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O
Diário
De
Juliana
O retorno a uma época onde tudo era proibido
Cybele Meyer
MEYER, Cybele
O Diário de Juliana/Cybele Meyer
Esta obra é uma iniciativa sem fins lucrativos licenciada
em creative commons.
2012
Indaiatuba - São Paulo
O
Diário
De
Juliana
Cybele Meyer
em
Sobre o livro
O Diário de Juliana irá conduzir o leitor a uma viagem pelo tempo relembrando
algumas situações corriqueiras e outras relevantes que, com certeza, estão guardadas na
memória daqueles que nasceram há mais de quarenta anos.
Para os leitores que nasceram depois desta época terão a oportunidade de embarcar
nesta viagem conhecendo um pouco do cotidiano de Juliana e sua família através dos
seus preciosos registros eternizando ações, costumes e vocabulários.
O livro resgata hábitos e situações comuns vividas pelas pessoas nascidas nas décadas de
70/80 e que são relatadas de forma descontraída e bem humorada nos episódios
registrados por Juliana em seu Diário.
Este livro, por ter o formato de um Diário e conter textos curtos e de linguagem simples é
sugerido para novos leitores e alunos da EJA. É sabido que este público sofre por ter
acesso a materiais infantilizados criados para as primeiras leituras dos alunos das séries
iniciais. Assim sendo, há a preocupação em oportunizar a este público ingressar, de forma
prazerosa, no mundo da literatura.
Com a leitura do Diário de Juliana é bem provável que o leitor se sinta estimulado a
iniciar suas anotações diárias deixando registrada a riqueza da sua existência.
Boa leitura!
Com a palavra: Juliana
Queria muito ter uma grande amiga, mas uma amigona, daquela
que sabe escutar quando a gente está brava com alguém ou com alguma
coisa, que sabe dar um abraço bem forte e tem sempre uma palavra
animadora para as horas tristes. Uma amiga que ri junto quando estamos
alegres, e que chora como se sentisse a mesma dor. Enfim, uma amiga capaz
de guardar o maior dos segredos, e que não nos abandona nunca, aconteça o
que acontecer.
Estou assim sentimental porque hoje é meu aniversário, e no dia do
nosso aniversário a gente sempre fica emotiva, assim diz minha mãe.
Foi por esta razão que quando ela perguntou o que eu queria ganhar
de presente, escolhi você. Você será o meu melhor amigo. Para você eu vou
poder contar tudo que me acontecer e tudo o que eu estiver sentindo, assim
como estou fazendo agora. Sei que você não vai me abandonar nunca, como
fez a Edeli, que sempre foi minha melhor amiga, e que teve que mudar de
cidade porque seu pai foi transferido de Biritiba-Mirim em São Paulo, para
Ouro Preto em Minas Gerais.
Você vai dormir todos os dias aqui no meu quarto, escondidinho,
para ninguém te encontrar, e de noite vou te contar as novidades.
Estou muito feliz por você estar aqui comigo.
Você é o meu primeiro Diário e hoje é dia 17 de agosto de 1989,
quinta-feira, dia em que estou completando 14 anos.
Sexta-feira, 18 de agosto de 1989
Querido Diário!
Sempre quis escrever “Querido Diário”. Estou me sentindo muito
importante!
Sabe que pensei em você o dia inteiro? Não via a hora de chegar
a noite para te contar as novidades. Estou tão empolgada com a sua
presença que tudo que acontecia durante o dia eu pensava: “Quando for
me deitar vou escrever tudinho”.
Mas você acredita que agora não me lembro da maioria das
coisas! Acho que é porque fiquei tão entusiasmada que acabei me
atrapalhando.
Também tem outra coisa, depois que a Edeli mudou da cidade
fiquei sem ter ninguém para ouvir as minhas histórias. Quando vou contar
alguma coisa para minha mãe ela diz:
- Juliana, fique um pouco quieta, assim você me deixa zonza.
Outras vezes diz:
- Agora não Juliana, estou atrasada, quando eu voltar você me
conta.
Quando ela volta nem ela e nem eu lembramos do que era para
contar. Mas agora tenho você!
Vou então lhe contar uma coisa engraçada que aconteceu comigo
há oito anos, quando eu tinha seis anos.
Chegou o circo na cidade e mamãe me levou para assistir. Eu adorei
tudo que aconteceu lá: os malabaristas, o equilibrista, os palhaços que eram
muito atrapalhados e também o mágico. Tinha até o globo da morte. Dava
nervoso de ver. E o barulho então! Era de deixar a gente surda. Mas o que eu
adorei de paixão foram os trapezistas. Eu fiquei tão encantada com eles que
resolvi, naquele momento, que seria trapezista quando crescesse.
No dia seguinte, acordei bem cedinho e fui para o quintal de casa
onde tem um abacateiro no fundo e comecei o meu treinamento para me
tornar uma trapezista. Subi num galho que não era muito grosso e com muito
cuidado me sentei nele. Em seguida, mantendo firme minhas mãos no galho,
me coloquei de cabeça para baixo deixando as pernas dobradas no galho
como se fosse o bastão do trapézio. Quando me senti segura soltei as mãos e
fiquei ali com as pernas dobradas no galho do abacateiro e o resto do corpo
pendurado de cabeça para baixo. Tentei balançar o corpo, mas era um
pouco difícil, pois o galho, por ser áspero, machucava as minhas pernas.
Estava me sentindo a maior de todas as trapezistas, e era engraçado ver as
coisas no quintal de baixo para cima. Já imaginava todo mundo me
aplaudindo.
No primeiro momento fiquei muito empolgada, porém depois o
pavor tomou conta de mim porque eu não conseguia mais alcançar a minha
mão no galho para voltar a minha posição normal.
Desesperada, comecei a gritar pela minha mãe, mas ela estava
dentro de casa com o rádio ligado bem alto e não me ouvia. Gritei, gritei
muito e ela nada de me ouvir. O sangue estava todo na minha cabeça e ela
já começava a latejar. Eu não estava mais aguentando ficar naquela posição.
Foi quando a minha vizinha debruçou no muro para saber qual o
motivo da minha gritaria e viu a situação em que eu me encontrava. Saiu
correndo como uma louca, nem tocou a campainha, e já foi entrando pela
minha casa gritando para que minha mãe viesse ao meu socorro.
Quando as duas chegaram perto de mim as minhas pernas se
soltaram e eu cai nos braços da minha mãe.
Eu estava roxa de medo e de ter todo o sangue do meu corpo
acumulado na minha cabeça.
Daquele dia em diante decidi que não queria mais ser
trapezista.
Domingo, 20 de agosto de 1989
Quando não tenho para onde ir eu acho o final de semana muito
chato. Nada de interessante acontece. Até acordar cedo para ir à escola é
melhor do que ficar em casa no domingo. Não converso com minhas
colegas, não falo bobeiras, não dou risadas das besteiras dos outros... É
uma chatice só!
Não aconteceu nada de interessante, mas se minha vida
continuar assim, este Diário vai ser muito chato de se ler. Então vou lhe
contar outro caso.
Há dois anos, quando ainda tinha doze anos, eu e minha melhor
amiga Edeli resolvemos enganar o nosso professor de História que era
muito, muito bravo. Eu e ela éramos muito magricelas e por isso
combinamos de entrar no armário que ficava na parede ao lado da lousa.
Como a nossa escola é uma casa antiga, o armário é daquele
bem grande, embutido na parede com prateleiras de madeira. A Edeli
deitou na prateleira de cima e eu na de baixo. Pegamos um chaveiro de
gaita que tocava de verdade e o levamos conosco. O resto da classe vibrou
com a idéia. Fecharam o armário e ficamos lá dentro à espera do professor
Horácio. Ele entrou, fez a chamada e começou a dar a aula.
Passado uns cinco minutos eu assopro a gaitinha de um lado para
o outro produzindo um som parecido com esse “piriri-póróró”. O professor
interrompe a aula e pergunta com voz de bravo:
- Quem tocou a gaita?
Todo mundo responde: “eu não... eu não.... eu não...”.
Ele então continua a aula. Eu passo a gaita pelo vão da prateleira
para a Edeli e novamente o barulho: “piriri-póróró”. O professor dá um tapa
na mesa e pergunta entre os dentes:
- Quem é que está fazendo esta brincadeira?
Novamente a turma responde a mesma coisa: “eu não... eu não....
eu não...”. Um aluno no fundo diz:
- Acho que é lá fora, pois o som está tão longe! Comenta com
ironia.
O professor Horácio, meio cabreiro, prossegue com a aula. Eu e a
Edeli ríamos muito dentro do armário, só que bem baixinho para ele não
escutar.
Até que num determinado momento a Edeli fala:
- Ju, acho que eu escutei um barulho de barata.
Quando ela terminou de falar a palavra “barata” eu já estava fora do
armário sentada no chão no meio da classe. Eu tenho verdadeiro pavor de
barata! Escancarei a porta do armário e pulei para fora numa rapidez
imensa.
Quando olho para dentro do armário, a Edeli está deitadinha na
prateleira de cima, sem entender ainda que eu já havia saído de lá, que a
porta estava escancarada e que todo mundo a estava vendo ali deitada.
Olho então para o professor que está com uma cara de susto
muito engraçada, mas em seguida vejo suas sobrancelhas se unirem num
olhar fuzilante. A classe desaba em gargalhadas e eu sem jeito me levanto
do chão ao mesmo tempo em que a Edeli sai de dentro do armário.
Resultado: eu e ela fomos para a Diretoria e como repreensão
tivemos que, durante uma semana, no nosso horário de Recreio, arrumar
todos os armários, de todas as classes, da escola inteira.
Afinal, disse a Diretora, pra quem gosta tanto de armário isso
não é nem castigo, é presente.
Segunda-feira, 21 de agosto de 1989
Que droga! Que droga! Que droga!
Você acredita que o Felipe, o menino da 8ªA que eu estava
paquerando, está de namoro com a desengonçada da Regina que é da
classe dele. Que droga! Como vou poder competir com ela? Eles estudam
na mesma classe e eu, se quiser vê-lo, tenho que esperar o Recreio. Assim
não dá! É injusto!!
Acho que hoje não foi mesmo o meu dia de sorte porque
acordei às 5 horas da manhã com uma dor muito engraçada na barriga.
Era uma dor, nem muito forte nem muito fraca, mas que me
incomodava bastante e não me deixava dormir. Como ela não passava
chamei minha mãe e ela disse que logo, logo vou ficar mocinha. Na hora
fiquei muito feliz, pois na escola a maioria das minhas colegas já ficou e
quando eu digo que ainda não, elas ficam me chamando de nenezinha.
Quero ficar mocinha logo, assim meus peitos vão começar a
crescer e eu vou ficar bem linda, toda peituda.
Aposto que quando ficar peituda o Felipe vai preferir me
paquerar e vai deixar aquela “sem sal” de lado.
O pior é que a dor não passava e nada de eu ficar mocinha,
até que minha mãe me deu um remedinho mágico e a dor foi embora.
Quero muito ficar mocinha, mas dor não quero não!
Sexta-feira, 25 de agosto de 1989
Que saudades, meu amigo. Não deu pra falar com você estes dias
porque estou em semana de provas. Não dá tempo de fazer nada. Tenho
que estudar, estudar e estudar. Isso porque estou precisando de nota em
quase todas as matérias.
Não sei o que acontece com a minha cabeça que na hora da
prova não se lembra nunca do que estudei. Acho que tenho algum
parafuso a menos como diz minha mãe. Quando estou estudando acho
tudo muito fácil, depois quando chega na prova, não consigo me lembrar
de nada.
O pior é que desta vez ela falou que irá mostrar meu boletim para
o meu pai. Não sei por que fico tão preocupada quando ela fala isso, pois
desde o começo do ano ele nunca pediu para ver o meu boletim. Acho que
ele nem se lembra que existe um.
Agora minha mãe vem me ameaçar e eu fico com medo. É muito
engraçado! Não entendo por que estou com medo. Deveria ter medo dela
que está sempre pegando no meu pé e inventando castigos absurdos para
me dar. Ela não deixa passar uma oportunidade.
Uma vez fiquei uma semana, foi isso mesmo que você ouviu, uma
semana sem colocar o nariz para fora de casa.
Eu tinha uns 9 anos e estava de férias da escola. Então mamãe me
deixou chamar a Edeli, que já era minha melhor amiga, para vir brincar aqui
em casa.
A minha casa é daquela do tipo bem antiga que ainda tem porão.
Ele é bem grande e ocupa toda a parte de baixo da casa. Eu sempre tive
medo de entrar no porão, pois sempre escutava uns barulhos estranhos lá.
Mas naquele dia eu estava um pouco mais corajosa porque estava
com a Edeli, e o meu cachorro Barney, um perdigueiro que morreu
atropelado no ano passado. Então tivemos a idéia de entrar no porão: eu, a
Edeli e o Barney para caçarmos fantasmas.
Lá dentro era uma escuridão só. A gente não via nada. De repente
o Barney sai correndo lá pro fundo do porão e nós duas ficamos apavoradas
achando que o fantasma tinha levado o Barney para o além.
O medo era tão grande que ficamos paralisadas sem conseguir
nem respirar. Dali alguns segundos vemos o Barney voltando. Ficamos
felizes e saímos correndo do porão.
Já do lado de fora, olhamos para o Barney e vimos que ele estava
com um rato enorme na boca. Levei um susto e dei um tapa na cabeça dele.
Ele, que também se assustou, largou o ratão no chão. Ele já estava morto.
Então tive uma idéia maravilhosa:
- Edeli, vamos construir um cemitério de ratos.
- Boa idéia! Disse ela toda feliz.
Com a pá de lixo pegamos o rato e o levamos para o jardim. Lá
fizemos um buraco e o enterramos. Fizemos uma linda cruz com galhinhos
de árvore e voltamos para o porão, junto com o Barney, para caçar mais
ratos.
Fizemos isso a tarde inteira.
No final do dia, quando a mãe da Edeli veio buscá-la, fomos
lhe mostrar, assim como para a minha mãe, o nosso cemitério. Tinham
32 cruzes.
A mãe da Edeli, com cara de nojo, a pegou pelo braço e saiu
sem nem ao menos se despedir.
Minha mãe, com a cara de que nem eu sabia do que, me
pegou pela orelha de um jeito tão forte que eu entrei em casa andando
nas pontas dos pés tentando aliviar a dor.
O que eu não sei é se toda aquela braveza foi por ter brincado
com os ratos ou se foi por ter estragado todo o jardim com a construção
do cemitério. O que eu sei é que este foi o motivo pelo qual fiquei uma
semana sem sair de dentro de casa. Nem no quintal eu podia ir. Mas
toda vez que mamãe se descuidava eu corria para a janela só para ver o
cemitério, tão lindo, cheio de cruzes maravilhosas!
Quarta-feira, 30 de agosto de 1989
São nove horas da noite e eu estou aqui no meu quarto de
castigo. Tudo por causa de uma brincadeira boba que eu fiz com a
mamãe. Ela está furiosa comigo.
Está aqui em casa o chefe do trabalho do meu pai. Ele e a
mulher vieram jantar. De vez em quando o meu pai os convida. Minha
mãe se emperiquita toda, pois diz que a Sônia, a mulher do chefe, é
muito estilosa. Quando vai conversar com ela, mamãe faz caretas com a
boca. Acho que ela pensa que isso é chique. Depois que eu falei que ela
fica muito esquisita quando faz essas caretas, ela não me deixa mais
ficar na sala junto com eles.
Fiquei então no quintal, perto da porta da cozinha, brincando
com um pedaço de pau que achei no chão.
De repente a luz se apaga. Fica uma escuridão que não dá
para enxergar nada. Eu entro na cozinha e fico ali, perto da porta,
quando escuto minha mãe entrando na cozinha para procurar uma vela.
Ela começa a procurar no armário, nas gavetas e nada de achar.
Quando está agachada procurando na prateleira do armário da
pia, eu, querendo somente fazer uma brincadeira, encosto o pedaço de
pau nas costas dela e falo imitando voz grossa:
- Isso é um assalto!
Minha mãe com o susto levanta rapidamente e bate com a
cabeça na pedra da pia, e em seguida desata a gritar, a sapatear no
mesmo lugar e a falar tanto palavrão, mas tanto palavrão que nem me
escutava dizer que era brincadeira.
Nisso a luz volta e quando a gente olha para a porta da copa, lá
estão parados com cara de assustados, o meu pai, o Sr. Wilson e a Sônia.
Eu também estava muito assustada, pois não imaginava que
minha mãe iria agir desta forma, e muito menos que ela conhecia tanto
palavrão. Tinham alguns que eu nunca tinha escutado. O meu pai então
pergunta:
- O que aconteceu Noeli? Por que este escândalo? Que falta
de compostura!
Eu então cometo a insensatez de perguntar:
- Mãe o que é compostura?
Ela me fuzilando com o olhar diz entre os dentes que é para
eu vir para o quarto imediatamente. E aqui estou eu, com fome e
chateada por minha mãe não aceitar brincadeiras.
Quando ela estiver mais calma vou perguntar com quem ela
aprendeu aquele monte de palavrões.
Domingo, 03 de setembro de 1989
Como eu já te contei, o meu cachorro Barney morreu
atropelado o ano passado. Eu chorei muito, pois ele era como um irmão
para mim. Depois que ele morreu, mamãe me proibiu de pedir outro
bichinho. Ela diz que “a gente se apega e depois eles morrem e a gente
sofre muito”. Eu fiquei muito triste com esta decisão porque adoro
bichos.
Estou te falando isso porque ontem, sábado, fomos para Mogi
das Cruzes, a cidade vizinha, jantar numa pizzaria.
Aqui em Biritiba-Mirim só tem uma pizzaria e é muito ruim. A
massa parece borracha. Você mastiga, mastiga, mastiga e nunca tem
coragem de engolir. Quando engole, fica com ela entalada na garganta e
pensa que vai morrer sufocada. Depois você sente a pizza descendo,
descendo até cair como um tijolo no estômago.
Então papai resolveu nos levar numa pizzaria de verdade, afinal
sábado é dia de pizza! E todo mundo come mesmo pizza no sábado, pois
lá estava um tumulto só. Tivemos que pegar senha e ficar lá fora
esperando desocupar uma mesa.
Enquanto estávamos ali, apareceu, não sei de onde, um gatinho
lindo, desses vira-latas. Começou a se roçar nas minhas pernas e eu me
abaixei e fiquei brincando com ele. No começo minha mãe ficou brava
dizendo que ele poderia ter doença, mas ele era tão lindinho que ela
acabou consentindo.
Brinquei com ele até o moço chamar o nosso número. Eu queria
levar ele para dentro, mas ninguém deixou. Então pensei: “se quando eu
sair da pizzaria ele ainda estiver aqui, vou levá-lo para casa”. Dito e feito,
assim que saímos, ele veio correndo na minha direção. Pedi para mamãe
se podia ficar com ele, mas ela disse que não. Comecei então a chorar e a
dizer que não conseguiria dormir sabendo que ele estaria ali sozinho, sem
ninguém.
Até que papai concordou em levá-lo e disse que poderia ficar
com ele somente por esta noite e que no dia seguinte teria que arranjar
um lugar para ele. Concordei rapidamente, afinal amanhã seria outro dia,
e então veria o que fazer.
Ao chegarmos em casa corri para os meus guardados e,
emendando várias tiras de pano fiz uma coleira bem comprida para
colocar nele. Papai disse que não era uma boa ideia, pois gatos não
gostam de ficar presos, mas argumentei dizendo que tinha medo que ele
fugisse. No fundo, papai sempre faz as minhas vontades.
Minha mãe, como estava brava por eu ter trazido o gato para
casa, já tinha ido dormir. Assim que papai também foi, eu amarrei uma
ponta da corrente de pano no pescoço do gato e a outra na maçaneta da
porta e fui para o meu quarto dormir deixando o gato preso na cozinha.
Hoje de manhã acordo com os berros da minha mãe me
chamando:
- JULIANAAAAA, VENHA JÁ AQUI.
Assustada, fui correndo e quando chego na porta da cozinha,
quase vomito com o fedor que vinha de lá.
Você acredita que o gato, deve ter ficado nervoso por se sentir
preso e fez cocô pela cozinha inteira! Depois de ter arrebentado a
coleira de pano ele ficou andando pela cozinha arrastando o pedaço
de pano que sobrou no pescoço sujando de bosta a cozinha inteira.
Por onde ele subia embostiava tudo. Tinha cocô na pia, na geladeira,
no fogão, mesa, paredes, janelas. Estava tudo imundo, e o cheiro? De
embrulhar o estômago.
Tive que ajudar a limpar toda aquela porcaria.
Minha mãe nem precisou me mandar soltar o gato, eu
mesma levei ele para a rua.
Cruz credo, que dia!
Quarta-feira, 06 de setembro de 1989
Estou muito feliz! Amanhã vou viajar para a praia de Bertioga
com meus tios. Estou tão eufórica que nem consigo caber dentro de mim.
Faz tanto tempo que não viajo!
Minha tia Cleonice vai passar aqui daqui a pouco para me pegar e
eu ainda tenho que acabar de arrumar minhas coisas. É que amanhã é
feriado e a minha escola emendou, então não terei aula na sexta-feira. Que
delícia! Vou ficar fora até domingo. Vou poder conversar bastante com
minhas primas Dani e Rose.
Dani tem a minha idade e Rose tem 10 anos. A tia Cleonice é irmã
da minha mãe e ela mora numa cidade bem perto da minha chamada
Guararema. Ela já deve ter saído e deve estar chegando para me buscar.
Não posso falar mais com você senão irei me atrasar. Você se
cuida que quando eu chegar te conto todas as novidades.
Beijocas.
Segunda-feira, 11 de setembro de 1989
Estou no céu e no inferno. No céu, porque estes dias que estive
na praia foram os melhores da minha vida, e no inferno porque mesmo
muito cansada tive que ir para a escola, e como não havia feito a lição que
a professora de Português havia passado para o feriado, que na verdade eu
nem me lembrei dela, me deu “um ponto negativo” na média geral. Para
quem já está precisando de nota isso é a mesma coisa que ser jogada no
fogo do inferno.
Mas deixa eu te contar o que eu fiz na praia. Eu e a Dani
resolvemos pegar um ônibus para passear pela avenida da praia. Eu e
minha prima nunca havíamos passeado de ônibus. Eu entrei primeiro e
logo atrás de mim entrou a Dani. A gente se sentou no banco que só dá
lugar para duas pessoas. Eu como entrei primeiro fiquei na janelinha.
Deixamos passar um pouco de tempo e decidimos passar na
roleta. É muito legal! É dura que só! O moço que cobra a passagem é que
teve que me ajudar porque sozinha não ia conseguir.
Passamos na roleta e resolvemos descer para não irmos muito
longe, só que o motorista nada de parar. Eu falava pra Dani bem alto:
- É melhor a gente descer aqui.
E a Dani respondia:
- É sim, vamos descer aqui.
E nada do motorista parar. Nós começamos a ficar com medo
achando que nunca mais iríamos sair daquele ônibus. Na verdade só
tinha eu, a Dani e mais duas velhinhas no ônibus, mais ninguém.
Também ninguém subia. E a gente falando e falando que queríamos
descer. Até que a Dani se enfezou e foi falar com o motorista:
- Seu moço, a gente quer descer, o senhor não vai parar esse
ônibus?
Ele então falou:
- E vocês puxaram a cordinha?
- Que cordinha? Perguntou a Dani.
- Essa que fica logo ali acima das janelas. Você tem que puxar a
cordinha que aí toca uma campainha. É assim que eu sei que o
passageiro quer descer. Ou vocês acham que eu sou adivinho para saber
o lugar que cada um quer descer?
Eu então me estiquei toda e puxei a cordinha e realmente
tocou como se fosse uma sinetinha.
O motorista ainda bravo falou:
- Vocês vieram de onde? Da Lua?
Assim que ele parou o ônibus, nós duas descemos e desatamos
a rir, mas nós riamos tanto, mas tanto que deu até vontade de fazer xixi.
Saímos correndo pela avenida da praia para chegarmos logo,
pois estávamos voltando a pé para casa.
Andamos muito.
Por causa desta história toda, fomos parar muito longe do lugar
onde estávamos hospedadas.
Foi muito divertido!
Terça-feira, 12 de setembro de 1989
Ah! Praia! Mar! Areia! Isso é que é viver...
Que saudades que eu estou da praia. De ficar fazendo
castelo na areia, de enterrar o pé na beirinha aonde a marola vai e
vem e o pé da gente vai ficando cada vez mais enterrado.
Meus tios são muito bacanas. Eles são animados gostam
de cantar e de passear. Nem de noite a gente ficava em casa. Até
ganhei uma roupa nova. Um shorts. Eu não tinha nenhum e agora
ganhei este que é muito lindo.
A minha mãe não gostou muito quando eu mostrei. Ela
disse que aqui na cidade as pessoas não estão acostumadas a usar
shorts. Minha tia Cleonice falou que a mamãe é muito quadrada.
Eu também acho.
Sábado, 16 de setembro de 1989
Estou com a barriga doendo de tanto rir. Não consigo parar de rir.
Toda vez que eu me lembro da cena, caio na risada. Foi muito, muito, muito
engraçada. Eu vou te contar como aconteceu.
Construíram um supermercado super chique aqui na minha
cidade. Todo mundo só sabia falar desse supermercado que estava sendo
construído. É que aqui em Biritiba-Mirim só tem a venda do Sr. Ernesto, a
mercearia do Seu Cacildo, a quitanda da dona Maricota, o bar do Baixinho,
o açougue do Seu Porquinho e a padaria Flor-de-lis do Sr. Amadeu.
Agora vamos ter um supermercado desses bem grandes que
vende de tudo.
Dizem que lá dentro vai ter um lugar só pra quitanda, outro pro
açougue, pra mercearia e até padaria. Eu só não sei se também vai ter o bar.
