Este documento discute como a cultura de consumo levou à desigualdade social ao encorajar a competição em vez da cooperação e estimular comportamentos egoístas e antiéticos. A cultura de consumo fortaleceu os instintos de cobiça e competição entre as pessoas e enfraqueceu o senso de comunidade, levando a uma sociedade individualista e desconectada.
5. DESCRIÇÃO
E
ste manifesto é o resultado de dez anos de
pesquisas em diversas áreas do conhecimento
social. Pesquisa que fiz com o objetivo de
buscar respostas sobre os graves problemas que a
sociedade enfrenta provocados pelos diversos tipos de
desigualdade.
Os pensadores ressaltam que nos dias de hoje a
humanidade comemora as maravilhas da tecnologia, da
ciência, vivencia constantemente progressos incríveis
que a sociedade alcança, e o impressionante é que
enquanto estamos maravilhados com tudo isso, ainda
existam pessoas que além de não fazerem parte de
todo esse avanço, ainda carecem dos recursos mais
básicos da vida humana. Como todo mundo sabe, esse
quadro não se refere só a algumas pessoas, é uma
quantidade imensa de gente que existe no mundo
vivendo privada de recursos fundamentais.
Percebi que é natural das pessoas, assim como
eu, se preocuparem com esse assunto, porém na falta
de vias acessíveis a um conhecimento social sério e
profundo, deixam-se levar pela cultura com a qual já
estão acostumados.
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7.
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9. 9
INTRODUÇÃO
N
este trabalho procurei investigar a igualdade
como um ideal e como uma condição. Um
ideal no sentido de que ela pode mobilizar as
pessoas a tentar melhorar a realidade ao seu redor, até
mesmo dando um objetivo às suas existências. E como
uma condição, no sentido de que ela pode ser
alcançada, tanto como utopia, como realização das
mesmas mobilizações idealísticas. É por esse modo de
ver a igualdade que procurei analisá-la, dando uma
ênfase especial ao seu oposto, a desigualdade, que
obviamente é o estado que precisa ser combatido para
poder se alcançar a igualdade.
Antes de tudo, preciso explicar que minha
análise, de modo algum, pretende ser um estudo
acadêmico, nem mascarar qualquer valor filosófico ou
científico, já que quem o faz é apenas um jovem
autodidata sem curso superior. Mas foi nas fontes
consagradas, dos mestres de muitas áreas do
conhecimento, que fui buscar informação suficiente
para responder minhas dúvidas. Tanto é, que qualquer
um que tenha feito os mesmos estudos que fiz, irá
reconhecê-los rapidamente em minhas palavras.
Apesar de expor a opinião que tenho, foi nesses
10. 10
estudos que encontrei uma baliza para minha linha de
raciocínio.
Não pretendo fincar uma estaca no tema dando-
o como acabado, ou dizer que é uma investigação
completa que o trata por todas as nuances existentes.
Mas certamente, como foi minha intenção, procurei
abordar esse tema dos mais diferentes aspectos
possíveis, como também procurei fazer pontes para as
diversas formas de tratá-lo. O que quer dizer que me
esforcei para ser extremamente detalhista, sem deixar
interpretações errôneas nem lacunas nas ideias. Lógico
que isso pode acontecer, mas se assim for, não foi por
minha intenção, e sim por minha falta.
11.
12.
13. 13
A RAIZ CULTURAL DA
DESIGUALDADE
C
ada ser humano tem sua própria
personalidade, seu caráter e suas muitas
características. Cada um tem sua forma de
pensar, tanto individual, como em conjunto com seu
grupo, sua família, amigos, colegas de trabalho. As
pessoas trocam muitas informações e ideias entre si, e
nessa troca, elas influenciam umas às outras. As
informações que elas consideram mais importantes são
guardadas no fundo de sua consciência e moldam sua
personalidade. Cada grupo de pessoas tem
características comuns, são as ideias mais fortes em
que a maioria delas acredita, são coisas sobre as quais
elas pensam do mesmo jeito.
Então vamos considerar que os grupos de muitas
pessoas também têm personalidades, essa
personalidade de grupo, ou conjunto de ideias é o que
podemos dizer que é a cultura daquele grupo. Se
continuarmos aumentando nossa visão desse assunto,
veremos que as ideias comuns em um país formam a
cultura daquele país, as ideias comuns na humanidade
formam a cultura humana.
14. 14
Se procurarmos quais são os grupos mais
comuns, teremos em primeiro lugar a família, e em
segundo lugar a escola, que são os primeiros grupos
que os indivíduos integram. Em seguida, teremos os
locais de trabalho e os locais de socialização. Família,
escola e ambiente de trabalho são os três
agrupamentos mais importantes do sistema social.
