1. Objetivos Específicos
• Aplicaraconceituaçãodelimitesdecrescimentoemestudosdecasoemdiversos
campos do saber na sua relação entre ética, cidadania e sustentabilidade.
Temas
Introdução
1 A hipermodernidade permite ao homem um estilo de vida que ele escolhe em
um menu de opções
2 As decepções de uma sociedade guiada pela relação entre trabalho e consumo
3 Correlações entre consumo e decepção
4 A cultura e suas desigualdades sociais nos tempos hipermodernos
5 Alterações nas razões de consumo
Considerações finais
Referências
Mônica Rodrigues da Costa
Ética, Cidadania e Sustentabilidade
Aula 15
Professor
Por um planeta sustentável l
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Ética, Cidadania e Sustentabilidade
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Introdução
Hoje vamos estudar as mudanças ocorridas na sociedade ocidental a partir do final
do século 20 com base no livro A sociedade da decepção, que consiste em uma entrevista
coordenada por Bertrand Richard e concedida pelo professor de filosofia e sociólogo francês
Gilles Lipovetsky.
Na visão de Lipovetsky, especialista em hipermodernidade, estamos na era do
hiperconsumismo cujas principais características são as ideias de satisfação pessoal e de
busca pelo prazer. Outra característica dessa sociedade de consumo é simultaneamente
provocar decepções. Em outras palavras, a constante e incessante apresentação de produtos
e bens de consumo e a indução psicológica pela compra deles, por exemplo, promovida pela
publicidade, fazem do consumo um paliativo para nossas frustrações ao mesmo tempo que
nos faz perceber que sempre falta alguma coisa diante do novo que insiste em aparecer.
Porquesetratadeumpaliativoparaafrustração?Arespostaésimples:aemissãosimbólica
dos produtores de objetos de consumo associa a esses produtos valores como felicidade e
status. Ao comprar um bem, o consumidor tem a falsa sensação de que adquiriu tais valores
e, ao mesmo tempo, acredita que a aquisição do bem substitui seus anseios frustrados já que
esse cidadão consumidor consegue alcançá-los no dia a dia, na luta pela existência.
Osdesejosmateriaisdohomemesuavalorização,nachamadahipermodernidade,supera
a valorização da cultura como um bem simbólico, imaterial, e compartilhado coletivamente.
As preocupações passam a ser individuais e não mais sociais porque o bem material é um
substituto cultural para a genuína interação social dentro da cultura.
As decepções do homem – por causa do desemprego ou devido à falta de valorização
do trabalhador, por exemplo – associam-se às frustrações no âmbito do consumo e do prazer
que cada um consegue ter em sua existência.
Se antes essa decepção era, em certa medida, sanada por meio do culto ao sagrado,
hoje ela é sanada por meio do consumo, já que Lipovetsky afirma que nas sociedades de
hoje se verifica o declínio na fé. O sociólogo chega a essa conclusão após observar os hábitos
religiosos dos franceses.
A superabundância da oferta de produtos e a individualização da sociedade também são
objetos de análise de Gilles Lipovetsky. Elas interferem no modo como funcionam as classes
sociais.
Boa leitura!
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1 A hipermodernidade permite ao homem um estilo de vida
que ele escolhe em um menu de opções
O professor de filosofia Gilles Lipovetsky, no livro A sociedade da decepção, explica que
suas ideias apresentadas no fim da década de 1970 e início da década de 1980 contrastavam
com o pensamento de intelectuais de sua época que insistiam que a vida humana precisava
ser programada. O comportamento em sociedade deveria ser padronizado, tanto no que diz
respeito ao corpo como no âmbito da alma:
[...] Eu destacava o novo papel assumido pelo indivíduo-protagonista social, bem
como a força de expansão do processo de autonomia subjetiva, impulsionada pela
segunda modernidade – a modernidade do consumo, dos lazeres, do bem-estar de
massa. Revelara-se inadequado caracterizar nossa sociedade como um organismo
programado, feito de compartimentos estanques e de condicionamento generalizado.