Estava todo mundo na maior expectativa para acabarem logo de construir
pra gente poder passear no supermercado.
Hoje de manhã bem cedo ouvimos um barulhão de fogos e
artifícios. Corremos para ver o que estava acontecendo e as vizinhas já
vieram falar que era a inauguração do supermercado.
Comecei a pular de alegria e pedi pra minha mãe me levar lá para
conhecer. Nisso vem chegando a Dona Amélia, nossa vizinha do lado
direito. Ela vinha cheia de pacotes de papel e lá dentro estavam as compras
que ela havia feito. Achamos aquilo uma belezura, pois no açougue ele
enrola a carne no jornal, na padaria num papel tão fininho que rasga à toa,
mas os sacos do supermercado pareciam bem fortes.
Dona Amélia também contou que a porta do supermercado está
sempre fechada, e quando a gente chega perto ela abre sozinha como
mágica.
- Eu quero ir lá, eu quero ir lá. Falava isso enquanto pulava com
os dois pés na frente da minha mãe, para que ela me levasse logo.
Minha mãe entrou em casa e falou, vamos nos arrumar. Não
podemos ir mal arrumadas ao supermercado. Pelo jeito lá é lugar de grã-
fino.
Eu então saí correndo para o meu quarto e fui me arrumar bem
bonita. Peguei o vestido que ganhei no meu aniversário. Ele é muito
bonito. Coloquei uma sandália branca que também é nova e fui para a
sala esperar minha mãe.
Dali a pouco aparece ela toda bonitona, com seu vestido
estampado, bem colorido, e com sua sandália anabela, que também é
nova. Nem pegamos a sacola e nem o carrinho de feira, pois queríamos
trazer as compras nos sacos de papel do supermercado.
Fomos andando rápido pela rua. Quanto mais perto
chegávamos do supermercado maior era o movimento na rua até que,
finalmente, dobramos a esquina e demos de cara com ele, cheio de
bexigas e bandeirinhas voando com o vento.
Olhei logo para a porta e vi que era de vidro e estava mesmo
fechada. Ainda bem que Dona Amélia tinha nos avisado senão íamos
pensar que ainda estava fechado.
Mamãe achou melhor esperar um pouco e ver como é que a
porta abria. Paramos e ficamos observando. Logo apareceu uma senhora
que foi andando e assim que ela chegou pertinho da porta, esta abriu
sozinha, e assim que a mulher passou ela fechou também sozinha.
Parecia castelo de assombração.
Peguei na mão da mãe e a puxei para entrarmos, não
aguentava mais esta espera. Quando chegamos bem pertinho da porta
ela se abre só que minha mãe vira o pé e cai bem na entrada do
supermercado. Por ser a sandália anabela muito alta, ela torceu feio o
pé e não conseguia se levantar. A porta do supermercado ficava abrindo
e fechando o tempo todo. Eu na hora fiquei assustada e tentava levantar
minha mãe, mas não conseguia. Até que apareceu um homem que
estava passando e a ajudou. Ela, envergonhada, sai andando rápido,
mesmo mancando, para dentro do supermercado.
Depois que o susto passou, eu não podia me lembrar da
minha mãe estatelada no chão bem na frente da entrada do
supermercado, e a porta abrindo e fechando, abrindo e fechando.
Na hora do jantar, quando fui contar pro meu pai sobre esta
aventura, ele falou:
- Bom! Cada um entra como quer, né!
Mamãe não gostou nada da piada, e eu aproveitei para rir tudo
que ainda estava guardado.
Segunda-feira, 18 de setembro de 1989
NOVIDADES!!! Fiquei mocinha. Estou feliz, mas sofri muito hoje.
Acordei novamente com aquela dor que tive anteriormente.
Sempre me dá essa dor de manhãzinha. Parecia que tinha um micróbio,
com dentes bem afiados, mordendo a minha barriga por dentro. Era como
se ele enfincasse os dentes e ficasse mordendo, no mesmo lugar, um
tempão e depois soltasse. Dali a pouco mordia de novo. Dava vontade de
chorar. Eu virava pra um lado, virava pro outro e nada de melhorar. Então
fui chamar minha mãe pra ela me dar aquele remedinho mágico. Quando
levantei senti vontade de fazer xixi e quando fui ao banheiro –
SURPRESA!!! Tinha ficado mocinha. A dor até melhorou, mas mesmo
assim pedi o remédio.
A mãe levantou, preparou o remédio e sentando comigo na
cama começou a falar:
- Agora você já é uma mocinha e tem que melhorar seus modos.
Não pode mais sentar de qualquer jeito, tem sempre que ficar com as
pernas fechadas e não pode mais sentar no colo de ninguém.
- Nem no seu? Perguntei no desespero!
- No meu pode, mas você tem que ver que mocinhas não ficam
no colo.
- Mas eu gosto tanto!
- É, mas a vida é assim mesmo, tudo que a gente gosta muito de
fazer enquanto é criança, no momento em que começa a crescer tem que
deixar de fazer. Você está virando uma adulta, e adultos não se
comportam como crianças.
Comecei a me sentir triste porque gostava muito de ser do jeito
que eu era.
- Tem mais alguns cuidados que você tem que tomar, continuou
mamãe.
- Ainda tem mais coisa? Falei amedrontada.
- Tem, mas não é nada que você não consiga cumprir. São
cuidados com o seu corpo. Estas toalhinhas aqui (tirou de uma sacolinha
vários paninhos quadradinhos) você vai usar durantes estes dias, e quando
for tomar banho você lava no chuveiro e depois estende naquela corda
atrás do abacateiro que é para ninguém ver. Também não pode lavar a
cabeça durante todo o tempo que você estiver assim. Não pode tomar
gelado e nem muito sol.
- E se eu me esquecer e fizer alguma dessas coisas? Falei
preocupada
- Não pode se esquecer. É muito perigoso. O sangue pode subir
para a cabeça e aí você fica doente da cabeça e tem que ficar internada.
Os meus olhos pareciam que iam saltar para fora de tão
assustada que eu estava. E mamãe continuou:
- Eu quando tinha sua idade tive uma amiga que lavou a cabeça e
aí o sangue parou de descer e subiu pra cabeça. Ela ficou com duas bolsas
de sangue, uma embaixo de cada olho. Aí a mãe dela chamou o médico e
ele colocou os pés dela na água fervendo pra puxar o sangue para baixo.
- E o sangue desceu? Perguntei.
- Desceu, mas ela ficou com marcas de queimaduras horríveis nas
pernas. Nunca nem se casou.
- Meu Deus! Que perigo! E eu que estava tão feliz porque tinha
ficado mocinha! Mas os meus peitos vão crescer, né?
- Agora não é hora de pensar nisso. Vá colocar a toalhinha e se
arrumar para ir para a escola. Tome cuidado para não sujar a roupa. E não
precisa contar para ninguém que você está assim. Isso é intimidade sua.
Agora chega de prosa e vá se arrumar.
E eu fui. Estava mesmo muito decepcionada. Esperei tanto por
este momento e agora não posso fazer um montão de coisas!
Eu quis te contar porque se eu me esquecer de alguma coisa,
venho ler você e aí me lembro.
Deus me livre ficar com o sangue todo na cabeça.
Já basta aquela vez que fiquei de cabeça pra baixo no abacateiro.
Terça-feira, 19 de setembro de 1989
Não consigo parar de lembrar que estou com estas toalhinhas. Elas
me incomodam muito. A todo o momento acho que elas saíram do lugar. Fico
com medo de sujar minha roupa. Toda hora vou ao banheiro para ver se está
tudo em ordem.
E você não sabe da maior, comecei a andar com a perna aberta. Levei
até uns tapas da minha mãe. Ela fica falando toda hora: “anda direito menina,
anda de perna fechada”. Eu já nem sei mais como se anda direito.
Não gostei nada dessa história. Eu estava mais feliz do outro jeito.
Não pude nem nadar no rio com o pessoal da escola. Quando falei pra
mamãe que a professora tinha combinado de ir todo mundo nadar no rio
Biritiba ela quase me estrangulou.
O pior é que eu e a Vânia, minha colega de classe que também está,
ficamos na margem olhando eles se divertirem. Toda hora vinha um e
perguntava:
-Vocês estão naqueles dias?
E os meninos caiam na risada.
Senti até vontade de chorar, mas falei que estava resfriada e por
isso minha mãe não tinha deixado.
Eu sei que eles não acreditaram, também, que azar o meu, logo
hoje eu tinha que estar assim!
Domingo, 01 de outubro de 1989
A construção deste supermercado foi muito legal pra minha cidade,
porque este final de semana eles montaram um brinquedo muito bacana
chamado Tobogã.
Você pega um tapetinho de saco de café e sobe uma escada muito,
muito, muito alta. Tem degrau que não acaba mais porque você tem que
escorregar lá de cima. Chegando lá você senta nesse tapetinho e aí desce de
uma vez só nesse escorregador gigante, cheio de ondinha. É uma delícia! Eu
escorreguei nele um monte de vezes. O legal é que você compra só uma vez o
ingresso e pode escorregar quantas vezes quiser.
Eu encontrei um monte de colegas da escola lá. Também aqui
nunca tem nada de legal pra fazer, quando vem um brinquedo desses todo
mundo aproveita. Tinha também adulto escorregando, inclusive os pais das
minhas colegas.
Teve um momento em que a mãe da Flávia também resolveu
escorregar. Ela estava toda emperiquitada, parecia até uma árvore de Natal
de tanto enfeite. Tinha uns brincões! As pulseiras eram tantas que quase não
conseguia dobrar o braço. Estava com uma pantalona estampada com rosas
enormes, e na cabeça um turbante que deixava o cocuruto muito alto.
Eu e a Angélica, minha colega de classe, ficamos cochichando
tentando imaginar o que ela estava escondendo debaixo daquele turbante
para deixar a cabeça daquele jeito, mas não chegamos a nenhuma
conclusão.
Subimos e subimos até que chegamos lá no alto. Arrumei meu
tapetinho e zupiiiiiiiiiiiii, desci navegando nas ondas do Tobogã.
Quando se chega lá embaixo tem que sair correndo porque logo
atrás já vem outra pessoa, e se você estiver no caminho ela te derruba. Eu
saí e fiquei olhando para ver a mãe da Flávia escorregar. Ela estava lá no topo
e fazia um montão de poses para arrumar o tapetinho e se sentar. Quando
ela sentou, o homem que fica lá em cima organizando e empurrando as
pessoas, a empurrou. Eu acho que ela não sabia que a coisa funcionava
desse jeito porque ela desceu toda desgovernada. Perdeu o tapetinho no
meio do caminho e a calça dela escorregava mais que o tapetinho, então ela
veio descendo e girando tanto que parecia um pião. A cada volta que dava,
batia a cabeça nas ondinhas do Tobogã. Quando chegou aqui embaixo,
estava completamente zonza e saiu cambaleando, acho que não lembrava
nem do próprio nome.
O homem que fica no fim do Tobogã ajudando as pessoas que já
escorregaram a puxou rapidinho. Ele pediu para ela tirar o turbante para
que pudesse examinar se havia algum ferimento. Ela desesperada segurou
no turbante com as duas mãos na altura das orelhas e começou a gritar
desesperada dizendo que ninguém ia tirar o turbante dela. Ele, sem
entender nada, pediu para que ela fosse se consultar no posto médico que
fica ao lado do Tobogã. Ela caminhou para lá de mãos dadas com a Flávia.
Eu fui junto para dar uma força para minha colega e também para ficar
sabendo o que ela escondia embaixo do turbante.
Ao chegarmos ao posto, ela entra e se senta na cadeira que tem
ao lado da mesa do médico. Eu e Flávia ficamos de pé ao lado dela. O
doutor então pede para que ela conte o que aconteceu, mas na verdade
ele já devia saber, pois essas descidas turbulentas acontecem com muita
gente. Ele então pede para que ela tire o turbante. Nesse momento ficou
mais animado porque finalmente eu iria descobrir o mistério do turbante.
Ela pergunta se é mesmo necessário e o doutor responde que “Claro!”. Ela
então começa a tirar e eu vejo que ela tem o cabelo curtinho como era o
da Elis Regina e que no alto do cocuruto tem um bob tamanho família, ali
sozinho, preso com grampo no pouco de cabelo que tem.
Ela então diz que o bob foi o maior responsável por ela ter se
machucado, pois a cada batida que ela dava o bob enfiava o grampo na
cabeça.
Fiquei com muita vontade de rir, mas não podia senão iria apanhar
dela ali mesmo. Então engoli o riso e assim que saímos daquele lugar fui
correndo encontrar minha mãe.
Quando fui contar o que havia acontecido mal conseguia falar de tanto rir.
Quarta-feira 04 de outubro de 1989
Recebi uma carta da Edeli. Estou muito feliz com esta surpresa. Ela
diz que também está se sentindo muito sozinha, sem ninguém para
conversar. Que o colégio que ela está é legal, mas que não tem nenhuma
amiga como eu.
Ela falou que nas férias o pai dela vai trazê-la para Biritiba para ficar
uns dias aqui em casa. Mal posso esperar.
Vou escrever para ela, agora que tenho o endereço, e lhe dar a
ideia de também escrever um diário, assim, quando a gente se encontrar,
uma lê o diário da outra, e fica sabendo tudo que aconteceu nestes tempos
em que estivemos afastadas.
Vou começar a escrever a carta agora mesmo.
Sexta-feira, 06 de outubro de 1989
São duas horas da manhã e está a maior briga lá na sala. Minha
mãe e meu pai estão gritando um com o outro. Eu já estava dormindo, mas
acordei com a gritaria. Fui até lá escondida, pois se eles vissem que eu estava
lá, aposto que iriam brigar comigo.
Eu acho que a mamãe está desconfiada que o meu pai está
namorando a secretária dele. Ela fica falando toda hora “a vagabunda da sua
secretária”. E ele defende a secretária e diz que a mamãe está louca e que
precisa se tratar.
Não acho que a mamãe esteja louca. Ela está normal. Agora, que
ele está chegando em casa todo dia tarde, isso ele está. Nem jantar com a
gente ele janta mais. É difícil o dia que ele chega cedo para o jantar.
Teve uma vez que ele chegou cedo, jantou, e depois disse que tinha
que ir para uma reunião. Tomou banho, se arrumou e saiu. Até a hora de eu
vir dormir ele ainda não tinha chegado, e a mamãe ficou acordada esperando
ele voltar. Esse dia eu também escutei eles brigando, só que o meu pai não a
chamou de louca. Porém hoje ele já falou isso um montão de vezes.
Ixxii! Acho que eles quebraram alguma coisa. Será que meu pai
está batendo na minha mãe?
Eles pararam de falar. Eu vou até lá dar uma olhadinha e já
volto.
...
Acho que eles pararam de brigar. Não vi o meu pai, mas a minha
mãe está chorando no sofá e o vaso vermelho que sempre fica em cima
da mesa está quebrado no chão.
Acho que vou até lá fazer um carinho nela.
Não quero que ela fique triste e nem chore.
Sábado, 07 de outubro de 1989
O clima aqui em casa está péssimo. A mamãe ficou calada o dia
inteiro. Quando eu fui perguntar se ela e o pai tinham brigado, ela me
respondeu que não era para eu me intrometer em assunto de gente grande.
Hoje é sábado e o meu pai não está em casa. Ele levantou cedo e
disse que ia jogar bola. Em compensação minha mãe resolveu fazer faxina.
Desmontou a casa. Ela sempre diz que quando está nervosa tem que
trabalhar muito para se sentir melhor.
Quando ele chegou em casa já era mais de duas horas da tarde,
ela estava toda descabelada, suada e a casa brilhando. Ele entrou e nem
olhou para ela. Sentou na sala, tirou o tênis e a meia, deixou ali e foi tomar
banho.
Quando a mamãe entrou e viu aquilo, o sangue dela ferveu. Ela
pegou o tênis e a meia e foi para o quarto. A briga começou novamente. Ela,
tanto gritava falando da falta de consideração dele de ter deixado o tênis
espalhado na sala quanto por ter comprado aquele tênis novo. Ela disse que
deve ser o último modelo da All Star. Ela estava uma fera. Disse que vive
economizando, que não tem ninguém para ajudá-la no serviço da casa, que
economiza nas compras e que ele agora fica gastando dinheiro comprando
tênis último modelo. Ainda perguntou onde ele comprou, pois aqui em
Biritiba-Mirim não deve vender desses tênis tão chiques.
Ele muito enfezado diz:
- Você quer que eu vá jogar futebol de chinelo Havaiana? Como se
fosse um rampeiro brega? Eu tenho uma posição na empresa e não posso
me vestir de qualquer jeito.
Aí eu até fiquei com pena da mamãe porque ela falou:
- Eu também quero um sapato bonito.
E meu pai falou:
- Pra quê? Pra fazer faxina?
Ela ficou tão triste que saiu batendo a porta e foi lá pro quintal
chorar.
Meu pai nem foi atrás dela. Tomou banho, se arrumou e saiu. Não
se despediu nem de mim que estava na sala lendo uma fotonovela e nem
da mamãe que ainda estava lá fora.
Assim que ele saiu, fui até o quintal e falei pra ela que ele havia
saído novamente e ela desatou numa choradeira maior ainda.
Será que meu pai vai abandonar a gente? E aí como vai ser?
Será que vou ter que parar de estudar e começar a trabalhar para ganhar
dinheiro e ajudar minha mãe?
Ah! Edeli, que falta você me faz nessas horas!
Domingo, 08 de outubro de 1989
A coisa continua preta aqui em casa. Meu pai e minha mãe não
se falam e ele dormiu na sala.
Quando acordei eu o vi no sofá, mas voltei para o quarto porque
não queria que ele ficasse sabendo que eu o vi lá.
Hoje ele não saiu. Ficou no quintal quase o tempo todo. Ele
inventou de mexer no jardim e ficou lá o dia inteiro. Quando eu fui lá fora
chamá-lo para o almoço ele disse que era pra gente ir almoçando que ele
não estava com fome, e que mais tarde comeria. Falei pra mamãe ir lá
chamar ele, mas ela disse que ele tinha ouvidos e pernas e que sabia o
caminho, e não foi.
Não sei não, mas não estou nem um pouco tranquila com isso
que está acontecendo. Ainda bem que amanhã é segunda-feira e eu vou
para a escola, pelo menos lá converso, dou risada e me esqueço desta
tristeza.
Boa noite!
Sexta-feira, 20 de outubro de 1989
Estou muito triste. Já chorei tanto que nem consigo abrir os olhos
direito de tão inchados que eles estão.
No Dia da Criança, 12 de outubro, pensei que a gente fosse (eu,
minha mãe e meu pai) passear em Mogi das Cruzes, que é a cidade vizinha
de Biritiba, como a gente sempre fez todos estes anos. A gente almoçava no
restaurante, depois ia passear na praça, tomava sorvete, comia pipoca,
algodão doce e depois de tardezinha voltava para casa.
Este ano, como eles ainda estão de mal, não fomos. Eles também
nem me perguntaram o que eu ia querer ganhar de presente. Dei um monte
de indiretas, mas acho que eles nem me ouviram.
Hoje resolvi falar pra minha mãe que eu quero o último disco dos
Titãs que se chama Õ blésq blom. O disco acabou de chegar nas lojas, só
que aqui em Biritiba não tem nenhuma loja de discos. A gente tem que ir
para Mogi das Cruzes.
Logo depois do jantar eu falei pra ela:
- Mãe, será que o pai vai chegar cedo hoje? Perguntei isso porque
nesses últimos tempos ele chega tarde todos os dias.
Minha mãe, que anda irritada demais, respondeu com 50 pedras
nas mãos:
- Você está querendo me machucar ainda mais?
- Eu? Por quê? Respondi surpresa.
- Você sabe que seu pai nunca mais voltou cedo para casa e você
nunca cobrou isso dele, porque hoje está tão interessada?
- É que eu queria saber se vocês não querem me dar de presente,
de Dia das Crianças, o novo disco dos Titãs.
Minha mãe parecia que tinha fogo nos olhos. Me olhou de um
jeito como eu nunca tinha visto e disse com uma voz tão agressiva que me
magoou tanto!
- Você é uma egoista mesmo. Só sabe pensar em você. A casa e a
sua família está desmoronando na sua frente e você só consegue olhar para
si mesma.
Eu fiquei muda. Meu coração começou a bater tão rápido que
parecia que estava no pescoço, bem abaixo do meu ouvido, e eu não
conseguia respirar direito. E ela continuou:
- E que presente do Dia das crianças! Ponha na sua cabeça que
você não é mais criança. Já te falei que de agora em diante você tem que se
comportar como uma adulta. E suma da minha frente que a última coisa que
eu quero ver agora é a sua cara. Sua egoísta, interesseira.
Eu saí correndo e vim para ao meu quarto. Deitei na cama e chorei
muito.
Estou muito triste com tudo que está acontecendo.
É claro que eu me importo com eles, mas o que eu posso fazer? Se
vou falar alguma coisa, me mandam pro quarto porque não devo participar
de conversas de adultos. Quando fico quieta e não interfiro me dizem que
sou egoista porque já sou adulta. Eu não sei mais como agir? Eles nem
parecem aqueles pai e mãe que eu tinha antes. Eu preferia morrer a ter que
ficar aqui e escutar todas as brigas e broncas.
Domingo, 22 de outubro de 1989
Só queria te dizer que aqui em casa está tudo igual. O meu pai
não pára em casa, a minha mãe não fala comigo e eu só choro aqui no
quarto.
Quinta-feira, 02 de novembro de 1989
Hoje é feriado e amanhã não vou ter aula. Vou ficar aqui em casa o
tempo todo.
A minha tia Cleonice não vai nem aparecer por aqui porque ela
sabe que o clima aqui em casa não está nada bom.
Ontem eles brigaram feio novamente e a minha mãe disse que não vai mais
querer que o meu pai venha para casa só pra dormir e deixar a roupa suja.
Que aqui não é pensão e que ela não é empregada dele. Que se ele quer
ficar com aquela vagabunda que vá de vez.
E ele falou que vai mesmo. Que quer se desquitar da minha mãe.
Quando eu o ouvi falando isso eu entrei na sala e falei:
- Não vai pai, o que vai ser da nossa vida sem você?
Eu falei isso que era pra ele ficar, porque eu gosto dos dois, mas
minha mãe, sempre muito brava comigo, berrou:
- O quê? Tá querendo dizer que eu não vou cuidar bem de você?
Quer ir junto com ele e com aquela ordinária? Pode ir, arrume as
suas coisas e vá.
Me deu uma vontade tão grande de chorar. Eu não falei com essa
intenção!
Meu pai então veio até junto de mim, passou a mão na minha
cabeça e falou:
- Não ligue pro que sua mãe está dizendo. Ela anda descontrolada.
Vai pro quarto que depois eu vou até lá falar com você.
Minha mãe nem me olhava, ficou de costas, e eu vim para o meu
quarto. Nem quis mais escutar nada do que eles estavam falando. Tudo que
eu falo ou faço está errado. Queria mudar de casa. Vou falar com minhas
primas e ver se posso me mudar para lá.
Fiquei esperando meu pai vir no quarto conversar comigo como
ele havia falado, mas ele não veio. Até que dormi e hoje estou aqui, sem ter
nada para fazer.
Não posso chamar ninguém para vir aqui.
Meu pai não dormiu em casa e minha mãe está de cara amarrada.
Éh! Vida difícil!
Estamos comemorando o dia dos mortos com cara de enterro!
Quarta-feira, 08 de novembro de 1989
Hoje minha mãe e meu pai foram no advogado para se
desquitarem.
Ela foi vestida toda de preto. Até o véo de ir à missa ela colocou
na cabeça. Dava arrepio olhar para ela.
Estou com muito medo!
Não sei muito bem como é que é esse desquite. Será que nunca
mais vou ver meu pai? E se minha mãe não quiser ficar comigo, eu vou ficar
com quem? Posso ver se minha tia Cleonice quer ficar comigo.
Minha mãe, outro dia, estava falando mal da tia Cleonice. Ela diz
que todo mundo a abandonou e que ela nunca esteve tão sozinha. Que ela
sempre ajudou todo mundo, e agora que ela precisa, ninguém nem
pergunta se ela quer alguma coisa.
Eu desta vez só escutei porque tudo que eu falo ela acha que eu
falo para magoar, então preferi não falar nada.
Quando ela voltou pra casa, depois de ir lá no advogado, meu pai não
voltou junto. Ela entrou em casa, parecia que olhava pras coisas mas não via nada.
Eu apareci e ela nem me viu. Sentou no sofá da sala, ainda estava com o
véo na cabeça, e ficou lá por muito tempo. Quase nem se mexia. Eu não sabia se
devia perguntar se ela queria alguma coisa, ou não. Agora ando com medo de falar
com ela. Fiquei espiando ela de longe. E ela ali parada, olhando nem sei para onde.
Depois de muito tempo, eu fui andando devagarinho e me sentei ao lado
dela. Fiquei ali também parada olhando para onde ela olhava. Depois de um tempo
eu coloquei a minha mão em cima da mão dela, mas ela nem se mexeu. Fiquei até
com medo que ela tivesse morrido. Olhei para os olhos dela prestando a atenção
para ver se ela piscava. Quando ela piscou respeirei aliviada. Então, tomei coragem
e perguntei se ela queria tomar água. Ela se levantou e disse que queria ficar
sozinha, e foi para o quarto dela. Eu fiquei ainda na sala, mas depois vim para cá
falar com você.
Ainda bem que eu tenho você, senão nem imagino como estaria a minha
vida. Você é o único que me entende e que não me deixa de lado. Até minha amiga
Edeli me deixou. Tudo bem que foi por causa do pai dela que foi transferido no
trabalho, mas a verdade é que estou sem ela.
