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O dia seguinte: parar, tomar fôlego e agir
                               Jornal Público, 25/11/2011

                                    Elísio Estanque
                                 Centro de Estudos Sociais/
                     Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra


       Se repararmos na etimologia da palavra “greve” temos que ela encerra uma
polissemia curiosa. Na raiz francófona a greve era o nome do local (Place de la Grève)
onde, no século XIX, os trabalhadores esperavam, ficavam parados, enquanto não eram
recrutados para o trabalho (à semelhança do acontecia durante o salazarismo nas
“praças” das vilas e aldeias alentejanas, onde os assalariados rurais eram escolhidos
para o trabalho à jorna). Já em castelhano a “huelga” tem a mesma raiz de “huelgo”,
que significa tomar fôlego. Por sua vez no inglês “strike” é sinónimo de “ataque”,
assalto ou agressão.
       Ora, nestas três diferentes asserções podemos captar o real significado de uma
greve, enquanto forma de luta destinada a reequilibrar o poder assimétrico entre
trabalho e capital. A questão encerra, todavia, contornos paradoxais que merecem
reflexão: ficar parado quando era suposto estar-se ativo; tomar fôlego quando o trabalho
intensivo não permite o direito a respirar; ou “atacar” quando o trabalho assalariado se
define antes do mais pela submissão. Qualquer que seja o dilema invocado a greve é
sempre sinónimo de rebeldia coletiva. Mas talvez o paradoxo mais importante resida no
facto de que a greve, sendo um ato de “rutura”, procura uma nova harmonia. É um ato
de afirmação de autonomia (da parte mais fraca) sem o qual o diálogo se confunde com
resignação. Tal como não existe verdadeiro consenso sem dissensão também se pode
dizer que não existe negociação sem conflito e pluralidade. Não por acaso, sociólogos
prestigiados (J.-D. Reynaud) usam a formulação (inspirada em Clausewitz) segundo a
qual “a greve é a continuação da negociação por outros meios”, justamente para realçar
um dos traços distintivos da cultura democrática, ou seja, a necessidade de gerir a
relação – sempre tensa e delicada – entre a ordem e a divergência, a harmonia e o
conflito, a disciplina e a liberdade. Daí decorre, aliás, a capacidade de preservar o
“equilíbrio dinâmico” e a coesão social por que se pauta uma sociedade aberta e
democrática. Uma greve bem sucedida é aquela que repõe as relações de poder sob um
novo compromisso: no caso vertente, não apenas entre capital e trabalho mas entre
“austeritarismo” e cidadania democrática.
       De resto, convirá lembrar que, historicamente, a greve se tornou o principal meio
a que os operários recorreram durante a Revolução Industrial inglesa para obrigar os
patrões a conceder-lhes alguns direitos como sejam um horário de trabalho suportável,
condições de trabalho dignas e um salário decente. Isto num momento em que o
capitalismo selvagem enriquecia a burguesia nascente ao mesmo tempo que sujeitava o
operariado a condições miseráveis. A violência contra o maquinismo e a exploração
abusiva foi aos poucos substituída pela institucionalização do sindicalismo e da greve.
E foi esta que, ao tornar-se num instrumento consignado no direito do trabalho, mais
contribuiu para dar consistência ao “contrato social” de que a Europa se pode orgulhar.
       Mas essas conquistas estão hoje ameaçadas. Com o atual processo de ataque
generalizado ao valor do trabalho, em total desrespeito pela constituição, está-se a
impor a submissão absoluta do trabalhador assalariado e a rasgar novamente o contrato.
Contra isso tem razão de ser a greve geral. Ao contrário das reivindicações imediatas
que quase sempre presidem a uma greve sectorial, as motivações e os objetivos de uma
greve geral são mais abrangentes e mais simbólicas. O mesmo é dizer: são mais
políticas. Quando uma greve consegue congregar um conjunto tão vasto e diversificado
de descontentamentos, quando a sua abrangência mobiliza não apenas os sectores
tradicionais, os trabalhadores organizados e os sindicatos, mas junta num mesmo caudal
um vasto leque de sectores “indignados” (que veem perpetuar a sua condição de
precários ou desempregados, de jovens que veem negar-lhes o futuro), nenhum poder
democrático pode deixar de questionar-se quanto à legitimidade das suas opções e das
suas políticas. Das duas uma: ou o poder democrático segue o lema com que é conotada
a palavra greve – parar, tomar fôlego e passar à ação (leia-se, mudar de paradigma e
alterar o rumo); ou então que assuma de vez que a urgência das opções justifica a
interrupção da democracia.