Todo o conjunto de famílias em um país forma a
cultura familiar do país, todo o conjunto de
instituições de ensino forma a cultura educacional do
país, e todo o conjunto de ambientes de trabalho
forma a cultura de trabalho, ou de emprego do país.
Ainda analisando esse ponto tão importante da
nossa cultura, creio que existem duas chaves principais
que reúnem as qualidades mais fundamentais da
cultura em nossos agrupamentos, que são a Paz e a
Educação. Esses são dois valores muito amplos, bem
abrangentes, pois são deles que brotam a maioria das
virtudes e também as maiores virtudes. Por exemplo, a
Cultura da Paz, abriga em seu seio, valores como o
respeito, que é indispensável para se haver paz, e a
igualdade, que é indispensável para eliminar a opressão
(sob a qual não há paz nas relações). Já a Educação,
além de ser a ferramenta de preparação das pessoas em
todos os outros valores, é também a única ferramenta
15. 15
de propagação do conhecimento, o que leva as pessoas
a entenderem sua própria sociedade, os problemas que
ela enfrenta e raciocinar nas soluções, tanto as já
propostas, como refletir sobre novas.
Os costumes, as regras e as opiniões das pessoas
influenciam bastante a cultura da sociedade, um dos
protagonistas dessa influência são os formadores de
opinião, que são pessoas que conseguem fazer sua voz
alcançar muitos de uma só vez. Eles são personagens
importantes no seio social, que tem o papel de captar e
filtrar ideias e comportamentos e retransmitir para a
maioria, sob o compromisso de fazer com que a
cultura de cada um, esteja em consonância com a
liberdade e a cultura dos outros, promovendo a ordem
e o equilíbrio dos agrupamentos humanos e do
ambiente cultural em geral. E como os formadores de
opinião são parte da cultura, podemos deduzir
consequentemente que a cultura também influencia a
sociedade, isso quer dizer que ideias e raciocínios
influenciam comportamentos e normas e vice-versa.
Então, temos um ambiente cultural, que é
intelectual, formado por ideias e raciocínios, e um
ambiente social, formado por regras e costumes.
Existem momentos na história em que surgem grandes
mudanças que interferem tanto no ambiente social,
16. 16
como no ambiente cultural de cada nação, de cada
grupo e de cada indivíduo. São mudanças que podem
ser causadas por grandes invenções, descobertas
científicas, alterações políticas ou mobilizações
populares. Algumas ainda acontecem com o passar do
tempo, com o avanço do estilo de vida e com a
socialização natural da espécie humana.
Talvez a primeira das grandes mudanças, ou a
primeira significativa, tenha ocorrido ainda no
nascimento da civilização, no momento em que o
homem deixou de consumir para sobreviver e passou a
acumular bens, se apropriar da natureza e a produzir
além do que necessitava, trocando o excedente por
outros bens. Esse foi o nascimento do comércio de
troca. Essa primeira alteração no ambiente social
humano teve impacto também no ambiente cultural,
ainda primitivo, pois deu origem à cultura de consumo.
Por sinal, essa cultura alcançou seu auge nos dias de
hoje, e tudo aponta para o fato de que essa cultura
deve entrar em uma escala decrescente nas próximas
décadas, dando espaço a uma nova cultura ainda em
gestação.
Eu não vejo a cultura de consumo como uma
forma de pensar que nasceu automaticamente, logo
quando o homem passou a acumular bens, mas como
17. 17
uma construção de várias formas de pensar, feita por
um longo período de tempo. Ela foi se estabelecendo
conforme a sociedade fortalecia todos os costumes
ligados ao consumo. Isso significa que o ambiente
social ia se estruturando em cima da acumulação de
bens e da divisão de grupos com diferentes padrões de
consumo. Essa configuração do ambiente social
influencia a cultura fazendo as pessoas raciocinarem e
perceberem o mundo com base na realidade que elas
estão vivendo.
Foi a cultura de consumo, ainda nos seus
primeiros dias, que levou uns a possuírem mais que
outros, fazendo aqueles que possuíam mais, serem
vistos como superiores aos que possuíam menos.
Creio que mudanças culturais impactantes como essa,
não alteram apenas o intelecto humano, mas também
as emoções. Quando a finalidade da vida deixava de
ser a sobrevivência e passava a ser o consumo e a
acumulação, o instinto de cooperação entre a espécie
enfraquecia aos poucos, enquanto se fortalecia a
indiferença. Isso significa que a regra geral é a de que,
para você se encaixar em determinado grupo, você
precisa ter os padrões de consumo daquele grupo, e
caso não tenha, você é empurrado para grupos
considerados inferiores. Então, sabendo que uns são
18. 18
superiores a outros, você se torna indiferente aos
inferiores e procura seguir os padrões daqueles que são
considerados superiores, isto é: consumir igual a eles.