Com efeito, a vida privada e a vida pública foram assumindo uma feição mais livre,
mais aberta, mais estruturada pelas escolhas e decisões individuais. Contrapondo-me
à atmosfera de desconfiança reinante, procurei salientar o processo de emancipação
do indivíduo em face às imposições coletivas. (LIPOVETSKY, 2012, p. 2).
Lipovestsky (2012, p. 2) apresenta a ideia do estilo de vida à la carte experimentado
pela sociedade ocidental no final do século 20, por exemplo, a liberação sexual e o fim das
obrigações morais. “A ordem autoritária, disciplinar, moralista fora profundamente abalada
pelo hedonismo da sociedade de consumo”, afirma o sociólogo.
Vemos nas redes sociais e em manifestações populares o discurso de determinados
grupos de combate ao capitalismo predatório e à manipulação da mídia (muitas vezes, vemos
severas críticas e cobranças especialmente direcionadas à TV Globo, por exemplo).
O pensamento de Gilles Lipovetsky é contrário a acusações assim – chamadas por ele de
uma “velha cantilena” –, já que o autor vê o estado de liberdade do indivíduo como uma forma
de desprendimento e imunidade contra esse tipo de manipulação. Por isso o pensamento de
Lipovetsky é considerado otimista.
Esse intelectual concorda com tal classificação, no entanto, o autor alerta que o otimismo
não reina absoluto, ele é relativo. Lipovetsky (2012, p. 3 e 4) fala também sobre uma espécie
de “revolução narcisista” que é prejudicial à sociedade e teve início a partir do final do século
passado. “Sem dúvida, nosso universo social contém elementos que, simultaneamente,
podem induzir-nos ao otimismo e ao pessimismo. Nada disso é contraditório per se: tudo
depende da esfera de realidade que estamos examinando.”
Lipovetsky diz que existe um paradoxo entre o hedonismo e a felicidade tão desejada
pelo homem e as decepções sofridas por esse mesmo homem:
[...] O homem é um ser que espera, e que, por isso mesmo, não pode evitar a
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decepção. Desejo e decepção caminham juntos. A dicotomia entre a expectativa e
o real, princípio de prazer e princípio de realidade, criam um vazio que dificilmente
pode ser preenchido. (2012, p. 5).
A sociedade hipermoderna de que fala Lipovetsky é moldada, entre outros fatores, pela
satisfação pessoal, conforme explica Juremir Machado da Silva na apresentação do livro A
sociedade da decepção.
Nessa sociedade, a decepção é inflacionada e deixa o homem vulnerável, devido aos
valores hedonistas, à sobrecarga, aos fluxos incessantes de informação e também aos ideais
psicoculturais, conforme elenca o sociólogo francês.
Quando a felicidade é prometida a todos e os prazeres são enaltecidos a cada esquina,
a vida cotidiana está passando por uma dura prova. Além disso, a ‘qualidade de vida’ em
todos os campos da atividade humana (vida conjugal, vida sexual, alimentação, moradia,
meio ambiente, lazeres etc.) passou a ser o novo horizonte das expectativas individuais.
Quando se põe em destaque um fantasioso conceito de ‘carência zero’ generalizante,
comoépossívelescapardoaumentodadecepção?Quantomaisosimperativosdobem-
estar e do bem-viver são fixados como uma meta imprescindível, mais intransitáveis se
tornam as alamedas do desapontamento. (LIPOVETSKY, 2012, p. 6).
Nesse sentido, Lipovetsky fala sobre uma cultura que emerge a partir do final do século
20 como fruto da decepção, da frustração e da ansiedade, acompanhando o padrão de nível
moral das pessoas. Outro aspecto que, para o autor, contribuiu para o desenvolvimento de
uma civilização frustrante nas sociedades classificadas por ele como hiperindividualistas foi o
enfraquecimento de dispositivos religiosos:
Evidentemente, a religião jamais se mostrou capaz de impedir a manifestação de
todas as penas e amarguras a que estamos sujeitos. Todavia, ninguém ousará negar
que, em sua vertente tradicionalista, efetivamente conseguiu representar um refúgio,
uma garantia, um ponto de apoio ou de consolação insubstituível, contrapondo-se às
inevitáveis provações da vida diária e aos estertores do sofrimento atroz. Ainda que a
fé em Deus nunca possa ser extinta, tudo indica que a religião deixou de desempenhar
o papel confortador que tivera no passado. (LIPOVETSKY, 2012, p. 6 e 7).
