Este documento discute os conceitos de diversidade cultural e cultura de acordo com autores como Geertz e Coelho. Resume que a cultura pode ser entendida como uma teia de significados construída socialmente e que varia entre grupos, levando à diversidade cultural. A diversidade pressupõe o respeito às singularidades de cada cultura.
1. Objetivos Específicos
• Refletir sobre o direito à diferença e à diversidade cultural.
Temas
Introdução
1 O que é diversidade
2 O que é cultura para a ciência da antropologia e por que ela inclui a ideia de
diversidade
3 Cultura controlada pelo Estado-nação
4 Estado-nação e mundo globalizado
5 Diversidade e cultura
Considerações finais
Referências
Mônica Rodrigues da Costa
Ética, Cidadania e Sustentabilidade
Aula 09
Professor
Diferença e diversidade I
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Introdução
Para entender o que é diversidade é preciso partir de alguns conceitos entrelaçados a
esse termo. A utopia de um planeta sustentável, com empresas bem-sucedidas e gerando
lucro, inclui: a ideia de diversidade das pessoas, do ambiente, das sociedades, bem como
o comportamento individual ético, o governo adequado do espaço social, a população, a
educação, os fabricantes dos objetos e alimentos que dão sobrevivência a essa comunidade
– que crê em divindades de uma religião, parte de sua cultura. Pressupõe também um ideal
de vida, com moral e valores, e um desejo de futuro, portanto, uma utopia e uma filosofia,
frutos da própria cultura.
Mas a filosofia é também um dos instrumentos que permitem a análise da própria cultura,
ao lado de outras ciências como sociologia, psicologia, psicanálise, antropologia, linguística,
semiótica, política, economia, ecologia, geografia, química, física, e todas as outras.
Nesta aula examinamos o conceito de diversidade relacionado às noções de cultura,
globalização e Estado-nação.
1 O que é diversidade
O cientista social Mario Sergio Michaliszyn, no livro Educação e diversidade, apresenta o
conceito de diversidade que, segundo o autor, está relacionada ao diverso, diferente, variado
e também diz respeito à variedade.
Fazendo uso da definição da palavra diversidade contida no dicionário Houaiss e
também levando tal definição ao âmbito da ecologia, que relaciona a palavra à abundância e
equitabilidade, o autor revela o aspecto plural, abrangente e rico carregado por esse termo.
No campo das ciências sociais, conforme fala Michaliszyn, as palavras “alteridade”,
“diferença” e “dessemelhança” correspondem à diversidade:
Por alteridade, um conceito mais restrito que o de diversidade, entendemos o
sentimento de um indivíduo em ser outro, colocar-se ou se constituir como outro.
É por meio desse sentimento que conseguimos perceber o outro, o diferente, sem
discriminá-lo pelas características que nos distinguem.
A diferença é, por assim dizer, a determinação da alteridade. Essa não implica
necessariamente uma determinação; a diferença, por sua vez, traz consigo a
determinação. Por um lado, podemos dizer, por exemplo, que João e Pedro são
indivíduos pertencentes à espécie humana e, uma vez que passaram pelos mesmos
processos que os inseriram no grupo social, são agora denominados seres humanos.
Como João e Pedro vivem no Brasil, são brasileiros e essa característica os assemelha,
os identifica. Por outro lado, João é de descendência alemã, e Pedro, de descendência
africana. Assim, embora João e Pedro sejam indivíduos da espécie humana, seres
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humanos que adquiriram valores culturais próprios de seus grupos, e cidadãos
brasileiros, ambos representam etnias diferentes, cujas características – diferenças
– se expressam não somente no campo dos valores culturais, mas em traços físicos
próprios de suas descendências. (MICHALISZYN, 2006, p. 16-17).
2 O que é cultura para a ciência da antropologia e por que
ela inclui a ideia de diversidade
O antropólogo norte-americano Clifford Geertz explica no livro A interpretação das
culturas, que a cultura sempre funcionou como um mecanismo de controle do ser humano
e controle social das pessoas em um grupo. Para chegar a esse sentido de cultura, Geertz,
no primeiro capítulo, formula seu próprio conceito de cultura, seguindo os princípios da
semiótica, também conhecida como semiologia, ciência que estuda os signos. Embora Geertz
não afirme que todas as definições canônicas, ou consagradas, como a de Clyde Kluckhohn,
por exemplo, sejam completamente equivocadas.
