O documento descreve um caso de recurso ordinário interposto por um ex-presidente de Câmara Municipal contra decisão que julgou irregulares as contas da Câmara de 2012. A decisão determinou a devolução de valores pagos a vereador licenciado após 15 dias. O relator entende que a convocação de suplente e pagamento seguiram a lei orgânica municipal, que não observa corretamente a Constituição, e isenta o presidente de responsabilidade.
1. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
Gabinete do Conselheiro Dimas Eduardo Ramalho
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TRIBUNAL PLENO - SESSÃO: 18/11/15 – ITEM: 65
RECURSO ORDINÁRIO
65 TC-002588/026/12
Recorrente: Rodnei Rogério Fréu Ferezin – Ex-Presidente da Câmara
Municipal de Olímpia.
Assunto: Contas anuais da Câmara Municipal de Olímpia, relativas ao
exercício de 2012.
Responsável: Rodnei Rogério Fréu Ferezin (Presidente da Câmara à época).
Em Julgamento: Recurso Ordinário interposto contra o acórdão da E.
Segunda Câmara, que julgou irregulares as contas, nos termos do artigo 33,
inciso III, alíneas "b" e “c”, da Lei Complementar nº709/93, determinando a
restituição aos cofres públicos, da quantia apurada, devidamente atualizada até
a data do efetivo recolhimento.
Acórdão publicado no D.O.E. de 10-03-15.
Advogados: Tadeu Ferreira da Silva e outros.
Acompanha: TC-002588/126/12.
Procuradora de Contas: Élida Graziane Pinto.
Fiscalização atual: UR-8 - DSF-II.
1. RELATÓRIO
1.1 Trata-se de Recurso Ordinário interposto pelo ex-Presidente da
Câmara Municipal de OLÍMPIA, Sr. Rodnei Rogério Freu Ferezin, em face da
decisão da Egrégia Segunda Câmara1
─Relator CONSELHEIRO SIDNEY
ESTANISLAU BERALDO─ que, em 09-12-14, julgou, com fundamento no artigo 33,
inciso III, alíneas “b” e “c” da Lei Complementar nº 709/93, irregulares as
contas de 2012 daquele Legislativo, condenando o ex-presidente, ordenador
de despesa e responsável pelas contas, ao ressarcimento de valor impugnado
(R$16.674,62) relativo ao pagamento de subsídios além do 15º dia de
afastamento a Vereador que se encontrava em licença saúde, pois, conforme
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Conselheiros Sidney Estanislau Beraldo, Relator, e Antonio Roque Citadini, Presidente, e Auditor
Substituto de Conselheiro Josué Romero.
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estabelecido pelo artigo 60, § 3º, da Lei n. 8.213/91, a partir do 16º dia os
correspondentes pagamentos deveriam ter sido suportados pelo Regime Geral
de Previdência Social, gerido pelo INSS.
1.2 Em suas razões (fls. 188/196), o Recorrente argumenta que o ato
de convocação do suplente e do pagamento do vereador licenciado deu-se
com base em manifestações técnicas (Parecer n. 29281 do Cepam), mas com
divergências da assessoria da Câmara.
1.3 Para o douto Ministério Público de Contas (fls. 203/204), seria
de se conhecer do recurso, mas negar-lhe provimento, pois “os argumentos
deduzidos no apelo não suplantam as irregularidades reconhecidas pela
decisão recorrida, não sendo carreados aos autos fatos e/ou documentos
capazes de alterar o juízo de irregularidade”.
É o relatório.
3. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
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2. VOTO PRELIMINAR
Recurso em termos, dele conheço.2
3. VOTO DE MÉRITO
3.1 Entendo que a matéria em exame deva ser analisada à luz das
disposições constitucionais sobre convocação de suplente disciplinada no
Estatuto dos Congressistas (arts. 53 a 56 da CF).
Com efeito. A convocação de suplente de parlamentar mereceu
do constituinte originário comando expresso: “O suplente será convocado nos
casos de vaga, de investidura em funções previstas neste artigo ou de licença
superior a cento e vinte dias” (art. 56, § 1º, da CF).
Caso a licença seja inferior a 120 dias, não está autorizada a
convocação de suplente, seja a licença “por motivo de doença, ou para tratar,
sem remuneração, de interesse particular” (art. 56, II, da CF).
Aliás, se o afastamento for para tratar de interesse particular por
mais de 120 dias por sessão legislativa, configurar-se-á hipótese de perda
antecipada do mandato parlamentar (art. 56, “caput” e § 1º da CF).