O autor de A sociedade da decepção apresenta alguns dados sobre a presença da fé
entre os franceses e aponta para o baixo número de indivíduos que de fato acreditam no
“paraíso” ou na vida eterna, bem como no baixo número de indivíduos que oram diariamente.
Como consequência disso, diz Lipovetsky (2012, p. 7) que há uma baixa no alívio do
sofrimento recorrente em sociedade por meio da esfera do sagrado: “A sociedade moderna
é propriamente aquela que multiplica ao infinito as ocasiões de experiência frustrante, ao
mesmo tempo que deixa de proporcionar os antigos dispositivos ‘institucionalizados’ para
debelar esse mesmo mal”.
Mesmo em desapego do sagrado, a sociedade não deixa de criar expectativas. Assim,
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crescem reações à frustração criadas pelo homem, ligadas à recreação e ao gozo.
Para enfrentar as contrariedades da vida, as sociedades de matiz tradicional tinham
à sua disposição instrumentos diversos de consolação religiosa; já sociedades
hipermodernas, numa espécie de contrafluxo, valorizam o incitamento contínuo
ao consumo, à fruição, à mudança. Desse modo, as ‘técnicas’ reguladas de forma
comunitária pelo mundo da religião deram lugar a ‘fórmulas paliativas’, diversificadas
e desreguladas, do universo individualista da livre-opção. (LIPOVETSKY, 2012, p. 7).
2 As decepções de uma sociedade guiada pela relação entre
trabalho e consumo
Gilles Lipovetsky fala sobre a amargura e o ressentimento vividos por jovens que não
conseguem um emprego seguro, com benefícios reais e cujo salário é incapaz de propiciar a
eles o acesso àquela que Lipovetsky chama de sociedade de hiperconsumo. Tal fato, segundo
o autor, é capaz de detonar a autoestima desses jovens.
Se, de um lado, o sociólogo fala sobre a juventude frustrada, por outro lado, ele se refere
às pessoas que já atingiram a faixa dos 50 anos hoje e que, após tantos anos sendo “sugadas”
pelo mercado, são abandonadas:
Diante disso, essas pessoas passam por uma sensação de humilhação e de derrocada
pessoal, quando, noutros tempos, situações do gênero eram vistas como decorrência
natural do próprio estado de vida. Agora, pelo contrário, êxito ou fracasso profissional
são atribuídos à responsabilidade exclusiva de cada um. De repente, é a vida em seu
conjunto que assume o aspecto de uma grande confusão, inclusive com o sofrimento
moral de não estar em condições de prover a si mesmo, ou de construir o próprio
edifício da felicidade. (LIPOVETSKY, 2012, p. 13).
Aqueles que não são jovens ou passam dos 50 anos e que estão colocados no
mercado também sofrem de algum mal causado pela sociedade hipermoderna, conforme
explica Lipovetsky (2012, p.13). Assim, elenca o autor, surgem o estresse, a indiferença,
o descontentamento e o ceticismo. A falta de reconhecimento na empresa, a expectativa
de ser mais bem aproveitado pelo superior hierárquico no trabalho e a ideia de que as
competências adquiridas por meio de uma pós-graduação devem atender as expectativas
por um melhor cargo, por exemplo, também contribuem para essa desilusão sofrida pelo
homem na hipermodernidade.
Nos dias atuais, a “falta de reconhecimento” aparece em segundo lugar (logo depois
das pressões em prol da eficiência e dos bons resultados) como fator de risco para
a saúde mental do indivíduo no trabalho. A escalada da decepção não é, única e
exclusivamente, consequência das demissões, das transferências de pessoal ou da
gestão causadora de angústia em relação às potencialidades de cada um. Tem razão
também nos ideais individualistas de satisfação pessoal veiculados em grande escala
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pela sociedade hiperconsumista. (LIPOVETSKY, 2012, p. 13).
