SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 4
Baixar para ler offline
Sociologia da greve: a propósito da Greve Geral
In jornal Público Online, 24/11/2010
Elísio Estanque
Centro de Estudos Sociais/
Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
A palavra “greve”, de origem francesa, significava originalmente “terreno
plano nas margens de um rio repleto de areia ou cascalho”, mas, segundo
outras fontes, foi também o nome de um arbusto que abundava junto ao rio
Sena em Paris. Embora sob essas origens etimológicas (porventura ambas), a
noção foi popularizada a partir do século XIX, por se ter tornado o nome de
uma praça localizada nesse local (Place de la Grève, que depois mudou de
nome para Place Hotel de Ville), na qual se reuniam os operários em busca de
actividade, e onde os empregadores os recrutavam enquanto braços para a
jornada de trabalho. Era, portanto, um local de “paragem”, de “espera”, quando
não se tinha trabalho. Daí que a noção se tenha tornado sinónimo de “estar
parado, sem trabalhar”.
Reflectir sobre a greve e as suas origens é procurar compreender a
natureza complexa e conflitual da sociedade moderna. Mesmo antes da
institucionalização da democracia, o conflito, as contradições e as
desigualdades já desde o século XVIII se vinham revelando como traços
característicos do capitalismo emergente na Europa. A revolução das ideias foi
sempre indissociável das revoluções sociais.
A França e a Inglaterra dos séculos XVIII e XIX foram o berço da
modernidade e ao mesmo tempo das duas classes antagónicas. O mercado de
trabalho livre, a livre circulação do capital e as condições de acumulação
(propriedade privada) estabeleceram entre si a relação antagónica – capital/
trabalho – sem a qual a riqueza e o crescimento económico seriam
impossíveis.
A greve, tal como as revoltas populares em geral, não nasceu com a
sociedade industrial, havendo quem situe a primeira no Antigo Egipto (cerca de
1200 anos a. C.). Mas, na era moderna, o movimento “Ludista”, de início do
século XIX, em Inglaterra, os movimentos pelo direito de voto (1832) e pelas 8
horas de jornada de trabalho foram, sem dúvida, etapas decisivas no processo
2
de construção da democracia contemporânea. Na nação mais industrializada
do Ocidente, a trilogia greve-luta-sindicalismo exprime os três vértices
indissociáveis do movimento operário, gerado pelas duras condições de
trabalho impostas pelo capitalismo selvagem a milhões de trabalhadores que,
no desespero, decidiam resistir a tão flagrante exploração, parando o trabalho
até obterem alguma concessão favorável à sua dignidade humana ou (não
poucas vezes) até que a violência policial e o despedimento pusessem fim ao
conflito.
Por toda a Europa da segunda metade do século XIX, houve
paralisações de carácter grevista, cujo ponto culminante terá sido a experiência
da Comuna de Paris de 1871. A luta pelas 8 horas de trabalho – em França,
como em Inglaterra e nos EUA – foi um dos motivos mais fortes de
mobilização. O próprio 1º de Maio tem a sua origem em acções grevistas em
torno das 8 horas de jornada, ocorridas no ano de 1886, envolvendo violência,
prisão e até enforcamentos, o que motivou, três anos depois, a consagração
desse dia como Dia Mundial do Trabalhador. A greve de 12 de Fevereiro de
1934, em França, contra o avanço do fascismo e a greve geral que conseguiu
o direito a férias pagas (1936) constituem marcos importantes.
Em Portugal, a greve dos operários de fundição e serralharia (1849), é
considerada a primeira greve industrial, mas nas décadas seguintes, até à I
República, houve paralisações dos trabalhadores tabaqueiros, das marinhas e