Sexta-feira, 10 de novembro de 1989
Hoje tive uma aula muito interessante na escola. É que ontem, 9 de
novembro, derrubaram o muro de Belim. Agora a Alemanha Oriental e a
Alemanha Ocidental vão ser uma Alemanha só.
Fiquei pensando que se eu morasse na Alemanha Ocidental e
minha prima Dani na Alemanha Oridental, toda vez que eu quisesse visitá-la,
teria que pular o muro. Ia ser muito engraçado, principalmente se minha tia
Cleonice quisesse vir aqui nos visitar e tivesse que pular o muro. Só queria ver
como ela iria fazer isso. Gorducha do jeito que é, acho que ficaria entalada.
Pensei que isso poderia ser uma coisa muito legal para eu contar
pra minha mãe. Quem sabe ela não ficaria feliz de não ter mais aquele muro
na Alemanha. Até fiquei ensaiando como poderia falar para ela, mas depois
perdi a coragem e fiquei aqui no quarto mesmo.
Quarta-feira, 15 de novembro de 1989
Oba! Hoje fui para Mogi das Cruzes. Parece mentira, mas até que
enfim tive um dia legal.
Hoje teve votação no Brasil. Estava todo mundo muito feliz porque,
como diz meu pai, é a primeira eleição depois da ditadura.
Eu sei que o meu pai votou no Fernando Collor. Minha mãe não
quis dizer em quem ela votou. Ela disse que o voto é secreto e que o que é
secreto não se diz para ninguém.
Tanto meu pai quanto a minha mãe votam em Mogi das Cruzes para
minha sorte, pois assim pude dar um passeio. Tudo bem que a gente foi para
lá, votou e voltou. Só deu tempo de eu comer uma pipoquinha.
Quando voltamos de lá o meu pai veio com a gente para casa e
perguntou se poderia almoçar com a gente. Minha mãe disse que ela teria
que fazer a comida. Ele disse que não estava com pressa e ficou na sala
conversando comigo. Quis saber como eu estava indo na escola. Acho que em
toda a minha vida ele nunca me perguntou isso. Eu disse que estou indo mais
ou menos, pois tinha dificuldades em algumas matérias. Ele não ficou bravo.
Disse que temos que nos esforçar nos estudos principalmente por vivermos
num país tão grande e com oportunidades tão difíceis. Ele disse que talvez as
coisas mudem caso o Fernando Collor ganhe como Presidente, mas que
aconteça o que acontecer estudar é sempre importante.
Quando o almoço ficou pronto a mãe nos chamou e fomos
rapidinho. Começamos comer e o silêncio era enorme. Ninguém falava nada.
Eu pensava em algum assunto, mas não me vinha nenhum. Quando pensava
em algum, ficava com medo da minha mãe não gostar e aí virar uma briga.
Então comemos quietinhos.
Logo depois do almoço meu pai achou melhor ir embora, e a mãe
não falou nada. Ele me deu um beijo na testa e foi.
Sexta-feira, 24 de novembro de 1989
Meus pais se desquitaram hoje. Minha mãe e meu pai foram no
Fórum e o Juiz disse que de hoje em diante eles não são mais casados.
Ninguém veio me dizer como é que eu fico agora.
Estou muito triste.
Estou chorando muito
Estou com medo!
Domingo, 03 de dezembro de 1989
Hoje meu pai veio aqui. Depois do dia do desquite ele nem veio e
nem ligou. Disse que estava com saudades de mim e que de 15 em 15 dias ele
virá me pegar para passear.
Ele perguntou se a minha mãe tinha me falado isso. Eu disse que
não. Falou que o juiz combinou isso e que ele virá de manhã e me levará para
passear o dia inteiro. Pediu pra eu me arrumar que iríamos agora mesmo para
Mogi das Cruzes.
Nossa! Fiquei super animada porque não estava nem esperando por
esta surpresa. Me arrumei rapidinho e antes de sair fui dar tchau para minha
mãe. Ela nem apareceu na sala. Nem falou nada. E eu fui embora com meu
pai.
Foi muito gostoso! Tinha um Parque de diversões e eu andei num
montão de brinquedos. Fui na roda gigante, nos carrinhos bate-bate, atirei
bola na boca do palhaço, mas não ganhei nada. Depois tomei sorvete, comi
maçã do amor e no final do dia viemos embora.
Quando chegamos em casa papai pediu para eu chamar a mamãe e se
despediu de mim pedindo para que eu ficasse no quarto.
Eu obedeci rapidinho. Estava tão contente que não queria mesmo me
aborrecer com a briga deles. Mas não teve jeito. Dali a pouco começo a escutar
os gritos da minha mãe. Ela falava tanto e tão rápido que eu não conseguia
entender uma palavra. Dali a pouco escuto o meu pai me chamando. Saí do
quarto correndo e quando entro na sala vejo minha mãe caída no chão. Na hora
eu pensei que meu pai tinha matado ela, mas com o nervoso dele eu vi que não
e ele me pediu para pegar o álcool e um copo de água. Saí correndo, tão
desesperada, que tropecei na cadeira e caí por cima dela machucando todo o
joelho. Mas levantei muito rápido e corri lá pra despensa e peguei o álcool.
Trouxe rápido e meu pai começou a massagear os pulsos da minha mãe. Ele
também jogou um pouco de água no rosto dela.
Aos poucos ela foi recobrando os sentidos. Quando ela abriu os olhos,
o olhar dela era muito esquisito, parecia que estava longe, muito longe. Mas
quando viu o rosto do meu pai, aquele olhar sem expressão virou um olhar de
ódio e se levantou muito rápido, e gritando mandou meu pai embora. Ele foi
rapidinho.
Depois perguntei se minha mãe estava se sentindo melhor. Ela respondeu que
sim com a cabeça.
- Quer que eu traga alguma coisa? Perguntei de mansinho.
- Não, filha. Pode ir dormir.
- Se precisar de mim é só chamar, tá bom?
Lhe dei um beijo no rosto e fui deitar.
Eu queria perguntar o que tinha acontecido pra ela desmaiar,
mas como ela estava falando direito comigo, não quis estragar com
perguntas.
Foi uma cena muito ruim de ver.
Nunca mais quero ver minha mãe deitada no chão, desmaiada.
Domingo, 17 de dezembro de 1989
Hoje teve eleição de novo. Foi o segundo turno entre o Collor e o Lula.
Nós fomos de novo para Mogi das Cruzes, só que hoje minha mãe não quis ir
com o meu pai. Fomos de ônibus.
Hoje era o dia de eu ir passear com o meu pai, mas como teve eleição
nós combinamos que eu iria junto com a minha mãe para ela não ir sozinha e no
domingo que vem, saímos juntos.
Ir de ônibus para Mogi das Cruzes até que é legal. Eu nunca tinha ido.
Fiquei procurando a cordinha pra tocar na hora que a gente ia descer, mas não
achei cordinha nenhuma. Perguntei pra minha mãe como que fazia para avisar o
motorista, ela me disse que é pedindo pra ele parar. Mas a gente não iria nem
precisar falar com ele porque íamos descer na Rodoviária de Mogi, que é o
ponto final.
Quando chegamos, tivemos que andar um bocado a pé. O calor estava
terrível e a bagunça na cidade então, nem se fala. Uma sujeirada! A gente ia
andando pela rua e as pessoas vinham dar os bilhetinhos com a cara do Lula e
do Collor, que depois minha mãe disse que aquilo se chama santinho. Acho que
ela está enganada porque no santinho tem o retrato do Santo que a gente ganha
quando vai à igreja, mas nem retruquei.
Perguntei para a minha mãe novamente em quem ela iria votar e o olhar
que ela me deu, entendi que ela não iria falar. Então perguntei para quem ela
estava torcendo. Ela me pediu pra ficar quieta.
Comecei então a juntar todos os “santinhos” que me davam. Fiquei com
a mão cheia. Quando chegamos ao lugar onde minha mãe vota, me disseram que
era pra jogar fora porque não podia entrar com aqueles papéis na mão. Minha mãe
olha para mim e entre os dentes diz:
- Joga isso já!
Eu fui correndo procurar uma lata de lixo e joguei. Fiquei triste porque
queria brincar com aquilo no ônibus quando estivéssemos voltando. Tem coisas
que não dá pra entender. Se não pode entrar com o “santinho” para votar, porque
dão tanto santinho pra gente segurar? Deve ser por isso que tinha aquele tanto
jogado na rua!
Minha mãe entrou numa sala, mas eu não pude entrar. Tive que esperar
lá fora.
Quando ela saiu perguntei aonde iríamos agora, e ela disse:
- Embora pra casa.
Nem falei nada porque não ia adiantar, mas fiquei triste. Tanto
sacrifício pra nem fazer nada. Nem tomar um sorvetinho sequer. E andamos
debaixo daquele sol quente até a Rodoviária e voltamos para casa.
Voltei bem quietinha, sem falar nada.
Às vezes penso que minha mãe está com raiva de mim.
Quarta-feira, 20 de dezembro de 1989
Hoje veio aqui a tia Cleonice convidar a mamãe e eu para
passarmos o Natal lá em Guararema, na casa dela. No começo minha mãe
não queria ir, mas eu desta vez insisti muito para que a gente fosse. Ia ser
triste demais passar o Natal, só eu e ela, sozinhas nesta casa. Ela falava que
não estava com cabeça para comemorações, mas minha tia falou:
- Pense na Juliana. Você não pode fazer isso com ela. Vai acabar
criando problemas pra menina. Pense que ela também está sofrendo com
tudo isso.
Neste momento minha mãe disse que eu não estou sofrendo
nada, que estou achando até bom porque agora meu pai me leva sempre
pra passear e que eu vou toda contente.
Mas ele só me levou uma vez e eu fui contente porque nem sabia
que ele vinha me buscar. Mas ela nem me deixou falar essas coisas. Quando
falei o “mas” ela já gritou comigo me mandando calar a boca e sair dali.
“Não quero que você se intrometa em conversa de adultos”. Falou gritando
mais ainda. Eu achei melhor sair porque senão era bem capaz dela não
querer mesmo passar o Natal na casa da irmã dela.
Depois escuto minha tia perguntar se eu já estava de férias da
escola. Minha mãe diz que sim, mas que passei com a nota mínima. Que
nem para estudar eu servia.
Fico muito triste com essas coisas que minha mãe fala de mim. Eu
nunca que vou fazer isso com minha filha.
Minha tia ainda diz:
- Também com toda essa confusão que está na vida dela, só se ela
não tivesse sentimento para não afetar nos estudos!
Minha mãe então dá uma risada forçada e diz:
- E o ano passado? E o outro ano antes do passado? Ela vai mal
porque é uma preguiçosa.
Eu já estava sentindo uma vontade imensa de chorar, foi quando
minha tia resolveu mudar de assunto e começaram a combinar o que iriam
fazer para a ceia. Também me distrai com a nova conversa e até consegui
engolir o nó que estava na minha garganta, mas meu coração ainda está
muito triste.
Queria tanto mandar uma carta desejando Feliz Natal pra Edeli. Eu
não sei se o meu pai vai vir aqui antes do Natal porque aí eu entregaria a
carta para ele colocar no correio.
Acho que já vou escrever porque se ele aparecer a carta já está
pronta.
Terça-feira, 26 de dezembro de 1989
Cheguei hoje da casa da minha tia. Foi muito legal! Eu até ganhei de
presente da Dani uma blusa xadrez vermelho com uns moranguinhos azuis
pintados na manga, e da minha tia o disco dos Titãs que eu tanto queria.
Fiquei tão feliz, mas tão feliz!!! É por isso que eu adoro essa minha tia. Ela
advinha tudo que eu gosto. Muitas vezes bem que eu queria ser filha dela, ao
invés de ser filha da minha mãe.
Você acredita que o meu pai foi até lá para me dar um Feliz Natal e
ela não queria deixar ele me ver! Se não fosse a tia Cleonice ele teria ido
embora sem nem me dar um beijinho. Ele também me deu um presente uma
mala linda para eu ir à escola no ano que vem. Era o dia de eu sair com ele,
mas como era Natal eu, de novo, não saí. Ele me falou baixinho que o Ano
Novo eu irei passar com ele. Vamos ver se minha mãe vai deixar.
Comi tanto que estou até barriguda. Comi o dia inteiro. Também
com tanta coisa gostosa não tinha como não comer. Era maionese, pernil com
abacaxi, farofa doce, farofa salgada, pudim, manjar, nozes, figo achatado que
eu adoro, uva que é minha fruta preferida.
Nossa! Comi muito mesmo.
Terça-feira, 03 de janeiro de 1990
Ufa! Estou chegando da praia. Passei a virada do ano com o meu pai e
com a Suzi, a namorada dele. Eu quase não falei direito com ela. Ela queria me
paparicar, mas não dei muita bola porque eu sei que é por causa dela que minha
mãe está sofrendo tanto.
Quase que eu não fui com eles porque quando minha mãe soube que
ela iria também, ficou uma fera. Disse que eu não iria, porém quando meu pai
falou que ela tem que obedecer às ordens do Juiz, ela deixou. Então eu fui.
Até que foi gostoso porque ceamos num restaurante na praia e quando
chegou a meia-noite teve um show de fogos e artifícios.
Meu pai me comprou uma roupa toda branca porque dizem que dá
sorte entrar o Ano Novo toda de branco.
Depois que acabou de estourar os fogos nós fomos para a beirinha do
mar fazer pedidos para Iemanjá. Meu pai falou que a gente tinha que pular 7
ondas e que para cada onda podia fazer um pedido. Nossa! Achei que eram
pedidos demais. Pedi primeiro para meu pai e minha mãe fazerem as pazes; o
segundo foi para que ele voltasse a morar lá em casa com a gente; o terceiro
para que a minha mãe ficasse de bom humor tanto com meu pai quanto comigo.
Como não sabia mais o que pedir, fiz os mesmos pedidos de novo, e
ainda me restou um último pedido que desejei a volta da minha amiga Edeli.
Fomos para casa de madrugada. Eu quis dormir junto com o meu pai, mas ele não
deixou dizendo que tinha um quarto só para mim. Na verdade eu queria que ele
ficasse longe da tal Suzi, mas não deu certo.
No dia primeiro fomos logo cedo para a praia. Eu brinquei muito na
beira do mar. Fiz castelos, cavouquei um buraco enorme e nadei muito. Minha
mãe sempre fala que com o mar não se brinca. Que quando a gente vai nadar
não pode ir no fundo. No máximo a água tem que bater na barriga. Não pode
deixar passar da barriga porque aí ele leva a gente lá pro fundo e a gente morre
afogada.
Eu, toda vez que mergulhava, logo que me levantava já verificava se a
água estava na barriga. Só que eu não percebi que fui me afastando muito do
lugar onde meu pai estava. Teve um momento que eu olhei para procurá-lo e não
o vi. Fiquei preocupada e sai da água. Andava de um lado para o outro na areia
procurando por ele, só que todo lugar parecia igual e eu não conseguia achá-lo.
Fiquei desesperada pensando que estava perdida para sempre.
Foi então que apareceu um moço dizendo que era salva-vidas e
perguntou se eu tinha me perdido. Deve ter percebido pela minha cara de pavor.
Falei que sim. Ele perguntou com quem eu estava e pediu para eu descrever
como eles eram. Perguntou também meu endereço, mas eu não sabia. Ele então
me pegou pela mão e ficou andando comigo pela areia.
Depois de um bom tempo encontramos meu pai e a Suzi com cara de
desespero. Quando ele me viu me abraçou muito. O salva-vidas deu uma bronca
nele dizendo que devia ter me ensinado a me localizar pelos prédios que ficam de
frente para a praia. Que eu tinha que saber o meu endereço para no caso de me
perder, saber voltar para casa.
Meu pai pediu desculpas e falou que o salva-vidas tinha razão e fomos
embora para casa. No caminho ele me fez prometer que eu não contaria nada
para a minha mãe. Disse que se ela soubesse nunca mais me deixaria sair com
ele. Eu prometi.
Quarta-feira, 04 de janeiro de 1990
Minha mãe ainda está muito triste. Ela disse que passou o ano
sozinha em casa. Que ficou tão triste que nem ligou a televisão.
Ela anda muito magra e abatida. Está que é uma tristeza só.
Minha mãe não tem amigas, só a minha tia, mas ela mora em
outra cidade, então fica difícil. O divertimento dela e arrumar a casa e aí fica
no meu pé que é pra eu não sujar.
Eu acho que estas minhas férias vão ser muito chatas.
Sexta-feira, 06 de janeiro de 1990
Meu pai está lá na sala falando com minha mãe. Ele veio dizer que
quer vender a nossa casa. Foi por este motivo que a minha mãe desmaiou
naquele dia. Ele tinha falado de vender a casa e ela não resistiu.
Ele falou que agora é um bom momento para vender a nossa casa, pois
o Collor ganhou as eleições e vai saber dirigir muito bem o país. “Além do mais, a
casa ficou muito grande só para vocês duas” disse meu pai.
Parece que ele já tem um comprador e que com o dinheiro vai dar para
comprar uma casa para minha mãe e uma para ele.
Minha mãe está chorando dizendo que desde que ela se casou sempre
morou aqui. Que ela gosta muito da casa e que ele não pode lhe tirar mais este
gosto dela.
Mas meu pai está mesmo decidido. Disse que vai mandar amanhã o
interessado aqui para ver a casa e que é para ela não atrapalhar o negócio
porque ele vai vender, ela querendo ou não.
Eu também não estou gostando dessa ideia de nos mudarmos daqui.
Eu nasci aqui e gosto muito, principalmente do meu quarto. Será
que vou gostar da casa nova? O pior de tudo é que toda vez que eles vão
conversar me mandam para o quarto. Eu tenho que dar minha opinião,
afinal também moro aqui.
Eles estão discutindo, mas acho que ele vai vender mesmo.
Meu pai é assim, toda vez que coloca alguma coisa na cabeça,
enquanto ele não põe em prática, não sossega.
Sábado, 07 de janeiro de 1990
Vou para Guararema.
Minha tia veio me buscar. Disse que vou passar a semana lá para
aproveitar um pouco as férias. Ela falou que o ambiente aqui está muito
pesado (e está mesmo) e que quando tudo estiver mais calmo eu volto.
IUUPIIII! Até que enfim uma coisa boa.
Não sei se te levo ou se te deixo. Acho melhor te levar porque vou
ficar muitos dias fora e ficarei com muitas saudades.
Também tenho que te contar as novidades.
E lá vamos nós!
Terça-feira, 17 de janeiro de 1990
Eu, Dani e Rose brincamos a manhã toda em frente da casa delas, de
amarelinha. É muito legal porque a gente pega um tijolo e desenha na calçada a
amarelinha. Aí com uma pedrinha a gente começa a pular e a competir para ver
quem é a campeã. Aquela que vai mais longe sem errar, sem pisar na risca e
nem jogar a pedrinha fora da casa, ganha. Eu no começo jogava muito ruim,
mas agora já melhorei bastante. A campeã é sempre a Dani. Ela é muito boa na
amarelinha.
Também brincamos, à tarde, com os vizinhos da frente. São dois
meninos que acho tem a mesma idade que a gente. É o Rodrigo e o Marcelo.
Eles construíram, cada um o seu carrinho de rolimã, e vieram convidar a gente
pra apostar corrida com eles. Na rua tem uma descidona muito legal e é nessa
descida que a gente compete. Eles vão na frente dirigindo. Eu vou atrás do
Marcelo e a Dani atrás do Rodrigo. É legal paca! A gente desce com o carrinho
de rolimã e depois sobe á pé. A Rose é a juíza e fica lá embaixo para ver quem
chega primeiro. Ela prefere ser a juíza porque tem medo de cair. Brincamos
muito com isso. Foi muito gostoso.
Tem dias que também brincamos de andar de bicicleta. Eu não sei
andar direito porque nunca tive uma bicicleta. De vez em quando minhas
primas me deixam tentar aprender, mas eu só consigo descer a descidona, pra
subir eu venho empurrando a bicicleta.
Tenho feito coisas muito legais, que eu nunca tinha feito na minha
vida.
Quinta-feira, 19 de janeiro de 1990
Os meus dias continuam muito bons. Tenho me divertido muito.
Sabia que é bem legal brincar também com menino? Eu nunca antes tinha
brincado com eles, mesmo porque é a primeira vez que venho passar dias na
casa da minha tia. Isso porque meu pai e minha mãe estão desquitados, caso
contrário, a uma hora dessas, eu estaria em casa, no meu quarto, fazendo
nada.
Aqui o tempo passa muito rápido. Todos os dias têm sido muito
bons, mas hoje foi muito especial porque nós fomos num homem, o Zé do
Pneu, aqui perto da casa da tia, que conserta os pneus que têm defeito.
Nós cinco: eu, Dani, Rose, Marcelo e Rodrigo fomos até ele e pedimos uns
recheios de pneus, que o homem disse chamar câmaras, bem cheias, para
irmos nadar no rio. Elas serviriam de bóias. O homem disse que ia nos
emprestar e que no final do dia tínhamos que devolver. Concordamos na
mesma hora.
Enquanto ele enchia as bóias nós pegamos um pneu de trator e
ficamos brincando de circo. Cada hora um deitava dentro do pneu e os outros
o levantavam e o empurravam ladeira abaixo. Quem estava lá dentro descia
rolando até lá embaixo. Dava um frio na barriga muito gostoso. Na vez do Rodrigo
nós empurramos o pneu torto e ele foi parar no meio do mato. A gente deu
muita risada.
Quando o Zé do Pneu acabou de encher todas as bóias, cada um de nós
pegou uma e fomos correndo até o rio. Chegando lá, jogamos as bóias na água e
íamos correndo atrás delas, pela margem, e pulávamos tentando entrar bem no
meio delas. Levamos cada tombo dentro d’água que você nem imagina. O rio
deve estar mais vazio porque devo ter engolido uns dez litros de água. Toda vez
que eu me jogava, caía na água dando tanta risada que acabava engolindo água e
me engasgando. Depois a gente voltava andando pela margem e começava tudo
de novo.
Foi uma brincadeira muito gostosa. Nós voltamos quando estava
anoitecendo. Agora já tomei banho, já jantei e vou dormir.
Estou exausta!
Terça-feira, 20 de fevereiro de 1990
Ainda estou na casa da tia Cleonice. Todo este tempo que estou aqui,
nem meu pai e nem minha mãe veio me ver. Hoje a tia estava falando
preocupada que precisava ir até Biritiba ver como é que estão as coisas e se
minha mãe está bem.
Eu acho até que as aulas já começaram, mas ninguém veio me buscar
para voltar.
Quarta-feira, 21 de fevereiro de 1990
Hoje minha tia levantou cedo e foi para Biritiba na casa da minha
mãe. Ela voltou quase agora, na hora do jantar. Meu tio já estava preocupado
com a demora.
Quando sentamos para jantar meu tio pediu para que ficássemos
quietas porque minha tia estava com muita dor de cabeça. Logo imaginei que
deveria ter sido por causa das coisas que ela viu lá na minha casa. Perguntei se
era para eu voltar e ela me respondeu que depois do Carnaval.
Meus tios pouco falaram durante o jantar. Assim que acabamos, eu e
minhas primas saímos da mesa e fomos para o nosso quarto. De lá a gente
escutava os dois conversando baixinho. Dava uma vontade enorme de escutar,
mas preferi ficar sem saber. Estava tudo tão bom que eu não queria estragar.
Depois, com certeza, vou acabar sabendo, então não há porque ter
pressa.
Domingo, 25 de fevereiro de 1990
Ontem pulei Carnaval na matinê. Eu e minhas primas fomos de
“bregas”. Misturamos as roupas da minha tia com as nossas, fizemos uma
pintura muito engraçada no rosto e fomos para o salão.
Meu tio comprou um sacão de confete e dois tubos de serpentina
para cada uma de nós. A gente se divertiu paca.
Na volta do clube meu tio abriu a porta de trás da Brasília e nós três
viemos sentadas em cima do motor com as pernas balançando para fora. É que
estava tendo corso na praça e ficamos dando voltas bem devagarinho.
Depois fomos comer cachorro-quente e tomar guaraná da Brahma
que eu adoro, menos a Rose que pediu Grapette.
Quarta-feira de cinzas, 28 de fevereiro de 1990
Já estou em casa aqui no meu quarto. Acabei de chegar. É sempre
bom voltar para casa, mesmo quando o ambiente não está dos melhores.
A minha mãe emagreceu muito e está ainda muito triste. Disse
que estava com saudades de mim, mas que não pôde ir me visitar porque
os problemas estão grandes.
Parece que o pai vendeu mesmo a casa. Ele insiste em dizer que
agora é uma época boa para se vender e que com o dinheiro da venda vai
dar para comprar duas casas pequenas: uma para ele morar com a Suzi e a
outra para morar eu e a minha mãe.
Acontece que minha mãe não está nem um pouco feliz com essa
idéia e disse que não me colocou na escola ainda porque não sabe aonde
vamos morar.
Parece que na semana que vem o homem vai fechar a compra da
casa e aí com o dinheiro vamos procurar outro lugar para morar.
Segunda-feira, 05 de março de 1990
Passei tantos dias bacanas na casa da minha tia e agora aqui não
acontece nada de nada. Desde que cheguei estou sem fazer nada. Nem na
escola estou indo. Todo mundo já voltou a ter aula e eu, como não sei se vou
continuar a morar aqui ou não, ainda não fui.
Meu pai não apareceu por aqui. Eu não vejo meu pai desde janeiro.
Desde quando fui para a casa da minha tia.
Sexta-feira, 09 de março de 1990
Meu pai acabou de sair daqui com o homem que comprou a casa. Ele
quis comprar mesmo. Disse que a casa é exatamente o que ele estava
procurando.
Estou sentindo o meu peito tão apertado! Acho que é tristeza por sair
daqui. Eu sempre morei aqui, desde que nasci. Vai ser muito esquisito morar em
outro lugar.
