Nesta terça-feira, o prefeito de Camaragibe, Demóstenes Meira, apresentou junto à comarca da cidade um mandado de segurança contra o processo de impedimento em análise na Câmara Municipal do município, marcado para ser votado nesta quinta-feira. Com a iniciativa, o prefeito busca evitar uma eventual cassação pelos vereadores.
Meira entra na Justiça para manter cargo de Prefeito
1. EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA VARA
CÍVEL DA COMARCA DE CAMARAGIBE - PE
DEMÓSTENES E SILVA MEIRA, prefeito de Camaragibe – PE, brasileiro, CPF n°.
375.671.444-68, com endereço para intimação na Av. Dr. Belmino Correia, 2340 - Timbi,
Camaragibe - PE, 54768-000 (Prefeitura de Camaragibe), vem, por intermédio de seus
advogados habilitados nos termos da procuração anexa, impetrar MANDADO DE
SEGURANÇA C/C PEDIDO DE LIMINAR, com fulcro no art. 5º, LXIX, da Constituição
Federal e arts. 1º e 5º, II, da Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009, contra atos ilegais e
abusivos praticados pelo PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE CAMARAGIBE,
Sr. ANTÔNIO JOSÉ OLIVEIRA BORBA, CPF 630.761.444-72, pelo PRIMEIRO SECRETÁRIO
DA CÂMARA MUNICIPAL DE CAMARAGIBE (por atos praticados no exercício da
Presidência da Câmara Municipal de Camaragibe), VEREADOR JOSÉ ROBERTO
BARBOSA MEDEIROS, CPF 377.982.434-53, e pelo PRESIDENTE DA COMISSÃO
ESPECIAL PROCESSANTE, também o VEREADOR JOSÉ ROBERTO BARBOSA MEDEIROS,
todos com endereço para notificação no órgão ao qual são vinculados, Câmara Municipal
de Camaragibe - Casa Vicente Lacerda de Menezes, Rua Doutor Domingo Sávio Dias
Martins, 258 - Bairro Novo, Camaragibe - PE, 54774-420, tudo com base nos
fundamentos de fato e de direito adiante expostos:
I. BREVE HISTÓRICO
1
2. O presente mandamus dirige-se contra atos do Presidente da Câmara Municipal de
Camaragibe, Sr. ANTÔNIO JOSÉ OLIVEIRA BORBA, e, também, do Vereador ROBERTO
MEDEIROS - 1º Secretário, tendo atuado como Presidente da Câmara e Presidente da
Comissão Especial do Processo Legislativo de Cassação do Prefeito Municipal.
As autoridades coatoras, em síntese, no âmbito do processo de cassação do Prefeito
Municipal, ora impetrante, praticaram atos coatores e eivados de ilegalidades que resultaram
no recebimento da denúncia em desatenção ao quorum qualificado, colheita
irregular de voto e condução ilegal dos trabalhos legislativos, todos em desacordo
com as normas regulamentadoras da matéria.
Dessa forma, conforme será detalhadamente exposto alhures, a decretação de
nulidade dos atos impugnados é a medida que se impõe.
Sabe-se que o processo de cassação, por importar em possível medida grave de
afastamento de Prefeito Municipal, eleito democraticamente, deve ser pautado pela lisura e
estrito cumprimento às normas regulamentadoras da matéria.
Conforme será demonstrado, os atos impugnados evidenciam uma grave e
desesperada tentativa de cassação do Prefeito Municipal, perpetrada à toque de caixa, com
violação ao que dispõe as normas regulamentadoras da matéria.
II. TEMPESTIVIDADE
Conforme elencado, o presente writ visa impugnar atos praticados no âmbito do
processo de cassação do Prefeito Municipal em trâmite na Câmara Municipal de Camaragibe.
Os atos impugnados foram praticados na 2ª (segunda) reunião ordinária do 3º
período legislativo, dia 26/02/2019, conforme ata da sessão anexa.
Assim, levando em consideração as datas dos atos impugnados, verifica-se que o
presente mandado de segurança é tempestivo, vez que notoriamente não decorrido o prazo
de 120 (vinte e vinte) dias estabelecido no art. 23 da Lei nº 12.016, de 2009.
2
3. III. LEGITIMIDADE ATIVA DO IMPETRANTE E LEGITIMIDADE PASSIVA
DAS AUTORIDADES COATORAS
O Impetrante, na qualidade de Prefeito do Município de Camaragibe e alvo do
processo de cassação, tem direito líquido e certo a verem observadas as normas
constitucionais e legais na tramitação do processo de responsabilização
político-administrativa em curso na Câmara Municipal de Camaragibe, razão pela qual é
indiscutível a sua legitimidade ativa.
Por sua vez, os Impetrados são partes legítimas para figurar no polo passivo do
presente mandado de segurança, vez que os atos coatores, ilegais e abusivos, foram por
eles praticados no exercício das funções de Presidente da Câmara Municipal de Camaragibe
e Presidente da Comissão Especial do Processo Legislativo de Cassação do Prefeito
Municipal.
IV. DAS NULIDADES DO PROCEDIMENTO DE CASSAÇÃO DO MANDATO
IV.1.NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO QUÓRUM QUALIFICADO DE
DOIS TERÇOS PARA O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - NÃO RECEPÇÃO DO
INCISO II DO ART. 5º DO DECRETO-LEI Nº 201/67
O art. 5º, inciso II, do Decreto Lei n° 201/97 dispõe que “De posse da denúncia, o
Presidente da Câmara, na primeira sessão, determinará sua leitura e consultará a Câmara
sobre o seu recebimento. Decidido o recebimento, pelo voto da maioria dos
presentes, na mesma sessão será constituída a Comissão processante, com três
Vereadores sorteados entre os desimpedidos, os quais elegerão, desde logo, o Presidente e
o Relator.”
Apesar do Decreto Lei n° 201/67 dispor que o recebimento da denúncia de
impeachment observa o quórum de maioria simples, destaca-se que referida norma não
foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988.
3
4. O art. 52 da Constituição Federal de 1988 dispõe sobre o quórum
qualificado de ⅔ (dois terços) para o recebimento de denúncia de cassação de
mandato de Presidente da República, regramento esse que, em razão do princípio
da simetria, deve ser aplicado nos âmbitos estaduais e municipais.
De suma importância esclarecer que a Constituição do Estado de
Pernambuco, em estrita obediência a Carta Magna, expressamente estabeleceu
que a admissão de acusação contra o Prefeito deve observar o quórum
qualificado de dois terços, conforme se observa do seu art. 93:
“Art. 93. Admitida a acusação contra o Prefeito, por dois terços da Câmara
Municipal, será ele submetido a julgamento pelos crimes comuns e de
responsabilidade perante o Tribunal de Justiça.”