arrozais, mineiros, caminhos de ferro, chapeleiros ou operários da construção
civil, entre outras. Também em Portugal, as últimas décadas do século XIX
foram muito férteis no surgimento de ideologias políticas ligadas ao mundo
operário, tais como o mutualismo e o republicanismo, mas também as novas
correntes socialista, anarquista e comunista, que injectaram grande fulgor e
significado político ao movimento operário.
Entre 1871 e 1900, José M. Tengarrinha identificou 725 greves (das
quais 37 gerais), dispersas sobretudo pelos núcleos industriais de Lisboa,
Porto e Setúbal. As principais motivações desse surto grevista foram aumentos
salariais (42%), horário de trabalho (16,2%), condições de trabalho (15,4%),
greves de solidariedade (9,6%), e contra os impostos (8,3%). Entre 1907 e
1920, no clima agitado da República, registaram-se 3068 greves, facto que não
3
podemos desligar da legalização da greve pelo novo regime, logo em 1910
(Tengarrinha, Análise Social, vol XVII, 67-68, 1981).
O moderno sindicalismo português nasceu nesse período,
nomeadamente com a criação da Federação Socialista Livre (em 1902), com
estruturas em diversas cidades (Lisboa, Almada, Setúbal, Algarve, Covilhã,
Funchal, entre outras), e diversas estruturas da Federação Anarquista (na
Região do Norte, em Coimbra e no Algarve), que existiu apenas no período
1911-1914), e notoriamente sob influência dessas ideologias, com destaque
para o “anarco-sindicalismo”, cuja hegemonia culminou com a fundação da
Confederação Geral do Trabalho (CGT), em 1919.
Mas, se a queda da monarquia, suscitou o despertar da “sociedade civil”
e do sindicalismo autónomo em Portugal, este foi, como sabemos,
violentamente interrompido pela ditadura salazarista e o Estado Novo. Entre
1926 e 1974 as greves foram proibidas e o movimento sindical fortemente
reprimido e substituído por sindicatos corporativos, dominados pelo regime.
Ainda assim, importa assinalar a luta operária da Marinha Grande, em 1934,
que fez tremer a ditadura de Salazar, além de diversas greves no início dos
anos quarenta (sob influência do PCP), no contexto de crise e de fome
agravadas pelo contexto da II Guerra Mundial. Só em 1970 seria fundada a
Intersindical (actual CGTP), que se manteve na clandestinidade até ao 25 de
Abril.
As grandes viragens da história, os períodos de mudança paradigmática
como o Maio de 68 em França ou o período do pós-25 de Abril em Portugal,
foram sempre dinamizados por movimentos sociais de grande impacto. Mas,
isso só sucedeu porque as instituições e o sistema político souberam
incorporar as principais mensagens inscritas na plasticidade desses
movimentos e adaptar-se em função disso.
Nas actuais sociedades democráticas, onde o conflito é a contraparte do
diálogo, pode dizer-se que as greves cumprem algumas funções manifestas
(por exemplo, a melhoria das condições de trabalho) e outras que se podem
designar funções latentes (por exemplo, estimular reformas sociais). Se a
greve é a continuação da negociação por outros meios, ela ganha significados
distintos consoante reflicta um momento pontual de ruptura num processo
4
negocial mais vasto, ou um bloqueio definitivo nos canais de comunicação
entre as partes.
A controvérsia em torno da “eficácia” ou do carácter “inócuo” da greve –
desta Greve Geral – não ficará resolvida no dia seguinte. E o seu impacto
mede-se não apenas pelos números da adesão (sempre polémicos) mas pela
capacidade de compreendermos as suas causas sociológicas mais profundas
e os seus efeitos sociais e políticos no médio prazo.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Era dos extremos resenha
Era dos extremos resenhaEra dos extremos resenha
Era dos extremos resenhaJailson Alves
 