A minha mãe está chorando lá no quarto. Ela não queria, mas o meu
pai não deu ouvidos a ela.
O homem até já fez o cheque e na segunda-feira eles “vão tratar da
papelada” como diz meu pai.
Estou triste!
Segunda-feira, 12 de março de 1990
Ufa! Estou com os meus pés cheios de bolhas. Eu e a mamãe
andamos o dia inteiro procurando casa para comprar. Andamos de um lado
pro outro, subimos, descemos, e não encontramos nada de bom.
O Sr. Euclides, o homem que comprou a casa, disse que a gente tem
30 dias para sair daqui. Precisamos achar logo uma casa que dê certo, mas não
é nada fácil. Quando a gente gostava da casa, o preço era muito caro, quando
o preço dava pra gente comprar, a casa era horrível.
Não sei como vamos fazer.
Papai também está esperando o cheque compensar para dar a
metade da mamãe, assim ela vai saber com certeza o quanto pode gastar.
Bom, vou dormir porque amanhã vamos acordar cedo para
continuar a procura. Deus que nos ajude a encontrar uma casa boa e barata.
Sexta-feira, 16 de março de 1990
Acabei de chegar do hospital. Você nem imagina o que foi que
aconteceu ontem aqui em casa. Foi uma coisa horrível.
Como têm acontecido todos os dias, eu e a mãe passamos o dia
inteiro procurando casa. Deixamos duas reservadas. Não são tão legais
quanto essa, mas se a gente não achar nada melhor vamos ficar com uma das
duas.
Chegamos aqui exaustas. Tomamos banho e comemos um
lanchinho, pois minha mãe não tem cozinhado porque passa o dia inteiro na
rua. Eu fui para o meu quarto dormir enquanto minha mãe fechava a casa.
Foi quando o meu pai chegou. Ele estava desesperado. Gritava um
monte de coisas que nem a minha mãe conseguia entender porque ele estava
daquele jeito. Ele só dizia:
- Nós perdemos tudo. Não temos mais nada, nem casa, nem
dinheiro, nem nada.
Eu saí do quarto correndo e fui para a sala ver de perto o que
estava acontecendo. Meu pai falou que era um tal de Plano Collor. Que o
novo Presidente prendeu o dinheiro de todo mundo, e que agora a gente não
tinha mais casa porque já tinha vendido, e não tinha mais dinheiro porque
estava preso no banco. E que ele não sabia o que ia fazer.
Minha mãe ficou tão descontrolada que começou a gritar, a puxar os
próprios cabelos dizendo:
- Bem que eu não queria vender a casa, mas você agora só pensa
naquela vagabunda... Olha só o que deu você abandonar sua família. Agora não
tem família, não tem casa, não tem dinheiro... Ah! Mas você tem a vagabunda,
então vá lá com ela.
E falava mais um montão de coisas.
Quanto mais ela falava mais nervosa ia ficando. Puxava a camisola
tentando rasgá-la, arrancava os cabelos, até que, totalmente enlouquecida
começou a bater com a cabeça na parede. Batia e batia muito forte fazendo um
barulho horrível.
Meu pai foi tentar segurá-la, mas ela o empurrou e em seguida se
jogou em cima dele tentando mordê-lo.
Ela dizia sem parar:
- Você é o culpado. Você é o culpado! Você é o culpado.
Meu pai ficou bravo e disse que desse jeito não dava pra conversar
com ela e resolveu ir embora. Quando estava saindo falou pra mim:
- Tome conta da sua mãe.
Assim que ele saiu, a minha mãe caiu desmaiada batendo a cabeça
com toda a força no chão. Eu fiquei desesperada e saí correndo atrás do meu
pai, gritando pela rua:
- A mãe morreu, a mãe morreu.
Ele que já estava lá na outra rua, de tão apressado que saiu, quando
me ouviu gritando, voltou correndo.
Nisso tinha um monte de vizinhos com as janelas e portas abertas.
Então meu pai pediu pra dona Zuleide ligar para o hospital e chamar uma
ambulância pra vir buscar a minha mãe. Quando a gente entrou em casa ela
ainda estava desmaiada, deitada no chão. Meu pai jogou água no rosto dela e
nada dela acordar.
Quando a ambulância chegou ela ainda estava desmaiada. Os
enfermeiros a colocaram numa maca e a levaram para o hospital. O meu pai foi
junto e eu fiquei na casa da dona Zuleide, para não ficar sozinha em casa.
Hoje cedo eu e a dona Zuleide fomos ao hospital ver a mamãe. O
médico disse que ela está melhor. Que o choque que ela levou foi muito
grande, por isso que ela desmaiou assim. Ela terá que ficar esta noite no
hospital e se ficar bem, amanhã ela pode voltar pra casa.
Agora estou aqui no meu quarto e o meu pai está lá na sala. Vai
dormir aqui para eu não ficar sozinha.
Tomara que minha mãe saia amanhã do hospital.
Sexta-feira, 20 de abril de 1990
Querido diário!
Querido mesmo, você nem imagina a saudade que estou de você.
Faz mais de um mês que eu não falo com você. É que aconteceu tanta coisa,
ao mesmo tempo, que nem deu pra eu te contar.
Você nem imagina o tanto de coisa que mudou na minha vida. Se
você fosse gente eu ia pedir para você se sentar para não cair duro de susto
no chão.
Está preparado? Então lá vai: estou morando aqui na casa da
minha tia. Eu e minha mãe. A gente ficou sem lugar pra morar, por causa
daquele bafafá do Plano Collor.
Pois é, o Sr Euclides, o que comprou a casa, disse que não dava
mais pra esperar a gente se ajeitar e pediu pra gente entregar a casa. Os
móveis estão todos entulhados na garagem, lá fora. Estou dormindo aqui
com a Dani como quando estava de férias, e a minha mãe está dormindo
com a Rose. Nem preciso falar como minha mãe está se sentindo, né!
Com esta confusão você acredita que eu ainda não voltei pra escola!
Minha tia disse que segunda-feira, sem falta, vou estudar na escola das minhas
primas.
Não sei muito bem como a gente vai se arranjar daqui pra frente. Minha
mãe nunca trabalhou fora e não sabemos como vamos arranjar dinheiro.
Todo mundo está sem dinheiro, porque o dinheiro do país está preso. Só
que as contas a gente têm que pagar, né!
Só sei que a coisa está preta.
Quarta-feira, 02 de maio de 1990
Ontem foi feriado e a escola emendou a segunda-feira.
A gente: meus tios, minhas primas, minha mãe e eu, tínhamos
programado fazer um piquenique perto do rio, mas não deu certo porque
choveu. Minha mãe até fez torta de frango e um bolo de laranja, que é uma
delícia.
Ficamos muito tristes! Mas minha tia teve a ideia da gente fazer o
piquenique na sala e foi o que fizemos. Arrastamos os móveis, todos para um
canto, estendemos a toalha no chão e colocamos a comida salgada, os doces
e a groselha.
Foi muito legal. A gente deu muita risada. O meu tio falou que o
piquenique só não estava perfeito porque não tinha nem formiga e nem
mosca.
Minha tia tem umas idéias legal pacas.
Quarta-feira, 09 de maio de 1990
Acho que estou gamada por um menino da minha escola! Ele é
simplesmente o máximo! É loiro, tem os olhos azuis, azuis. Tem um sorriso lindo. E
eu não consigo parar de pensar nele. O problema é que eu acho que ele nem sabe
que eu existo. Ele nem me olha. Eu é que fico olhando pra ele de longe. Ele
conversa com uma, conversa com outra e eu não consigo nem chegar perto dele.
Ele se chama Fernando.
Ai, ai...! Bem que ele podia também ficar gamado em mim. Seria um
presente dos deuses.
Ah! Eu acho que meus seios estão começando a crescer. Também, já não
era sem tempo! Outro dia até tentei usar o soutien da Dani, mas o bojo fica
achatado porque não tem nenhum recheio! E por causa disso também ele não
para no lugar. Fica subindo como se quisesse ficar no meu pescoço.
O jeito é esperar mais um pouco e torcer pros meus peitos crescerem
logo.
Domingo, 20 de maio de 1990
Estou cada dia mais apaixonada. Minha prima Dani disse que dá pra ver
na minha cara que eu estou gamada nele. Diz que é só ele aparecer pra eu ficar
branca.
Eu até fiz uma poesia para ele. Chama-se:
Será
Será, que você não lê no meu olhar
Todo o amor que eu lhe dedico
Que vivo a todo instante a sonhar e que sempre suplico
Seu amor pra me ofertar.
Será, que eu já não demonstrei
O meu carinho o meu afeto
Que eu sempre esperei e que sempre lhe peço
E que nunca fui atendida
Será, que você quer me ver sofrer
Por maldade ou por frieza
Ou por indelicadeza
Para comigo que só penso em te amar.
Será, que um dia irás mudar?
Será, que podes me amar?
Será que você sente
Um pouco da chama ardente
Que em meu peito vive a queimar.
Ah! Seria um sonho ele saber o que eu sinto por ele.
Só que minha mãe não pode nem desconfiar disso. Se ela souber,
ainda mais com todo o mau humor que se apoderou dela e não foi mais
embora, eu estou perdida.
Sexta-feira, 01 de junho de 1990
Hoje acordei com uma saudade danada da Edeli. Nunca mais
escrevi para ela. Ela nem sabe que estou morando aqui em Guararema.
Queria muito poder ouvir os conselhos que ela me daria caso soubesse
dessa minha paixão pelo Fernando.
Queria ir com uma roupa bem linda para chamar a atenção
dele, mas não podemos entrar na escola sem o uniforme. Precisava fazer
alguma coisa para ele saber que eu existo.
A minha prima me ouve, mas não tem nenhuma idéia para me
ajudar.
Tenho certeza de que se fosse com a Edeli que eu estivesse
falando, ela me daria um montão de ideias.
Segunda-feira, 04 de junho de 1990
Minhas notas estão péssimas. Também perdi quase que um bimestre
todo. Se assistindo todas as aulas eu sempre fui mal, imagine sem assistir.
O pior é que minhas primas tiram notas muito altas e agora todos ficam
me comparando com elas. Até meu tio veio com sermão dizendo que tenho que
me esforçar mais.
O pior é que quando vou estudar só consigo ver aqueles olhos azuis do
Fernando. Fico sonhando com ele olhando para mim e ai não consigo estudar.
Agora mesmo deveria estar estudando, pois amanhã tenho prova de Matemática,
e fiquei enrolando, enrolando e agora resolvi escrever em você.
A minha prima está aqui do meu lado e fica me olhando de cara feia. O
pior é que eu sempre quis ter uma irmã, agora que estou aqui vejo que eu era feliz
e não sabia.
Tenho mesmo escrito muito pouco em você por causa dessa pressão em
cima de mim.
Bom, agora é melhor eu voltar aos estudos, pois se eu tirar nota baixa
novamente a Dani vai dizer que é porque eu fico escrevendo em você ao invés de
estudar.
Terça-feira, 12 de junho de 1990
Quanto mais eu rezo mais assombração me aparece. Como você
sabe, estou gamadérrima no Fernando embora ele nem olhe para mim.
Acontece que hoje um menino horrível chamado Alexandre veio com
uma conversa mole de que era dia dos namorados, e no final, me pediu em
namoro. Eu tremi da cabeça aos pés. Caramba! Como eu queria que tivesse
sido o Fernando que me pedisse em namoro.
Eu na hora fiquei tão nervosa que não sabia o que responder. Disse
que eu ia pensar e que dava a resposta na sexta-feira. Falei com a Dani e ela
disse que é pra eu aceitar e ver como que é namorar de verdade. Achei melhor
contar pra minha mãe porque se eu resolver namorar, ela tem que saber.
Chamei a minha mãe aqui no quarto e contei tudo que o Alexandre
tinha me falado. Ela disse que é pra eu falar que no momento não vou
namorar, porque preciso estudar para melhorar minhas notas na escola.
Até nem me importei da minha mãe não ter deixado. Também eu nem gostava
dele!
Se bem que a Dani deu uma boa idéia de eu fazer ciúmes para o
Fernando. Mas não sei se ele iria ter ciúmes, ele nem olha pra mim!
Depois, não vou desobedecer minha mãe só para fazer ciúmes
pra ele.
Mas mesmo assim, só vou dar a resposta na sexta-feira.
Até que é uma sensação legal ser pedida em namoro!
Sexta-feira, 15 de junho de 1990
Estou com tanta vergonha! Você nem imagina o que foi que
aconteceu. Eu tinha dito pro Alexandre que eu ia a dar resposta se aceitava ou
não namorar com ele na sexta-feira. Pedi então pra Dani ficar junto de mim
até eu falar com ele, porque estava muito nervosa.
Logo hoje chegamos atrasadas na escola, estava batendo o sinal.
Saímos correndo porque se a professora entrar na classe a gente não pode
entrar mais. Subimos aquelas escadas que parecíamos dois foguetes. No
intervalo eu estava nervosa e não saí da classe. A Dani até ficou olhando pela
porta para ver se via ele, mas não achou.
É muito difícil dizer que não quer namorar.
Então a professora da próxima aula entrou e nós assistimos. Quando
tocou o sinal do recreio o meu coração quase saiu pela boca. Fomos para o
pátio e nos sentamos no banco para tomarmos o lanche. Eu olhava para um
lado, olhava para o outro e nada de ver o Alexandre. A Dani também não o via.
No fim achamos que ele tinha faltado. Quando estávamos voltando para a
classe damos de cara com ele. Ele falou que tinha me procurado e não tinha
me achado, e que pensou que eu tinha faltado. Falei que pensei a mesma coisa.
Nesse instante a Dani me dá um baita beliscão no braço que eu dou
um pulo e um grito de susto e de dor. Ela sai correndo para a classe, pois a
professora já estava entrando e eu saio correndo atrás.
Fiquei brava pelo beliscão e perguntei por que ela havia feito isso. Ela
falou que do jeito que eu falei parecia que eu ia aceitar o namoro. E que eu não
deveria dar falsas esperanças para o menino. Fiquei desesperada! No próximo
intervalo não quis sair da classe.
Depois da última aula, não tinha jeito, eu teria que falar com ele.
Arrumei minhas coisas e fiquei na porta esperando a Dani. Assim que
ela chegou começamos a descer a escadaria do colégio. Ela viu o Alexandre
encostado numa das colunas que tem no pátio e ele estava olhando para a
escada. A cada degrau que eu descia me sentia mais e mais nervosa porque teria
que dizer não a ele. Eu havia ensaiado todos estes dias como falaria para ele,
mas mesmo assim estava muito nervosa.
E você sabe o que foi que aconteceu? Pois é, cai da escada. Me
estatelei lá embaixo. Não foram muitos degraus, foram só quatro, mas eu levei um
susto enorme e ainda por cima fiquei com uma vergonha imensa.
O Alexandre virou para o lado e fingiu que não viu, mas a cara dele era de
quem queria dar risada. Fiquei muito triste e envergonhada. Senti até vontade de
chorar. Ele então chega perto de mim e pergunta se estou bem. Faço de contas que
não entendi e falo tão depressa que nem dá tempo de respirar:
- Olha Alexandre, eu estou indo mal na escola e vou primeiro estudar
para melhorar minhas notas. Quem sabe o ano que vem.
Nem esperei ele responder nada, já sai andando e fui me encontrar com
a Dani que estava logo na frente.
Eu não conseguia firmar o pé direito no chão porque o joelho estava
todo ferido.
Nunca tinha passado tanta vergonha.
Por causa do tombo, não falei nada do que tinha ensaiado. Agora
paciência! Pelo menos ele já sabe que não vou namorar com ele.
Segunda-feira, 18 de junho de 1990
Esse Alexandre é um mulherengo. Você acredita que ele esta
namorando a Karen? Pois é, eles estão namorando. No recreio ele passou de
mãos dadas com ela e quando chegou na minha frente, se beijaram e depois
foram andando pro outro lado.
A Dani acha que mesmo que eu tivesse aceitado, depois do tombo,
ele é que não ia querer. Aí então que fiquei mais chateada ainda.
Puxa vida, ele não esperou passar nem um tempinho. Eu disse não
na sexta e na segunda ele já começa a namorar outra! Realmente ele não
gostava de mim! Deixa ele pra lá, também não vou ficar preocupada.
Ah! Agora vou escrever uma carta pra Edeli contando que não estou
mais morando em Biritiba-Mirim e que nestas férias não vai dar pra ela vir
passar uns dias comigo, como ela tinha dito, porque aqui na casa da minha tia
não cabe mais ninguém.
Segunda-feira, 25 de junho de 1990
Minha mãe acha que meu tio não está muito satisfeito da gente
estar morando aqui na casa dele. Ele vive de cara fechada.
Agora a minha tia também está diferente e fica com umas
conversas de que a vida está dura, que ela está sem liberdade para
conversar assuntos de família, e outras coisas.
Minha mãe disse que vai começar a procurar um emprego e
assim que ela conseguir a gente muda pra uma casinha só nossa.
Sexta-feira, 03 de agosto de 1990
Estou de mudança da casa da minha tia.
Minha mãe arranjou um emprego de doméstica na casa de uma
senhora lá em Mogi das Cruzes.
A minha tia está chorando na sala. Coitada ela está triste porque a
gente vai embora. Eu também estou triste porque agora vamos morar nesta
outra casa. Não sei não se vai ser legal. Eu sei que pelo menos a mãe vai ganhar
um pouco mais de dinheiro, porque meu pai praticamente sumiu. Quase não
vem me ver e quando vem fica reclamando que está sem dinheiro, que as coisas
estão muito difíceis.
Minha mãe não quer mais nem ouvir falar no nome dele. Eu fico triste
com isso e às vezes sinto saudades dele, mas logo passa.
Vou mudar de colégio de novo. Que pena que não vou ver mais os
olhos azuis do Fernando. E saber que eu nunca falei com ele. Agora morando
em outra cidade é que eu não vou falar mais mesmo.
Daqui 14 dias é meu aniversário. Vou fazer 15 anos.
Tomara que dê pra comemorar lá em Mogi.
Agora vou lá pra sala me despedir dos meus tios e das minhas
primas.
Segunda-feira, 06 de agosto de 1990
Já estamos aqui em Mogi na casa do Sr. Alberto e da Dona Iracema.
Eu e minha mãe estamos morando numa casinha bem pequenina
aqui no fundo da casa deles. Eles são legais. São duas pessoas de bastante
idade e minha mãe fica trabalhando principalmente na cozinha.
Eles têm quatro filhas, mas nenhuma mora aqui com eles.
Minha mãe conseguiu este emprego que é para ajudar Dona
Iracema no serviço da casa e ao mesmo tempo, ter alguém para tomar conta
dos dois velhinhos. Eu acho que vai ser bom.
No sábado, quando estávamos vindo para cá, minha mãe passou
numa sapataria e me comprou um sapato com saltinho de presente de
aniversário. Ela disse que vou fazer 15 anos e nesta idade já dá para ter um
sapato alto.
Pena que na sapataria não tinha o meu número, mas como eu
queria muito esse sapato fiquei com ele que é um número menor. Os meus
dedos ficam todos espremidos, mas não tem importância, o legal é que
agora eu tenho um sapato de salto alto. Não vejo a hora de sair para poder
usar.
Também comecei na escola aqui do bairro. Parece que vai ser bom.
Logo que cheguei já fiz amizade com a Beth. Ela parece ser bem legal
Sexta-feira, 17 de agosto de 1990
Hoje é meu aniversário. Não teve bolinho nem nada. Só ficamos eu e a
mãe. Nem o meu pai veio me ver. Bom, acho até que ele nem sabe onde estamos
morando agora.
Queria tanto ir para algum lugar só para poder usar meu sapato de
salto alto!
Tomara que meu pé demore a crescer. Quando coloco o sapato me
sinto importante. Ando toda empinada. Parece mágica, mas piso mais suave no
chão, ando com a cabeça erguida e a coluna reta. Fico mesmo, muito elegante.
Terça-feira, 04 de setembro de 1990
A nossa vida não está nada fácil. A minha mãe está trabalhando
demais e eu tenho que ajudá-la. Nos primeiros dias, minha mãe foi muito
prestativa e teve muita consideração com os velhinhos, só que agora Da.
Iracema não pega nem um fiapo do chão. Tudo ela pede pra minha mãe ou
pra mim. Não temos tempo livre para nada. Como moramos aqui,
trabalhamos de domingo a domingo, sem folga.
É só minha mãe vir aqui pro quarto pra Da. Iracema inventar
alguma coisa pra ela fazer. Até a novela da Manchete, o Pantanal, a gente
não consegue mais assistir, pois um dia ela quer um chá, no outro ela quer
sopa, ela quer uma determinada blusa que está para passar e assim vai
inventando moda, e minha mãe fica pra lá e pra cá às voltas com a Da.
Iracema.
O meu pai sumiu no mundo e nunca mais deu nem notícias e nem
dinheiro. Esta semana a minha mãe vai receber seu primeiro salário, vamos
ver se dá pra gente pelo menos tomar um sorvete.
Sábado, 10 de novembro de 1990
Estou exausta. Não tenho tido tempo nem pra te escrever. A vida aqui
está muito dura.
Todo final de semana os filhos da Dª Iracema vêm pra cá e é uma
bagunça danada.
A Dª Iracema tem uma neta que é quase da minha idade, só que eles
não deixam ela conversar comigo. Eles dizem que lugar de empregada é na
cozinha e de patrão é na sala. Eu só posso entrar na sala para arrumar ou
desarrumar a mesa, ou de dia para limpar a sala, no mais eu não posso nem
olhar pela fresta da porta. Quando eles querem chamar a minha mãe, eles
tocam uma sinetinha e ela sai correndo.
Nós só podemos comer depois que todos comem. Às vezes nem sobra
as misturas que minha mãe faz, e então comemos só arroz com feijão.
Outro dia minha mãe escondeu dois bifes dentro do forno que era pra nós duas
comermos. Pois não sei como, a Da. Iracema percebeu e deu a maior bronca na
minha mãe, dizendo que ela está aqui para fazer a comida e não para comer.
Que se continuar assim ela vai cobrar pelo nosso almoço. Se pagarmos,
poderemos comer a vontade.
Minha mãe fica quieta, não responde nada. Ela diz que vai guardar
dinheiro pra gente ir embora daqui. Toda vez que Da. Iracema ou suas filhas
falam alguma coisa que magoa a minha mãe, ela pensa: “logo, logo iremos
embora daqui. Quero ver se vão conseguir outras tontas para ficar no nosso
lugar”.
De noite fico lembrando com saudades da nossa vida antiga. Como era
bom. Eu podia ficar no meu quarto, podia brincar no quintal, na casa das minhas
primas... E agora aqui só tenho um pouco de sossego quando vou para a escola.
Ah! E você acredita que a Da. Iracema não queria que eu fosse mais
para a escola! É! Mas minha mãe, quando ela falou isso, tirou o avental da cintura
e falou:
- Vou para o meu quarto arrumar minhas malas, porque se minha filha
não pode estudar morando aqui, eu vou trabalhar num lugar em que ela possa.
Aí Da. Iracema disse que minha mãe era muito nervosinha e que então
eu poderia ir, mas que teria que fazer as lições de noite, porque de tarde eu teria
que ajudar no serviço da casa, afinal eu também durmo e como na casa dela.
Essa velha é mesmo canguinha.
Domingo, 23 de dezembro de 1990
Estou aqui no meu quarto chorando muito. Acho que não vou mais
aguentar esta vida. Minha mãe está lá na cozinha fazendo um montão de
comidas para o Natal. Eu estava lá até agora descascando batata, desfiando
frango, picando cebola e mais um montão de coisas.
Nós vamos ter que passar o Natal aqui porque essa velha não
dispensou minha mãe. Ela disse que toda a família dela vem para cá e que ela
não pode ficar sem minha mãe.
Minha mãe disse que tudo bem, mas que no dia 25 de dezembro ela vai
para a casa da minha tia.
A velha quase teve uma síncope, mas minha mãe disse que disso ela
não abriria mão.
Eu vim aqui um pouquinho, chorar porque estou muito triste de ser tão
mal tratada, mas tenho que voltar logo para não aborrecer ainda mais a minha
mãe. O que nos faz aguentar toda esta exploração é que, tão logo tenhamos uma
reserva de dinheiro, vamos sumir deste lugar.
Domingo, 05 de fevereiro de 1995
Meu querido amigo! Meu Diário.
Há quanto tempo não nos vemos!!!
Muitas coisas mudaram nesses 5 anos.
Agora estou estudando e morando em São Paulo. Estou cursando
Direito no Largo São Francisco. Estou no segundo ano e trabalho num
escritório de advocacia como secretária, mas logo, logo serei estagiária.
Minha mãe está morando na casa da tia Cleonice que ficou muito
abalada emocionalmente com a morte do meu tio. Ele morreu num acidente
de trânsito seis meses depois que nos mudamos da casa deles, e minha tia
ficou desesperada. Minha mãe resolveu então mudar-se novamente para
Guararema.
Minhas primas também estão bem, cada uma seguindo seu
caminho. A Dani está fazendo veterinária em São Carlos e a Rose, está
terminando o Colegial.
Mas sabe por que estou aqui te escrevendo depois de tanto tempo?
É que na semana que vem vou ao casamento da minha sempre e
muito querida amiga Edeli. Ela vai se casar com um rapaz de Ouro Preto, cidade
para onde o pai dela foi transferido.
Quando ela me convidou, pediu para que eu chegasse uns dois dias
antes e que levasse o meu diário, assim ela o leria enquanto eu leria o dela.
Achei a idéia maravilhosa, e vim te procurar.
Tudo bem que fiquei um tempão sem escrever, mas o tempo mais
complicado da minha vida, eu contei com o apoio e solidariedade do meu
“querido diário”.
Como estou de férias tanto da Faculdade quanto do emprego, vou
para Ouro Preto na terça-feira.