E, como não poderia deixar de ser, também previu a mesma formalidade no tocante
a instauração de processos para apuração de crimes de responsabilidade contra o
Governador do Estado, como se verifica do inciso XII do art. 14:
“Art. 14. Compete exclusivamente à Assembléia Legislativa:
…………………………………………………………………………………………………..
XII - autorizar, por dois terços dos seus membros, a instauração de processos
contra o Governador e o Vice-Governador, relativos a crime de responsabilidade, ou
contra os Secretários de Estado, nos crimes conexos aos do Chefe do Poder
Executivo;”
Por sua vez, em sintonia com a Constituição Federal e a Constituição
Estadual, a Lei Orgânica Municipal de Camaragibe estabeleceu de forma expressa no
seu art. 61 que “Admitida a acusação contra o Prefeito, por dois terços da Câmara
Municipal, será ele submetido a julgamento pelos crimes comuns e de responsabilidade,
perante o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco.”
4
5. Dessa forma, não é apenas em função da necessidade de observância do
princípio da simetria com relação à Carta Federal que deve ser observado o
quórum de dois terços para o recebimento da denúncia contra o Prefeito, mas
também por força de imposição direta da Constituição do Estado de Pernambuco
(art. 93) e da própria Lei Orgânica do Município de Camaragibe (art. 61).
Registre-se que, mesmo que a Lei Orgânica Municipal tivesse estabelecido quórum
menos qualificado para o recebimento da denúncia (o que, como visto acima, não é o caso),
necessário seria seu afastamento e a adoção do quórum de dois terços por força da
prevalência das Cartas Federal e Estadual, conforme se observa dos seguintes precedentes:
“PROCESSO DE IMPEDIMENTO. PREFEITO MUNICIPAL. SE O REGIMENTO
INTERNO DA CÂMARA DE VEREADORES REMETE-SE A CONSTITUIÇÃO
ESTADUAL E ESTA RECLAMA QUORUM DE 2/3 DOS PARLAMENTARES PARA
O RECEBIMENTO DA DENUNCIA, E ESTE O REGRAMENTO QUE DEVE SER
OBSERVADO. NAO APENAS PELO PRINCIPIO DA SIMETRIA, MAS PELA
ADOÇÃO LEGISLATIVA DO TRATAMENTO PREVISTO NA CARTA ESTADUAL.”
(TJRS, Agravo de Instrumento No 599020633, Primeira Câmara de Férias
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa,
Julgado em 16/03/1999)
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. VALOR DA CAUSA. QUORUM PARA
ADMISSÃO DE ACUSAÇÃO CONTRA O PREFEITO MUNICIPAL. (...) SE A CARTA
MAGNA E A CONSTITUIÇÃO ESTADUAL PREVÊEM QUORUM QUALIFICADO DE DOIS
TERÇOS PARA RECEBIMENTO DE ACUSAÇÃO CONTRA O PRESIDENTE DA
REPÚBLICA OU O GOVERNADOR DO ESTADO, NÃO PODE, A LEI ORGÂNICA DO
MUNICÍPIO, INOVAR, PREVENDO MAIORIA SIMPLES. PROCEDENCIA PARCIAL DA
AÇÃO PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO INC. II, ART. 57
DA LOM, SUPRIMINDO-SE O TRECHO ‘...PELO VOTO DA MAIORIA DOS PRESENTES’.
UNÂNIME.” (TJRS, ADI nº 596001057, Rel. Des. Eliseu Gomes Torres, j. em
04/11/1996)
5
6. Merece destaque, ainda, decisão do egrégio TJRJ que, em sede de Ação
Direta de Inconstitucionalidade, declarou a inconstitucionalidade de dispositivo
de Lei Orgânica Municipal que previa o quórum de maioria simples para a
recepção de denúncia contra Prefeito para instauração de processo de cassação:
“Representação de inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Orgânica municipal.
Deferimento de medida cautelar com a suspensão liminar da eficácia da norma legal
impugnada. Processo legislativo para a apuração de eventual prática de infrações
político-administrativas sancionadas com a cassação do mandato do chefe do Poder
Executivo. Norma local que estabelece quorum de maioria simples para o
recebimento da denúncia. Violação ao princípio da simetria, considerando os critérios
fixados nas Cartas Federal e Estadual para similar procedimento.
Inconstitucionalidade da norma local por ofensa também ao princípio da separação e
da interdependência harmônica entre os Poderes. Expressão questionada inserida na
norma editada em descompasso com a regra paradigmática que se extrai das
normas constitucionais superiores, fragilizando um dos Poderes políticos locais em
detrimento do outro. Sistema de pesos e contrapesos que resta desequilibrado. Falta
de razoabilidade e de proporcionalidade do critério adotado pela Lei Orgânica
Municipal. Declaração da inconstitucionalidade da expressão contida na norma, com
redução de seu texto, dando, em seguida, ao dispositivo legal interpretação
conforme a Constituição Estadual, que reproduz obrigatoriamente norma contida na
Constituição Federal, para fixar que o eventual recebimento da denúncia oferecida
contra o Prefeito somente se considerará recebida pelo quorum qualificado de 2/3
(dois terços) da Câmara de Vereadores, confirmando-se a medida cautelar antes
deferida.” (TJRJ, Órgão Especial, ADI nº 0020460-62.2007.8.19.0000, rel. Des.
FERNANDO MARQUES DE CAMPOS CABRAL, julg. em 02/12/2007)
Importante transcrever, pela força e clareza dos argumentos, os seguintes
trechos do voto condutor da decisão acima evidenciada:
“Sustenta o representante, de início, que a referida norma ofende o princípio
da simetria, no momento em que deixa de observar no procedimento que regula os
6
7. modelos federal e estadual quanto ao ‘quorum’ de instauração do processo para a
apuração de infrações político-administrativas (crimes de responsabilidade).
Exemplifica citando o art. 86 da Constituição Federal, que prevê para o mesmo
caso o ‘quorum’ qualificado de dois terços da Câmara dos Deputados, bem assim, o
art. 147 da Constituição estadual, que segue igual modelo, exigindo o mesmo
‘quorum’ para o exercício do juízo de admissibilidade da acusação pela Assembléia
Legislativa. (...)
Vê-se, de plano, que os argumentos do representante revestem-se de
elevada densidade jurídica, e são certamente plausíveis e dotados de inefável sentido
de probabilidade de êxito.
Indiscutível que tanto a Constituição da República, quanto a Constituição do
Estado, de forma idêntica preveem o ‘quorum’ qualificado de dois terços de seus
membros para a admissibilidade da denúncia ou acusação feita ao Chefe do Poder
Executivo por infração político-administrativa, que possa resultar, inclusive, no seu
impedimento e na cassação de seu mandato, com todas as consequências daí
advindas.