G2 capitalismo x socialismo 2
G2 capitalismo x socialismo 2G2 capitalismo x socialismo 2
G2 capitalismo x socialismo 2Google
 
Expansão e mudanças do capitalismo
Expansão e mudanças do capitalismoExpansão e mudanças do capitalismo
Expansão e mudanças do capitalismoElton Zanoni
 
Movimento Operário Aplicado ao Serviço Social
Movimento Operário Aplicado ao Serviço SocialMovimento Operário Aplicado ao Serviço Social
Movimento Operário Aplicado ao Serviço Socialtaynaz
 
A era das revoluções - Eric Hobsbawm
A era das revoluções - Eric HobsbawmA era das revoluções - Eric Hobsbawm
A era das revoluções - Eric HobsbawmIsah Lopes
 
Capitalismo e socialismo_
Capitalismo e socialismo_Capitalismo e socialismo_
Capitalismo e socialismo_Lucas pk'
 
Capitalismo x socialismo
Capitalismo x socialismoCapitalismo x socialismo
Capitalismo x socialismoPré Master
 
Sistemas economicos capitalismo e socialismo
Sistemas economicos capitalismo e socialismoSistemas economicos capitalismo e socialismo
Sistemas economicos capitalismo e socialismoAndressa Rita
 
Liberalismo e Socialismo no século XIX
Liberalismo e Socialismo no século XIXLiberalismo e Socialismo no século XIX
Liberalismo e Socialismo no século XIXEdenilson Morais
 
O mundo industrializado (recuperação 8ºano)
O mundo industrializado (recuperação 8ºano)O mundo industrializado (recuperação 8ºano)
O mundo industrializado (recuperação 8ºano)Teresa Maia
 
Trabaho historia Movimento Operário -
Trabaho historia Movimento Operário - Trabaho historia Movimento Operário -
Trabaho historia Movimento Operário - Simone Calil
 
Socialismo x capitalismo2
Socialismo x capitalismo2Socialismo x capitalismo2
Socialismo x capitalismo2J R Messias
 
8o ano história 2 trimestre p2 revisaço sem gabarito
8o ano história 2 trimestre p2 revisaço sem gabarito8o ano história 2 trimestre p2 revisaço sem gabarito
8o ano história 2 trimestre p2 revisaço sem gabaritoCarlos Zaranza
 
O futuro precário do estado-nação - 2
O futuro precário do estado-nação - 2O futuro precário do estado-nação - 2
O futuro precário do estado-nação - 2GRAZIA TANTA
 
Revisão de história 9 º ANO GLOBALIZAÇÃO/NEOLIBERALISMO
Revisão de história 9 º ANO GLOBALIZAÇÃO/NEOLIBERALISMORevisão de história 9 º ANO GLOBALIZAÇÃO/NEOLIBERALISMO
Revisão de história 9 º ANO GLOBALIZAÇÃO/NEOLIBERALISMOJanaína Bindá
 
Revolução industrial slides blog
Revolução industrial  slides blogRevolução industrial  slides blog
Revolução industrial slides blogThays Vieira
 

Mais procurados (17)

Era dos extremos resenha
Era dos extremos resenhaEra dos extremos resenha
Era dos extremos resenha
 
G2 capitalismo x socialismo 2
G2 capitalismo x socialismo 2G2 capitalismo x socialismo 2
G2 capitalismo x socialismo 2
 
Expansão e mudanças do capitalismo
Expansão e mudanças do capitalismoExpansão e mudanças do capitalismo
Expansão e mudanças do capitalismo
 
Movimento Operário Aplicado ao Serviço Social
Movimento Operário Aplicado ao Serviço SocialMovimento Operário Aplicado ao Serviço Social
Movimento Operário Aplicado ao Serviço Social
 
A era das revoluções - Eric Hobsbawm
A era das revoluções - Eric HobsbawmA era das revoluções - Eric Hobsbawm
A era das revoluções - Eric Hobsbawm
 
Capitalismo e socialismo_
Capitalismo e socialismo_Capitalismo e socialismo_
Capitalismo e socialismo_
 
Capitalismo x socialismo
Capitalismo x socialismoCapitalismo x socialismo
Capitalismo x socialismo
 