Geertz (1989, p. 14) afirma que a cultura é uma teia de significados que o próprio homem
tece. Foi em torno do conceito da cultura que surgiu a ciência da antropologia. Escreveu o
antropólogo:
Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de
significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua
análise; portanto não como uma ciência experimental em busca de leis. Mas como
uma ciência interpretativa, à procura do significado. É justamente uma explicação que
eu procuro, ao construir expressões sociais enigmáticas na sua superfície. (GEERTZ,
1989, p. 15).
Para Geertz, a análise antropológica é uma forma de conhecimento e ao mesmo tempo
um estar no mundo. Ele dá o exemplo de diferentes significados para cada piscadela de olhos
citando outro estudioso, Ryle. Em cada cultura, a ação de piscar tem diferentes significados
e a tarefa do antropólogo é interpretar como é o sistema, ou teia, em que as piscadelas
funcionam como sinais de comunicação. Cada contexto de uma cultura determina ou cria
significados diferentes.
Geertz (1989, p. 14) cita as 26 noções de cultura listadas por Kluckhohn, entre elas, “o
legado social que o indivíduo adquire do seu grupo”. Isso porque as pessoas numa cultura
constroem significações e estabelecem códigos, que são entrelaçados. É como se a cultura
fosse uma mensagem na garrafa e precisasse ser decifrada e interpretada. Para ele (1989, p.
20) a cultura é pública porque o significado é público, como as piscadelas referidas: “Embora
uma ideação, não existe na cabeça de alguém; embora não física, não é uma identidade
oculta”. Geertz (1989, p. 20) acredita que a cultura é uma ação que significa e é simbólica,
“como a fonação na fala, o pigmento na pintura, a linha na escrita ou a ressonância na música”.
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Não importa se a cultura é “uma conduta padronizada ou um estado da mente ou mesmo as
duas coisas juntas”.
Aindasoba ideiadesse autor (1989,p. 21):“O que deve indagaré qualé asuaimportância:
o que está sendo transmitido com a sua ocorrência e através da sua agência, seja ela um
ridículo ou um desafio, uma ironia ou uma zanga, um deboche ou um orgulho”.
Para não correr o risco de reduzir a ideia de cultura, Geertz (1989, p. 21-23) argumenta
na direção de que a cultura é subjetiva e também é social, formalista, repleta de significação,
paradigmas, genealogias. A partir das ideias do antropólogo, podemos perguntar: uma
sinfonia de Beethoven é uma amostra da cultura? Ela transcende sua existência material?
Para ele, precisamos, para entender cultura, saber que a cultura consiste em estruturas de
significado socialmente estabelecidas, nos termos das quais as pessoas fazem certas coisas
como sinais de conspiração e se aliam ou percebem os insultos e respondem a eles, não é
mais do que dizer que esse é um fenômeno psicológico, ou uma operação mental ou uma
determinada classificação. Para entender cultura é preciso “situar-nos”, interagirmos com
as outras culturas com as quais convivemos e entender seu discurso. Assim, a cultura é
entendida como uma narrativa de significados entrelaçados onde mora a multiplicidade de
sentidos que mudam quando entram em interação. Nesse sentido a ideia de diversidade fica
bem clara. Diz Geertz:
Deve-se se atentar para o comportamento e, com exatidão, pois é através do
fluxo do comportamento – ou, mais precisamente, da ação social – que as formas
culturais encontram sua articulação. Elas encontram-na também, certamente, em
várias espécies de artefatos e vários estados de consciência. Todavia, nestes casos
o significado emerge do papel que desempenham (Wittgenstein diria seu ‘uso’) no
padrão de vida decorrente, não de quaisquer relações intrínsecas que mantenham
umas com as outras. (GEERTZ, 1989, p. 27).
Entender a diversidade das culturas é respeitar o fato de que existem várias culturas
e que muitas vezes as pessoas de uma cultura não conseguem compreender as de outras.
Por isso, diz Geertz explica sobre uma cultura que não tem de se pautar na coerência como
primeiro instrumento de estudo de um discurso cultural e social na busca por compreender
seus significados. Por essa razão é difícil fazer generalizações ou buscar elementos culturais
universais, ou seja, comum a todas as culturas, pelo menos no campo da antropologia.