Quarta-feira, 08 de fevereiro de 1995
Estou aqui na casa da Edeli, ao lado dela, que também está
escrevendo no seu diário.
Passamos o dia de hoje inteiro lendo e comentando tudo que nos
aconteceu nesse tempo em que ficamos afastadas e que está registrado no
diário. Está sendo maravilhoso!
Quanta coisa que até eu havia esquecido e que ao reler me
transportei para aquele tempo. Quantas coisas eu deixaria de contar pra Edeli
se não tivesse registrado tudo aqui.
O mesmo aconteceu com ela.
Demos muita risada, choramos, ficamos tristes, saudosas, aflitas e
tantas outras sensações que os registros das páginas dos dois diários nos
proporcionaram.
Pudemos comprovar que mesmo estando distantes, nós duas, ainda
assim agíamos em determinados momentos, de forma parecida.
Estamos escrevendo agora estes sentimentos e estamos muito
emocionadas.
Vou continuar a escrever tudo que me acontecer daqui para
frente.
Não deixarei mais que a correria do dia-a-dia me impeça de o
fazer.
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O Diário de Juliana: memórias de uma época proibida

  • 1. O Diário De Juliana O retorno a uma época onde tudo era proibido Cybele Meyer
  • 2. MEYER, Cybele O Diário de Juliana/Cybele Meyer Esta obra é uma iniciativa sem fins lucrativos licenciada em creative commons. 2012 Indaiatuba - São Paulo
  • 4. Sobre o livro O Diário de Juliana irá conduzir o leitor a uma viagem pelo tempo relembrando algumas situações corriqueiras e outras relevantes que, com certeza, estão guardadas na memória daqueles que nasceram há mais de quarenta anos. Para os leitores que nasceram depois desta época terão a oportunidade de embarcar nesta viagem conhecendo um pouco do cotidiano de Juliana e sua família através dos seus preciosos registros eternizando ações, costumes e vocabulários. O livro resgata hábitos e situações comuns vividas pelas pessoas nascidas nas décadas de 70/80 e que são relatadas de forma descontraída e bem humorada nos episódios registrados por Juliana em seu Diário. Este livro, por ter o formato de um Diário e conter textos curtos e de linguagem simples é sugerido para novos leitores e alunos da EJA. É sabido que este público sofre por ter acesso a materiais infantilizados criados para as primeiras leituras dos alunos das séries iniciais. Assim sendo, há a preocupação em oportunizar a este público ingressar, de forma prazerosa, no mundo da literatura. Com a leitura do Diário de Juliana é bem provável que o leitor se sinta estimulado a iniciar suas anotações diárias deixando registrada a riqueza da sua existência. Boa leitura!
  • 5. Com a palavra: Juliana Queria muito ter uma grande amiga, mas uma amigona, daquela que sabe escutar quando a gente está brava com alguém ou com alguma coisa, que sabe dar um abraço bem forte e tem sempre uma palavra animadora para as horas tristes. Uma amiga que ri junto quando estamos alegres, e que chora como se sentisse a mesma dor. Enfim, uma amiga capaz de guardar o maior dos segredos, e que não nos abandona nunca, aconteça o que acontecer. Estou assim sentimental porque hoje é meu aniversário, e no dia do nosso aniversário a gente sempre fica emotiva, assim diz minha mãe. Foi por esta razão que quando ela perguntou o que eu queria ganhar de presente, escolhi você. Você será o meu melhor amigo. Para você eu vou poder contar tudo que me acontecer e tudo o que eu estiver sentindo, assim como estou fazendo agora. Sei que você não vai me abandonar nunca, como fez a Edeli, que sempre foi minha melhor amiga, e que teve que mudar de cidade porque seu pai foi transferido de Biritiba-Mirim em São Paulo, para Ouro Preto em Minas Gerais.
  • 6. Você vai dormir todos os dias aqui no meu quarto, escondidinho, para ninguém te encontrar, e de noite vou te contar as novidades. Estou muito feliz por você estar aqui comigo. Você é o meu primeiro Diário e hoje é dia 17 de agosto de 1989, quinta-feira, dia em que estou completando 14 anos.
  • 7. Sexta-feira, 18 de agosto de 1989 Querido Diário! Sempre quis escrever “Querido Diário”. Estou me sentindo muito importante! Sabe que pensei em você o dia inteiro? Não via a hora de chegar a noite para te contar as novidades. Estou tão empolgada com a sua presença que tudo que acontecia durante o dia eu pensava: “Quando for me deitar vou escrever tudinho”. Mas você acredita que agora não me lembro da maioria das coisas! Acho que é porque fiquei tão entusiasmada que acabei me atrapalhando. Também tem outra coisa, depois que a Edeli mudou da cidade fiquei sem ter ninguém para ouvir as minhas histórias. Quando vou contar alguma coisa para minha mãe ela diz: - Juliana, fique um pouco quieta, assim você me deixa zonza. Outras vezes diz: - Agora não Juliana, estou atrasada, quando eu voltar você me conta.
  • 8. Quando ela volta nem ela e nem eu lembramos do que era para contar. Mas agora tenho você! Vou então lhe contar uma coisa engraçada que aconteceu comigo há oito anos, quando eu tinha seis anos. Chegou o circo na cidade e mamãe me levou para assistir. Eu adorei tudo que aconteceu lá: os malabaristas, o equilibrista, os palhaços que eram muito atrapalhados e também o mágico. Tinha até o globo da morte. Dava nervoso de ver. E o barulho então! Era de deixar a gente surda. Mas o que eu adorei de paixão foram os trapezistas. Eu fiquei tão encantada com eles que resolvi, naquele momento, que seria trapezista quando crescesse. No dia seguinte, acordei bem cedinho e fui para o quintal de casa onde tem um abacateiro no fundo e comecei o meu treinamento para me tornar uma trapezista. Subi num galho que não era muito grosso e com muito cuidado me sentei nele. Em seguida, mantendo firme minhas mãos no galho, me coloquei de cabeça para baixo deixando as pernas dobradas no galho como se fosse o bastão do trapézio. Quando me senti segura soltei as mãos e fiquei ali com as pernas dobradas no galho do abacateiro e o resto do corpo pendurado de cabeça para baixo. Tentei balançar o corpo, mas era um
  • 9. pouco difícil, pois o galho, por ser áspero, machucava as minhas pernas. Estava me sentindo a maior de todas as trapezistas, e era engraçado ver as coisas no quintal de baixo para cima. Já imaginava todo mundo me aplaudindo. No primeiro momento fiquei muito empolgada, porém depois o pavor tomou conta de mim porque eu não conseguia mais alcançar a minha mão no galho para voltar a minha posição normal. Desesperada, comecei a gritar pela minha mãe, mas ela estava dentro de casa com o rádio ligado bem alto e não me ouvia. Gritei, gritei muito e ela nada de me ouvir. O sangue estava todo na minha cabeça e ela já começava a latejar. Eu não estava mais aguentando ficar naquela posição. Foi quando a minha vizinha debruçou no muro para saber qual o motivo da minha gritaria e viu a situação em que eu me encontrava. Saiu correndo como uma louca, nem tocou a campainha, e já foi entrando pela minha casa gritando para que minha mãe viesse ao meu socorro. Quando as duas chegaram perto de mim as minhas pernas se
  • 10. soltaram e eu cai nos braços da minha mãe. Eu estava roxa de medo e de ter todo o sangue do meu corpo acumulado na minha cabeça. Daquele dia em diante decidi que não queria mais ser trapezista.
  • 11. Domingo, 20 de agosto de 1989 Quando não tenho para onde ir eu acho o final de semana muito chato. Nada de interessante acontece. Até acordar cedo para ir à escola é melhor do que ficar em casa no domingo. Não converso com minhas colegas, não falo bobeiras, não dou risadas das besteiras dos outros... É uma chatice só! Não aconteceu nada de interessante, mas se minha vida continuar assim, este Diário vai ser muito chato de se ler. Então vou lhe contar outro caso. Há dois anos, quando ainda tinha doze anos, eu e minha melhor amiga Edeli resolvemos enganar o nosso professor de História que era muito, muito bravo. Eu e ela éramos muito magricelas e por isso combinamos de entrar no armário que ficava na parede ao lado da lousa. Como a nossa escola é uma casa antiga, o armário é daquele bem grande, embutido na parede com prateleiras de madeira. A Edeli deitou na prateleira de cima e eu na de baixo. Pegamos um chaveiro de
  • 12. gaita que tocava de verdade e o levamos conosco. O resto da classe vibrou com a idéia. Fecharam o armário e ficamos lá dentro à espera do professor Horácio. Ele entrou, fez a chamada e começou a dar a aula. Passado uns cinco minutos eu assopro a gaitinha de um lado para o outro produzindo um som parecido com esse “piriri-póróró”. O professor interrompe a aula e pergunta com voz de bravo: - Quem tocou a gaita? Todo mundo responde: “eu não... eu não.... eu não...”. Ele então continua a aula. Eu passo a gaita pelo vão da prateleira para a Edeli e novamente o barulho: “piriri-póróró”. O professor dá um tapa na mesa e pergunta entre os dentes: - Quem é que está fazendo esta brincadeira? Novamente a turma responde a mesma coisa: “eu não... eu não.... eu não...”. Um aluno no fundo diz: - Acho que é lá fora, pois o som está tão longe! Comenta com ironia. O professor Horácio, meio cabreiro, prossegue com a aula. Eu e a Edeli ríamos muito dentro do armário, só que bem baixinho para ele não
  • 13. escutar. Até que num determinado momento a Edeli fala: - Ju, acho que eu escutei um barulho de barata. Quando ela terminou de falar a palavra “barata” eu já estava fora do armário sentada no chão no meio da classe. Eu tenho verdadeiro pavor de barata! Escancarei a porta do armário e pulei para fora numa rapidez imensa. Quando olho para dentro do armário, a Edeli está deitadinha na prateleira de cima, sem entender ainda que eu já havia saído de lá, que a porta estava escancarada e que todo mundo a estava vendo ali deitada. Olho então para o professor que está com uma cara de susto muito engraçada, mas em seguida vejo suas sobrancelhas se unirem num olhar fuzilante. A classe desaba em gargalhadas e eu sem jeito me levanto do chão ao mesmo tempo em que a Edeli sai de dentro do armário. Resultado: eu e ela fomos para a Diretoria e como repreensão tivemos que, durante uma semana, no nosso horário de Recreio, arrumar
  • 14. todos os armários, de todas as classes, da escola inteira. Afinal, disse a Diretora, pra quem gosta tanto de armário isso não é nem castigo, é presente.
  • 15. Segunda-feira, 21 de agosto de 1989 Que droga! Que droga! Que droga! Você acredita que o Felipe, o menino da 8ªA que eu estava paquerando, está de namoro com a desengonçada da Regina que é da classe dele. Que droga! Como vou poder competir com ela? Eles estudam na mesma classe e eu, se quiser vê-lo, tenho que esperar o Recreio. Assim não dá! É injusto!! Acho que hoje não foi mesmo o meu dia de sorte porque acordei às 5 horas da manhã com uma dor muito engraçada na barriga. Era uma dor, nem muito forte nem muito fraca, mas que me incomodava bastante e não me deixava dormir. Como ela não passava chamei minha mãe e ela disse que logo, logo vou ficar mocinha. Na hora fiquei muito feliz, pois na escola a maioria das minhas colegas já ficou e quando eu digo que ainda não, elas ficam me chamando de nenezinha. Quero ficar mocinha logo, assim meus peitos vão começar a
  • 16. crescer e eu vou ficar bem linda, toda peituda. Aposto que quando ficar peituda o Felipe vai preferir me paquerar e vai deixar aquela “sem sal” de lado. O pior é que a dor não passava e nada de eu ficar mocinha, até que minha mãe me deu um remedinho mágico e a dor foi embora. Quero muito ficar mocinha, mas dor não quero não!
  • 17. Sexta-feira, 25 de agosto de 1989 Que saudades, meu amigo. Não deu pra falar com você estes dias porque estou em semana de provas. Não dá tempo de fazer nada. Tenho que estudar, estudar e estudar. Isso porque estou precisando de nota em quase todas as matérias. Não sei o que acontece com a minha cabeça que na hora da prova não se lembra nunca do que estudei. Acho que tenho algum parafuso a menos como diz minha mãe. Quando estou estudando acho tudo muito fácil, depois quando chega na prova, não consigo me lembrar de nada. O pior é que desta vez ela falou que irá mostrar meu boletim para o meu pai. Não sei por que fico tão preocupada quando ela fala isso, pois desde o começo do ano ele nunca pediu para ver o meu boletim. Acho que ele nem se lembra que existe um. Agora minha mãe vem me ameaçar e eu fico com medo. É muito engraçado! Não entendo por que estou com medo. Deveria ter medo dela
  • 18. que está sempre pegando no meu pé e inventando castigos absurdos para me dar. Ela não deixa passar uma oportunidade. Uma vez fiquei uma semana, foi isso mesmo que você ouviu, uma semana sem colocar o nariz para fora de casa. Eu tinha uns 9 anos e estava de férias da escola. Então mamãe me deixou chamar a Edeli, que já era minha melhor amiga, para vir brincar aqui em casa. A minha casa é daquela do tipo bem antiga que ainda tem porão. Ele é bem grande e ocupa toda a parte de baixo da casa. Eu sempre tive medo de entrar no porão, pois sempre escutava uns barulhos estranhos lá. Mas naquele dia eu estava um pouco mais corajosa porque estava com a Edeli, e o meu cachorro Barney, um perdigueiro que morreu atropelado no ano passado. Então tivemos a idéia de entrar no porão: eu, a Edeli e o Barney para caçarmos fantasmas. Lá dentro era uma escuridão só. A gente não via nada. De repente
  • 19. o Barney sai correndo lá pro fundo do porão e nós duas ficamos apavoradas achando que o fantasma tinha levado o Barney para o além. O medo era tão grande que ficamos paralisadas sem conseguir nem respirar. Dali alguns segundos vemos o Barney voltando. Ficamos felizes e saímos correndo do porão. Já do lado de fora, olhamos para o Barney e vimos que ele estava com um rato enorme na boca. Levei um susto e dei um tapa na cabeça dele. Ele, que também se assustou, largou o ratão no chão. Ele já estava morto. Então tive uma idéia maravilhosa: - Edeli, vamos construir um cemitério de ratos. - Boa idéia! Disse ela toda feliz. Com a pá de lixo pegamos o rato e o levamos para o jardim. Lá fizemos um buraco e o enterramos. Fizemos uma linda cruz com galhinhos de árvore e voltamos para o porão, junto com o Barney, para caçar mais ratos.
  • 20. Fizemos isso a tarde inteira. No final do dia, quando a mãe da Edeli veio buscá-la, fomos lhe mostrar, assim como para a minha mãe, o nosso cemitério. Tinham 32 cruzes. A mãe da Edeli, com cara de nojo, a pegou pelo braço e saiu sem nem ao menos se despedir. Minha mãe, com a cara de que nem eu sabia do que, me pegou pela orelha de um jeito tão forte que eu entrei em casa andando nas pontas dos pés tentando aliviar a dor. O que eu não sei é se toda aquela braveza foi por ter brincado com os ratos ou se foi por ter estragado todo o jardim com a construção do cemitério. O que eu sei é que este foi o motivo pelo qual fiquei uma semana sem sair de dentro de casa. Nem no quintal eu podia ir. Mas toda vez que mamãe se descuidava eu corria para a janela só para ver o cemitério, tão lindo, cheio de cruzes maravilhosas!
  • 21. Quarta-feira, 30 de agosto de 1989 São nove horas da noite e eu estou aqui no meu quarto de castigo. Tudo por causa de uma brincadeira boba que eu fiz com a mamãe. Ela está furiosa comigo. Está aqui em casa o chefe do trabalho do meu pai. Ele e a mulher vieram jantar. De vez em quando o meu pai os convida. Minha mãe se emperiquita toda, pois diz que a Sônia, a mulher do chefe, é muito estilosa. Quando vai conversar com ela, mamãe faz caretas com a boca. Acho que ela pensa que isso é chique. Depois que eu falei que ela fica muito esquisita quando faz essas caretas, ela não me deixa mais ficar na sala junto com eles. Fiquei então no quintal, perto da porta da cozinha, brincando com um pedaço de pau que achei no chão. De repente a luz se apaga. Fica uma escuridão que não dá para enxergar nada. Eu entro na cozinha e fico ali, perto da porta,
  • 22. quando escuto minha mãe entrando na cozinha para procurar uma vela. Ela começa a procurar no armário, nas gavetas e nada de achar. Quando está agachada procurando na prateleira do armário da pia, eu, querendo somente fazer uma brincadeira, encosto o pedaço de pau nas costas dela e falo imitando voz grossa: - Isso é um assalto! Minha mãe com o susto levanta rapidamente e bate com a cabeça na pedra da pia, e em seguida desata a gritar, a sapatear no mesmo lugar e a falar tanto palavrão, mas tanto palavrão que nem me escutava dizer que era brincadeira. Nisso a luz volta e quando a gente olha para a porta da copa, lá estão parados com cara de assustados, o meu pai, o Sr. Wilson e a Sônia. Eu também estava muito assustada, pois não imaginava que minha mãe iria agir desta forma, e muito menos que ela conhecia tanto
  • 23. palavrão. Tinham alguns que eu nunca tinha escutado. O meu pai então pergunta: - O que aconteceu Noeli? Por que este escândalo? Que falta de compostura! Eu então cometo a insensatez de perguntar: - Mãe o que é compostura? Ela me fuzilando com o olhar diz entre os dentes que é para eu vir para o quarto imediatamente. E aqui estou eu, com fome e chateada por minha mãe não aceitar brincadeiras. Quando ela estiver mais calma vou perguntar com quem ela aprendeu aquele monte de palavrões.
  • 24. Domingo, 03 de setembro de 1989 Como eu já te contei, o meu cachorro Barney morreu atropelado o ano passado. Eu chorei muito, pois ele era como um irmão para mim. Depois que ele morreu, mamãe me proibiu de pedir outro bichinho. Ela diz que “a gente se apega e depois eles morrem e a gente sofre muito”. Eu fiquei muito triste com esta decisão porque adoro bichos. Estou te falando isso porque ontem, sábado, fomos para Mogi das Cruzes, a cidade vizinha, jantar numa pizzaria. Aqui em Biritiba-Mirim só tem uma pizzaria e é muito ruim. A massa parece borracha. Você mastiga, mastiga, mastiga e nunca tem coragem de engolir. Quando engole, fica com ela entalada na garganta e pensa que vai morrer sufocada. Depois você sente a pizza descendo, descendo até cair como um tijolo no estômago. Então papai resolveu nos levar numa pizzaria de verdade, afinal sábado é dia de pizza! E todo mundo come mesmo pizza no sábado, pois
  • 25. lá estava um tumulto só. Tivemos que pegar senha e ficar lá fora esperando desocupar uma mesa. Enquanto estávamos ali, apareceu, não sei de onde, um gatinho lindo, desses vira-latas. Começou a se roçar nas minhas pernas e eu me abaixei e fiquei brincando com ele. No começo minha mãe ficou brava dizendo que ele poderia ter doença, mas ele era tão lindinho que ela acabou consentindo. Brinquei com ele até o moço chamar o nosso número. Eu queria levar ele para dentro, mas ninguém deixou. Então pensei: “se quando eu sair da pizzaria ele ainda estiver aqui, vou levá-lo para casa”. Dito e feito, assim que saímos, ele veio correndo na minha direção. Pedi para mamãe se podia ficar com ele, mas ela disse que não. Comecei então a chorar e a dizer que não conseguiria dormir sabendo que ele estaria ali sozinho, sem ninguém. Até que papai concordou em levá-lo e disse que poderia ficar com ele somente por esta noite e que no dia seguinte teria que arranjar um lugar para ele. Concordei rapidamente, afinal amanhã seria outro dia,
  • 26. e então veria o que fazer. Ao chegarmos em casa corri para os meus guardados e, emendando várias tiras de pano fiz uma coleira bem comprida para colocar nele. Papai disse que não era uma boa ideia, pois gatos não gostam de ficar presos, mas argumentei dizendo que tinha medo que ele fugisse. No fundo, papai sempre faz as minhas vontades. Minha mãe, como estava brava por eu ter trazido o gato para casa, já tinha ido dormir. Assim que papai também foi, eu amarrei uma ponta da corrente de pano no pescoço do gato e a outra na maçaneta da porta e fui para o meu quarto dormir deixando o gato preso na cozinha. Hoje de manhã acordo com os berros da minha mãe me chamando: - JULIANAAAAA, VENHA JÁ AQUI. Assustada, fui correndo e quando chego na porta da cozinha, quase vomito com o fedor que vinha de lá. Você acredita que o gato, deve ter ficado nervoso por se sentir
  • 27. preso e fez cocô pela cozinha inteira! Depois de ter arrebentado a coleira de pano ele ficou andando pela cozinha arrastando o pedaço de pano que sobrou no pescoço sujando de bosta a cozinha inteira. Por onde ele subia embostiava tudo. Tinha cocô na pia, na geladeira, no fogão, mesa, paredes, janelas. Estava tudo imundo, e o cheiro? De embrulhar o estômago. Tive que ajudar a limpar toda aquela porcaria. Minha mãe nem precisou me mandar soltar o gato, eu mesma levei ele para a rua. Cruz credo, que dia!
  • 28. Quarta-feira, 06 de setembro de 1989 Estou muito feliz! Amanhã vou viajar para a praia de Bertioga com meus tios. Estou tão eufórica que nem consigo caber dentro de mim. Faz tanto tempo que não viajo! Minha tia Cleonice vai passar aqui daqui a pouco para me pegar e eu ainda tenho que acabar de arrumar minhas coisas. É que amanhã é feriado e a minha escola emendou, então não terei aula na sexta-feira. Que delícia! Vou ficar fora até domingo. Vou poder conversar bastante com minhas primas Dani e Rose. Dani tem a minha idade e Rose tem 10 anos. A tia Cleonice é irmã da minha mãe e ela mora numa cidade bem perto da minha chamada Guararema. Ela já deve ter saído e deve estar chegando para me buscar. Não posso falar mais com você senão irei me atrasar. Você se cuida que quando eu chegar te conto todas as novidades. Beijocas.
  • 29. Segunda-feira, 11 de setembro de 1989 Estou no céu e no inferno. No céu, porque estes dias que estive na praia foram os melhores da minha vida, e no inferno porque mesmo muito cansada tive que ir para a escola, e como não havia feito a lição que a professora de Português havia passado para o feriado, que na verdade eu nem me lembrei dela, me deu “um ponto negativo” na média geral. Para quem já está precisando de nota isso é a mesma coisa que ser jogada no fogo do inferno. Mas deixa eu te contar o que eu fiz na praia. Eu e a Dani resolvemos pegar um ônibus para passear pela avenida da praia. Eu e minha prima nunca havíamos passeado de ônibus. Eu entrei primeiro e logo atrás de mim entrou a Dani. A gente se sentou no banco que só dá lugar para duas pessoas. Eu como entrei primeiro fiquei na janelinha. Deixamos passar um pouco de tempo e decidimos passar na roleta. É muito legal! É dura que só! O moço que cobra a passagem é que teve que me ajudar porque sozinha não ia conseguir. Passamos na roleta e resolvemos descer para não irmos muito
  • 30. longe, só que o motorista nada de parar. Eu falava pra Dani bem alto: - É melhor a gente descer aqui. E a Dani respondia: - É sim, vamos descer aqui. E nada do motorista parar. Nós começamos a ficar com medo achando que nunca mais iríamos sair daquele ônibus. Na verdade só tinha eu, a Dani e mais duas velhinhas no ônibus, mais ninguém. Também ninguém subia. E a gente falando e falando que queríamos descer. Até que a Dani se enfezou e foi falar com o motorista: - Seu moço, a gente quer descer, o senhor não vai parar esse ônibus? Ele então falou: - E vocês puxaram a cordinha? - Que cordinha? Perguntou a Dani. - Essa que fica logo ali acima das janelas. Você tem que puxar a cordinha que aí toca uma campainha. É assim que eu sei que o passageiro quer descer. Ou vocês acham que eu sou adivinho para saber o lugar que cada um quer descer? Eu então me estiquei toda e puxei a cordinha e realmente tocou como se fosse uma sinetinha.
  • 31. O motorista ainda bravo falou: - Vocês vieram de onde? Da Lua? Assim que ele parou o ônibus, nós duas descemos e desatamos a rir, mas nós riamos tanto, mas tanto que deu até vontade de fazer xixi. Saímos correndo pela avenida da praia para chegarmos logo, pois estávamos voltando a pé para casa. Andamos muito. Por causa desta história toda, fomos parar muito longe do lugar onde estávamos hospedadas. Foi muito divertido!
  • 32. Terça-feira, 12 de setembro de 1989 Ah! Praia! Mar! Areia! Isso é que é viver... Que saudades que eu estou da praia. De ficar fazendo castelo na areia, de enterrar o pé na beirinha aonde a marola vai e vem e o pé da gente vai ficando cada vez mais enterrado. Meus tios são muito bacanas. Eles são animados gostam de cantar e de passear. Nem de noite a gente ficava em casa. Até ganhei uma roupa nova. Um shorts. Eu não tinha nenhum e agora ganhei este que é muito lindo. A minha mãe não gostou muito quando eu mostrei. Ela disse que aqui na cidade as pessoas não estão acostumadas a usar shorts. Minha tia Cleonice falou que a mamãe é muito quadrada. Eu também acho.