A regra seguida pela Constituição estadual tem razão de ser que não se atém
apenas ao juízo de conveniência e oportunidade do legislador constituinte estadual,
mas decorre da imposição de que, na matéria, se observe inevitavelmente o princípio
da simetria.
Embora não se deva acolher, de forma ampliativa e abrangente, a alegação
de um suposto princípio da simetria, prestigiando-o de modo a se erguer um
inconcebível obstáculo e uma inexpugnável barreira às iniciativas do legislador local
que ouse ir além da simples reprodução de dispositivos da Constituição Federal, ou
ainda da Carta Estadual, no caso dos Municípios, há situações que importam na
obrigatoriedade de se respeitar o sistema concebido originariamente pelo
Constituinte Republicano, sem que dele se possa desviar, tendo em conta que
versam sobre princípios centrais e que integram o núcleo permanente da
7
8. Constituição, em que estão fincados, inclusive, os alicerces do Estado Democrático
de Direito.
É o que ocorre com o dogma da separação e interdependência harmônica dos
Poderes, que é um dos pilares de nosso sistema político-constitucional.
Ninguém dúvida da relevância do sistema de pesos e contrapesos para o
controle recíproco dos Poderes do Estado, para que nenhum deles possa extrapolar
seus limites, invadindo esfera de competência e atribuição dos demais, ou ainda,
sobrepor-se a estes para impor sua vontade ou subjugar, por qualquer modo, seus
representantes.(...)
Colhe-se daí, portanto, que a norma infraconstitucional, aí considerada
também a Constituição dos Estados e a Lei Orgânica dos Municípios, não pode
ampliar as formas de controle do legislativo sobre os demais Poderes, ou mesmo –
dado que o efeito é similar – estabelecer procedimentos com ampliação de seus
poderes para exercer tal fiscalização, em desacordo com as regras paradigmáticas
que se extraem do exame das Constituições Federal e Estadual.
E quanto a isto, afigura-se mais do que plausível, isto é, mostra-se evidente,
no caso em análise, o argumento do representante quanto à inconstitucionalidade da
expressão ‘pelo voto da maioria dos presentes’, que se coloca em testilha com
os artigos 147 e 345, inciso VIII, da Carta Estadual, deixando o legislador local de
observar na elaboração de sua Lei Orgânica os princípios mandados seguir pelo
constituinte estadual, em respeito ao princípio da separação dos poderes e da
interdependência harmônica entre eles, que tornam impositivo o atuar simétrico de
todas as unidades políticas em relação à matéria em exame.
Mas, não é só, a disposição questionada, caso mantida, viola frontalmente o
princípio da separação e interdependência harmônica que deve existir entre os
Poderes do Estado, consagrada no texto do art. 7º da Constituição Estadual.
Frise-se, mais, que não é razoável e nem proporcional que a Câmara dos
Vereadores – especialmente em Municípios cujo quantitativo de membros é reduzido
8
9. – por simples maioria dos presentes – ou seja, não se exige sequer a maioria de seus
membros – possa admitir denúncias ou acusações contra o Prefeito, podendo
inclusive afastá-lo de seu cargo cautelarmente, quando a regra republicana exige
para tanto o ‘quorum’ qualificado de dois terços dos membros da respectiva Casa
legislativa, promovendo, por meio deste critério, o enfraquecimento do Chefe do
Poder Executivo perante a edilidade, e fragilizando o equilíbrio que deve existir na
constituição do sistema de fiscalização recíproca dos Poderes, que deve ser
contrabalançado por meio dos ‘pesos e contrapesos’ adotados.”
Esse é o entendimento esposado pelo doutrinador ANTÔNIO TITO COSTA que
defende o paralelismo das formas entre o âmbito federal e municipal, senão vejamos:
“É importante lembrar que o quórum para votação do recebimento da
denúncia tem de ser de dois terços dos membros da Câmara, e não a
maioria absoluta dos presentes como dizia o Dec-lei 201/67. E assim há de
ser por duas razões, entre outras: em primeiro lugar, para que se cumpra a
simetria entre situações semelhantes no âmbito federal e no estadual. O
Município não pode, nesse particular, ter comportamento diferenciado, em desfavor
da garantia do acusado. A constituição, no seu art. 52, parágrafo único, como o art.
86, exige quórum de dois terços para a declaração de perda de mandatos federais.
As constituições dos Estados contemplam de maneira igual a exigência. Não haverá
de ser diferente no âmbito municipal. O modelo federal impõe aos demais
níveis dos poderes estaduais e municipais o paralelismo das formas, em
decorrência da necessidade de rigorismo cumprimento das regras
constitucionais. Bem por isso o Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da
ação direta de inconstitucionalidade de preceito inserido em lei orgânica municipal,
assim deixou decidido: “... patente que o Dec-lei 201/67 só foi recepcionado pela
Constituição Federal vigente no tocante ao quórum da condenação. Quanto ao
necessário para o recebimento da denúncia, vale aquele de dois terços
previsto constitucionalmente. Em segundo lugar, porque não se pode aceitar
que para a cassação final se exija quórum qualificado de dois terços dos membros da
Câmara, se o processo cassatório, possa dar-se por maioria ocasional dos presentes
9
10. à sessão. A incoerência, nesse particular, da lei de exceção, está sendo corrigida
agora pela nova Constituição, sob o prestigiamento de julgados de nossos mais
importantes tribunais judiciários. Até mesmo por razões de política dos acusados,
que, assim sendo, ficariam sujeitos à deliberação muitas vezes apressada e
equivocada de eventual maioria simples de parlamentares presentes à sessão.”
(Antônio Tito Costa, Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores, São Paulo, Ed. RT,
1998, 3ª ed., p. 150/151)
O mesmo entendimento é manifestado por ROGÉRIO GESTA LEAL e JONATHAN
AUGUSTUS KELLERMANN KAERCHER no artigo intitulado “O IMPEACHMENT DE
PREFEITO MUNICIPAL NO BRASIL: POSSIBILIDADES” (vide
https://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/article/view/5550), conforme se observa do
seguinte trecho:
“Uma falha comum nos processos de cassação de prefeitos e vereadores diz respeito
ao quórum para o recebimento da denúncia pela Câmara de Vereadores, isto porque
hoje é necessária a aprovação por dois terços dos membros da Câmara, não "voto da
maioria dos presentes" como consta do art. 5º, II, do Decreto-lei nº 201/67. “
O inexorável entendimento extraído dos retromencionados trechos é de
necessidade de observância ao quórum qualificado de dois terços para o
recebimento da denúncia, conforme prescrevem, como visto acima, a Carta
Magna, a Constituição do Estado de Pernambuco e a Lei Orgânica do Município de
Camaragibe.