Lipovetsky (2012, p. 15) fala que nos dias de hoje o homem trabalha não apenas buscando
o sustento, mas também à procura do prazer. Por isso, revela o autor, “o descompasso
crescente entre os desejos de realização pessoal e a realidade profissional, normalmente
estressante, desgastante ou fastidiosa”.
Gilles Lipovetsky observa que a má qualidade do ensino está associada ao trabalho:
A cada ano, 160 mil jovens saem dos estabelecimentos de ensino sem diploma ou
qualificação profissional. Dentre os alunos da sexta série, de 20% a 35% são incapazes
de escrever ou ler corretamente. A probabilidade de que as crianças oriundas das
camadas populares venham a ser gerente de empresa está visivelmente em baixa. O
revés não é menos doloroso do que clamoroso: também a escola se tornou um foco
de decepção. (LIPOVETSKY, 2012, p. 16).
3 Correlações entre consumo e decepção
Para traçar um paralelo entre o consumo e a decepção, Lipovetsky menciona o fato de
que é corrente entre alguns estudiosos a ideia de que paira uma espécie de “maldição da
abundância” na sociedade à medida que os indivíduos são constantemente estimulados a
comprar de forma compulsiva: há sempre algo novo no mercado que não possuímos ainda.
Como o mercado sempre nos sugere algo mais requintado, aquilo que já possuímos
acaba ficando invariavelmente com uma conotação decepcionante. Logo, a sociedade
de consumo incita-nos a viver num estado de perpétua carência, levando-nos a
ansiar continuamente por algo que nem sempre podemos comprar. Assim, ficamos
implacavelmentedistantesdacondiçãodeplenitude,sempredescontentes,condoídos
em razão de tudo aquilo que não podemos proporcionar a nós mesmos. O consumo
no sistema de mercado seria um pouco como o tonel das Danaides, que orquestra
com sucesso o descontentamento e a frustração de todos. (LIPOVETSKY, 2012, p. 23).
Entre os autores mencionados por Gilles Lipovetsky que abordam a questão do consumo
e da decepção está Albert Hirschman que, segundo o sociólogo, destaca diferentes tipos
de decepção conforme diferentes bens comercializáveis – bens que se consomem pelo uso,
como alimentos, por exemplo; bens duráveis de consumo, como refrigeradores e automóveis,
por exemplo; e os bens de serviço.
Lipovetskyenfatiza,noentanto,adecepçãocausadapormeiodosbensdefáciltransporte:
Cada vez mais os objetos de fácil transporte ou manuseio (telefone, computador,
canal de TV a cabo, leitor de DVD, iPod etc.) causam mais facilmente a decepção
porquanto constituem prazeres estéticos ou emocionais que se renovam. Em outras
palavras, com as novas tecnologias, não é o meio que ilude, mas a mensagem que
ele veicula. Isso, porém, não é empecilho para os brados de protesto contra a vida
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“informatizada”: não é tão rápido quanto deveria! Isso porque o novo consumidor
quer tudo aqui e agora, e a menor deficiência ou limitação pode deixá-lo furioso.
Inquestionavelmente, a ânsia de velocidade máxima passou a ser um novo elemento
passível de suscitar irritação e descontentamento. (LIPOVETSKY, 2012, p. 23).
Com câmera de foto, gravador de vídeo e de áudio, internet, GPS e
telefone, entre outros tantos aparelhos tecnológicos, os smartphones visam
satisfazer as necessidades do homem que quer tudo “aqui e agora” de que fala
Lipovetsky.
Figura 1: Uso de smartphones
No Brasil há uma tendência de aumento pela procura desse tipo de bem. De acordo com
reportagem publicada em março de 2013 no Radar tecnológico, blogue do jornal Estadão,
a venda de smartphones no Brasil cresceu 78% em 2012, passando para 16 milhões de
unidades vendidas – quantidade superior à população da cidade de São Paulo, que possui
11,37 milhões de habitantes (Fonte: IBGE/2012). O blogue apresentou dados levantados
pela empresa de consultoria IDC que confirmam a tendência de crescimento na compra de
telefones inteligentes no Brasil.