Essa disciplina constitucional sobre convocação de suplente
disposta no Estatuto dos Congressistas é de observância obrigatória para os
parlamentares estaduais (art. 27, § 1º, da CF)3
, distritais (art. 32, § 3º, da CF)4
e municipais (arts. 29, “caput” e inciso IX)5
.
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Decisão publicada no DOE de 10-03-15 (fl. 168). Embargos de Declaração opostos em 23-02-15
e rejeitados (fl. 187), com acórdão publicado em 09-06-15. Recurso Ordinário interposto em 08-06-15.
3
“Art. 27 –
§ 1º - Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-lhes as regras
desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de
mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.”
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“Art. 32 –
§ 3º - Aos Deputados Distritais e à Câmara Legislativa aplica-se o disposto no art. 27.”
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Somente quando a licença inicial do titular de mandato for
superior a 120 dias é que dará ensejo à convocação de suplente (art. 241, III, do
Regimento Interno da Câmara dos Deputados
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, e art. 85 do Regimento Interno da Assembleia
Legislativa de São Paulo).
3.2 Postas essas premissas, passamos à análise do caso concreto.
O Presidente da Câmara Municipal de Olímpia deferiu os
Requerimentos n.s 168/12 (60 dias), 236/12 (60 dias), 293/12 (30 dias) e 309/12 (30
dias), de licença por motivo de saúde do Vereador Primo José Álvaro Gerolim,
por períodos que, juntos, totalizaram, 180 dias, iniciados em 03 de abril de
2012.
Ao fazê-lo, observou as disposições da Lei Orgânica do Município
(arts. 33 e 34)
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e as do Regimento Interno da Câmara Municipal de Olímpia (art.
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“Art. 29 – O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício
mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara, que a promulgará, atendidos
os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os
seguintes preceitos:
...
IX – proibições e incompatibilidades, no exercício da vereança, similares, no que couber, ao
disposto nesta Constituição para os membros do Congresso Nacional e, na Constituição do
respectivo Estado, para os membros da Assembleia Legislativa;”
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Art. 241. A Mesa convocará, no prazo de quarenta e oito horas, o Suplente de
Deputado nos casos de:
I - ocorrência de vaga;
II - investidura do titular nas funções definidas no art. 56, I, da Constituição Federal;
III - licença para tratamento de saúde do titular, desde que o prazo original seja
superior a cento e vinte dias, vedada a soma de períodos para esse efeito, estendendo-se a
convocação por todo o período de licença e de suas prorrogações.
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Art. 33 – O Vereador poderá licenciar-se:
I – por moléstia devidamente comprovada ou em licença gestante;
II – para desempenhar missões temporárias de caráter cultural ou de interesse do Município,
mediante autorização;
II – para tratar de interesse particular, por prazo determinado, nunca inferior a trinta dias, não
podendo reassumir o mandato antes do término da licença.
§ 1º - Para fins de remuneração considerar-se-á como em exercício o Vereador licenciado
nos termos dos incisos I e II.
§ 2º - A licença gestante será concedida de acordo com os mesmos critérios e condições
estabelecidas para a servidora pública municipal.
Art. 34 – No caso de vaga ou licença de Vereador, o Presidente convocará o suplente,
imediatamente.
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21, parágrafo único, item 1, e art. 100), que determinam ao Presidente da Câmara
Municipal a convocação de suplente nas licenças por motivo de saúde, mesmo
quando em prazo inferior ao estabelecido na Constituição Federal (art. 56, II, § 1º)
e na Constituição do Estado de São Paulo (art. 17, II, § 1º).
Foram quatro licenças: a primeira e a segunda, de 60 dias; a
terceira e a quarta, de 30 dias cada.
A r. Decisão recorrida, fundamentada no art. 60, § 3º, da Lei n.
8.231/91, conclui que, a partir do 16º dia, os correspondentes pagamentos do
subsídio do Vereador licenciado deveriam ter sido suportados pelo Regime
Geral de Previdência Social, gerido pelo INSS. E determinou a restituição aos
cofres municipais do valor de R$16.674,62, pelo Presidente da Câmara,
autoridade responsável pelo pagamento.
Observo, desde já, que a mesma Lei n. 8.213/91, com alterações,
dispondo sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, estabeleceu
também (em dois dispositivos igual enquadramento!):
“Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes
pessoas físicas:
I - como empregado: (...)
h) o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde
que não vinculado a regime próprio de previdência social ;(Incluída pela Lei nº
9.506, de 1997) (...)
j) o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde
que não vinculado a regime próprio de previdência social, (Incluído pela Lei nº
10.887, de 2004)”.