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Figura 1 – Diversidade de culturas
Como veremos abaixo com o pesquisador Teixeira Coelho, a diversidade pressupõe
considerar que cada cultura possui uma identidade e o conceito de diversidade prevê essa
ideia. Pensando sobre a questão da diversidade cultural, ele afirma:
Mesmo quando aparece nos documentos mais esclarecidos produzidos por ramos
esclarecidos da sociedade política por vezes mais avançada, sob algum aspecto,
como a UNESCO, costuma-se implicitamente (e muita coisa fica estrategicamente
implícita quando se fala de cultura...) entender que a diversidade de que falam as
cartas e convocações que hoje se difundem por toda a parte é uma diversidade de
grupos, de coletivos e de grandes coletivos que no limite identificam-se outra vez às...
nações, quando não aos Estados. De tal forma que garantir a diversidade cultural,
nesse entendimento, seria uma operação dos Estados, cuidando outra vez cada um
do seu, do seu próprio, do seu que lhe é supostamente específico. Em outras palavras,
o que se faz é entender que proteger a diversidade é proteger a identidade e uma
identidade, esta identidade deste território, quando aquilo que de fato se trata é da
proteção e da estimulação de toda a diversidade, de toda ela. A diversidade da cultura
nesta época deve ser entendida em seu sentido mais radical, porque diversidade não
apenas de um território em relação a outro território exterior como no interior do
próprio território, da própria nação, do próprio Estado – e esta não é uma diversidade
dos grandes grupos, mas das singularidades. Singularidades que podem formar
um conjunto e se reforçar nesse conjunto mas que nem por isso deixam de ser
singularidades. (COELHO, 2008, 79-80).
A diversidade, segundo Coelho, pressupõe uma soma de singularidades. Isso porque as
ações humanas, que têm significado social e concreto, ocorrem no “mundo público da vida
comum”, e conforme Geertz (1989, p. 40), em um determinado tempo e um determinado
lugar. De certo modo isso é conceber cultura a partir do território, de um lugar específico,
o Estado-nação, que tem um papel específico na cultura, conforme explica Teixeira Coelho.
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Concluindo:ohomemnãoéuniforme,eleédiversoevivenumaculturadiversa,misturada
pela globalização, e não é possível uniformizar ou universalizar padrões reconhecíveis nos
diferentes sistemas culturais.
No capítulo segundo do livro A interpretação das culturas, “O Impacto do Conceito
de Cultura sobre o Conceito de Homem”, Geertz afirma que as ciências sociais se dividem
erroneamente ao perceber as culturas, ou da perspectiva do relativismo cultural, como
veremos na aula seguinte, ou como o homem tendo uma origem comum, uniforme e universal:
Tivemos, e de alguma maneira ainda temos, ambas essas aberrações nas ciências
sociais – uma marchando sob a bandeira do relativismo cultural, a outra sob a bandeira
da evolução cultural. Mas tivemos também, e mais comumente, tentativas de evitar
a ambas nos procurando próprios padrões culturais os elementos definidores de uma
existência humana a qual, embora não constante na expressão, é ainda diferente no
caráter. (GEERTZ, 1989, 49).
O que Geertz que dizer é que qualquer característica universal da existência humana tem
de ser combinada com as especificidades das pessoas dentro de sua cultura, pois o homem
é universal e particular ao mesmo tempo e vários fatores estão envolvidos nessa ideia do
universal/particular. Geertz propõe uma visão de síntese e de integração de conceitos para
explicar o homem dentro da cultura e nesse ponto o antropólogo entende a cultura como um
mecanismo de controle:
Na tentativa de lançar tal integração do lado antropológico e alcançar, assim, uma
imagem mais exata do homem, quero propor duas ideias. A primeira delas é que a
cultura é mais bem vista não como complexos de padrões concretos de comportamento
– costumes, usos, tradições, feixes de hábitos –, como tem sido o caso até agora, mas
como um conjunto de mecanismos de controle – planos, receitas, regras, instruções
(o que os engenheiros de computação chamam de ‘programas’) – para governar
o comportamento. A segunda ideia é que o homem é precisamente o animal mais
desesperadamente dependente de tais mecanismos de controle, extragenéticos, fora
da pele, de tais programas culturais, para ordenar seu comportamento. (GEERTZ, idem).
