. - Estou aqui a mais de uma semana e as únicas coisas que faço são: rezar o Terço de manhã e à tarde. – Disse um pouco alterado devido à abstinência. - Então quer dizer que está cansado de rezar o Terço, duas vezes por dia? - É isso aí! – Respondeu balançando a cabeça afirmativamente. Valter parou de falar, como se estivesse meditando algo, respondeu enquanto se levantava da cadeira e caminhava em direção a porta. - OK! Já está na hora de parar de fazer o Terço, amanhã comece a fazer o Rosário. Sem esperar qualquer resposta, abriu a porta e
  • 81. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 81 aguardou o rapaz sair da sala.
  • 82. L.P.OWEN 82 Capítulo vinte e seis UMA BOA CONVERSA Oscar saiu da mecânica muito contente, o suporte para as pernas não fazia mais barulho, até a sua locomoção ficou mais fácil. Kasuo havia determinado que Oscar utilizasse táxi para sua locomoção, mas ele resolveu voltar de ônibus. Desceu alguns quarteirões antes para caminhar um pouco e aproveitar o conforto que o ajuste estava proporcionando. Ao entrar na rua onde morava encontrou, por acaso, com os dois adolescentes que caminhavam um pouco mais à frente. - Olá! – Oscar cumprimentou os dois no exato momento em que jogavam uma pedra na janela de Kasuo. - Vamos nessa que sujou! – Disse um deles dando o sinal para fugirem. - Se vocês correrem, não vou conseguir acompanhá-los. – Disse Oscar. Quando perceberam que não poderiam ser molestados por aquele ser estranho e indefeso. Resolveram parar. - Poderíamos conversar um pouco? – Perguntou enquanto caminhava em direção dos rapazes. Vendo que os dois estavam parados esperando por ele iniciou com tranquilidade. - Nas primeiras vezes que jogaram pedra na minha janela, imaginei apenas algumas crianças procurando por aventura. - Ao descobrir que vocês são quase dois homens feitos, pensei no motivo que os levou
  • 83. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 83 a esse ato, mas não consegui encontrar nenhum. Isso me deixou triste porque vi que o futuro próximo do meu País estará nas vossas mãos. O que poderemos esperar de vocês? Não esperou pela resposta ele mesmo concluiu. - Janelas quebradas? Espero que não! Imagino serem inteligentes o bastante, para saberem que isso não os levará a lugar algum, ou melhor, poderá levá-los a lugares indesejáveis. Só espero que antes que atirem uma pedra em alguma janela, pensem nas vossas mães em casa pensando que seus filhos queridos estão fazendo algo mais útil. Pensem nos seus irmãos menores, que exemplos, vocês poderiam ser para eles? - Sem esperar qualquer reação concluiu. - Obrigado por ouvirem, se quiserem tomar um café é só aparecer. Oscar caminhou em direção ao portão e entrou sem olhar para trás. Sabia que alguma coisa mudaria a partir de então. Os dois ficaram apenas ouvindo sem fazerem nenhum comentário.
  • 84. L.P.OWEN 84 Capítulo vinte e sete NOVAS PISTAS Maria acordou disposta a continuar recolhendo os pedaços, do que fora um dia, sua vida. Tomou um banho quente para relaxar e planejar a maneira como conduziria as investigações. O dia estava claro com poucas nuvens, o céu muito azul, mas não estava quente. Pegou sua bolsa, onde havia algumas fotos, carteira entre outros objetos, mas o principal era um bloco de notas com alguns endereços, datas e telefones anotados. Estava determinada a obter respostas para as questões que ainda atormentavam sua alma. No dia do atropelamento de seu filho, que assistiu no telejornal, seu instinto maternal lhe avisara do ocorrido, fato confirmado dias mais tarde. Agora restavam outras questões para serem esclarecidas. Entrou em contato com o pessoal da emissora para tentar rever a notícia sobre o atropelamento e verificar com calma se as suas suspeitas tinham algum fundamento. Foi recebida por um rapaz com seus 25 anos muito atencioso, que a conduziu para uma sala onde havia alguns televisores pequenos. - Bom dia! Meu nome é Dagoberto. Vou mostrar para senhora a reportagem em nosso equipamento de edição, assim a senhora poderá ter uma visão melhor, poderemos fazer diversos efeitos que não são possíveis num aparelho comum de TV, aqui a reportagem está completa, isto é, sem cortes.