3.3 Ao contrário da ordem constitucional anterior que, ao ser
modificada pelo AI-28
, determinou a gratuidade pelo exercício da vereança, a
Constituição Federal em vigor estabeleceu como característico dos mandatos
eletivos a remunerabilidade. Nesse sentido as disposições da Lei
Fundamental da Alemanha, já com registro de sua teleologia: “os deputados
§ 1º - O suplente convocado terá o prazo de quinze dias para tomar posse, salvo motivo justo
aceito pela Câmara, aplicando-se, no que couber, o disposto nos parágrafos 1º a 5º, do artigo 15 desta
lei.
§ 2º - Não havendo suplente, em caso de vaga, o Presidente, dentro de quarenta e oito
horas,comunicará o fato diretamente ao Tribunal Regional Eleitoral.
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Ato Institucional nº 2: “Art. 10 – Os Vereadores não perceberão remuneração, seja a
que título for.”
Cf. também o art. 8º, § 4º, do ADCT da CF de 1988.
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terão direito à remuneração condizente, que assegure a sua independência”
(art. 48.3).
Ao interesse da análise do caso concreto, bastaria, então, a
reprodução do disposto no art. 29, VI, da Constituição Federal/88: “o subsídio
dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada
legislatura para a subsequente, observado o que dispõe esta Constituição,
observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os
seguintes limites máximos: ...”.
Os Vereadores, pois, têm direito a uma remuneração, a um
subsídio, consoante as atuais disposições constitucionais.
E somente pode haver convocação de suplente de parlamentar de
acordo com as hipóteses constitucionalmente previstas.
As licenças de parlamentar para tratar de interesse particular não
podem ser remuneradas e somente ensejarão convocação de suplente quando
superiores a 120 dias (com perda do mandato daquele que ultrapassou esse
número de dias na sessão legislativa ordinária).
Nas licenças por motivo de saúde continua havendo remuneração
do mandato e só pode haver convocação de suplente, se a licença originária
for por mais de 120 dias.
No caso vertente, houve equivocada convocação de suplente,
pois a Lei Orgânica do Município de Olímpia não observava simetricamente as
disposições constitucionais sobre a matéria.
3.4 Se a Lei Orgânica de Olímpia não observa simetricamente as
disposições constitucionais sobre convocação de suplente de Vereador, a
responsabilidade por convocação assim equivocadamente feita, e suas
consequências, como as postas neste processo, não podem recair sobre o
Presidente da Câmara, que mais não fez senão cumprir as determinações dos
artigos 33 e 34 da Carta Municipal e as do art. 100 Regimento Interno da
Câmara Municipal, defluindo daí ausência de qualquer conduta dolosa do então
Chefe do Legislativo municipal de afronta ao erário.
Nesse contexto, não posso deixar de relembrar que, no sistema
constitucional brasileiro, ao Poder Judiciário foi conferida a incontrastável
competência para efetivação do controle da constitucionalidade da lei.
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No entanto, também decorre de entendimento, sumulado
inclusive, do Egrégio Supremo Tribunal Federal, Guardião da Constituição (art.
102 da CF), que O TRIBUNAL DE CONTAS, NO EXERCÍCIO DE SUAS ATRIBUIÇÕES,
PODE APRECIAR A CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E ATOS DO PODER PÚBLICO
(Súmula 347, em vigor).
De maneira que se revela legítimo ao Tribunal de Contas a
incumbência de tomar parte no processo de interpretação de norma municipal,
como a que incide no caso concreto sob análise, à luz das disposições da Lei
Maior.
E nesse sentido, forçoso constatar, como demonstrado, que as
normas de convocação de suplente de Vereador estabelecidas na Lei Orgânica
de Olímpia e no Regimento Interno da Câmara Municipal de Olímpia não se
coadunam com a sistemática adotada pela Constituição Federal e pela
Constituição do Estado de São Paulo, de observância obrigatória também para
os detentores de mandato eletivo parlamentar no âmbito municipal.
Em consequência, diante do exposto e do que consta dos autos,
VOTO PELO PROVIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO, julgando regulares
as Contas da Câmara Municipal de Olímpia, exercício de 2012, com as
determinações e alertas que constam do voto condutor da r. Decisão recorrida,
recomendando à Câmara Municipal que tome as providências necessárias
para observância, no âmbito da Lei Orgânica de Olímpia e do seu Regimento
Interno, das disposições constitucionais sobre convocação de suplente
parlamentar.
DIMAS EDUARDO RAMALHO
CONSELHEIRO