Para o autor (1989, p. 57), essa ideia de cultura como tal mecanismo de controle advém
do fato de o pensamento humano ser social e público, de “[...] que seu ambiente natural é
o pátio familiar, o mercado e a praça da cidade”. Trata-se de um trânsito de simbolismos –
palavras, gestos, música – significados coletivos, que completam o homem dentro de cada
cultura e ordenam seu comportamento.
Como explicar esse funcionamento do controle social do comportamento nas sociedades
contemporâneas em sua relação com a ideia de diversidade? Caberia ao governo, ou Estado-
nação, o poder de controlar a sociedade e sua forma de pensar, como ocorre, conforme
explica Coelho no livro A cultura e seu contrário. O Estado-nação teria de preservar uma
identidade de comportamento social e, ao mesmo tempo, relacionar-se com a proposta de
comportamento advinda da ideia de globalização.
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3 Cultura controlada pelo Estado-nação
Teixeira Coelho fala da relação da cultura com o controle da sociedade pelo Estado-
mação no livro A cultura e seu contrário, no capítulo “Por uma Cultura em Tudo Leiga”. O
autor chega à conclusão de que o Estado-nação ignora o simbolismo da cultura original e
impõe outro simbolismo para exercer o poder efetivamente sobre a sociedade:
A tentativa de controle do cultural torna-se então ritual social desprovido de qualquer
mito (nem manifestação de um eventual pensamento mágico ou selvagem é) que não
sejaodatentativaimediatistaeoportunistadecontroledopensamentoedaexpressão
e o da afirmação de um poder. Nessa lógica obscura, e obscurantista, encaixam-se
tanto o recente projeto de lei do deputado federal brasileiro Aldo Rebelo proibindo o
recurso a palavras de origem ‘estrangeira’ (quer dizer, de origem estranha, sem levar
em conta que para o ser humano do século 21 não apenas nada é estranho como
nada é estrangeiro) quanto a criação, no Ministério da Cultura, de uma Secretaria da
Identidade (e da Diversidade Cultural, em substituição a uma anterior, desta mesma
atual gestão, intitulada Secretaria de Apoio à Preservação da Identidade Cultural). Um
título que provoca calafrios. A cultura contemporânea, mais do que híbrida (o que
pressupõe alguma cultura que eventualmente não o é, uma cultura pura inicial), é
flutuante, e tanto uma providência quanto outra carecem hoje de sentido. Mesmo um
documento como a Agenda 21 da Cultura cuja origem, apesar de distantes aparências
em contrário, está ainda suficientemente vinculada à sociedade política e decorre da
tentativa de implementação de outros documentos que são também da sociedade
política, como a Carta dos Direitos Humanos e a Declaração Universal da UNESCO
sobre a diversidade cultural reconheceu, em 8 de maio de 2004, no seu artigo 13,
algo que a antropologia cultural mais aberta já sabe há algum tempo, isto é, que ‘a
identidade cultural de todo indivíduo é dinâmica’. Se a identidade cultural de todo
indivíduo é dinâmica, o que inclui seus vetores mais imateriais tanto quanto aquele
bem material (apesar de não ser assim chamado) que é a língua, não se entende
como poderia ser possível, e menos ainda desejável, uma secretaria de Estado que
busque preservar essa identidade. A ideia de preservação e a noção de dinâmica são
antitéticas. (COELHO, 2008, p. 76-77).
Paradoxos como esse acima explicado por Coelho estão incluídos na maioria das
sociedades contemporâneas. Apesar da globalização cultural do mundo contemporâneo,
as sociedades ainda procuram representar-se de forma singular, por um conjunto se signos
facilmente identificáveis, como uma bandeira, um ritmo musical, como o samba, ou a
religião, como a católica. Diz-se que o brasileiro dos anos 1930 do século passado cultivava
o estereótipo da malandragem, identificada com o gingado do samba e a cor mulata dos
morros e favelas brasileiras, berço do samba, criado e trazido da África pelos nossos bisavós
e tataravós negros.