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4 A cultura e suas desigualdades sociais nos tempos
hipermodernos
Para Gilles Lipovetsky, os tempos hipermodernos apresentam desigualdades sociais
de acesso à cultura. O autor fala na “pluralização dos gostos”, como efeito do fenômeno
de individualismo, presente nas diferentes classes que compõem o corpo social. Assim,
seria preciso levar em consideração os valores individuais – heterogêneos – e até mesmo
extravagantes, como aponta o sociólogo. Nem todos apreciam determinada obra de arte e
sobre ela possuem a mesma opinião ou gosto – e isso vale para os diversos campos da cultura
e da arte (livros, música, filmes, peças de teatro).
Com a desestruturação dos modelos de classe e a individualização dos modos de ser
e de viver, a imprevisibilidade dos comportamentos culturais cresce notavelmente.
Sem dúvida, é lamentável que nem todos saibam apreciar uma sonata de Haydn ou
de Chopin, mas não podemos insistir na expressão desse lamento. Isso porque os
mesmo indivíduos que não se comprazem com esses compositores podem gostar de
outras formas de arte, como pintura, literatura, teatro, cinema, e assim por diante.
(LIPOVETSKY, 2012, p. 28)
Gilles Lipovetsky, no livro A sociedade da decepção, aponta para um tipo de
desestruturação concomitante à ampliação das desigualdades econômicas e disparidades
sociais. Em São Paulo, por exemplo, notamos diferenças entre bairros nobres e a periferia;
carros importados e de luxo dividem as mesmas vias que carros antigos e populares; entre
outros contrastes.
As classes perdem, desse modo, conforme o autor:
[...] antigas abstenções e emerge um novo tipo de indivíduos, que Lipovetsky chama
de “consumidor turbinado nômade”, cada vez menos circunscrito aos ambientes da
própria categoria social, cada vez mais imprevisível, fragmentado, individualizado. Esse
processo de desregulamentação social, acompanhado dos imperativos individuais
mais extremados no que diz respeito ao consumo, é um dos vetores da escalada da
decepção. (LIPOVETSKY, 2012, p. 28 e 29)
Apesar de observar a ascensão de um novo tipo de indivíduo, Lipovetsky pontua que,
mais importante do que o uso dos bens particulares, na vida cotidiana, é o uso dos bens
públicos, ou pior, seu mau uso.
Momentos em que o homem está em lugar público e é obrigado a conviver – mesmo que
seja em um breve instante, dentro do metrô, por exemplo – são verdadeiros provocadores
de desconforto, já que o homem é obrigado a dividir o espaço com outra pessoa que
pode se apresentar como o oposto dele: em termos de costumes, de nacionalidade, de
comportamento, de aparência, entre outros.
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Com efeito, do que os consumidores se queixam mais frequentemente? Dos
engarrafamentosdetrânsito,daspraiassuperlotadas,doprocessodedescaracterização
da paisagem natural por obra das construtoras de edifícios ou da invasão de turistas,
da repugnante promiscuidade nos transportes coletivos, do barulho dos vizinhos, etc.
Em outras palavras, o que gera decepção não é tanto a falta de conforto pessoal, mas
a desagradável sensação de desconforto público e a constatação do conforto alheio.
(LIPOVETSKY, 2012, p. 29).
5 Alterações nas razões de consumo
O modus operandi do homem consumidor na hipermodernidade é apresentado por
Gilles Lipovetsky, que fala nas relações entre as pessoas e a esfera de consumo – cada vez
mais emaranhadas uma na outra.
Muito daquilo que compramos, não o fazemos com a finalidade de granjear a
estima deste ou daquele, mas sobretudo visando a nós mesmos, isto é, tendo como
objetivo aperfeiçoar os nossos meios de comunicação com o semelhante, melhorar o
desempenho físico e a saúde do corpo, buscar sensações vibrantes e variadas formas
de emoção, vivenciando experiências sensitivas ou estéticas. É nessa acepção que o
espírito de consumo em benefício do outro, típico das antigas sociedades de classe,
retrocede, dando lugar o consumo para si. Em resumo, o consumo individualista
emocional assume agora a dianteira em relação ao consumismo ostentador de classe.
(LIPOVETSKY, 2012, p. 29 e 30).