O entendimento da jurisprudência não poderia ser diferenciado do esposado
doutrinariamente. A construção jurisprudencial é no sentido de aplicação do princípio da
simetria, de forma a ser aplicado o dispositivo constitucional quanto a verificação do quórum
qualificado de ⅔ (dois terços) para o recebimento da denúncia. Colaciona-se os seguintes
precedentes dos Tribunais de Justiça pátrios, inclusive do egrégio Tribunal de
Justiça de Pernambuco:
“CONSTITUCIONAL. CASSAÇÃO DE MANDATO DE VEREADOR. DENÚNCIA
RECEBIDA SEM OBSERVÂNCIA DO QUORUM DE 2/3. APLICAÇÃO DO
10
11. PRINCÍPIO DA SIMETRIA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1.Com efeito, o
Decreto Lei nº 201/67, o qual dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e
Vereadores, assevera no § 1º, do inciso III, do art. 7º, que o processo de cassação
de mandato de vereador é, no que couber, o estabelecido no art. 5º do mesmo
decreto-lei, o qual, por sua vez, dispõe que para o recebimento da denúncia basta
apenas o voto da maioria dos presentes à sessão em que foi apresentada. Com a
promulgação da atual Constituição Federal, esse quorum foi ampliado,
passando de "maioria simples" para "maioria qualificada", ou seja, 2/3 dos
membros da Câmara Municipal. Isso em face do princípio da simetria com
o centro que, com base nas normas constitucionais, faz com que o
legislativo inferior se limite a seguir as regras traçadas pela Carta Magna.
2.A Câmara Municipal de Tamandaré é composta por 09 (nove) vereadores e, por
assim ser, constata-se que não foi observado o quorum necessário, ou seja, de 2/3
de seus membros no recebimento da denúncia, vez que apenas houve cinco votos
favoráveis, em evidente flagrante ao preceito constitucional. 3.Agravo improvido,
decisão unânime.” (TJPE, 2ª Câmara de Direito Público, Agravo Regimental nº
270965-1/01, rel. rel. Des. José Ivo de Paula Guimarães, pub. em 08/06/2012)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. DENÚNCIA
CONTRA O PREFEITO DE SARANDI POR INFRAÇÃO
POLÍTICO-ADMINISTRATIVA. RECEBIMENTO. NECESSIDADE DE QUÓRUM
DE 2/3 DOS VEREADORES. PRINCÍPIO DA SIMETRIA. ARTIGO 86 DA
CF/88. EXERCÍCIO DA AUTOTUTELA. RECONHECIMENTO DA NULIDADE DO
RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E DO ATO DE CONSTITUIÇÃO DA COMISSÃO
PROCESSANTE. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E
DESPROVIDO.” (TJPR, Quinta Câmara Cível, Processo nº
0002302-54.2018.8.16.0000, rel. Des. Luiz Mateus de Lima, julg. em 10/04/2018)
“PREFEITO. INFRAÇÕES POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS. PROCESSO DE
CASSAÇÃO. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E CONSTITUIÇÃO DA COMISSÃO
PARLAMENTAR PROCESSANTE. QUÓRUM DE 2/3, NOS TERMOS DO ART. 86
DA CFRB E ART. 73 DA CESC, POR SIMETRIA. NÃO RECEPÇÃO DO ART. 5º, II,
DO DECRETO-LEI N. 201/1967, NO PONTO. PRECEDENTES. RECURSO
11
12. DESPROVIDO. "A despeito de o art. 5º, inc. II, do Decreto-lei n. 201/67, condicionar
o recebimento de denúncia contra Prefeito Municipal ao voto da maioria dos
membros presentes da Edilidade, é de aplicar-se, pelo princípio da simetria, o
quorum de dois terços (2/3) para tal fim, à luz do normado pelo art. 86, caput, da
Constituição da República, e pelo art. 73, caput, da Carta Estadual, ao entendimento
de que o preceptivo legal em foco não foi recepcionado pelo ordenamento
constitucional". (ACMS n. 2011.086149-5, de Joaçaba, rel. Des. João Henrique Blasi,
Segunda Câmara de Direito Público, j. 18-12-2012)” (TJSC, Primeira Câmara de
Direito Público, Agravo de Instrumento nº 0157587-23.2015.8.24.0000, rel. Des.
Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, julg. em 30/08/2016”
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DE
LIMINAR. SUPOSTA PRÁTICA DE INFRAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO
AGRAVANTE, NOTICIADA POR DENÚNCIA APRESENTADA POR ELEITOR. RECURSO
DO IMPETRANTE. ALEGAÇÃO DE EQUÍVOCO EM RELAÇÃO AO QUÓRUM DE
INSTALAÇÃO E VOTAÇÃO DA COMISSÃO PROCESSANTE, ALÉM DE
CERCEAMENTO DE DEFESA, EM FACE DA AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO
AGRAVANTE DE TODOS OS ATOS DO PROCESSO. PARECER DA PROCURADORIA DE
JUSTIÇA PELO PROVIMENTO DO RECURSO. DECISÃO REFORMADA. RECURSO
PROVIDO. É cediço que o controle judicial do processo de cassação de mandado
eletivo limita-se à verificação da conformidade dos atos praticados pelo Poder
Legislativo Municipal à norma legal. Em decorrência do princípio da supremacia
constitucional, tem prevalecido neste Tribunal e em outras Cortes pátrias o
entendimento de que o quórum para o recebimento da denúncia contra
Prefeito, nas hipóteses de infração político-administrativa, é de 2/3 (dois
terços). Exige-se, portanto, maioria qualificada e não maioria simples,
como considerou a juíza de 1º grau.Não está evidenciado o cerceamento de
defesa sofrido pelo Agravante, até porque não comprovado o prejuízo sofrido, neste
sentido.Agravo de Instrumento conhecido e provido.” (TJBA, Agravo de Instrumento
nº 0003679-08.2014.8.05.0000, rel. Des. ROBERTO MAYNARD FRANK, pub. em
25/02/2015)
12
13. “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE
SEGURANÇA CONTRA DECRETO LEGISLATIVO QUE INSTAUROU COMISSÃO
PROCESSANTE PARA APURAR SUPOSTA INFRAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA
PELO PREFEITO MUNICIPAL. FORMAÇÃO DE COMISSÃO PROCESSANTE COM O
QUORUM PREVISTO NO DECRETO LEI Nº 201/1967. INADMISSIBILIDADE. NÃO
OBSERVÂNCIA AO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL. PRINCIPIO DA SIMETRIA.
DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. I. Em atenção ao
principio da simetria, o recebimento de denúncia por infração político-administrativa
contra o Prefeito deve obedecer ao quorum de 2/3 (dois terços) dos membros da
Câmara dos Vereadores, nos termos do disposto no artigo 86, caput da CF/88 e do
art. 5º , II do Decreto-Lei nº 201/1967. II. Decisão indeferindo o efeito
suspensivo.AGRAVO INSTRUMENTO CONHECIDO E IMPROVIDO.” (TJBA, Agravo de
Instrumento nº 0009192-54.2014.8.05.0000, rel. Des. BALTAZAR MIRANDA
SARAIVA, pub. em 27/01/2015)
“CÂMARA DE VEREADORES. QUORUM PARA RECEBIMENTO DE DENÚNCIA
OFERTADA CONTRA PREFEITO MUNICIPAL. DECRETO-LEI N. 201/67.
EXIGÊNCIA DE MAIORIA SIMPLES NÃO RECEPCIONADA PELA NOVA
ORDEM CONSTITUCIONAL. NECESSIDADE DE QUORUM QUALIFICADO DE DOIS
TERÇOS DO MEMBROS DA EDILIDADE. RECURSO PROVIDO. A despeito de o art. 5º,
inc. II, do Decreto-lei n. 201/67, condicionar o recebimento de denúncia contra
Prefeito Municipal ao voto da maioria dos membros presentes da Edilidade, é de
aplicar-se, pelo princípio da simetria, o quorum de dois terços (2/3) para tal fim, à
luz do normado pelo art. 86, caput, da Constituição da República, e pelo art. 73,
caput, da Carta Estadual, ao entendimento de que o preceptivo legal em foco não foi
recepcionado pelo ordenamento constitucional.” (TJSC, Segunda Câmara de Direito
Público, ACMS nº 2011.086149-5, rel. Des. João Henrique Blasi, julg. em
18/12/2012)
“APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. RECEBIMENTO, PELA
CÂMARA MUNICIPAL, DE DENÚNCIA CONTRA PREFEITO PELO VOTO DA
MAIORIA SIMPLES DOS VEREADORES. MATÉRIA DE FUNDO
13
14. CONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE SIMETRIA COM O ART. 86 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 89 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL.
EXIGÊNCIA DE QUÓRUM DE 2/3 DOS VEREADORES.
INCONSTITUCIONALIDADE DO INC.II, § 2º DO ART. 59 DA LEI ORGÂNICA
MUNICIPAL DE MARIPÁ. DISPENSA DA CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO (ART.
97, CF).DESNECESSIDADE DE SUSCITAR INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE
PERANTE O ÓRGÃO ESPECIAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA TRANSCENDÊNCIA
DOS MOTIVOS DETERMINANTES, EM RAZÃO DA MESMA QUESTÃO JÁ DECIDIDA
ANTERIORMENTE PELO ÓRGÃO ESPECIAL DESTA EGRÉGIA CORTE - AI Nº
146.354-1 E AI Nº 119.684-7. EXEGESE DO ART.481, PARÁGRAFO ÚNICO DO CPC.
NULIDADE DO ATO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA, DO ATO DE CONSTITUIÇÃO
DA COMISSÃO PROCESSANTE E DOS ATOS POR ELA PRATICADOS.SENTENÇA
REFORMADA. SEGURANÇA CONCEDIDA. APELAÇÃO PROVIDA. Este Tribunal tem
reiteradamente reconhecido que às Leis Orgânicas Municipais aplica-se o
princípio da simetria para fazer valer o art. 86 da Constituição Federal e
art. 89 da Constituição Estadual, que estabelecem quórum de 2/3 para
recebimento de denúncia contra o Chefe do Executivo, nas esferas
federativas respectivas.Ao presente caso, aplica-se a mesma ratio, declarando-se
inconstitucional o art. 59, § 2º, inc. II da Lei Orgânica Municipal de Maripá, sem
necessidade da observância da cláusula de reserva de plenário por força do que
estabelece o parágrafo único do art. 481 do CPC, sob o influxo da teoria da
transcendência dos motivos determinantes.” (TJPR, Quinta Câmara Cível, AC nº
933315-5, rel. Des. Rogério Ribas, julg. em 20/11/2012)
“I - Mandado de segurança. Formação de comissão processante com o quórum
previsto em Lei Orgânica local. Inadmissibilidade. Não observado o ordenamento
constitucional. II - Processo de responsabilidade e infração político-administrativa
promovido contra o Prefeito, disciplinado pela Lei Orgânica local, o quórum
necessário para o recebimento da denúncia, em simetria com o sistema
constitucional (art. 86 da CF/88) é o de maioria qualificada (2/3 dos
membros da Câmara), e não o de maioria simples, como dispõe a Lei
Orgânica do Município de Cerqueira César. Não recepcionado pelo
14
15. ordenamento constitucional. Inobservada tal regra, o recebimento da denúncia é
insubsistente. III - Segurança concedida. Recursos improvidos." (TJSP, 7ª Câmara de
Direito Público, APL nº 0002338-78.2010.8.26.0136, rel. Des. Guerrieri Rezende,
pub. em 30/05/2011)
“MANDADO DE SEGURANÇA. PREFEITO. CASSAÇÃO. A ADMISSÃO, PELA
CÂMARA DE VEREADORES, DE DENÚNCIA FORMULADA CONTRA PREFEITO
MUNICIPAL, DESTINADA A INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO DE
CASSAÇÃO DO ALCAIDE, EXIGE QUORUM QUALIFICADO, O MESMO
PREVISTO PARA A INSTAURAÇÃO DE PROCESSO DE IMPEACHMENTE DO
GOVERNADOR DO ESTADO (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART-84) E DO
PRESIDENTE DA REPÚBLICA (CONSTITUIÇÃO FEDERAL ART-86, CAPUT).
NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA SIMETRIA, A DETERMINAR A NÃO
RECEPÇÃO, PELA CARTA DE 1988, NO PARTICULAR, DO REGRAMENTO CONTIDO
NO DECRETO-LEI 2001/67. SENTENÇA CONFIRMADA.” (TJRS, Apelação e Reexame
Necessário No 70001226166, Primeira Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Honório Gonçalves da Silva Neto, Julgado em 21/12/2000)
“ADMINISTRATIVO. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO PARA CASSAR MANDATO
DE PREFEITO. NECESSIDADE DO "QUORUM" DE DOIS TERÇOS. ASSENTO
CONSTITUCIONAL DE HIERARQUIA SUPERIOR (ART 51, INC-I, DA CF/88 E
ART-53, INC-V, DA CE/89). DERROGAÇÃO , NESTE PONTO, DO DEC- LEI N. 201/67.