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A greve geral como forma de luta pela democracia e contra a austeridade

  • 1. O dia seguinte: parar, tomar fôlego e agir Jornal Público, 25/11/2011 Elísio Estanque Centro de Estudos Sociais/ Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra Se repararmos na etimologia da palavra “greve” temos que ela encerra uma polissemia curiosa. Na raiz francófona a greve era o nome do local (Place de la Grève) onde, no século XIX, os trabalhadores esperavam, ficavam parados, enquanto não eram recrutados para o trabalho (à semelhança do acontecia durante o salazarismo nas “praças” das vilas e aldeias alentejanas, onde os assalariados rurais eram escolhidos para o trabalho à jorna). Já em castelhano a “huelga” tem a mesma raiz de “huelgo”, que significa tomar fôlego. Por sua vez no inglês “strike” é sinónimo de “ataque”, assalto ou agressão. Ora, nestas três diferentes asserções podemos captar o real significado de uma greve, enquanto forma de luta destinada a reequilibrar o poder assimétrico entre trabalho e capital. A questão encerra, todavia, contornos paradoxais que merecem reflexão: ficar parado quando era suposto estar-se ativo; tomar fôlego quando o trabalho intensivo não permite o direito a respirar; ou “atacar” quando o trabalho assalariado se define antes do mais pela submissão. Qualquer que seja o dilema invocado a greve é sempre sinónimo de rebeldia coletiva. Mas talvez o paradoxo mais importante resida no facto de que a greve, sendo um ato de “rutura”, procura uma nova harmonia. É um ato de afirmação de autonomia (da parte mais fraca) sem o qual o diálogo se confunde com resignação. Tal como não existe verdadeiro consenso sem dissensão também se pode dizer que não existe negociação sem conflito e pluralidade. Não por acaso, sociólogos prestigiados (J.-D. Reynaud) usam a formulação (inspirada em Clausewitz) segundo a qual “a greve é a continuação da negociação por outros meios”, justamente para realçar um dos traços distintivos da cultura democrática, ou seja, a necessidade de gerir a relação – sempre tensa e delicada – entre a ordem e a divergência, a harmonia e o conflito, a disciplina e a liberdade. Daí decorre, aliás, a capacidade de preservar o “equilíbrio dinâmico” e a coesão social por que se pauta uma sociedade aberta e democrática. Uma greve bem sucedida é aquela que repõe as relações de poder sob um novo compromisso: no caso vertente, não apenas entre capital e trabalho mas entre “austeritarismo” e cidadania democrática. De resto, convirá lembrar que, historicamente, a greve se tornou o principal meio a que os operários recorreram durante a Revolução Industrial inglesa para obrigar os patrões a conceder-lhes alguns direitos como sejam um horário de trabalho suportável, condições de trabalho dignas e um salário decente. Isto num momento em que o capitalismo selvagem enriquecia a burguesia nascente ao mesmo tempo que sujeitava o operariado a condições miseráveis. A violência contra o maquinismo e a exploração abusiva foi aos poucos substituída pela institucionalização do sindicalismo e da greve. E foi esta que, ao tornar-se num instrumento consignado no direito do trabalho, mais contribuiu para dar consistência ao “contrato social” de que a Europa se pode orgulhar. Mas essas conquistas estão hoje ameaçadas. Com o atual processo de ataque generalizado ao valor do trabalho, em total desrespeito pela constituição, está-se a impor a submissão absoluta do trabalhador assalariado e a rasgar novamente o contrato. Contra isso tem razão de ser a greve geral. Ao contrário das reivindicações imediatas que quase sempre presidem a uma greve sectorial, as motivações e os objetivos de uma
  • 2. greve geral são mais abrangentes e mais simbólicas. O mesmo é dizer: são mais políticas. Quando uma greve consegue congregar um conjunto tão vasto e diversificado de descontentamentos, quando a sua abrangência mobiliza não apenas os sectores tradicionais, os trabalhadores organizados e os sindicatos, mas junta num mesmo caudal um vasto leque de sectores “indignados” (que veem perpetuar a sua condição de precários ou desempregados, de jovens que veem negar-lhes o futuro), nenhum poder democrático pode deixar de questionar-se quanto à legitimidade das suas opções e das suas políticas. Das duas uma: ou o poder democrático segue o lema com que é conotada a palavra greve – parar, tomar fôlego e passar à ação (leia-se, mudar de paradigma e alterar o rumo); ou então que assuma de vez que a urgência das opções justifica a interrupção da democracia. 2