No novo paradigma do consumo, apresentado por Lipovetsky, o homem não se preocupa
muito com as aquisições de seu vizinho, apesar de percebê-las. Cada indivíduo segue
preocupado com a própria satisfação pessoal.
Classificando o homem como neoconsumidor, o autor também chama atenção para o
fato de o consumo funcionar como um paliativo para as frustrações do indivíduo, que não
realiza seus desejos, funcionando de modo a “reerguer o moral”. Sobre esse mecanismo,
afirma Lipovetsky (2012, p. 29 e 30), ainda “há um longo porvir”.
Dentro do contexto do capitalismo de consumo, o homem é ininterruptamente
estimulado, fica em permanente estado de inquietação e não expressa a “verdade do desejo
humano”, afirma Lipovetsky (2012, p. 31).
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O sociólogo Gilles Lipovetsky (2012, p. 33) observa que houve uma inversão
de valores se comparadas as sociedades tradicionais com a sociedade atual,
hipermoderna. Antes, o sistema cultural tinha maior importância na vida das
pessoas, à medida que era interiorizado e associado por elas, e a vida material
era mais difícil. Hoje, os valores são invertidos: “há uma superabundância de
satisfações de ordem material, enquanto as decepções de ordem cultural
proliferam como nunca”.
Assim, Lipovetsky fala sobre a atuação do “capitalismo hipercomercial”, que diversifica a
apresentação de produtos culturais rapidamente e multiplica as variedades desses produtos
apresentados ao consumidor.
Desse modo o autor afirma que (2012, p. 34) “vivemos em uma sociedade de
superabundância de ofertas e da desestabilização das culturas de classe. São essas condições
que criam as condições propícias para uma individualização extrema das preferências de
cada um”.
Considerações finais
Os interesses coletivos estão em decadência, conforme observa o professor de política
e sociólogo Gilles Lipovetsky. Em lugar deles, emergiu uma sociedade individualizada em que
cada um busca a satisfação pessoal, em especial, por meio do consumo.
A religião, afirma Lipovetsky, entra em decadência e não mais contribui para amenizar as
dores da decepção do homem. Em seu lugar aparecem os produtos – celulares, televisores,
roupas e acessórios, carros. Nessa lógica, o mercado produz incessantemente novidades e
provoca, em cada indivíduo, a sensação de nunca estar satisfeito. Assim, ele tem necessidade
de consumir com voracidade.
Existe, em contrapartida, a ascensão de um modo de vida mais livre. Exemplo disso
é a conquista de direitos políticos das mulheres e sua entrada no mercado de trabalho. A
sexualidade também passou por mudanças e hoje segue mais liberalizada.
Ao mesmo tempo, as regras morais entre as pessoas ficaram mais flexíveis, ao sabor das
individualidades, o que, na maioria das interações interpessoais, dá margem à existência de
comportamentos que não são éticos.
Existem duas faces de uma mesma moeda: enquanto estamos livres para buscar
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a felicidade de modo cada vez mais peculiar e individualizado, o que ajuda a descoberta
individual de quem nós somos, acabamos sempre estimulados e turbinados pelo consumo em
um sistema capaz de nos deixar em permanente dependência do mercado superabundante,
que transforma o novo em obsoleto rapidamente, torna-nos eternamente insatisfeitos com o
que temos e volta os nossos olhos ao que poderíamos ter.
Conclusão: a questão da produção e do consumo é peça-chave dos tempos atuais.
Referências
LIPOVETSKY, Gilles. A Sociedade da decepção. Entrevista coordenada por Bertrand Richard.
Tradução Armando Braio Ara. Barueri (SP): Manole, 2012.
RADAR TECNOLÓGICO. Vendas de Smartphones no Brasil Crescem 78% em 2012. Disponível
em: <http://blogs.estadao.com.br/radar-tecnologico/2013/03/14/vendas-de-smartphones-no-
brasil-crescem-78-em-2012/>. Acesso em: 25 de abril de 2013.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE Divulga as Estimativas
Populacionais dos Municípios em 2012. Disponível em: <http://saladeimprensa.ibge.gov.br/
noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=2204>. Acesso em: 25 de abril de 2013.