SENTENÇA CONFIRMADA, EM REEXAME.” (TJRS, Terceira Câmara Cível, Reexame
Necessário nº 70000455287, rel. Des. Perciano de Castilhos Bertoluci, julg. em
09/03/2000)
“ADMINISTRATIVO. PRAZO PARA CONCLUSÃO DE INQUÉRITO. "QUORUM" PARA
ADMISSÃO DE ACUSAÇÃO CONTRA PREFEITO MUNICIPAL. (...) 5. Não
respeitado o prazo de 90 dias, para conclusão do processo de cassação de mandato
do Prefeito, (Decreto-Lei nº 201/67, art. 5º, VII), configurada esta a ilegalidade e o
abuso passíveis de amparo pelo Mandado de Segurança (CF/88, art. 5º, LXIX, e Lei
nº 1533/51, art. 1º). Para o recebimento de denúncia, contra Prefeito, pela
Câmara Municipal é necessário "quorum" qualificado de 2/3 (CF/88, art.
15
16. 86, e CE/89, art. 84).6. Apelação desprovida.” (TJRS, Quarta Câmara Cível, Apelação
Cível nº 70000101147, rel. Des. Araken de Assis, julg. em 01/12/1999)
Assim, considerando os inúmeros precedentes retromencionados, conclui-se que o
recebimento de denúncia contra prefeito pelo voto da maioria simples não foi recepcionada
pela Constituição Federal de 1988, motivo pelo qual, em prol do princípio da simetria, o art.
52 da Constituição Federal que determina a observância do quorum qualificado de 2/3 deve
ser aplicado no âmbito municipal, o que implica na nulidade absoluta do recebimento da
denúncia no caso presente.
Afinal, conforme comprova ata de sessão (anexa), o quorum qualificado
não foi respeitado no presente caso, senão vejamos:
“[...] Assumido a presidência interinamente o senhor vereador roberto da loteria
solicitou ao 2º secretário ad-hoc que procedesse com a chamada para que o
denunciante possa votar. Sendo assim o senhor vereador antónio oliveira votou
favorável a denúncia. Com tudo o senhor presidente interino roberto da loteria,
anunciou o resultado da referida eleição, que passou a ser: cinco votos
favoráveis a denúncia, quatro votos contrários , quatro abstenções [...]”
Destaca-se que, ainda que o voto do Presidente/Denunciante pudesse ser
computado, fato que será debatido no próximo tópico, observa-se que o quórum
exigido para recebimento não foi atendido.
IV.2. CONDUÇÃO POR PARTE DO PRESIDENTE DA CÂMARA/DENUNCIANTE
DE ATO DECISIVO DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DO
VOTO PARA DESEMPATE. VOTO IRREGULAR. VÍCIO INSANÁVEL.
NULIDADE
A denúncia por infração político-administrativa em desfavor do prefeito Demóstenes
Meira foi apresentada pelo Presidente da Câmara dos Vereadores, o Sr. Antônio José
Oliveira Borba.
16
17. Conforme relatado, o Plenário da Câmara dos Vereadores, em sessão deliberativa
realizada em 26 de fevereiro de 2019 (ata anexa), recebeu a denúncia e instaurou processo
de cassação contra o Impetrante por suposta prática de infração político-administrativa.
A priori, convém salientar que, caso não seja acatada a tese de aplicabilidade do
quórum de ⅔ (dois terços) para o recebimento da denúncia, em razão da não recepção do
inciso II do art. 5º do Decreto Lei n° 201/67, o que se admite apenas para argumentar, o
cômputo do voto do Presidente da Câmara dos Vereadores na qualidade de
denunciante é absolutamente irregular e implica na necessidade de
reconhecimento da ocorrência de vício insanável.
Destaca-se que o procedimento de cômputo dos votos está eivado de vício
insanável, principalmente porque o denunciante, Presidente da Câmara dos
Vereadores, atuou diretamente, mediante a condução de atos essenciais do
processo; inclusive, votou para o recebimento da denúncia em desfavor do
Prefeito de Camaragibe, em nítida violação ao art. 5º, incisos I e II, do
Decreto-Lei n° 201/67. Vejamos:
Na sessão deliberativa de 26 de fevereiro de 2019, o Presidente da Câmara dos
Vereadores, Sr. Antônio José Oliveira Borba, afastou-se da presidência dado sua condição de
denunciante e convidou Senhor 1º Secretário Roberto da Loteria para assumir interinamente
a presidência para conduzir a apuração dos votos para recebimento ou não da denúncia.
Continuados os trabalhos, após a apresentação da denúncia pelo denunciante, o
presidente interino computou os votos para aceitação ou não da denúncia, restando 4
(quatro) abstenções, 4 (quatro) votos a favor e 4 (quatro) votos contra o recebimento da
denúncia.
Assim, restou assentado em ata: “computados os votos pelo 1º secretário ad-hoc
Délio Júnior , verificou-se que o resultado foi empate. Reaberto os Trabalhos pelo Presidente
interino José Roberto, foi anunciado pelo mesmo que a denúncia foi rejeitada pelo
quorum de quatro votos contrários, quatro votos favoráveis e quatro abstenções.”.
17
18. Cinge-se demonstrado que a denúncia, inicialmente, sem qualquer tipo de
interferência do denunciante (Presidente da Câmara dos Vereadores), foi
rejeitada.
Acontece que, em ato totalmente violador do art. 5º, incisos I e II, do Decreto-Lei nº
201/67, o próprio denunciante, ao reassumir a presidência sustentou que “a rejeição da
denúncia através de empate, foi uma decisão dos próprios vereadores e que se mesmo
tivesse o direito do voto, votaria favorável a denúncia”.
De pronto, vislumbra-se o interesse do Presidente da Câmara dos Vereadores no
recebimento da denúncia, mesmo que este não tenha o condão de interferir no recebimento
ou não da denúncia dado a sua condição de denunciante.
Para tanto, o Senhor Presidente pronunciou o seguinte: “vou suspender os trabalhos
por cinco minutos, gostaria de me reunir com os nobres vereadores, porque o Procurador da
Casa acompanhando a Lei n° 201/67, neste caso de empate o denunciante tem direito a
voto”.
Retomando os trabalhos da sessão deliberativa, o Presidente Antônio Oliveira
anunciou o seu direito de voto, com base no Decreto Lei n° 201/67, sem qualquer tipo de
deliberação na sessão, e repassou a presidência para o Vereador Roberto da Loteria, com
objetivo de votar a favor do recebimento da denúncia.
O presidente interino colheu o voto do vereador Antônio Oliveira/denunciante e
anunciou o resultado da referida eleição que passou a ser: cinco votos favoráveis a
denúncia, quatro votos contrários e quatro abstenções.