  • 85. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 85 Maria fez um enorme esforço para rever as imagens do acidente. Nelas apareceria o corpo inerte de seu filho deitado naquele chão coberto apenas com um plástico escuro. Lágrimas rolaram pelo seu rosto, enquanto tentava contê-las com as mãos, Dagoberto estendeu-lhe gentilmente uma caixa de lenços de papel. - A senhora tem certeza de que quer ver estas imagens? - Está tudo bem, vou tentar concentrar-me no que aconteceu ao redor. – Eu preciso ser forte se quero descobrir toda a verdade. – Pensou. - A senhora está pronta? Ela apenas balançou a cabeça afirmativamente, enquanto inspirava uma grande quantidade de oxigênio para se acalmar. Assistiu por várias vezes o VT, até que não teve mais dúvidas sobre o homem que havia desmaiado ao lado do corpo de seu filho. Apesar da dor que sentia em rever aquelas cenas, observar todos os detalhes possíveis era necessário. Após assistir dezenas de vezes, conseguiu obter detalhes sobre a ambulância, a quem pertencia, o hospital para o qual se dirigiu, horário e outras informações. - Agradeço imensamente de todo o coração tudo o que o senhor fez por mim. – Disse Maria ao rapaz que a atendeu na emissora. - Não por isso, estamos aqui para ajudar. Espero, sinceramente, que as informações
  • 86. L.P.OWEN 86 possam ajudá-la de alguma forma. – Respondeu sorrindo. Maria saiu confiante de que encontraria o que procurava.
  • 87. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 87 Capítulo vinte e oito UM ALMOÇO A caminhada havia terminado há algum tempo. Estavam apenas sentados apreciando o movimento e conversando, quando ao longe Cláudio avistou Sílvio que caminhava na direção onde os dois estavam. Ele se aproximou, cumprimentou-os ia passando reto quando Ruan chamou-o. - Sílvio! - Pois não! – Respondeu imediatamente. - Pensei que viesse falar com a gente? – Disse Ruan. - Imaginei ser uma conversa particular, por isso não parei. Como vocês estão? - Bem e você? – Responderam juntos. - Os planos de montar a banda? Já saiu do outro plano e chegou a este? - Infelizmente ainda não conseguimos mais nenhum louco para se juntar a nós. – Desta vez quem respondeu foi Cláudio. - Algum tempo atrás conheci uns rapazes que estavam conversando sobre isso na porta de uma igreja. – Informou Sílvio. - Como eram? – Perguntou Ruan. Sem esperar resposta ele mesmo respondeu. - Eram meio esquisitos? Assim como nós? – Completou. - O que você quer dizer por esquisito? – Sílvio quis saber. - Desculpe me expressei mal. Tinham
  • 88. L.P.OWEN 88 necessidades especiais. Um dos rapazes com deficiência visual, outro com necessidade de cadeira de rodas, um outro com muletas e o mais esquisito, aparentemente, não tinha necessidade alguma. – Informou Ruan. - Você já os conhece? – Disse Sílvio. - Foram eles que me convidaram para participar da banda que estavam formando. O senhor sabe onde eles moram? - Para ser sincero não, encontrei-os na porta da igreja, mas acredito que não será difícil encontrá-los. - Poderia nos ajudar a procurá-los? - Claro Ruan. Será o maior prazer ajudá-los. Ando por tantos lugares, conheço muitas pessoas. Vou ver o que posso fazer. - Bem eu preciso ir andando, afinal o quanto antes encontrá-los, melhor. - Você aceita ir almoçar com a gente lá em casa? – Perguntou Ruan. - Puxa! Agora você me balançou! É a primeira vez, desde quando comecei a morar sob as estrelas, que alguém me convida para almoçar em casa. - Então é mais um motivo para você não recusar. - Estou mal vestido! - Tentou arranjar uma desculpa. - Não tem problema, nós vamos para minha casa e não ao restaurante. – Disse Ruan sorrindo. Os três seguiram em direção a residência do rapaz.