Perder esse tipo de identificação é um pouco perder nossa identidade. Já pensou ouvir
apenas a música popular norte-americana, por mais incríveis que tenham sido The Beatles, só
porque as emissoras só executam canções globalizadas? Ou já pensou somente em ouvir axé
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e pagode, que vieram do samba, mesmo com misturas internacionais, com as quais também
nos identificamos, só porque o governo que preservar nossa cultura brasileira?
A identidade da gente, misturada, chamada de híbrida pelos pesquisadores das ciências
sociais, está em todos os momentos e lugares da existência de cada um de nós devido ao
fenômeno da globalização, na economia e na moda, na política e na culinária. É por isso que
se diz que a cultura é dinâmica, isto é, muda conforme muda a história da humanidade. Mas,
afinal, como preservar certas maneiras de ser ou de se alimentar e viver simultaneamente no
mundo globalizado, usufruindo de seus benefícios e combatendo ou fazendo melhorias em
seus defeitos? Coelho discute o paradoxo que ele aponta na cultura:
No limite, o único modo de preservar algo que é dinâmico e que, portanto, não
se sabe para onde vai e do qual, por conseguinte, não se sabe o que se poderá
preservar, seria apoiar e preservar ao acaso todas as formas da diversidade como
única probabilidade de favorecer aquele dinamismo. Apoiar a diversidade, porém,
além de não ser o que essas providências de fato buscam, tornou-se rigorosamente
impossível, materialmente, fisicamente impossível (para não mencionar o aspecto
ideológico relativo ao conteúdo) do ponto de vista de uma política cultural de Estado,
dado o leque imenso de opções. E se por preservar a identidade cultural o que se
entender for o apoio às tradições culturais firmadas e tabelionadas (pois se trata
nesse caso de uma cultura de tabelião, a cultura notarial, nome verdadeiro de muito
do que se apresenta sob o rótulo de patrimônio histórico e cultural e que é aquela
que expede ‘certificados de origem’ e ‘de validade’ do produto cultural), vale a pena
mais uma vez ouvir diretamente a Antonio Negri, sob mais de um aspecto insuspeito.
É radical sua aversão à cultura arcaica, quer isso se refira ao modo e tempo de vida do
trabalho tradicional, agrícola ou artesanal, quer à representação mais estritamente
cultural, uma e outra ‘encarnadas em mitos não efetivos’, quer dizer, em mitos que
não mais têm ascendência sobre o real. Sua posição a respeito não admite meias-
medidas nem meias-verdades: não há mais espaço para a nostalgia da defesa do
Estado-Nação, ‘daquela barbárie absoluta de que deram prova definitiva Verdun e
o bombardeio de Dresden, Hiroshima e Auschwitz’, lista à qual eu acrescentaria os
atos, em catadupa, da URSS, da China maoísta, do Estado pinochetista e do Estado
dos ditadores brasileiros cunhadores daquele Brasil do ‘Ame-o ou deixe-o’ que uma
rede nacional de televisão transformou em grito primal de afirmação patrioteira que
continua em vigor hoje, 30 anos após o momento de sua criação, 20 anos depois
do fim do período em cujo seio nasceu. O Estado-nação, continua Negri, nada mais
é que uma ideologia falsa e danosa, à qual se opõem as redes de movimentos que,
‘como tudo aquilo que acontece livremente no mundo’, são múltiplas e diferenciadas.
Toda tentativa de impedir o desdobramento desses movimentos, esses realmente
libertários, é reacionária e expressa operações sectárias. (NEGRI, 2008, p. 77-78).
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4 Estado-nação e mundo globalizado
A ideia de Estado-nação ganhou força após o fenômeno da globalização ter se expandido
na década de 1980 do século passado. Se o mundo passa a ser gerido de escritórios globais
instalados em cidades locais a eles ligadas, tais escritórios influenciam desde o modo de vida
das pessoas até a economia e política dos países onde essas cidades se localizam. Muitos
cientistas sociais, como os aqui citados, acreditam que a globalização enfraquece a noção de
Estado-nação e a identidade de cada país e sua população, já que toda ação local pressupõe
consequências globais ou vice-versa, como vimos em aulas anteriores. A identidade para ser
um conceito dinâmico, mutável e intercambiável.