Primeiramente, convém salientar que o Decreto-Lei n° 201/67 não suscita a
possibilidade de intervenção do denunciante/Presidente da Câmara de Vereadores no caso
de empate da votação. Pelo contrário, o art. 5º, inciso I, do referido decreto determina que
“Se o denunciante for o Presidente da Câmara, passará a Presidência ao substituto legal,
para os atos do processo, e só votará se necessário para completar o quorum de
julgamento”.
18
19. Percebe-se o caráter subsidiário e excepcional da participação do
denunciante quando Presidente da Câmara dos Vereadores, somente para
completar quorum de julgamento, caso que não representa a presente situação.
Portanto, extrai-se que o próprio denunciante, após retomar o exercício da
presidência da sessão, praticou os seguintes atos:
a) recebeu questão de ordem sobre o seu direito de voto suscitada pelo Vereador
José Roberto;
b) suspendeu a sessão para deliberar sobre o assunto;
c) consultou a assessoria jurídica da Câmara Municipal;
d) retomou a sessão exercendo a presidência e, de forma unilateral, posto que
sequer submeteu a questão à deliberação do Plenário, decidiu desfazer a proclamação do
resultado feita anteriormente pelo primeiro secretário no exercício da presidência e abrir a
possibilidade de cômputo do seu voto.
Extrai-se da ata da referida sessão que o presidente/denunciante, sem qualquer tipo
de deliberação do Plenário, já retomou a sessão afirmando que iria desempenhar o seu
direito de voto com o objetivo de desempatar a votação, em nítido descompasso com a
legislação do Decreto Lei n° 201/67.
Dessa forma, vislumbra-se que o denunciante (Presidente da Câmara dos
Vereadores) atuou diretamente no processo ao decidir sobre questão de ordem
sem qualquer aparato dos demais vereadores para confirmar a plausibilidade do
seu direito de voto.
A jurisprudência segue no sentido de considerar nulo o processo de
cassação de mandato caso o Presidente da Câmara, na condição de denunciante,
presidir ou interferir em quaisquer trabalhos vinculados ou derivados da
denúncia. In verbis:
19
20. “PREFEITA MUNICIPAL. PROCESSO DE CASSAÇÃO DE MANDATO. Quando o
Presidente da Câmara for o denunciante, fica impedido de presidir
quaisquer trabalhos vinculados ou derivados da referida denúncia.
Presidente que conduziu parcialmente alguns atos do processo, inclusive presidiu o
sorteio para a constituição da Comissão Processante. Violação do artigo 5º, incs. I e
II, do Decreto-lei nº 201/67. Diante da ocorrência de vício insanável, de rigor a
declaração de nulidade do procedimento administrativo. Segurança concedida.
Remessa necessária improvida.” (TJSP, 7ª Câmara de Direito Público, Processo nº
1000515-39.2017.8.26.0449, rel. Des. Moacir Peres, pub. em 24/07/2018)
“PROCESSO DE CASSAÇÃO DE MANDATO DE VEREADOR. VÍCIOS FORMAIS.
AUSÊNCIA DE DENÚNCIA ESCRITA. VÍCIO RECONHECIDO. DENUNCIANTE
PRESIDENTE DA CÂMARA, QUE DEVERIA TER SIDO IMPEDIDO DE
PRESIDIR DEMAIS ATOS. IMPEDIMENTO NÃO FORMALIZADO. QUÓRUM
DE VOTAÇÃO DE 2/3. DESOBEDIÊNCIA. NECESSIDADE DE CONVOCAÇÃO
DE SUPLENTE, PARA COMPOR O QUÓRUM. ILEGALIDADE EVIDENCIADA.
SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. Da análise dos documentos apresentados, percebe-se
que o impetrante tem razão quando alega a inexistência de denúncia formal. Isso
porque não houve denúncia escrita formulada pela autoridade denunciante,
contrariando o que exige o art. 5º, I do Decreto lei nº 201/67. A denúncia se deu de
maneira informal. 2. O referido dispositivo é claro ao afirmar que, "se o
denunciante for o Presidente da Câmara, passará a presidência ao
substituto legal, para os atos do processo, e só votará se necessário para
completar o quorum de julgamento". No presente caso, não há dúvidas de que
o Presidente da Câmara foi o denunciante. 3. O Decreto-Lei n. 201/67 exige o
voto de 2/3 (dois terços) dos membros da Câmara Municipal, para que seja
decretada a cassação do mandato de vereador (art. 5º, VI). In casu, a
Câmara Municipal de Barcelos possui 11 vereadores. Por meio de um simples cálculo,
denota-se que 2/3 de 11 tem por resultado o número 7,33. Por conseguinte o
quórum mínimo para a cassação será de 8 (oito) vereadores, número inteiro
posterior ao cálculo procedido. 4. Há de se ressaltar que, no presente caso, o
20
21. ora impetrante estava, evidentemente, impedido de votar no processo de
cassação, por figurar como acusado. Contudo, consoante a Lei, o
procedimento adequado seria o de convocar substituto, a fim de
obedecer-se o quórum de 2/3 (dois terços) do total de membros da
Câmara, não do total de membros desimpedidos (Art. 5º, I e V, Decreto-Lei n.
201/67). Precedentes do STJ. 5. Segurança concedida.” (TJAM, Câmaras Reunidas,
MS nº 4004533-58.2014.8.04.0000, rel. Des. Jorge Manoel Lopes Lins, pub. em
30/07/2015)
Assim, a condução, mesmo que parcialmente, do Presidente/denunciante
em atos do processo, inclusive ao receber questão sobre o processo de votação
do recebimento da denúncia e, após suspender a sessão, decidir, sem deliberação
de questão posta ao Plenário, sobre o seu direito de voto para recebimento da
denúncia, de forma a modificar totalmente o resultado da primeira votação,
consubstancia violação do artigo 5º, incs. I e II, do Decreto-lei nº 201/67.
Nesse sentido, diante o exposto, considerando que o Presidente da Câmara dos
Vereadores/denunciante fica impedido de presidir quaisquer trabalhos vinculados ou
derivados da referida denúncia, observa-se que o cômputo do voto do Sr. Antônio Oliveira é
irregular gerando a nulidade do procedimento de recebimento da denúncia.
IV.3. IMPOSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DE VOTO DO PRESIDENTE DA
CÂMARA - PARTE DIRETAMENTE INTERESSADA (LINHA DE SUCESSÃO DO
CHEFE DO PODER EXECUTIVO) - NÃO RECEPÇÃO DA RESSALVA PREVISTA
NO INCISO I DO ART. 5º DO DECRETO-LEI Nº 201, DE 1967
O art. 5º, inciso I, do Decreto Lei n° 201/67 dispõe que “Se o denunciante for o
Presidente da Câmara, passará a Presidência ao substituto legal, para os atos do processo, e
só votará se necessário para completar o quorum de julgamento.”