  • 33. Sábado, 16 de setembro de 1989 Estou com a barriga doendo de tanto rir. Não consigo parar de rir. Toda vez que eu me lembro da cena, caio na risada. Foi muito, muito, muito engraçada. Eu vou te contar como aconteceu. Construíram um supermercado super chique aqui na minha cidade. Todo mundo só sabia falar desse supermercado que estava sendo construído. É que aqui em Biritiba-Mirim só tem a venda do Sr. Ernesto, a mercearia do Seu Cacildo, a quitanda da dona Maricota, o bar do Baixinho, o açougue do Seu Porquinho e a padaria Flor-de-lis do Sr. Amadeu. Agora vamos ter um supermercado desses bem grandes que vende de tudo. Dizem que lá dentro vai ter um lugar só pra quitanda, outro pro açougue, pra mercearia e até padaria. Eu só não sei se também vai ter o bar. Estava todo mundo na maior expectativa para acabarem logo de construir pra gente poder passear no supermercado. Hoje de manhã bem cedo ouvimos um barulhão de fogos e
  • 34. artifícios. Corremos para ver o que estava acontecendo e as vizinhas já vieram falar que era a inauguração do supermercado. Comecei a pular de alegria e pedi pra minha mãe me levar lá para conhecer. Nisso vem chegando a Dona Amélia, nossa vizinha do lado direito. Ela vinha cheia de pacotes de papel e lá dentro estavam as compras que ela havia feito. Achamos aquilo uma belezura, pois no açougue ele enrola a carne no jornal, na padaria num papel tão fininho que rasga à toa, mas os sacos do supermercado pareciam bem fortes. Dona Amélia também contou que a porta do supermercado está sempre fechada, e quando a gente chega perto ela abre sozinha como mágica. - Eu quero ir lá, eu quero ir lá. Falava isso enquanto pulava com os dois pés na frente da minha mãe, para que ela me levasse logo. Minha mãe entrou em casa e falou, vamos nos arrumar. Não podemos ir mal arrumadas ao supermercado. Pelo jeito lá é lugar de grã- fino. Eu então saí correndo para o meu quarto e fui me arrumar bem
  • 35. bonita. Peguei o vestido que ganhei no meu aniversário. Ele é muito bonito. Coloquei uma sandália branca que também é nova e fui para a sala esperar minha mãe. Dali a pouco aparece ela toda bonitona, com seu vestido estampado, bem colorido, e com sua sandália anabela, que também é nova. Nem pegamos a sacola e nem o carrinho de feira, pois queríamos trazer as compras nos sacos de papel do supermercado. Fomos andando rápido pela rua. Quanto mais perto chegávamos do supermercado maior era o movimento na rua até que, finalmente, dobramos a esquina e demos de cara com ele, cheio de bexigas e bandeirinhas voando com o vento. Olhei logo para a porta e vi que era de vidro e estava mesmo fechada. Ainda bem que Dona Amélia tinha nos avisado senão íamos pensar que ainda estava fechado. Mamãe achou melhor esperar um pouco e ver como é que a porta abria. Paramos e ficamos observando. Logo apareceu uma senhora
  • 36. que foi andando e assim que ela chegou pertinho da porta, esta abriu sozinha, e assim que a mulher passou ela fechou também sozinha. Parecia castelo de assombração. Peguei na mão da mãe e a puxei para entrarmos, não aguentava mais esta espera. Quando chegamos bem pertinho da porta ela se abre só que minha mãe vira o pé e cai bem na entrada do supermercado. Por ser a sandália anabela muito alta, ela torceu feio o pé e não conseguia se levantar. A porta do supermercado ficava abrindo e fechando o tempo todo. Eu na hora fiquei assustada e tentava levantar minha mãe, mas não conseguia. Até que apareceu um homem que estava passando e a ajudou. Ela, envergonhada, sai andando rápido, mesmo mancando, para dentro do supermercado. Depois que o susto passou, eu não podia me lembrar da minha mãe estatelada no chão bem na frente da entrada do supermercado, e a porta abrindo e fechando, abrindo e fechando. Na hora do jantar, quando fui contar pro meu pai sobre esta aventura, ele falou: - Bom! Cada um entra como quer, né!
  • 37. Mamãe não gostou nada da piada, e eu aproveitei para rir tudo que ainda estava guardado.
  • 38. Segunda-feira, 18 de setembro de 1989 NOVIDADES!!! Fiquei mocinha. Estou feliz, mas sofri muito hoje. Acordei novamente com aquela dor que tive anteriormente. Sempre me dá essa dor de manhãzinha. Parecia que tinha um micróbio, com dentes bem afiados, mordendo a minha barriga por dentro. Era como se ele enfincasse os dentes e ficasse mordendo, no mesmo lugar, um tempão e depois soltasse. Dali a pouco mordia de novo. Dava vontade de chorar. Eu virava pra um lado, virava pro outro e nada de melhorar. Então fui chamar minha mãe pra ela me dar aquele remedinho mágico. Quando levantei senti vontade de fazer xixi e quando fui ao banheiro – SURPRESA!!! Tinha ficado mocinha. A dor até melhorou, mas mesmo assim pedi o remédio. A mãe levantou, preparou o remédio e sentando comigo na cama começou a falar: - Agora você já é uma mocinha e tem que melhorar seus modos. Não pode mais sentar de qualquer jeito, tem sempre que ficar com as pernas fechadas e não pode mais sentar no colo de ninguém. - Nem no seu? Perguntei no desespero!
  • 39. - No meu pode, mas você tem que ver que mocinhas não ficam no colo. - Mas eu gosto tanto! - É, mas a vida é assim mesmo, tudo que a gente gosta muito de fazer enquanto é criança, no momento em que começa a crescer tem que deixar de fazer. Você está virando uma adulta, e adultos não se comportam como crianças. Comecei a me sentir triste porque gostava muito de ser do jeito que eu era. - Tem mais alguns cuidados que você tem que tomar, continuou mamãe. - Ainda tem mais coisa? Falei amedrontada. - Tem, mas não é nada que você não consiga cumprir. São cuidados com o seu corpo. Estas toalhinhas aqui (tirou de uma sacolinha vários paninhos quadradinhos) você vai usar durantes estes dias, e quando for tomar banho você lava no chuveiro e depois estende naquela corda atrás do abacateiro que é para ninguém ver. Também não pode lavar a cabeça durante todo o tempo que você estiver assim. Não pode tomar gelado e nem muito sol.
  • 40. - E se eu me esquecer e fizer alguma dessas coisas? Falei preocupada - Não pode se esquecer. É muito perigoso. O sangue pode subir para a cabeça e aí você fica doente da cabeça e tem que ficar internada. Os meus olhos pareciam que iam saltar para fora de tão assustada que eu estava. E mamãe continuou: - Eu quando tinha sua idade tive uma amiga que lavou a cabeça e aí o sangue parou de descer e subiu pra cabeça. Ela ficou com duas bolsas de sangue, uma embaixo de cada olho. Aí a mãe dela chamou o médico e ele colocou os pés dela na água fervendo pra puxar o sangue para baixo. - E o sangue desceu? Perguntei. - Desceu, mas ela ficou com marcas de queimaduras horríveis nas pernas. Nunca nem se casou. - Meu Deus! Que perigo! E eu que estava tão feliz porque tinha ficado mocinha! Mas os meus peitos vão crescer, né? - Agora não é hora de pensar nisso. Vá colocar a toalhinha e se arrumar para ir para a escola. Tome cuidado para não sujar a roupa. E não precisa contar para ninguém que você está assim. Isso é intimidade sua. Agora chega de prosa e vá se arrumar.
  • 41. E eu fui. Estava mesmo muito decepcionada. Esperei tanto por este momento e agora não posso fazer um montão de coisas! Eu quis te contar porque se eu me esquecer de alguma coisa, venho ler você e aí me lembro. Deus me livre ficar com o sangue todo na cabeça. Já basta aquela vez que fiquei de cabeça pra baixo no abacateiro.
  • 42. Terça-feira, 19 de setembro de 1989 Não consigo parar de lembrar que estou com estas toalhinhas. Elas me incomodam muito. A todo o momento acho que elas saíram do lugar. Fico com medo de sujar minha roupa. Toda hora vou ao banheiro para ver se está tudo em ordem. E você não sabe da maior, comecei a andar com a perna aberta. Levei até uns tapas da minha mãe. Ela fica falando toda hora: “anda direito menina, anda de perna fechada”. Eu já nem sei mais como se anda direito. Não gostei nada dessa história. Eu estava mais feliz do outro jeito. Não pude nem nadar no rio com o pessoal da escola. Quando falei pra mamãe que a professora tinha combinado de ir todo mundo nadar no rio Biritiba ela quase me estrangulou. O pior é que eu e a Vânia, minha colega de classe que também está, ficamos na margem olhando eles se divertirem. Toda hora vinha um e perguntava: -Vocês estão naqueles dias?
  • 43. E os meninos caiam na risada. Senti até vontade de chorar, mas falei que estava resfriada e por isso minha mãe não tinha deixado. Eu sei que eles não acreditaram, também, que azar o meu, logo hoje eu tinha que estar assim!
  • 44. Domingo, 01 de outubro de 1989 A construção deste supermercado foi muito legal pra minha cidade, porque este final de semana eles montaram um brinquedo muito bacana chamado Tobogã. Você pega um tapetinho de saco de café e sobe uma escada muito, muito, muito alta. Tem degrau que não acaba mais porque você tem que escorregar lá de cima. Chegando lá você senta nesse tapetinho e aí desce de uma vez só nesse escorregador gigante, cheio de ondinha. É uma delícia! Eu escorreguei nele um monte de vezes. O legal é que você compra só uma vez o ingresso e pode escorregar quantas vezes quiser. Eu encontrei um monte de colegas da escola lá. Também aqui nunca tem nada de legal pra fazer, quando vem um brinquedo desses todo mundo aproveita. Tinha também adulto escorregando, inclusive os pais das minhas colegas. Teve um momento em que a mãe da Flávia também resolveu escorregar. Ela estava toda emperiquitada, parecia até uma árvore de Natal de tanto enfeite. Tinha uns brincões! As pulseiras eram tantas que quase não conseguia dobrar o braço. Estava com uma pantalona estampada com rosas
  • 45. enormes, e na cabeça um turbante que deixava o cocuruto muito alto. Eu e a Angélica, minha colega de classe, ficamos cochichando tentando imaginar o que ela estava escondendo debaixo daquele turbante para deixar a cabeça daquele jeito, mas não chegamos a nenhuma conclusão. Subimos e subimos até que chegamos lá no alto. Arrumei meu tapetinho e zupiiiiiiiiiiiii, desci navegando nas ondas do Tobogã. Quando se chega lá embaixo tem que sair correndo porque logo atrás já vem outra pessoa, e se você estiver no caminho ela te derruba. Eu saí e fiquei olhando para ver a mãe da Flávia escorregar. Ela estava lá no topo e fazia um montão de poses para arrumar o tapetinho e se sentar. Quando ela sentou, o homem que fica lá em cima organizando e empurrando as pessoas, a empurrou. Eu acho que ela não sabia que a coisa funcionava desse jeito porque ela desceu toda desgovernada. Perdeu o tapetinho no meio do caminho e a calça dela escorregava mais que o tapetinho, então ela veio descendo e girando tanto que parecia um pião. A cada volta que dava, batia a cabeça nas ondinhas do Tobogã. Quando chegou aqui embaixo, estava completamente zonza e saiu cambaleando, acho que não lembrava nem do próprio nome.
  • 46. O homem que fica no fim do Tobogã ajudando as pessoas que já escorregaram a puxou rapidinho. Ele pediu para ela tirar o turbante para que pudesse examinar se havia algum ferimento. Ela desesperada segurou no turbante com as duas mãos na altura das orelhas e começou a gritar desesperada dizendo que ninguém ia tirar o turbante dela. Ele, sem entender nada, pediu para que ela fosse se consultar no posto médico que fica ao lado do Tobogã. Ela caminhou para lá de mãos dadas com a Flávia. Eu fui junto para dar uma força para minha colega e também para ficar sabendo o que ela escondia embaixo do turbante. Ao chegarmos ao posto, ela entra e se senta na cadeira que tem ao lado da mesa do médico. Eu e Flávia ficamos de pé ao lado dela. O doutor então pede para que ela conte o que aconteceu, mas na verdade ele já devia saber, pois essas descidas turbulentas acontecem com muita gente. Ele então pede para que ela tire o turbante. Nesse momento ficou mais animado porque finalmente eu iria descobrir o mistério do turbante. Ela pergunta se é mesmo necessário e o doutor responde que “Claro!”. Ela então começa a tirar e eu vejo que ela tem o cabelo curtinho como era o da Elis Regina e que no alto do cocuruto tem um bob tamanho família, ali sozinho, preso com grampo no pouco de cabelo que tem.
  • 47. Ela então diz que o bob foi o maior responsável por ela ter se machucado, pois a cada batida que ela dava o bob enfiava o grampo na cabeça. Fiquei com muita vontade de rir, mas não podia senão iria apanhar dela ali mesmo. Então engoli o riso e assim que saímos daquele lugar fui correndo encontrar minha mãe. Quando fui contar o que havia acontecido mal conseguia falar de tanto rir.
  • 48. Quarta-feira 04 de outubro de 1989 Recebi uma carta da Edeli. Estou muito feliz com esta surpresa. Ela diz que também está se sentindo muito sozinha, sem ninguém para conversar. Que o colégio que ela está é legal, mas que não tem nenhuma amiga como eu. Ela falou que nas férias o pai dela vai trazê-la para Biritiba para ficar uns dias aqui em casa. Mal posso esperar. Vou escrever para ela, agora que tenho o endereço, e lhe dar a ideia de também escrever um diário, assim, quando a gente se encontrar, uma lê o diário da outra, e fica sabendo tudo que aconteceu nestes tempos em que estivemos afastadas. Vou começar a escrever a carta agora mesmo.
  • 49. Sexta-feira, 06 de outubro de 1989 São duas horas da manhã e está a maior briga lá na sala. Minha mãe e meu pai estão gritando um com o outro. Eu já estava dormindo, mas acordei com a gritaria. Fui até lá escondida, pois se eles vissem que eu estava lá, aposto que iriam brigar comigo. Eu acho que a mamãe está desconfiada que o meu pai está namorando a secretária dele. Ela fica falando toda hora “a vagabunda da sua secretária”. E ele defende a secretária e diz que a mamãe está louca e que precisa se tratar. Não acho que a mamãe esteja louca. Ela está normal. Agora, que ele está chegando em casa todo dia tarde, isso ele está. Nem jantar com a gente ele janta mais. É difícil o dia que ele chega cedo para o jantar. Teve uma vez que ele chegou cedo, jantou, e depois disse que tinha que ir para uma reunião. Tomou banho, se arrumou e saiu. Até a hora de eu vir dormir ele ainda não tinha chegado, e a mamãe ficou acordada esperando ele voltar. Esse dia eu também escutei eles brigando, só que o meu pai não a chamou de louca. Porém hoje ele já falou isso um montão de vezes.
  • 50. Ixxii! Acho que eles quebraram alguma coisa. Será que meu pai está batendo na minha mãe? Eles pararam de falar. Eu vou até lá dar uma olhadinha e já volto. ... Acho que eles pararam de brigar. Não vi o meu pai, mas a minha mãe está chorando no sofá e o vaso vermelho que sempre fica em cima da mesa está quebrado no chão. Acho que vou até lá fazer um carinho nela. Não quero que ela fique triste e nem chore.
  • 51. Sábado, 07 de outubro de 1989 O clima aqui em casa está péssimo. A mamãe ficou calada o dia inteiro. Quando eu fui perguntar se ela e o pai tinham brigado, ela me respondeu que não era para eu me intrometer em assunto de gente grande. Hoje é sábado e o meu pai não está em casa. Ele levantou cedo e disse que ia jogar bola. Em compensação minha mãe resolveu fazer faxina. Desmontou a casa. Ela sempre diz que quando está nervosa tem que trabalhar muito para se sentir melhor. Quando ele chegou em casa já era mais de duas horas da tarde, ela estava toda descabelada, suada e a casa brilhando. Ele entrou e nem olhou para ela. Sentou na sala, tirou o tênis e a meia, deixou ali e foi tomar banho. Quando a mamãe entrou e viu aquilo, o sangue dela ferveu. Ela pegou o tênis e a meia e foi para o quarto. A briga começou novamente. Ela, tanto gritava falando da falta de consideração dele de ter deixado o tênis espalhado na sala quanto por ter comprado aquele tênis novo. Ela disse que deve ser o último modelo da All Star. Ela estava uma fera. Disse que vive
  • 52. economizando, que não tem ninguém para ajudá-la no serviço da casa, que economiza nas compras e que ele agora fica gastando dinheiro comprando tênis último modelo. Ainda perguntou onde ele comprou, pois aqui em Biritiba-Mirim não deve vender desses tênis tão chiques. Ele muito enfezado diz: - Você quer que eu vá jogar futebol de chinelo Havaiana? Como se fosse um rampeiro brega? Eu tenho uma posição na empresa e não posso me vestir de qualquer jeito. Aí eu até fiquei com pena da mamãe porque ela falou: - Eu também quero um sapato bonito. E meu pai falou: - Pra quê? Pra fazer faxina? Ela ficou tão triste que saiu batendo a porta e foi lá pro quintal chorar. Meu pai nem foi atrás dela. Tomou banho, se arrumou e saiu. Não se despediu nem de mim que estava na sala lendo uma fotonovela e nem da mamãe que ainda estava lá fora.
  • 53. Assim que ele saiu, fui até o quintal e falei pra ela que ele havia saído novamente e ela desatou numa choradeira maior ainda. Será que meu pai vai abandonar a gente? E aí como vai ser? Será que vou ter que parar de estudar e começar a trabalhar para ganhar dinheiro e ajudar minha mãe? Ah! Edeli, que falta você me faz nessas horas!
  • 54. Domingo, 08 de outubro de 1989 A coisa continua preta aqui em casa. Meu pai e minha mãe não se falam e ele dormiu na sala. Quando acordei eu o vi no sofá, mas voltei para o quarto porque não queria que ele ficasse sabendo que eu o vi lá. Hoje ele não saiu. Ficou no quintal quase o tempo todo. Ele inventou de mexer no jardim e ficou lá o dia inteiro. Quando eu fui lá fora chamá-lo para o almoço ele disse que era pra gente ir almoçando que ele não estava com fome, e que mais tarde comeria. Falei pra mamãe ir lá chamar ele, mas ela disse que ele tinha ouvidos e pernas e que sabia o caminho, e não foi. Não sei não, mas não estou nem um pouco tranquila com isso que está acontecendo. Ainda bem que amanhã é segunda-feira e eu vou para a escola, pelo menos lá converso, dou risada e me esqueço desta tristeza. Boa noite!
  • 55. Sexta-feira, 20 de outubro de 1989 Estou muito triste. Já chorei tanto que nem consigo abrir os olhos direito de tão inchados que eles estão. No Dia da Criança, 12 de outubro, pensei que a gente fosse (eu, minha mãe e meu pai) passear em Mogi das Cruzes, que é a cidade vizinha de Biritiba, como a gente sempre fez todos estes anos. A gente almoçava no restaurante, depois ia passear na praça, tomava sorvete, comia pipoca, algodão doce e depois de tardezinha voltava para casa. Este ano, como eles ainda estão de mal, não fomos. Eles também nem me perguntaram o que eu ia querer ganhar de presente. Dei um monte de indiretas, mas acho que eles nem me ouviram. Hoje resolvi falar pra minha mãe que eu quero o último disco dos Titãs que se chama Õ blésq blom. O disco acabou de chegar nas lojas, só que aqui em Biritiba não tem nenhuma loja de discos. A gente tem que ir para Mogi das Cruzes. Logo depois do jantar eu falei pra ela:
  • 56. - Mãe, será que o pai vai chegar cedo hoje? Perguntei isso porque nesses últimos tempos ele chega tarde todos os dias. Minha mãe, que anda irritada demais, respondeu com 50 pedras nas mãos: - Você está querendo me machucar ainda mais? - Eu? Por quê? Respondi surpresa. - Você sabe que seu pai nunca mais voltou cedo para casa e você nunca cobrou isso dele, porque hoje está tão interessada? - É que eu queria saber se vocês não querem me dar de presente, de Dia das Crianças, o novo disco dos Titãs. Minha mãe parecia que tinha fogo nos olhos. Me olhou de um jeito como eu nunca tinha visto e disse com uma voz tão agressiva que me magoou tanto! - Você é uma egoista mesmo. Só sabe pensar em você. A casa e a sua família está desmoronando na sua frente e você só consegue olhar para si mesma. Eu fiquei muda. Meu coração começou a bater tão rápido que
  • 57. parecia que estava no pescoço, bem abaixo do meu ouvido, e eu não conseguia respirar direito. E ela continuou: - E que presente do Dia das crianças! Ponha na sua cabeça que você não é mais criança. Já te falei que de agora em diante você tem que se comportar como uma adulta. E suma da minha frente que a última coisa que eu quero ver agora é a sua cara. Sua egoísta, interesseira. Eu saí correndo e vim para ao meu quarto. Deitei na cama e chorei muito. Estou muito triste com tudo que está acontecendo. É claro que eu me importo com eles, mas o que eu posso fazer? Se vou falar alguma coisa, me mandam pro quarto porque não devo participar de conversas de adultos. Quando fico quieta e não interfiro me dizem que sou egoista porque já sou adulta. Eu não sei mais como agir? Eles nem parecem aqueles pai e mãe que eu tinha antes. Eu preferia morrer a ter que ficar aqui e escutar todas as brigas e broncas.
  • 58. Domingo, 22 de outubro de 1989 Só queria te dizer que aqui em casa está tudo igual. O meu pai não pára em casa, a minha mãe não fala comigo e eu só choro aqui no quarto.
  • 59. Quinta-feira, 02 de novembro de 1989 Hoje é feriado e amanhã não vou ter aula. Vou ficar aqui em casa o tempo todo. A minha tia Cleonice não vai nem aparecer por aqui porque ela sabe que o clima aqui em casa não está nada bom. Ontem eles brigaram feio novamente e a minha mãe disse que não vai mais querer que o meu pai venha para casa só pra dormir e deixar a roupa suja. Que aqui não é pensão e que ela não é empregada dele. Que se ele quer ficar com aquela vagabunda que vá de vez. E ele falou que vai mesmo. Que quer se desquitar da minha mãe. Quando eu o ouvi falando isso eu entrei na sala e falei: - Não vai pai, o que vai ser da nossa vida sem você? Eu falei isso que era pra ele ficar, porque eu gosto dos dois, mas minha mãe, sempre muito brava comigo, berrou: - O quê? Tá querendo dizer que eu não vou cuidar bem de você?
  • 60. Quer ir junto com ele e com aquela ordinária? Pode ir, arrume as suas coisas e vá. Me deu uma vontade tão grande de chorar. Eu não falei com essa intenção! Meu pai então veio até junto de mim, passou a mão na minha cabeça e falou: - Não ligue pro que sua mãe está dizendo. Ela anda descontrolada. Vai pro quarto que depois eu vou até lá falar com você. Minha mãe nem me olhava, ficou de costas, e eu vim para o meu quarto. Nem quis mais escutar nada do que eles estavam falando. Tudo que eu falo ou faço está errado. Queria mudar de casa. Vou falar com minhas primas e ver se posso me mudar para lá. Fiquei esperando meu pai vir no quarto conversar comigo como ele havia falado, mas ele não veio. Até que dormi e hoje estou aqui, sem ter nada para fazer. Não posso chamar ninguém para vir aqui.
  • 61. Meu pai não dormiu em casa e minha mãe está de cara amarrada. Éh! Vida difícil! Estamos comemorando o dia dos mortos com cara de enterro!
  • 62. Quarta-feira, 08 de novembro de 1989 Hoje minha mãe e meu pai foram no advogado para se desquitarem. Ela foi vestida toda de preto. Até o véo de ir à missa ela colocou na cabeça. Dava arrepio olhar para ela. Estou com muito medo! Não sei muito bem como é que é esse desquite. Será que nunca mais vou ver meu pai? E se minha mãe não quiser ficar comigo, eu vou ficar com quem? Posso ver se minha tia Cleonice quer ficar comigo. Minha mãe, outro dia, estava falando mal da tia Cleonice. Ela diz que todo mundo a abandonou e que ela nunca esteve tão sozinha. Que ela sempre ajudou todo mundo, e agora que ela precisa, ninguém nem pergunta se ela quer alguma coisa. Eu desta vez só escutei porque tudo que eu falo ela acha que eu falo para magoar, então preferi não falar nada.
  • 63. Quando ela voltou pra casa, depois de ir lá no advogado, meu pai não voltou junto. Ela entrou em casa, parecia que olhava pras coisas mas não via nada. Eu apareci e ela nem me viu. Sentou no sofá da sala, ainda estava com o véo na cabeça, e ficou lá por muito tempo. Quase nem se mexia. Eu não sabia se devia perguntar se ela queria alguma coisa, ou não. Agora ando com medo de falar com ela. Fiquei espiando ela de longe. E ela ali parada, olhando nem sei para onde. Depois de muito tempo, eu fui andando devagarinho e me sentei ao lado dela. Fiquei ali também parada olhando para onde ela olhava. Depois de um tempo eu coloquei a minha mão em cima da mão dela, mas ela nem se mexeu. Fiquei até com medo que ela tivesse morrido. Olhei para os olhos dela prestando a atenção para ver se ela piscava. Quando ela piscou respeirei aliviada. Então, tomei coragem e perguntei se ela queria tomar água. Ela se levantou e disse que queria ficar sozinha, e foi para o quarto dela. Eu fiquei ainda na sala, mas depois vim para cá falar com você. Ainda bem que eu tenho você, senão nem imagino como estaria a minha vida. Você é o único que me entende e que não me deixa de lado. Até minha amiga Edeli me deixou. Tudo bem que foi por causa do pai dela que foi transferido no trabalho, mas a verdade é que estou sem ela.