Sistemas economicos capitalismo e socialismo
Sistemas economicos capitalismo e socialismoSistemas economicos capitalismo e socialismo
Sistemas economicos capitalismo e socialismo
 
Liberalismo e Socialismo no século XIX
Liberalismo e Socialismo no século XIXLiberalismo e Socialismo no século XIX
Liberalismo e Socialismo no século XIX
 
O mundo industrializado (recuperação 8ºano)
O mundo industrializado (recuperação 8ºano)O mundo industrializado (recuperação 8ºano)
O mundo industrializado (recuperação 8ºano)
 
Trabaho historia Movimento Operário -
Trabaho historia Movimento Operário - Trabaho historia Movimento Operário -
Trabaho historia Movimento Operário -
 
Socialismo x capitalismo2
Socialismo x capitalismo2Socialismo x capitalismo2
Socialismo x capitalismo2
 
8o ano história 2 trimestre p2 revisaço sem gabarito
8o ano história 2 trimestre p2 revisaço sem gabarito8o ano história 2 trimestre p2 revisaço sem gabarito
8o ano história 2 trimestre p2 revisaço sem gabarito
 
Charge capitalismo
Charge capitalismoCharge capitalismo
Charge capitalismo
 
O futuro precário do estado-nação - 2
O futuro precário do estado-nação - 2O futuro precário do estado-nação - 2
O futuro precário do estado-nação - 2
 
Revisão de história 9 º ANO GLOBALIZAÇÃO/NEOLIBERALISMO
Revisão de história 9 º ANO GLOBALIZAÇÃO/NEOLIBERALISMORevisão de história 9 º ANO GLOBALIZAÇÃO/NEOLIBERALISMO
Revisão de história 9 º ANO GLOBALIZAÇÃO/NEOLIBERALISMO
 
Revolução industrial slides blog
Revolução industrial  slides blogRevolução industrial  slides blog
Revolução industrial slides blog
 

Semelhante a Opinião 4 sociologia da greve, 2010

Taylorismo e Fordismo _ Movimento operário brasileiro.pptx
Taylorismo e Fordismo _ Movimento operário brasileiro.pptxTaylorismo e Fordismo _ Movimento operário brasileiro.pptx
Taylorismo e Fordismo _ Movimento operário brasileiro.pptxHitaloSantos7
 
Sociologia transformaçoes
Sociologia transformaçoesSociologia transformaçoes
Sociologia transformaçoesflaviacorreia0
 
Transformações de um mundo industrial – desiguldades,
Transformações de um mundo industrial – desiguldades,Transformações de um mundo industrial – desiguldades,
Transformações de um mundo industrial – desiguldades,Rodrigo Teixeira
 
Revolução industrial complementos.pdf
Revolução industrial complementos.pdfRevolução industrial complementos.pdf
Revolução industrial complementos.pdfRAFAELASCARI1
 
1ª Revolução Industrial
1ª Revolução Industrial1ª Revolução Industrial
1ª Revolução IndustrialLaerciolns12
 
Exercícios - história
Exercícios - históriaExercícios - história
Exercícios - históriaIsabella Silva
 
Mundo industrializado no século xix
Mundo industrializado no século xixMundo industrializado no século xix
Mundo industrializado no século xixmaria40
 
Lista teorias-do-sc3a9c-xix-ho
Lista teorias-do-sc3a9c-xix-hoLista teorias-do-sc3a9c-xix-ho
Lista teorias-do-sc3a9c-xix-hojose silva
 
Florestan fernandes -_a_sociologia_de_durkheim
Florestan fernandes -_a_sociologia_de_durkheimFlorestan fernandes -_a_sociologia_de_durkheim
Florestan fernandes -_a_sociologia_de_durkheimDaylson Lima
 