  • 89. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 89 Capítulo vinte e nove O PASSEIO Oscar ouviu o som de pessoas conversando vindo da garagem e resolveu dar uma olhada. Ao entrar, todos levaram um susto, não ouviram o ranger das articulações das pernas. - O que vocês estão fazendo? - Estamos nos preparando para iniciar os ensaios. – Respondeu Kasuo. - Como foi na mecânica? – Perguntou William. - Ótimo! Atenderam-me magnificamente bem. - O que acharam? – Perguntou Jorge. - Ao mostrar o projeto não puderam esconder o que sentiram, foi desespero. – Sorriu. - Por que se desesperariam? – Desta vez foi Kasuo quem falou. - Você não viu os detalhes da pintura? – Brincou. - Deixa de ser palhaço, Oscar e conta logo. – Retrucou sorrindo. - Adoraram o desenho e as cores! Até reformaram minha carenagem, vocês não notaram nada de diferente? - Sim! Notamos! Você não faz barulho quando anda. – Responderam juntos. - O que mais me impressiona em vocês é que apesar de não terem ensaiado, estão muito afinados. - Agora que as coisas estão arrumadas, que tal darmos uma volta para arejarmos a cabeça? – Sugeriu William.
  • 90. L.P.OWEN 90 - É uma ótima ideia. Poderemos ir até a loja de instrumentos musicais e pesquisarmos alguns instrumentos, teclados, guitarras, equipamento para o som etc. – Kasuo estava determinado a voltar a tocar. Apenas deu um leve toque na guia e Romeu colocou-se ao seu lado, pronto para protegê-lo e levá-lo por caminhos seguros. Havia confiança, afinidade e sintonia entre eles. Quando saiam ninguém se preocupava com Kasuo, sabiam que Romeu cuidaria dele, se necessário, com a própria vida. A caminho da loja conversavam sobre diversos assuntos, um é sobre a necessidade de encontrar outros integrantes para o grupo. Surgiram alguns nomes para a banda, mas nenhum que agradasse a maioria. Kasuo estava feliz com o pessoal, nunca se sentira tão bem quanto agora, seu semblante e sua voz transmitiam a felicidade que estava sentindo. Até o Romeu demonstrava estar contente porque não parava de abanar o rabo a todo o momento.
  • 91. PORQUE AS BORBOLETAS VOAM 91 Capítulo trinta A SURPRESA José Luís não havia entendido o que Valter tinha dito, mas só o fato de não ter que rezar o Terço já era uma boa notícia. No almoço durante uma conversa com um amigo, comentou sobre o encontro que tivera com o diretor. - Hoje falei com o diretor e disse que não aguentava mais ficar rezando durante tanto tempo. – Disse sentindo-se um herói. - O que ele falou? – Perguntou já imaginando a resposta. - Falou que estava tudo bem, poderia parar de rezar hoje mesmo. - Não acredito, só isso? – Perguntou o outro inconformado. - Não! Disse que amanhã deverei passar a rezar o Rosário duas vezes ao dia. – Respondeu triunfante. - Me diz uma coisa! – Falou mais baixo. - O que é esse Rosário? - Você não sabe? – Disse o outro, quase não conseguindo falar de tanto rir. - Um Rosário, nada mais é do que, três Terços. Antes você rezava dois Terços por dia, agora serão seis Terços. – Completou. - Não brinca! Ele fez aquela cara de bonzinho, de compreensivo e me apronta uma coisa dessas. - Hoje à tarde vou falar com ele novamente. – Estava revoltado.