  • 64. Sexta-feira, 10 de novembro de 1989 Hoje tive uma aula muito interessante na escola. É que ontem, 9 de novembro, derrubaram o muro de Belim. Agora a Alemanha Oriental e a Alemanha Ocidental vão ser uma Alemanha só. Fiquei pensando que se eu morasse na Alemanha Ocidental e minha prima Dani na Alemanha Oridental, toda vez que eu quisesse visitá-la, teria que pular o muro. Ia ser muito engraçado, principalmente se minha tia Cleonice quisesse vir aqui nos visitar e tivesse que pular o muro. Só queria ver como ela iria fazer isso. Gorducha do jeito que é, acho que ficaria entalada. Pensei que isso poderia ser uma coisa muito legal para eu contar pra minha mãe. Quem sabe ela não ficaria feliz de não ter mais aquele muro na Alemanha. Até fiquei ensaiando como poderia falar para ela, mas depois perdi a coragem e fiquei aqui no quarto mesmo.
  • 65. Quarta-feira, 15 de novembro de 1989 Oba! Hoje fui para Mogi das Cruzes. Parece mentira, mas até que enfim tive um dia legal. Hoje teve votação no Brasil. Estava todo mundo muito feliz porque, como diz meu pai, é a primeira eleição depois da ditadura. Eu sei que o meu pai votou no Fernando Collor. Minha mãe não quis dizer em quem ela votou. Ela disse que o voto é secreto e que o que é secreto não se diz para ninguém. Tanto meu pai quanto a minha mãe votam em Mogi das Cruzes para minha sorte, pois assim pude dar um passeio. Tudo bem que a gente foi para lá, votou e voltou. Só deu tempo de eu comer uma pipoquinha. Quando voltamos de lá o meu pai veio com a gente para casa e perguntou se poderia almoçar com a gente. Minha mãe disse que ela teria que fazer a comida. Ele disse que não estava com pressa e ficou na sala conversando comigo. Quis saber como eu estava indo na escola. Acho que em
  • 66. toda a minha vida ele nunca me perguntou isso. Eu disse que estou indo mais ou menos, pois tinha dificuldades em algumas matérias. Ele não ficou bravo. Disse que temos que nos esforçar nos estudos principalmente por vivermos num país tão grande e com oportunidades tão difíceis. Ele disse que talvez as coisas mudem caso o Fernando Collor ganhe como Presidente, mas que aconteça o que acontecer estudar é sempre importante. Quando o almoço ficou pronto a mãe nos chamou e fomos rapidinho. Começamos comer e o silêncio era enorme. Ninguém falava nada. Eu pensava em algum assunto, mas não me vinha nenhum. Quando pensava em algum, ficava com medo da minha mãe não gostar e aí virar uma briga. Então comemos quietinhos. Logo depois do almoço meu pai achou melhor ir embora, e a mãe não falou nada. Ele me deu um beijo na testa e foi.
  • 67. Sexta-feira, 24 de novembro de 1989 Meus pais se desquitaram hoje. Minha mãe e meu pai foram no Fórum e o Juiz disse que de hoje em diante eles não são mais casados. Ninguém veio me dizer como é que eu fico agora. Estou muito triste. Estou chorando muito Estou com medo!
  • 68. Domingo, 03 de dezembro de 1989 Hoje meu pai veio aqui. Depois do dia do desquite ele nem veio e nem ligou. Disse que estava com saudades de mim e que de 15 em 15 dias ele virá me pegar para passear. Ele perguntou se a minha mãe tinha me falado isso. Eu disse que não. Falou que o juiz combinou isso e que ele virá de manhã e me levará para passear o dia inteiro. Pediu pra eu me arrumar que iríamos agora mesmo para Mogi das Cruzes. Nossa! Fiquei super animada porque não estava nem esperando por esta surpresa. Me arrumei rapidinho e antes de sair fui dar tchau para minha mãe. Ela nem apareceu na sala. Nem falou nada. E eu fui embora com meu pai. Foi muito gostoso! Tinha um Parque de diversões e eu andei num montão de brinquedos. Fui na roda gigante, nos carrinhos bate-bate, atirei bola na boca do palhaço, mas não ganhei nada. Depois tomei sorvete, comi maçã do amor e no final do dia viemos embora.
  • 69. Quando chegamos em casa papai pediu para eu chamar a mamãe e se despediu de mim pedindo para que eu ficasse no quarto. Eu obedeci rapidinho. Estava tão contente que não queria mesmo me aborrecer com a briga deles. Mas não teve jeito. Dali a pouco começo a escutar os gritos da minha mãe. Ela falava tanto e tão rápido que eu não conseguia entender uma palavra. Dali a pouco escuto o meu pai me chamando. Saí do quarto correndo e quando entro na sala vejo minha mãe caída no chão. Na hora eu pensei que meu pai tinha matado ela, mas com o nervoso dele eu vi que não e ele me pediu para pegar o álcool e um copo de água. Saí correndo, tão desesperada, que tropecei na cadeira e caí por cima dela machucando todo o joelho. Mas levantei muito rápido e corri lá pra despensa e peguei o álcool. Trouxe rápido e meu pai começou a massagear os pulsos da minha mãe. Ele também jogou um pouco de água no rosto dela. Aos poucos ela foi recobrando os sentidos. Quando ela abriu os olhos, o olhar dela era muito esquisito, parecia que estava longe, muito longe. Mas quando viu o rosto do meu pai, aquele olhar sem expressão virou um olhar de ódio e se levantou muito rápido, e gritando mandou meu pai embora. Ele foi rapidinho. Depois perguntei se minha mãe estava se sentindo melhor. Ela respondeu que
  • 70. sim com a cabeça. - Quer que eu traga alguma coisa? Perguntei de mansinho. - Não, filha. Pode ir dormir. - Se precisar de mim é só chamar, tá bom? Lhe dei um beijo no rosto e fui deitar. Eu queria perguntar o que tinha acontecido pra ela desmaiar, mas como ela estava falando direito comigo, não quis estragar com perguntas. Foi uma cena muito ruim de ver. Nunca mais quero ver minha mãe deitada no chão, desmaiada.
  • 71. Domingo, 17 de dezembro de 1989 Hoje teve eleição de novo. Foi o segundo turno entre o Collor e o Lula. Nós fomos de novo para Mogi das Cruzes, só que hoje minha mãe não quis ir com o meu pai. Fomos de ônibus. Hoje era o dia de eu ir passear com o meu pai, mas como teve eleição nós combinamos que eu iria junto com a minha mãe para ela não ir sozinha e no domingo que vem, saímos juntos. Ir de ônibus para Mogi das Cruzes até que é legal. Eu nunca tinha ido. Fiquei procurando a cordinha pra tocar na hora que a gente ia descer, mas não achei cordinha nenhuma. Perguntei pra minha mãe como que fazia para avisar o motorista, ela me disse que é pedindo pra ele parar. Mas a gente não iria nem precisar falar com ele porque íamos descer na Rodoviária de Mogi, que é o ponto final. Quando chegamos, tivemos que andar um bocado a pé. O calor estava terrível e a bagunça na cidade então, nem se fala. Uma sujeirada! A gente ia andando pela rua e as pessoas vinham dar os bilhetinhos com a cara do Lula e do Collor, que depois minha mãe disse que aquilo se chama santinho. Acho que
  • 72. ela está enganada porque no santinho tem o retrato do Santo que a gente ganha quando vai à igreja, mas nem retruquei. Perguntei para a minha mãe novamente em quem ela iria votar e o olhar que ela me deu, entendi que ela não iria falar. Então perguntei para quem ela estava torcendo. Ela me pediu pra ficar quieta. Comecei então a juntar todos os “santinhos” que me davam. Fiquei com a mão cheia. Quando chegamos ao lugar onde minha mãe vota, me disseram que era pra jogar fora porque não podia entrar com aqueles papéis na mão. Minha mãe olha para mim e entre os dentes diz: - Joga isso já! Eu fui correndo procurar uma lata de lixo e joguei. Fiquei triste porque queria brincar com aquilo no ônibus quando estivéssemos voltando. Tem coisas que não dá pra entender. Se não pode entrar com o “santinho” para votar, porque dão tanto santinho pra gente segurar? Deve ser por isso que tinha aquele tanto jogado na rua! Minha mãe entrou numa sala, mas eu não pude entrar. Tive que esperar lá fora.
  • 73. Quando ela saiu perguntei aonde iríamos agora, e ela disse: - Embora pra casa. Nem falei nada porque não ia adiantar, mas fiquei triste. Tanto sacrifício pra nem fazer nada. Nem tomar um sorvetinho sequer. E andamos debaixo daquele sol quente até a Rodoviária e voltamos para casa. Voltei bem quietinha, sem falar nada. Às vezes penso que minha mãe está com raiva de mim.
  • 74. Quarta-feira, 20 de dezembro de 1989 Hoje veio aqui a tia Cleonice convidar a mamãe e eu para passarmos o Natal lá em Guararema, na casa dela. No começo minha mãe não queria ir, mas eu desta vez insisti muito para que a gente fosse. Ia ser triste demais passar o Natal, só eu e ela, sozinhas nesta casa. Ela falava que não estava com cabeça para comemorações, mas minha tia falou: - Pense na Juliana. Você não pode fazer isso com ela. Vai acabar criando problemas pra menina. Pense que ela também está sofrendo com tudo isso. Neste momento minha mãe disse que eu não estou sofrendo nada, que estou achando até bom porque agora meu pai me leva sempre pra passear e que eu vou toda contente. Mas ele só me levou uma vez e eu fui contente porque nem sabia que ele vinha me buscar. Mas ela nem me deixou falar essas coisas. Quando falei o “mas” ela já gritou comigo me mandando calar a boca e sair dali. “Não quero que você se intrometa em conversa de adultos”. Falou gritando mais ainda. Eu achei melhor sair porque senão era bem capaz dela não querer mesmo passar o Natal na casa da irmã dela.
  • 75. Depois escuto minha tia perguntar se eu já estava de férias da escola. Minha mãe diz que sim, mas que passei com a nota mínima. Que nem para estudar eu servia. Fico muito triste com essas coisas que minha mãe fala de mim. Eu nunca que vou fazer isso com minha filha. Minha tia ainda diz: - Também com toda essa confusão que está na vida dela, só se ela não tivesse sentimento para não afetar nos estudos! Minha mãe então dá uma risada forçada e diz: - E o ano passado? E o outro ano antes do passado? Ela vai mal porque é uma preguiçosa. Eu já estava sentindo uma vontade imensa de chorar, foi quando minha tia resolveu mudar de assunto e começaram a combinar o que iriam fazer para a ceia. Também me distrai com a nova conversa e até consegui engolir o nó que estava na minha garganta, mas meu coração ainda está muito triste. Queria tanto mandar uma carta desejando Feliz Natal pra Edeli. Eu
  • 76. não sei se o meu pai vai vir aqui antes do Natal porque aí eu entregaria a carta para ele colocar no correio. Acho que já vou escrever porque se ele aparecer a carta já está pronta.
  • 77. Terça-feira, 26 de dezembro de 1989 Cheguei hoje da casa da minha tia. Foi muito legal! Eu até ganhei de presente da Dani uma blusa xadrez vermelho com uns moranguinhos azuis pintados na manga, e da minha tia o disco dos Titãs que eu tanto queria. Fiquei tão feliz, mas tão feliz!!! É por isso que eu adoro essa minha tia. Ela advinha tudo que eu gosto. Muitas vezes bem que eu queria ser filha dela, ao invés de ser filha da minha mãe. Você acredita que o meu pai foi até lá para me dar um Feliz Natal e ela não queria deixar ele me ver! Se não fosse a tia Cleonice ele teria ido embora sem nem me dar um beijinho. Ele também me deu um presente uma mala linda para eu ir à escola no ano que vem. Era o dia de eu sair com ele, mas como era Natal eu, de novo, não saí. Ele me falou baixinho que o Ano Novo eu irei passar com ele. Vamos ver se minha mãe vai deixar. Comi tanto que estou até barriguda. Comi o dia inteiro. Também com tanta coisa gostosa não tinha como não comer. Era maionese, pernil com abacaxi, farofa doce, farofa salgada, pudim, manjar, nozes, figo achatado que eu adoro, uva que é minha fruta preferida. Nossa! Comi muito mesmo.
  • 78. Terça-feira, 03 de janeiro de 1990 Ufa! Estou chegando da praia. Passei a virada do ano com o meu pai e com a Suzi, a namorada dele. Eu quase não falei direito com ela. Ela queria me paparicar, mas não dei muita bola porque eu sei que é por causa dela que minha mãe está sofrendo tanto. Quase que eu não fui com eles porque quando minha mãe soube que ela iria também, ficou uma fera. Disse que eu não iria, porém quando meu pai falou que ela tem que obedecer às ordens do Juiz, ela deixou. Então eu fui. Até que foi gostoso porque ceamos num restaurante na praia e quando chegou a meia-noite teve um show de fogos e artifícios. Meu pai me comprou uma roupa toda branca porque dizem que dá sorte entrar o Ano Novo toda de branco. Depois que acabou de estourar os fogos nós fomos para a beirinha do mar fazer pedidos para Iemanjá. Meu pai falou que a gente tinha que pular 7 ondas e que para cada onda podia fazer um pedido. Nossa! Achei que eram pedidos demais. Pedi primeiro para meu pai e minha mãe fazerem as pazes; o segundo foi para que ele voltasse a morar lá em casa com a gente; o terceiro
  • 79. para que a minha mãe ficasse de bom humor tanto com meu pai quanto comigo. Como não sabia mais o que pedir, fiz os mesmos pedidos de novo, e ainda me restou um último pedido que desejei a volta da minha amiga Edeli. Fomos para casa de madrugada. Eu quis dormir junto com o meu pai, mas ele não deixou dizendo que tinha um quarto só para mim. Na verdade eu queria que ele ficasse longe da tal Suzi, mas não deu certo. No dia primeiro fomos logo cedo para a praia. Eu brinquei muito na beira do mar. Fiz castelos, cavouquei um buraco enorme e nadei muito. Minha mãe sempre fala que com o mar não se brinca. Que quando a gente vai nadar não pode ir no fundo. No máximo a água tem que bater na barriga. Não pode deixar passar da barriga porque aí ele leva a gente lá pro fundo e a gente morre afogada. Eu, toda vez que mergulhava, logo que me levantava já verificava se a água estava na barriga. Só que eu não percebi que fui me afastando muito do lugar onde meu pai estava. Teve um momento que eu olhei para procurá-lo e não o vi. Fiquei preocupada e sai da água. Andava de um lado para o outro na areia procurando por ele, só que todo lugar parecia igual e eu não conseguia achá-lo. Fiquei desesperada pensando que estava perdida para sempre.
  • 80. Foi então que apareceu um moço dizendo que era salva-vidas e perguntou se eu tinha me perdido. Deve ter percebido pela minha cara de pavor. Falei que sim. Ele perguntou com quem eu estava e pediu para eu descrever como eles eram. Perguntou também meu endereço, mas eu não sabia. Ele então me pegou pela mão e ficou andando comigo pela areia. Depois de um bom tempo encontramos meu pai e a Suzi com cara de desespero. Quando ele me viu me abraçou muito. O salva-vidas deu uma bronca nele dizendo que devia ter me ensinado a me localizar pelos prédios que ficam de frente para a praia. Que eu tinha que saber o meu endereço para no caso de me perder, saber voltar para casa. Meu pai pediu desculpas e falou que o salva-vidas tinha razão e fomos embora para casa. No caminho ele me fez prometer que eu não contaria nada para a minha mãe. Disse que se ela soubesse nunca mais me deixaria sair com ele. Eu prometi.
  • 81. Quarta-feira, 04 de janeiro de 1990 Minha mãe ainda está muito triste. Ela disse que passou o ano sozinha em casa. Que ficou tão triste que nem ligou a televisão. Ela anda muito magra e abatida. Está que é uma tristeza só. Minha mãe não tem amigas, só a minha tia, mas ela mora em outra cidade, então fica difícil. O divertimento dela e arrumar a casa e aí fica no meu pé que é pra eu não sujar. Eu acho que estas minhas férias vão ser muito chatas.
  • 82. Sexta-feira, 06 de janeiro de 1990 Meu pai está lá na sala falando com minha mãe. Ele veio dizer que quer vender a nossa casa. Foi por este motivo que a minha mãe desmaiou naquele dia. Ele tinha falado de vender a casa e ela não resistiu. Ele falou que agora é um bom momento para vender a nossa casa, pois o Collor ganhou as eleições e vai saber dirigir muito bem o país. “Além do mais, a casa ficou muito grande só para vocês duas” disse meu pai. Parece que ele já tem um comprador e que com o dinheiro vai dar para comprar uma casa para minha mãe e uma para ele. Minha mãe está chorando dizendo que desde que ela se casou sempre morou aqui. Que ela gosta muito da casa e que ele não pode lhe tirar mais este gosto dela. Mas meu pai está mesmo decidido. Disse que vai mandar amanhã o interessado aqui para ver a casa e que é para ela não atrapalhar o negócio porque ele vai vender, ela querendo ou não. Eu também não estou gostando dessa ideia de nos mudarmos daqui.
  • 83. Eu nasci aqui e gosto muito, principalmente do meu quarto. Será que vou gostar da casa nova? O pior de tudo é que toda vez que eles vão conversar me mandam para o quarto. Eu tenho que dar minha opinião, afinal também moro aqui. Eles estão discutindo, mas acho que ele vai vender mesmo. Meu pai é assim, toda vez que coloca alguma coisa na cabeça, enquanto ele não põe em prática, não sossega.
  • 84. Sábado, 07 de janeiro de 1990 Vou para Guararema. Minha tia veio me buscar. Disse que vou passar a semana lá para aproveitar um pouco as férias. Ela falou que o ambiente aqui está muito pesado (e está mesmo) e que quando tudo estiver mais calmo eu volto. IUUPIIII! Até que enfim uma coisa boa. Não sei se te levo ou se te deixo. Acho melhor te levar porque vou ficar muitos dias fora e ficarei com muitas saudades. Também tenho que te contar as novidades. E lá vamos nós!
  • 85. Terça-feira, 17 de janeiro de 1990 Eu, Dani e Rose brincamos a manhã toda em frente da casa delas, de amarelinha. É muito legal porque a gente pega um tijolo e desenha na calçada a amarelinha. Aí com uma pedrinha a gente começa a pular e a competir para ver quem é a campeã. Aquela que vai mais longe sem errar, sem pisar na risca e nem jogar a pedrinha fora da casa, ganha. Eu no começo jogava muito ruim, mas agora já melhorei bastante. A campeã é sempre a Dani. Ela é muito boa na amarelinha. Também brincamos, à tarde, com os vizinhos da frente. São dois meninos que acho tem a mesma idade que a gente. É o Rodrigo e o Marcelo. Eles construíram, cada um o seu carrinho de rolimã, e vieram convidar a gente pra apostar corrida com eles. Na rua tem uma descidona muito legal e é nessa descida que a gente compete. Eles vão na frente dirigindo. Eu vou atrás do Marcelo e a Dani atrás do Rodrigo. É legal paca! A gente desce com o carrinho de rolimã e depois sobe á pé. A Rose é a juíza e fica lá embaixo para ver quem chega primeiro. Ela prefere ser a juíza porque tem medo de cair. Brincamos muito com isso. Foi muito gostoso. Tem dias que também brincamos de andar de bicicleta. Eu não sei
  • 86. andar direito porque nunca tive uma bicicleta. De vez em quando minhas primas me deixam tentar aprender, mas eu só consigo descer a descidona, pra subir eu venho empurrando a bicicleta. Tenho feito coisas muito legais, que eu nunca tinha feito na minha vida.
  • 87. Quinta-feira, 19 de janeiro de 1990 Os meus dias continuam muito bons. Tenho me divertido muito. Sabia que é bem legal brincar também com menino? Eu nunca antes tinha brincado com eles, mesmo porque é a primeira vez que venho passar dias na casa da minha tia. Isso porque meu pai e minha mãe estão desquitados, caso contrário, a uma hora dessas, eu estaria em casa, no meu quarto, fazendo nada. Aqui o tempo passa muito rápido. Todos os dias têm sido muito bons, mas hoje foi muito especial porque nós fomos num homem, o Zé do Pneu, aqui perto da casa da tia, que conserta os pneus que têm defeito. Nós cinco: eu, Dani, Rose, Marcelo e Rodrigo fomos até ele e pedimos uns recheios de pneus, que o homem disse chamar câmaras, bem cheias, para irmos nadar no rio. Elas serviriam de bóias. O homem disse que ia nos emprestar e que no final do dia tínhamos que devolver. Concordamos na mesma hora. Enquanto ele enchia as bóias nós pegamos um pneu de trator e ficamos brincando de circo. Cada hora um deitava dentro do pneu e os outros o levantavam e o empurravam ladeira abaixo. Quem estava lá dentro descia
  • 88. rolando até lá embaixo. Dava um frio na barriga muito gostoso. Na vez do Rodrigo nós empurramos o pneu torto e ele foi parar no meio do mato. A gente deu muita risada. Quando o Zé do Pneu acabou de encher todas as bóias, cada um de nós pegou uma e fomos correndo até o rio. Chegando lá, jogamos as bóias na água e íamos correndo atrás delas, pela margem, e pulávamos tentando entrar bem no meio delas. Levamos cada tombo dentro d’água que você nem imagina. O rio deve estar mais vazio porque devo ter engolido uns dez litros de água. Toda vez que eu me jogava, caía na água dando tanta risada que acabava engolindo água e me engasgando. Depois a gente voltava andando pela margem e começava tudo de novo. Foi uma brincadeira muito gostosa. Nós voltamos quando estava anoitecendo. Agora já tomei banho, já jantei e vou dormir. Estou exausta!
  • 89. Terça-feira, 20 de fevereiro de 1990 Ainda estou na casa da tia Cleonice. Todo este tempo que estou aqui, nem meu pai e nem minha mãe veio me ver. Hoje a tia estava falando preocupada que precisava ir até Biritiba ver como é que estão as coisas e se minha mãe está bem. Eu acho até que as aulas já começaram, mas ninguém veio me buscar para voltar.
  • 90. Quarta-feira, 21 de fevereiro de 1990 Hoje minha tia levantou cedo e foi para Biritiba na casa da minha mãe. Ela voltou quase agora, na hora do jantar. Meu tio já estava preocupado com a demora. Quando sentamos para jantar meu tio pediu para que ficássemos quietas porque minha tia estava com muita dor de cabeça. Logo imaginei que deveria ter sido por causa das coisas que ela viu lá na minha casa. Perguntei se era para eu voltar e ela me respondeu que depois do Carnaval. Meus tios pouco falaram durante o jantar. Assim que acabamos, eu e minhas primas saímos da mesa e fomos para o nosso quarto. De lá a gente escutava os dois conversando baixinho. Dava uma vontade enorme de escutar, mas preferi ficar sem saber. Estava tudo tão bom que eu não queria estragar. Depois, com certeza, vou acabar sabendo, então não há porque ter pressa.
  • 91. Domingo, 25 de fevereiro de 1990 Ontem pulei Carnaval na matinê. Eu e minhas primas fomos de “bregas”. Misturamos as roupas da minha tia com as nossas, fizemos uma pintura muito engraçada no rosto e fomos para o salão. Meu tio comprou um sacão de confete e dois tubos de serpentina para cada uma de nós. A gente se divertiu paca. Na volta do clube meu tio abriu a porta de trás da Brasília e nós três viemos sentadas em cima do motor com as pernas balançando para fora. É que estava tendo corso na praça e ficamos dando voltas bem devagarinho. Depois fomos comer cachorro-quente e tomar guaraná da Brahma que eu adoro, menos a Rose que pediu Grapette.
  • 92. Quarta-feira de cinzas, 28 de fevereiro de 1990 Já estou em casa aqui no meu quarto. Acabei de chegar. É sempre bom voltar para casa, mesmo quando o ambiente não está dos melhores. A minha mãe emagreceu muito e está ainda muito triste. Disse que estava com saudades de mim, mas que não pôde ir me visitar porque os problemas estão grandes. Parece que o pai vendeu mesmo a casa. Ele insiste em dizer que agora é uma época boa para se vender e que com o dinheiro da venda vai dar para comprar duas casas pequenas: uma para ele morar com a Suzi e a outra para morar eu e a minha mãe. Acontece que minha mãe não está nem um pouco feliz com essa idéia e disse que não me colocou na escola ainda porque não sabe aonde vamos morar. Parece que na semana que vem o homem vai fechar a compra da casa e aí com o dinheiro vamos procurar outro lugar para morar.
  • 93. Segunda-feira, 05 de março de 1990 Passei tantos dias bacanas na casa da minha tia e agora aqui não acontece nada de nada. Desde que cheguei estou sem fazer nada. Nem na escola estou indo. Todo mundo já voltou a ter aula e eu, como não sei se vou continuar a morar aqui ou não, ainda não fui. Meu pai não apareceu por aqui. Eu não vejo meu pai desde janeiro. Desde quando fui para a casa da minha tia.
  • 94. Sexta-feira, 09 de março de 1990 Meu pai acabou de sair daqui com o homem que comprou a casa. Ele quis comprar mesmo. Disse que a casa é exatamente o que ele estava procurando. Estou sentindo o meu peito tão apertado! Acho que é tristeza por sair daqui. Eu sempre morei aqui, desde que nasci. Vai ser muito esquisito morar em outro lugar. A minha mãe está chorando lá no quarto. Ela não queria, mas o meu pai não deu ouvidos a ela. O homem até já fez o cheque e na segunda-feira eles “vão tratar da papelada” como diz meu pai. Estou triste!