Unidade 8 burgueses proletários classes medias e camponeses
Unidade 8 burgueses proletários classes medias e camponesesUnidade 8 burgueses proletários classes medias e camponeses
Unidade 8 burgueses proletários classes medias e camponesesVítor Santos
 
Opinião 8 greve geral 2011
Opinião 8 greve geral 2011Opinião 8 greve geral 2011
Opinião 8 greve geral 2011Elisio Estanque
 

Semelhante a Opinião 4 sociologia da greve, 2010 (20)

O movimento operário
O movimento operárioO movimento operário
O movimento operário
 
Greve - O Movimento Social dos Trabalhadores
Greve - O Movimento Social dos TrabalhadoresGreve - O Movimento Social dos Trabalhadores
Greve - O Movimento Social dos Trabalhadores
 
Taylorismo e Fordismo _ Movimento operário brasileiro.pptx
Taylorismo e Fordismo _ Movimento operário brasileiro.pptxTaylorismo e Fordismo _ Movimento operário brasileiro.pptx
Taylorismo e Fordismo _ Movimento operário brasileiro.pptx
 
Sociologia transformaçoes
Sociologia transformaçoesSociologia transformaçoes
Sociologia transformaçoes
 
Live int 07mai
Live int 07maiLive int 07mai
Live int 07mai
 
O ludismo e o cartismo.
O ludismo e o cartismo.O ludismo e o cartismo.
O ludismo e o cartismo.
 
Transformações de um mundo industrial – desiguldades,
Transformações de um mundo industrial – desiguldades,Transformações de um mundo industrial – desiguldades,
Transformações de um mundo industrial – desiguldades,
 
Revolução industrial complementos.pdf
Revolução industrial complementos.pdfRevolução industrial complementos.pdf
Revolução industrial complementos.pdf
 
Web aula1
Web aula1Web aula1
Web aula1
 
1ª Revolução Industrial
1ª Revolução Industrial1ª Revolução Industrial
1ª Revolução Industrial
 
Exercícios - história
Exercícios - históriaExercícios - história
Exercícios - história
 
Revoluções
RevoluçõesRevoluções
Revoluções
 
Mundo industrializado no século xix
Mundo industrializado no século xixMundo industrializado no século xix
Mundo industrializado no século xix
 
Lista teorias-do-sc3a9c-xix-ho
Lista teorias-do-sc3a9c-xix-hoLista teorias-do-sc3a9c-xix-ho
Lista teorias-do-sc3a9c-xix-ho
 
Florestan fernandes -_a_sociologia_de_durkheim
Florestan fernandes -_a_sociologia_de_durkheimFlorestan fernandes -_a_sociologia_de_durkheim
Florestan fernandes -_a_sociologia_de_durkheim
 
Cartismo
CartismoCartismo
Cartismo
 
Esquema 2: Revolução Industrial
Esquema 2: Revolução IndustrialEsquema 2: Revolução Industrial
Esquema 2: Revolução Industrial
 
Revolução Industrial
Revolução IndustrialRevolução Industrial
Revolução Industrial
 
Unidade 8 burgueses proletários classes medias e camponeses
Unidade 8 burgueses proletários classes medias e camponesesUnidade 8 burgueses proletários classes medias e camponeses
Unidade 8 burgueses proletários classes medias e camponeses
 
Opinião 8 greve geral 2011
Opinião 8 greve geral 2011Opinião 8 greve geral 2011
Opinião 8 greve geral 2011
 

Mais de Elisio Estanque

O outro lado da revol (ii) publico20180215
O outro lado da revol (ii) publico20180215O outro lado da revol (ii) publico20180215
O outro lado da revol (ii) publico20180215Elisio Estanque
 
O outro lado da reovol (i) publico 20180214
O outro lado da reovol (i) publico 20180214O outro lado da reovol (i) publico 20180214
O outro lado da reovol (i) publico 20180214Elisio Estanque
 