A consequência desse enunciado político relativo ao Estado-nação no campo
estritamente cultural ou da cultura estrita é clara. Por certo, seria um despropósito
promover a erradicação daquilo a que, sem que isso seja jamais assim definido e
anunciado, se chama de cultura arcaica e é entendido tradicionalmente como vetor
da identidade cultural. Toda tentativa, porém, de ancorar aí a identidade cultural
que, como até a Agenda 21 reconhece, é dinâmica, não passa de manifestação
profundamente anacrônica ou, como diz Negri, reacionária e sectária. (COELHO,
2008, p. 78).
Neste ponto começam os problemas de ambivalência. Por um lado, os Estado-nações
globalizados desejam assim permanecer e trocar simbolismos culturais, difundidos, em
especial pela TV e outras mídias globalizadas. Por outro, desejam manter suas identidades
específicas. Afirma Coelho:
O Estado não pode acreditar que a identidade de todo indivíduo seja dinâmica. Esse
Estado não quer que a identidade de seus súditos seja dinâmica. Para o Estado, a
unidade é a norma. Como diz Clastres, o Estado não pode acreditar que a identidade
de todo indivíduo seja dinâmica. Esse Estado não quer que a identidade de seus
súditos seja dinâmica. Para o Estado, a unidade é a norma. Como diz Clastres, o Estado
é o Um, o Estado é o Uno, o Estado é um triunfo do Uno ao passo que a sociedade civil
é cada vez mais múltipla, cada vez mais diversa – como reconhece, aliás, um membro
da própria sociedade política como a UNESCO, voz cultural da ONU. (COELHO, idem).
5 Diversidade e cultura
A solução ainda está por ser pensada pelos países, mas os cientistas sociais propõem
que os governos respeitem a subjetividade, que é o motor, ou vetor, da diversidade cultural,
que, por sua vez, forma a identidade de uma sociedade, mesmo dentro do paradigma da
globalização. Escreve Coelho:
Os movimentos da sociedade civil, como a rede de celulares espanhóis que em
março de 2004 acabou de derrotar um governo já batido, ao lado das flutuações, das
migrações, do nomadismo do qual Michel Maffesoli faz o elogio, da mestiçagem e do
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hibridismo de Nestor G. Canclini, são forças de libertação e florescimento não mais
apenas do indivíduo mas do sujeito e da subjetividade – no dizer radical de Negri, são
mesmo a força a ser usada contra a subordinação a ideologias reacionárias como a
nação, a etnia, o povo e a raça. Esse Estado que quer uma cultura una já se dissolveu,
sem que o admita, no rio-corrente da história. (COELHO, 2008, p. 78).
Considerações finais
Acompanhamos o debate dos cientistas sociais e percebemos a importância de preservar
a diversidade das culturas e das subjetividades, sem as quais não há diversidade cultural, o
que é negativo para a longevidade da espécie humana, já que se alimenta de diferenças.
Assim, a proposta de Coelho é que os Estados-nações criem políticas culturais que incluam o
respeito à diversidade. Só assim construiremos um planeta sustentável. Apesar do pessimismo
da firmação abaixo de Coelho, os cidadãos têm de manter a esperança que conseguiremos
manter a diversidade humana.
A política cultural da contemporaneidade marcada pela pluriemergência da sociedade
civil tem então de levar em conta essa multiplicidade de subjetividades. Pode fazê-
lo? É viável uma política cultural para as singularidades, desde a perspectiva em que
se coloca o Estado? Do ponto de vista quantitativo, nas atuais circunstâncias, e sob
o ângulo do conteúdo, a resposta é não. As singularidades são legião, os recursos
mostram-se ínfimos e critérios justos para decidir quais singularidades contemplar
inexistem e não podem ser formulados. Diante dessa impossibilidade, a opção pela
política do coletivo, do geral, não apenas é conservadora, reacionária ou sectária,
por contrariar toda a tendência contemporânea, como irrelevante e, ao final, inútil.
(COELHO, 2008, p. 81).
Referências
COELHO, T. A cultura e seu contrário. São Paulo: Iluminuras, 2008. (Itaú Cultural.)
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora,
1989.
MICHALISZYN, M.S. Educação e diversidade. Curitiba: Ibpex, 2011.
NEGRI, A. 5 lições sobre o império. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 35, apud COELHO, T. A cultura
e seu contrário. São Paulo: Iluminuras, 2008. (Itaú Cultural)