Em primeiro lugar, é imperioso dizer que a parte do supracitado dispositivo legal que
autoriza o presidente da Câmara a votar mesmo ostentando a condição de denunciante deve
ser tida como não recepcionada pela Constituição Federal.
21
22. Efetivamente, tal autorização excepcional viola o princípio da isonomia, vez que, em
detrimento dos demais vereadores, autoriza o presidente da câmara a votar mesmo
ostentando a condição de denunciante.
Dessa forma, se qualquer outro vereador for denunciante fica absolutamente
impedido de votar, ao passo que, sem qualquer justificativa lógica para a discriminação, o
presidente pode votar para completar o quorum de julgamento, o que se revela um
discrímen totalmente desprovido de razoabilidade.
Ademais, tal previsão esbarra também nos princípio do devido processo legal, da
moralidade e da razoabilidade, isto porque o recebimento da denúncia de impeachment do
Prefeito é de interesse direto do Presidente da Câmara dos Vereadores, dado que o
afastamento do Chefe do Poder Executivo coloca-o na linha de sucessão, vez que o
Vice-Prefeito sucederia a titularidade do mandato majoritário municipal.
Vislumbra-se que a ata de sessão deliberativa de 26 de fevereiro de 2019 comprova
o interesse do Presidente em exercer o seu voto para desempatar o resultado que havia
culminado na rejeição da denúncia, bem como a nítida participação do Presidente nos atos
(questão de ordem suscitada e comunicada pelo próprio Presidente/denunciante, bem como
por ele decidida unilateralmente) para integrar a formação do quorum para a instauração do
recebimento da denúncia.
É possível demonstrar o nítido interesse do denunciante/Presidente, quando na
sessão deliberativa, ao reassumir a presidência sustentou que “a rejeição da denúncia
através de empate, foi uma decisão dos próprios vereadores e que se mesmo tivesse o
direito do voto, votaria favorável a denúncia”.
A jurisprudência evidencia a impossibilidade de permitir a participação do
Presidente da Câmara dos Vereadores/denunciante na participação no
procedimento, haja vista tratar-se de interessado no afastamento do recorrente
do cargo de Prefeito. In verbis:
22
23. “CONSTITUCIONAL. PREFEITO. CASSAÇÃO. INTEGRANTE DA COMISSÃO
IMPEDIDO. VOTO DETERMINANTE. DEVIDO PROCESSO LEGAL,
LEGALIDADE E MORALIDADE COMPROMETIDOS.
1. O documento de fls. 91/95 demonstra que o Presidente da Câmara, Sr.
Aurimar Terço Oliveira, integrou a formação do quorum exigido por lei
para o impeachment do recorrente.
2. Ocorre que, como sustentado por esta Turma quando do deferimento da liminar
na MC 8.571/AM em sede de agravo regimental - que buscava atribuir efeito
suspensivo ao presente recurso ordinário -, era evidente a impossibilidade de
permitir sua participação no procedimento, haja vista tratar-se de
interessado no afastamento do recorrente do cargo de Prefeito.
3. A participação do Presidente da Câmara foi sobremaneira determinante
que, se afastada, não teria sido atingido o quorum qualificado exigido
(pela Constituição da República, por simetria) para a cassação.
4. Evidente, portanto, a violação aos princípios constitucionais do devido
processo legal, da legalidade e da moralidade.5. Recurso ordinário em
mandado de segurança provido. (RMS 20987 / AM. RECURSO ORDINÁRIO EM
MANDADO DE SEGURANÇA 2005/0192184-0. Órgão julgador: T2 Segunda Turma.
Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Data do Julgamento 19/11/2019. Data da
Publicação 27/11/2009)
Mais essa nulidade contamina o recebimento inicial da denúncia, fase estabelecida
no art. 5º, II, do Decreto-Lei nº 201/67, vez que foi computado irregularmente o voto do
Presidente da Câmara.
V. PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA LIMINAR
Encontram-se presentes os requisitos necessários para a concessão da liminar
pleiteada na presente ação mandamental.
A relevância do fundamento da presente impetração é inconteste, conforme se
observa dos argumentos acima expostos, dos quais se pode extrair a existência de grave
violação legal nos atos impugnados.
23
24. Ademais, o presente mandado de segurança encontra-se amparado em provas
pré-constituídas, não havendo qualquer necessidade de dilação probatória.
Por sua vez, o perigo na demora é manifesto, posto que o ato impugnado, caso não
suspenso, resultará na ineficácia da segurança a ser deferida ao final do processo,
destaca-se que, conforme constante no edital de convocação nº 02/2019 (anexo), no
próximo dia 23/05/2019, uma sessão extraordinária foi marcada para discussão do
processo de cassação.
Além da possibilidade de ineficácia da tutela mandamental caso não haja o
deferimento da liminar, o ato impugnado têm o condão de provocar sérios prejuízos ao
Impetrante, que se verá privado de ver observadas as normas legais na apreciação do
processo de cassação de seu mandato eletivo.
Por fim, o não deferimento da liminar ora pleiteada acarretará na consolidação de
verdadeira fraude e ilegalidade no curso do processo de cassação, conforme visto acima.
VI. PEDIDOS
Diante do exposto, tendo em vista a flagrante violação de direito líquido e certo do
Impetrante e a presença dos requisitos exigidos pelo inciso III do art. 7º da Lei nº 12.016,
de 2009, requer:
a) seja deferida liminar, com fulcro no art. 7º, III, da Lei nº 12.016, de 2009, para
suspender a tramitação do processo de cassação, tendo em vistas as nulidades acima
apontadas na fase de recebimento inicial da denúncia regulada no inciso II do art. 5º do
Decreto-Lei nº 201/67 (itens IV.1. ; IV.2. e IV.3. supra);
b) sejam notificadas as autoridades coatoras, nos termos do art. 7º, I, da Lei nº
12.016, de 2009, para prestarem informações;
24
25. c) seja dada ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica
interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no
feito, conforme estabelecido no art. 7º, II, da Lei nº 12.016, de 2009;
d) seja notificado o Ministério Público Estadual para, dentro do prazo legal, oferecer
parecer;
e) no mérito, seja deferida a segurança para anular o ato de recebimento da
denúncia por infração político-administrativa, em face das nulidades demonstradas no
presente mandado de segurança (itens IV.1. ; IV.2. e IV.3. supra).
Dá à causa o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais).
Pede deferimento.
Recife, 21 de maio de 2019.
RENATO CICALESE BEVILAQUA
OAB/PE 44.064
PAULO ROBERTO FERNANDES PINTO JÚNIOR
OAB/PE 29.754
GUSTAVO PAULO MIRANDA DE ALBUQUERQUE FILHO
OAB/PE 42.868
25