Uma 'geringonça' para o Brasil?
Uma 'geringonça' para o Brasil?Uma 'geringonça' para o Brasil?
Uma 'geringonça' para o Brasil?Elisio Estanque
 
Entre o populismo e o euroceticismo
Entre o populismo e o euroceticismo Entre o populismo e o euroceticismo
Entre o populismo e o euroceticismo Elisio Estanque
 
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05Elisio Estanque
 
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17Elisio Estanque
 
Passado e futuro do trabalho (II)
Passado e futuro do trabalho (II)Passado e futuro do trabalho (II)
Passado e futuro do trabalho (II)Elisio Estanque
 
Passado e futuro do trabalho (I)
Passado e futuro do trabalho (I)Passado e futuro do trabalho (I)
Passado e futuro do trabalho (I)Elisio Estanque
 
Os 'lambe cus', público_27.10.2016
Os 'lambe cus', público_27.10.2016Os 'lambe cus', público_27.10.2016
Os 'lambe cus', público_27.10.2016Elisio Estanque
 
Ee_publico_entrevista-1
  Ee_publico_entrevista-1  Ee_publico_entrevista-1
Ee_publico_entrevista-1Elisio Estanque
 
Praxe vs comandos_publico_2016.09.20
  Praxe vs comandos_publico_2016.09.20  Praxe vs comandos_publico_2016.09.20
Praxe vs comandos_publico_2016.09.20Elisio Estanque
 
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016Elisio Estanque
 
Des globalização do trabalho ee
Des globalização do trabalho eeDes globalização do trabalho ee
Des globalização do trabalho eeElisio Estanque
 
Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016Elisio Estanque
 
03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2
  03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2  03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2
03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2Elisio Estanque
 
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14Elisio Estanque
 
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016Elisio Estanque
 
Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016Elisio Estanque
 
Uma critica construtiva ao sindicalismo
Uma critica construtiva ao sindicalismoUma critica construtiva ao sindicalismo
Uma critica construtiva ao sindicalismoElisio Estanque
 
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociaisRebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociaisElisio Estanque
 

Mais de Elisio Estanque (20)

O outro lado da revol (ii) publico20180215
O outro lado da revol (ii) publico20180215O outro lado da revol (ii) publico20180215
O outro lado da revol (ii) publico20180215
 
O outro lado da reovol (i) publico 20180214
O outro lado da reovol (i) publico 20180214O outro lado da reovol (i) publico 20180214
O outro lado da reovol (i) publico 20180214
 
Uma 'geringonça' para o Brasil?
Uma 'geringonça' para o Brasil?Uma 'geringonça' para o Brasil?
Uma 'geringonça' para o Brasil?
 
Entre o populismo e o euroceticismo
Entre o populismo e o euroceticismo Entre o populismo e o euroceticismo
Entre o populismo e o euroceticismo
 
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05
Ee juventude bloqueada (ii) publico_2017.05
 
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17
Ee juventude bloqueada (i) publico_18.05.17
 
Passado e futuro do trabalho (II)
Passado e futuro do trabalho (II)Passado e futuro do trabalho (II)
Passado e futuro do trabalho (II)
 
Passado e futuro do trabalho (I)
Passado e futuro do trabalho (I)Passado e futuro do trabalho (I)
Passado e futuro do trabalho (I)
 
Os 'lambe cus', público_27.10.2016
Os 'lambe cus', público_27.10.2016Os 'lambe cus', público_27.10.2016
Os 'lambe cus', público_27.10.2016
 
Ee_publico_entrevista-1
  Ee_publico_entrevista-1  Ee_publico_entrevista-1
Ee_publico_entrevista-1
 
Praxe vs comandos_publico_2016.09.20
  Praxe vs comandos_publico_2016.09.20  Praxe vs comandos_publico_2016.09.20
Praxe vs comandos_publico_2016.09.20
 
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
 
Des globalização do trabalho ee
Des globalização do trabalho eeDes globalização do trabalho ee
Des globalização do trabalho ee
 
Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016
 
03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2
  03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2  03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2
03_english_rccs annual review_e_estanque_rev2
 
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14
(Des)globalização do trabalho publico 2016.07.14
 
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
Queima das fitas alcoolizada publico 14.05.2016
 
Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016Alentejo ee público_11.03.2016
Alentejo ee público_11.03.2016
 
Uma critica construtiva ao sindicalismo
Uma critica construtiva ao sindicalismoUma critica construtiva ao sindicalismo
Uma critica construtiva ao sindicalismo
 
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociaisRebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
 

Opinião 4 sociologia da greve, 2010

  • 1. Sociologia da greve: a propósito da Greve Geral In jornal Público Online, 24/11/2010 Elísio Estanque Centro de Estudos Sociais/ Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra A palavra “greve”, de origem francesa, significava originalmente “terreno plano nas margens de um rio repleto de areia ou cascalho”, mas, segundo outras fontes, foi também o nome de um arbusto que abundava junto ao rio Sena em Paris. Embora sob essas origens etimológicas (porventura ambas), a noção foi popularizada a partir do século XIX, por se ter tornado o nome de uma praça localizada nesse local (Place de la Grève, que depois mudou de nome para Place Hotel de Ville), na qual se reuniam os operários em busca de actividade, e onde os empregadores os recrutavam enquanto braços para a jornada de trabalho. Era, portanto, um local de “paragem”, de “espera”, quando não se tinha trabalho. Daí que a noção se tenha tornado sinónimo de “estar parado, sem trabalhar”. Reflectir sobre a greve e as suas origens é procurar compreender a natureza complexa e conflitual da sociedade moderna. Mesmo antes da institucionalização da democracia, o conflito, as contradições e as desigualdades já desde o século XVIII se vinham revelando como traços característicos do capitalismo emergente na Europa. A revolução das ideias foi sempre indissociável das revoluções sociais. A França e a Inglaterra dos séculos XVIII e XIX foram o berço da modernidade e ao mesmo tempo das duas classes antagónicas. O mercado de trabalho livre, a livre circulação do capital e as condições de acumulação (propriedade privada) estabeleceram entre si a relação antagónica – capital/ trabalho – sem a qual a riqueza e o crescimento económico seriam impossíveis. A greve, tal como as revoltas populares em geral, não nasceu com a sociedade industrial, havendo quem situe a primeira no Antigo Egipto (cerca de 1200 anos a. C.). Mas, na era moderna, o movimento “Ludista”, de início do século XIX, em Inglaterra, os movimentos pelo direito de voto (1832) e pelas 8 horas de jornada de trabalho foram, sem dúvida, etapas decisivas no processo
  • 2. 2 de construção da democracia contemporânea. Na nação mais industrializada do Ocidente, a trilogia greve-luta-sindicalismo exprime os três vértices indissociáveis do movimento operário, gerado pelas duras condições de trabalho impostas pelo capitalismo selvagem a milhões de trabalhadores que, no desespero, decidiam resistir a tão flagrante exploração, parando o trabalho até obterem alguma concessão favorável à sua dignidade humana ou (não poucas vezes) até que a violência policial e o despedimento pusessem fim ao conflito. Por toda a Europa da segunda metade do século XIX, houve paralisações de carácter grevista, cujo ponto culminante terá sido a experiência da Comuna de Paris de 1871. A luta pelas 8 horas de trabalho – em França, como em Inglaterra e nos EUA – foi um dos motivos mais fortes de mobilização. O próprio 1º de Maio tem a sua origem em acções grevistas em torno das 8 horas de jornada, ocorridas no ano de 1886, envolvendo violência, prisão e até enforcamentos, o que