  • 95. Segunda-feira, 12 de março de 1990 Ufa! Estou com os meus pés cheios de bolhas. Eu e a mamãe andamos o dia inteiro procurando casa para comprar. Andamos de um lado pro outro, subimos, descemos, e não encontramos nada de bom. O Sr. Euclides, o homem que comprou a casa, disse que a gente tem 30 dias para sair daqui. Precisamos achar logo uma casa que dê certo, mas não é nada fácil. Quando a gente gostava da casa, o preço era muito caro, quando o preço dava pra gente comprar, a casa era horrível. Não sei como vamos fazer. Papai também está esperando o cheque compensar para dar a metade da mamãe, assim ela vai saber com certeza o quanto pode gastar. Bom, vou dormir porque amanhã vamos acordar cedo para continuar a procura. Deus que nos ajude a encontrar uma casa boa e barata.
  • 96. Sexta-feira, 16 de março de 1990 Acabei de chegar do hospital. Você nem imagina o que foi que aconteceu ontem aqui em casa. Foi uma coisa horrível. Como têm acontecido todos os dias, eu e a mãe passamos o dia inteiro procurando casa. Deixamos duas reservadas. Não são tão legais quanto essa, mas se a gente não achar nada melhor vamos ficar com uma das duas. Chegamos aqui exaustas. Tomamos banho e comemos um lanchinho, pois minha mãe não tem cozinhado porque passa o dia inteiro na rua. Eu fui para o meu quarto dormir enquanto minha mãe fechava a casa. Foi quando o meu pai chegou. Ele estava desesperado. Gritava um monte de coisas que nem a minha mãe conseguia entender porque ele estava daquele jeito. Ele só dizia: - Nós perdemos tudo. Não temos mais nada, nem casa, nem dinheiro, nem nada. Eu saí do quarto correndo e fui para a sala ver de perto o que estava acontecendo. Meu pai falou que era um tal de Plano Collor. Que o
  • 97. novo Presidente prendeu o dinheiro de todo mundo, e que agora a gente não tinha mais casa porque já tinha vendido, e não tinha mais dinheiro porque estava preso no banco. E que ele não sabia o que ia fazer. Minha mãe ficou tão descontrolada que começou a gritar, a puxar os próprios cabelos dizendo: - Bem que eu não queria vender a casa, mas você agora só pensa naquela vagabunda... Olha só o que deu você abandonar sua família. Agora não tem família, não tem casa, não tem dinheiro... Ah! Mas você tem a vagabunda, então vá lá com ela. E falava mais um montão de coisas. Quanto mais ela falava mais nervosa ia ficando. Puxava a camisola tentando rasgá-la, arrancava os cabelos, até que, totalmente enlouquecida começou a bater com a cabeça na parede. Batia e batia muito forte fazendo um barulho horrível. Meu pai foi tentar segurá-la, mas ela o empurrou e em seguida se jogou em cima dele tentando mordê-lo. Ela dizia sem parar:
  • 98. - Você é o culpado. Você é o culpado! Você é o culpado. Meu pai ficou bravo e disse que desse jeito não dava pra conversar com ela e resolveu ir embora. Quando estava saindo falou pra mim: - Tome conta da sua mãe. Assim que ele saiu, a minha mãe caiu desmaiada batendo a cabeça com toda a força no chão. Eu fiquei desesperada e saí correndo atrás do meu pai, gritando pela rua: - A mãe morreu, a mãe morreu. Ele que já estava lá na outra rua, de tão apressado que saiu, quando me ouviu gritando, voltou correndo. Nisso tinha um monte de vizinhos com as janelas e portas abertas. Então meu pai pediu pra dona Zuleide ligar para o hospital e chamar uma ambulância pra vir buscar a minha mãe. Quando a gente entrou em casa ela ainda estava desmaiada, deitada no chão. Meu pai jogou água no rosto dela e nada dela acordar. Quando a ambulância chegou ela ainda estava desmaiada. Os enfermeiros a colocaram numa maca e a levaram para o hospital. O meu pai foi
  • 99. junto e eu fiquei na casa da dona Zuleide, para não ficar sozinha em casa. Hoje cedo eu e a dona Zuleide fomos ao hospital ver a mamãe. O médico disse que ela está melhor. Que o choque que ela levou foi muito grande, por isso que ela desmaiou assim. Ela terá que ficar esta noite no hospital e se ficar bem, amanhã ela pode voltar pra casa. Agora estou aqui no meu quarto e o meu pai está lá na sala. Vai dormir aqui para eu não ficar sozinha. Tomara que minha mãe saia amanhã do hospital.
  • 100. Sexta-feira, 20 de abril de 1990 Querido diário! Querido mesmo, você nem imagina a saudade que estou de você. Faz mais de um mês que eu não falo com você. É que aconteceu tanta coisa, ao mesmo tempo, que nem deu pra eu te contar. Você nem imagina o tanto de coisa que mudou na minha vida. Se você fosse gente eu ia pedir para você se sentar para não cair duro de susto no chão. Está preparado? Então lá vai: estou morando aqui na casa da minha tia. Eu e minha mãe. A gente ficou sem lugar pra morar, por causa daquele bafafá do Plano Collor. Pois é, o Sr Euclides, o que comprou a casa, disse que não dava mais pra esperar a gente se ajeitar e pediu pra gente entregar a casa. Os móveis estão todos entulhados na garagem, lá fora. Estou dormindo aqui com a Dani como quando estava de férias, e a minha mãe está dormindo com a Rose. Nem preciso falar como minha mãe está se sentindo, né!
  • 101. Com esta confusão você acredita que eu ainda não voltei pra escola! Minha tia disse que segunda-feira, sem falta, vou estudar na escola das minhas primas. Não sei muito bem como a gente vai se arranjar daqui pra frente. Minha mãe nunca trabalhou fora e não sabemos como vamos arranjar dinheiro. Todo mundo está sem dinheiro, porque o dinheiro do país está preso. Só que as contas a gente têm que pagar, né! Só sei que a coisa está preta.
  • 102. Quarta-feira, 02 de maio de 1990 Ontem foi feriado e a escola emendou a segunda-feira. A gente: meus tios, minhas primas, minha mãe e eu, tínhamos programado fazer um piquenique perto do rio, mas não deu certo porque choveu. Minha mãe até fez torta de frango e um bolo de laranja, que é uma delícia. Ficamos muito tristes! Mas minha tia teve a ideia da gente fazer o piquenique na sala e foi o que fizemos. Arrastamos os móveis, todos para um canto, estendemos a toalha no chão e colocamos a comida salgada, os doces e a groselha. Foi muito legal. A gente deu muita risada. O meu tio falou que o piquenique só não estava perfeito porque não tinha nem formiga e nem mosca. Minha tia tem umas idéias legal pacas.
  • 103. Quarta-feira, 09 de maio de 1990 Acho que estou gamada por um menino da minha escola! Ele é simplesmente o máximo! É loiro, tem os olhos azuis, azuis. Tem um sorriso lindo. E eu não consigo parar de pensar nele. O problema é que eu acho que ele nem sabe que eu existo. Ele nem me olha. Eu é que fico olhando pra ele de longe. Ele conversa com uma, conversa com outra e eu não consigo nem chegar perto dele. Ele se chama Fernando. Ai, ai...! Bem que ele podia também ficar gamado em mim. Seria um presente dos deuses. Ah! Eu acho que meus seios estão começando a crescer. Também, já não era sem tempo! Outro dia até tentei usar o soutien da Dani, mas o bojo fica achatado porque não tem nenhum recheio! E por causa disso também ele não para no lugar. Fica subindo como se quisesse ficar no meu pescoço. O jeito é esperar mais um pouco e torcer pros meus peitos crescerem logo.
  • 104. Domingo, 20 de maio de 1990 Estou cada dia mais apaixonada. Minha prima Dani disse que dá pra ver na minha cara que eu estou gamada nele. Diz que é só ele aparecer pra eu ficar branca. Eu até fiz uma poesia para ele. Chama-se: Será Será, que você não lê no meu olhar Todo o amor que eu lhe dedico Que vivo a todo instante a sonhar e que sempre suplico Seu amor pra me ofertar. Será, que eu já não demonstrei O meu carinho o meu afeto Que eu sempre esperei e que sempre lhe peço E que nunca fui atendida Será, que você quer me ver sofrer Por maldade ou por frieza Ou por indelicadeza Para comigo que só penso em te amar.
  • 105. Será, que um dia irás mudar? Será, que podes me amar? Será que você sente Um pouco da chama ardente Que em meu peito vive a queimar. Ah! Seria um sonho ele saber o que eu sinto por ele. Só que minha mãe não pode nem desconfiar disso. Se ela souber, ainda mais com todo o mau humor que se apoderou dela e não foi mais embora, eu estou perdida.
  • 106. Sexta-feira, 01 de junho de 1990 Hoje acordei com uma saudade danada da Edeli. Nunca mais escrevi para ela. Ela nem sabe que estou morando aqui em Guararema. Queria muito poder ouvir os conselhos que ela me daria caso soubesse dessa minha paixão pelo Fernando. Queria ir com uma roupa bem linda para chamar a atenção dele, mas não podemos entrar na escola sem o uniforme. Precisava fazer alguma coisa para ele saber que eu existo. A minha prima me ouve, mas não tem nenhuma idéia para me ajudar. Tenho certeza de que se fosse com a Edeli que eu estivesse falando, ela me daria um montão de ideias.
  • 107. Segunda-feira, 04 de junho de 1990 Minhas notas estão péssimas. Também perdi quase que um bimestre todo. Se assistindo todas as aulas eu sempre fui mal, imagine sem assistir. O pior é que minhas primas tiram notas muito altas e agora todos ficam me comparando com elas. Até meu tio veio com sermão dizendo que tenho que me esforçar mais. O pior é que quando vou estudar só consigo ver aqueles olhos azuis do Fernando. Fico sonhando com ele olhando para mim e ai não consigo estudar. Agora mesmo deveria estar estudando, pois amanhã tenho prova de Matemática, e fiquei enrolando, enrolando e agora resolvi escrever em você. A minha prima está aqui do meu lado e fica me olhando de cara feia. O pior é que eu sempre quis ter uma irmã, agora que estou aqui vejo que eu era feliz e não sabia. Tenho mesmo escrito muito pouco em você por causa dessa pressão em cima de mim.
  • 108. Bom, agora é melhor eu voltar aos estudos, pois se eu tirar nota baixa novamente a Dani vai dizer que é porque eu fico escrevendo em você ao invés de estudar.
  • 109. Terça-feira, 12 de junho de 1990 Quanto mais eu rezo mais assombração me aparece. Como você sabe, estou gamadérrima no Fernando embora ele nem olhe para mim. Acontece que hoje um menino horrível chamado Alexandre veio com uma conversa mole de que era dia dos namorados, e no final, me pediu em namoro. Eu tremi da cabeça aos pés. Caramba! Como eu queria que tivesse sido o Fernando que me pedisse em namoro. Eu na hora fiquei tão nervosa que não sabia o que responder. Disse que eu ia pensar e que dava a resposta na sexta-feira. Falei com a Dani e ela disse que é pra eu aceitar e ver como que é namorar de verdade. Achei melhor contar pra minha mãe porque se eu resolver namorar, ela tem que saber. Chamei a minha mãe aqui no quarto e contei tudo que o Alexandre tinha me falado. Ela disse que é pra eu falar que no momento não vou namorar, porque preciso estudar para melhorar minhas notas na escola. Até nem me importei da minha mãe não ter deixado. Também eu nem gostava dele! Se bem que a Dani deu uma boa idéia de eu fazer ciúmes para o
  • 110. Fernando. Mas não sei se ele iria ter ciúmes, ele nem olha pra mim! Depois, não vou desobedecer minha mãe só para fazer ciúmes pra ele. Mas mesmo assim, só vou dar a resposta na sexta-feira. Até que é uma sensação legal ser pedida em namoro!
  • 111. Sexta-feira, 15 de junho de 1990 Estou com tanta vergonha! Você nem imagina o que foi que aconteceu. Eu tinha dito pro Alexandre que eu ia a dar resposta se aceitava ou não namorar com ele na sexta-feira. Pedi então pra Dani ficar junto de mim até eu falar com ele, porque estava muito nervosa. Logo hoje chegamos atrasadas na escola, estava batendo o sinal. Saímos correndo porque se a professora entrar na classe a gente não pode entrar mais. Subimos aquelas escadas que parecíamos dois foguetes. No intervalo eu estava nervosa e não saí da classe. A Dani até ficou olhando pela porta para ver se via ele, mas não achou. É muito difícil dizer que não quer namorar. Então a professora da próxima aula entrou e nós assistimos. Quando tocou o sinal do recreio o meu coração quase saiu pela boca. Fomos para o pátio e nos sentamos no banco para tomarmos o lanche. Eu olhava para um lado, olhava para o outro e nada de ver o Alexandre. A Dani também não o via. No fim achamos que ele tinha faltado. Quando estávamos voltando para a classe damos de cara com ele. Ele falou que tinha me procurado e não tinha
  • 112. me achado, e que pensou que eu tinha faltado. Falei que pensei a mesma coisa. Nesse instante a Dani me dá um baita beliscão no braço que eu dou um pulo e um grito de susto e de dor. Ela sai correndo para a classe, pois a professora já estava entrando e eu saio correndo atrás. Fiquei brava pelo beliscão e perguntei por que ela havia feito isso. Ela falou que do jeito que eu falei parecia que eu ia aceitar o namoro. E que eu não deveria dar falsas esperanças para o menino. Fiquei desesperada! No próximo intervalo não quis sair da classe. Depois da última aula, não tinha jeito, eu teria que falar com ele. Arrumei minhas coisas e fiquei na porta esperando a Dani. Assim que ela chegou começamos a descer a escadaria do colégio. Ela viu o Alexandre encostado numa das colunas que tem no pátio e ele estava olhando para a escada. A cada degrau que eu descia me sentia mais e mais nervosa porque teria que dizer não a ele. Eu havia ensaiado todos estes dias como falaria para ele, mas mesmo assim estava muito nervosa. E você sabe o que foi que aconteceu? Pois é, cai da escada. Me
  • 113. estatelei lá embaixo. Não foram muitos degraus, foram só quatro, mas eu levei um susto enorme e ainda por cima fiquei com uma vergonha imensa. O Alexandre virou para o lado e fingiu que não viu, mas a cara dele era de quem queria dar risada. Fiquei muito triste e envergonhada. Senti até vontade de chorar. Ele então chega perto de mim e pergunta se estou bem. Faço de contas que não entendi e falo tão depressa que nem dá tempo de respirar: - Olha Alexandre, eu estou indo mal na escola e vou primeiro estudar para melhorar minhas notas. Quem sabe o ano que vem. Nem esperei ele responder nada, já sai andando e fui me encontrar com a Dani que estava logo na frente. Eu não conseguia firmar o pé direito no chão porque o joelho estava todo ferido. Nunca tinha passado tanta vergonha. Por causa do tombo, não falei nada do que tinha ensaiado. Agora paciência! Pelo menos ele já sabe que não vou namorar com ele.
  • 114. Segunda-feira, 18 de junho de 1990 Esse Alexandre é um mulherengo. Você acredita que ele esta namorando a Karen? Pois é, eles estão namorando. No recreio ele passou de mãos dadas com ela e quando chegou na minha frente, se beijaram e depois foram andando pro outro lado. A Dani acha que mesmo que eu tivesse aceitado, depois do tombo, ele é que não ia querer. Aí então que fiquei mais chateada ainda. Puxa vida, ele não esperou passar nem um tempinho. Eu disse não na sexta e na segunda ele já começa a namorar outra! Realmente ele não gostava de mim! Deixa ele pra lá, também não vou ficar preocupada. Ah! Agora vou escrever uma carta pra Edeli contando que não estou mais morando em Biritiba-Mirim e que nestas férias não vai dar pra ela vir passar uns dias comigo, como ela tinha dito, porque aqui na casa da minha tia não cabe mais ninguém.
  • 115. Segunda-feira, 25 de junho de 1990 Minha mãe acha que meu tio não está muito satisfeito da gente estar morando aqui na casa dele. Ele vive de cara fechada. Agora a minha tia também está diferente e fica com umas conversas de que a vida está dura, que ela está sem liberdade para conversar assuntos de família, e outras coisas. Minha mãe disse que vai começar a procurar um emprego e assim que ela conseguir a gente muda pra uma casinha só nossa.
  • 116. Sexta-feira, 03 de agosto de 1990 Estou de mudança da casa da minha tia. Minha mãe arranjou um emprego de doméstica na casa de uma senhora lá em Mogi das Cruzes. A minha tia está chorando na sala. Coitada ela está triste porque a gente vai embora. Eu também estou triste porque agora vamos morar nesta outra casa. Não sei não se vai ser legal. Eu sei que pelo menos a mãe vai ganhar um pouco mais de dinheiro, porque meu pai praticamente sumiu. Quase não vem me ver e quando vem fica reclamando que está sem dinheiro, que as coisas estão muito difíceis. Minha mãe não quer mais nem ouvir falar no nome dele. Eu fico triste com isso e às vezes sinto saudades dele, mas logo passa. Vou mudar de colégio de novo. Que pena que não vou ver mais os olhos azuis do Fernando. E saber que eu nunca falei com ele. Agora morando em outra cidade é que eu não vou falar mais mesmo. Daqui 14 dias é meu aniversário. Vou fazer 15 anos.
  • 117. Tomara que dê pra comemorar lá em Mogi. Agora vou lá pra sala me despedir dos meus tios e das minhas primas.
  • 118. Segunda-feira, 06 de agosto de 1990 Já estamos aqui em Mogi na casa do Sr. Alberto e da Dona Iracema. Eu e minha mãe estamos morando numa casinha bem pequenina aqui no fundo da casa deles. Eles são legais. São duas pessoas de bastante idade e minha mãe fica trabalhando principalmente na cozinha. Eles têm quatro filhas, mas nenhuma mora aqui com eles. Minha mãe conseguiu este emprego que é para ajudar Dona Iracema no serviço da casa e ao mesmo tempo, ter alguém para tomar conta dos dois velhinhos. Eu acho que vai ser bom. No sábado, quando estávamos vindo para cá, minha mãe passou numa sapataria e me comprou um sapato com saltinho de presente de aniversário. Ela disse que vou fazer 15 anos e nesta idade já dá para ter um sapato alto. Pena que na sapataria não tinha o meu número, mas como eu queria muito esse sapato fiquei com ele que é um número menor. Os meus
  • 119. dedos ficam todos espremidos, mas não tem importância, o legal é que agora eu tenho um sapato de salto alto. Não vejo a hora de sair para poder usar. Também comecei na escola aqui do bairro. Parece que vai ser bom. Logo que cheguei já fiz amizade com a Beth. Ela parece ser bem legal
  • 120. Sexta-feira, 17 de agosto de 1990 Hoje é meu aniversário. Não teve bolinho nem nada. Só ficamos eu e a mãe. Nem o meu pai veio me ver. Bom, acho até que ele nem sabe onde estamos morando agora. Queria tanto ir para algum lugar só para poder usar meu sapato de salto alto! Tomara que meu pé demore a crescer. Quando coloco o sapato me sinto importante. Ando toda empinada. Parece mágica, mas piso mais suave no chão, ando com a cabeça erguida e a coluna reta. Fico mesmo, muito elegante.
  • 121. Terça-feira, 04 de setembro de 1990 A nossa vida não está nada fácil. A minha mãe está trabalhando demais e eu tenho que ajudá-la. Nos primeiros dias, minha mãe foi muito prestativa e teve muita consideração com os velhinhos, só que agora Da. Iracema não pega nem um fiapo do chão. Tudo ela pede pra minha mãe ou pra mim. Não temos tempo livre para nada. Como moramos aqui, trabalhamos de domingo a domingo, sem folga. É só minha mãe vir aqui pro quarto pra Da. Iracema inventar alguma coisa pra ela fazer. Até a novela da Manchete, o Pantanal, a gente não consegue mais assistir, pois um dia ela quer um chá, no outro ela quer sopa, ela quer uma determinada blusa que está para passar e assim vai inventando moda, e minha mãe fica pra lá e pra cá às voltas com a Da. Iracema. O meu pai sumiu no mundo e nunca mais deu nem notícias e nem dinheiro. Esta semana a minha mãe vai receber seu primeiro salário, vamos ver se dá pra gente pelo menos tomar um sorvete.
  • 122. Sábado, 10 de novembro de 1990 Estou exausta. Não tenho tido tempo nem pra te escrever. A vida aqui está muito dura. Todo final de semana os filhos da Dª Iracema vêm pra cá e é uma bagunça danada. A Dª Iracema tem uma neta que é quase da minha idade, só que eles não deixam ela conversar comigo. Eles dizem que lugar de empregada é na cozinha e de patrão é na sala. Eu só posso entrar na sala para arrumar ou desarrumar a mesa, ou de dia para limpar a sala, no mais eu não posso nem olhar pela fresta da porta. Quando eles querem chamar a minha mãe, eles tocam uma sinetinha e ela sai correndo. Nós só podemos comer depois que todos comem. Às vezes nem sobra as misturas que minha mãe faz, e então comemos só arroz com feijão. Outro dia minha mãe escondeu dois bifes dentro do forno que era pra nós duas comermos. Pois não sei como, a Da. Iracema percebeu e deu a maior bronca na minha mãe, dizendo que ela está aqui para fazer a comida e não para comer. Que se continuar assim ela vai cobrar pelo nosso almoço. Se pagarmos, poderemos comer a vontade.
  • 123. Minha mãe fica quieta, não responde nada. Ela diz que vai guardar dinheiro pra gente ir embora daqui. Toda vez que Da. Iracema ou suas filhas falam alguma coisa que magoa a minha mãe, ela pensa: “logo, logo iremos embora daqui. Quero ver se vão conseguir outras tontas para ficar no nosso lugar”. De noite fico lembrando com saudades da nossa vida antiga. Como era bom. Eu podia ficar no meu quarto, podia brincar no quintal, na casa das minhas primas... E agora aqui só tenho um pouco de sossego quando vou para a escola. Ah! E você acredita que a Da. Iracema não queria que eu fosse mais para a escola! É! Mas minha mãe, quando ela falou isso, tirou o avental da cintura e falou: - Vou para o meu quarto arrumar minhas malas, porque se minha filha não pode estudar morando aqui, eu vou trabalhar num lugar em que ela possa. Aí Da. Iracema disse que minha mãe era muito nervosinha e que então eu poderia ir, mas que teria que fazer as lições de noite, porque de tarde eu teria que ajudar no serviço da casa, afinal eu também durmo e como na casa dela. Essa velha é mesmo canguinha.
  • 124. Domingo, 23 de dezembro de 1990 Estou aqui no meu quarto chorando muito. Acho que não vou mais aguentar esta vida. Minha mãe está lá na cozinha fazendo um montão de comidas para o Natal. Eu estava lá até agora descascando batata, desfiando frango, picando cebola e mais um montão de coisas. Nós vamos ter que passar o Natal aqui porque essa velha não dispensou minha mãe. Ela disse que toda a família dela vem para cá e que ela não pode ficar sem minha mãe. Minha mãe disse que tudo bem, mas que no dia 25 de dezembro ela vai para a casa da minha tia. A velha quase teve uma síncope, mas minha mãe disse que disso ela não abriria mão. Eu vim aqui um pouquinho, chorar porque estou muito triste de ser tão mal tratada, mas tenho que voltar logo para não aborrecer ainda mais a minha mãe. O que nos faz aguentar toda esta exploração é que, tão logo tenhamos uma reserva de dinheiro, vamos sumir deste lugar.
  • 125. Domingo, 05 de fevereiro de 1995 Meu querido amigo! Meu Diário. Há quanto tempo não nos vemos!!! Muitas coisas mudaram nesses 5 anos. Agora estou estudando e morando em São Paulo. Estou cursando Direito no Largo São Francisco. Estou no segundo ano e trabalho num escritório de advocacia como secretária, mas logo, logo serei estagiária. Minha mãe está morando na casa da tia Cleonice que ficou muito abalada emocionalmente com a morte do meu tio. Ele morreu num acidente de trânsito seis meses depois que nos mudamos da casa deles, e minha tia ficou desesperada. Minha mãe resolveu então mudar-se novamente para Guararema. Minhas primas também estão bem, cada uma seguindo seu caminho. A Dani está fazendo veterinária em São Carlos e a Rose, está terminando o Colegial.
  • 126. Mas sabe por que estou aqui te escrevendo depois de tanto tempo? É que na semana que vem vou ao casamento da minha sempre e muito querida amiga Edeli. Ela vai se casar com um rapaz de Ouro Preto, cidade para onde o pai dela foi transferido. Quando ela me convidou, pediu para que eu chegasse uns dois dias antes e que levasse o meu diário, assim ela o leria enquanto eu leria o dela. Achei a idéia maravilhosa, e vim te procurar. Tudo bem que fiquei um tempão sem escrever, mas o tempo mais complicado da minha vida, eu contei com o apoio e solidariedade do meu “querido diário”. Como estou de férias tanto da Faculdade quanto do emprego, vou para Ouro Preto na terça-feira.
  • 127. Quarta-feira, 08 de fevereiro de 1995 Estou aqui na casa da Edeli, ao lado dela, que também está escrevendo no seu diário. Passamos o dia de hoje inteiro lendo e comentando tudo que nos aconteceu nesse tempo em que ficamos afastadas e que está registrado no diário. Está sendo maravilhoso! Quanta coisa que até eu havia esquecido e que ao reler me transportei para aquele tempo. Quantas coisas eu deixaria de contar pra Edeli se não tivesse registrado tudo aqui. O mesmo aconteceu com ela. Demos muita risada, choramos, ficamos tristes, saudosas, aflitas e tantas outras sensações que os registros das páginas dos dois diários nos proporcionaram. Pudemos comprovar que mesmo estando distantes, nós duas, ainda assim agíamos em determinados momentos, de forma parecida.
  • 128. Estamos escrevendo agora estes sentimentos e estamos muito emocionadas. Vou continuar a escrever tudo que me acontecer daqui para frente. Não deixarei mais que a correria do dia-a-dia me impeça de o fazer.