motivou, três anos depois, a consagração desse dia como Dia Mundial do Trabalhador. A greve de 12 de Fevereiro de 1934, em França, contra o avanço do fascismo e a greve geral que conseguiu o direito a férias pagas (1936) constituem marcos importantes. Em Portugal, a greve dos operários de fundição e serralharia (1849), é considerada a primeira greve industrial, mas nas décadas seguintes, até à I República, houve paralisações dos trabalhadores tabaqueiros, das marinhas e arrozais, mineiros, caminhos de ferro, chapeleiros ou operários da construção civil, entre outras. Também em Portugal, as últimas décadas do século XIX foram muito férteis no surgimento de ideologias políticas ligadas ao mundo operário, tais como o mutualismo e o republicanismo, mas também as novas correntes socialista, anarquista e comunista, que injectaram grande fulgor e significado político ao movimento operário. Entre 1871 e 1900, José M. Tengarrinha identificou 725 greves (das quais 37 gerais), dispersas sobretudo pelos núcleos industriais de Lisboa, Porto e Setúbal. As principais motivações desse surto grevista foram aumentos salariais (42%), horário de trabalho (16,2%), condições de trabalho (15,4%), greves de solidariedade (9,6%), e contra os impostos (8,3%). Entre 1907 e 1920, no clima agitado da República, registaram-se 3068 greves, facto que não
  • 3. 3 podemos desligar da legalização da greve pelo novo regime, logo em 1910 (Tengarrinha, Análise Social, vol XVII, 67-68, 1981). O moderno sindicalismo português nasceu nesse período, nomeadamente com a criação da Federação Socialista Livre (em 1902), com estruturas em diversas cidades (Lisboa, Almada, Setúbal, Algarve, Covilhã, Funchal, entre outras), e diversas estruturas da Federação Anarquista (na Região do Norte, em Coimbra e no Algarve), que existiu apenas no período 1911-1914), e notoriamente sob influência dessas ideologias, com destaque para o “anarco-sindicalismo”, cuja hegemonia culminou com a fundação da Confederação Geral do Trabalho (CGT), em 1919. Mas, se a queda da monarquia, suscitou o despertar da “sociedade civil” e do sindicalismo autónomo em Portugal, este foi, como sabemos, violentamente interrompido pela ditadura salazarista e o Estado Novo. Entre 1926 e 1974 as greves foram proibidas e o movimento sindical fortemente reprimido e substituído por sindicatos corporativos, dominados pelo regime. Ainda assim, importa assinalar a luta operária da Marinha Grande, em 1934, que fez tremer a ditadura de Salazar, além de diversas greves no início dos anos quarenta (sob influência do PCP), no contexto de crise e de fome agravadas pelo contexto da II Guerra Mundial. Só em 1970 seria fundada a Intersindical (actual CGTP), que se manteve na clandestinidade até ao 25 de Abril. As grandes viragens da história, os períodos de mudança paradigmática como o Maio de 68 em França ou o período do pós-25 de Abril em Portugal, foram sempre dinamizados por movimentos sociais de grande impacto. Mas, isso só sucedeu porque as instituições e o sistema político souberam incorporar as principais mensagens inscritas na plasticidade desses movimentos e adaptar-se em função disso. Nas actuais sociedades democráticas, onde o conflito é a contraparte do diálogo, pode dizer-se que as greves cumprem algumas funções manifestas (por exemplo, a melhoria das condições de trabalho) e outras que se podem designar funções latentes (por exemplo, estimular reformas sociais). Se a greve é a continuação da negociação por outros meios, ela ganha significados distintos consoante reflicta um momento pontual de ruptura num processo
  • 4. 4 negocial mais vasto, ou um bloqueio definitivo nos canais de comunicação entre as partes. A controvérsia em torno da “eficácia” ou do carácter “inócuo” da greve – desta Greve Geral – não ficará resolvida no dia seguinte. E o seu impacto mede-se não apenas pelos números da adesão (sempre polémicos) mas pela capacidade de compreendermos as suas causas sociológicas mais profundas e os seus efeitos sociais e políticos no médio prazo.