Esse novo sistema veio reforçar o instinto de
competição entre membros da mesma espécie, nesse
caso a humana, fazendo todos competirem entre si, e
fez os indivíduos desejarem ter cada vez mais e serem
cada vez “melhores” que os outros.
Nesse caso não estou apenas cogitando uma
hipótese, mas vejo indícios concretos de que essas
mudanças nas emoções humanas realmente
aconteceram. Quando analisamos a forma como os
seres humanos se relacionam nos dias de hoje,
veremos que, apesar de existir certa cooperação entre
iguais, quando um ambiente é propício à competição,
boa parte das pessoas lança mão de todos os meios
possíveis para ultrapassar seu oponente, independente
dos prejuízos que ele sofrerá.
Para ilustrar melhor o que quero dizer, reflitamos
que quando a única finalidade do ser humano era
sobreviver e procriar, a competição só levava à disputa
dois iguais para ter posse do alimento, da água, ou de
uma parceira. Em todos os casos a disputa ocorria
sempre pela sobrevivência ou pela perpetuação da
19. 19
espécie. É esse mesmo instinto que foi fortalecido,
fazendo os indivíduos de hoje disputarem entre si a
entrada em níveis mais privilegiados. Levando em
conta que sua sobrevivência já está mais ou menos
garantida, essa disputa atualmente só pode ser
compreendida considerando-a como uma mutação dos
antigos instintos para dentro de um novo ambiente
cultural.
Podemos olhar mais fundo ainda nessas
mudanças de instinto da sociedade, e encontrar alguns
novos, que sequer existiam em outras espécies da
natureza, e que certamente também não existiam na
espécie humana quando estava à mercê dela, ou seja,
antes do estabelecimento da civilização. Não é uma
tentativa de sensacionalismo da minha parte, e posso
explicar muito bem como cheguei a essa conclusão.
A regra de acumulação estimula a cobiça, já que
nosso próprio instinto de sobrevivência nos faz
cobiçar, só que antes, ele nos fazia cobiçar aquilo que
nos manteria vivo, hoje ele nos faz cobiçar aquilo que
é possível acumular para satisfazer os padrões sociais
de superioridade. Para não se incluir em uma categoria
de renegados, já que não acumular significa não ser
uma criatura plena em seu meio. Creio ser bem difícil
encontrarmos qualquer outra espécie da natureza que
20. 20
acumule para satisfazer padrões, no máximo
encontraremos algum animal que acumula alimento
para o inverno, etc.
Então passamos a cobiçar bens e produtos e a
fazer de tudo para tê-los, é o momento em que nascem
as trapaças, traições, crimes, ciúmes, e vários tipos de
comportamentos que são alimentados pela
combinação do novo sistema social com a cultura de
consumo. São comportamentos deploráveis, mas
tendem a se multiplicar nesse tipo de ambiente, porque
ocultam sua face e sua causa, e terminam se tornando
regras ocultas do jogo, que todos criticam por
convenção, mas que muitos, secretamente aceitam
praticar. Esses comportamentos vão transformando
aos poucos o senso comum, que antes era de viver em
comunidade, para apenas viver, o todos se transforma
em muitos eus, a sociedade se transforma em um
amontoado de indivíduos desconectados uns dos
outros e de sua própria natureza. É o que podemos
chamar de egocentrismo.
Esses comportamentos da personalidade
egocêntrica são o que conhecemos como malícias. Eles
não se referem apenas aos crimes assim como estão na
lei, mas toda atitude que a consciência de cada um sabe
que é antiética, mas que por ser uma oportunidade,
21. 21
mesmo que completamente ilusória, de ascender nos
supostos padrões culturais, as pessoas praticam.
Essas malícias fazem as pessoas, lá no fundo,
questionarem seus princípios, sua ética, e elas fazem
isso sem sequer perceberem. Vão perdendo o sentido
de julgamento do certo e do errado. Porque se o
próprio modelo de sociedade seleciona os que ele
considera superiores, e descarta insensivelmente todos
os outros, todos que fazem parte dessa cultura
começam a perder seu instinto de cooperação. Então
alguns começam a se abrir para emoções sombrias,
começam a ter prazer secreto em ver o sofrimento, a
dor e a miséria de seus iguais, começam a ter vontade
de ver tragédias, se tornam propensos a cometer
massacres, a humilhar e pisar naqueles que considera
inferiores. Conforme a influência desse tipo de
sentimento vai se reforçando na cultura, começa a
disseminar-se, e nos tornamos sádicos.
É um momento da nossa cultura em que não
temos mais medo da destruição do mundo, mas lá no
fundo já estamos desejando-a. Talvez o sadismo seja a
última emoção exclusivamente humana, porque é um
limite da capacidade de prejudicar deliberadamente e
sem motivos. Nesse ponto já não estamos mais nos
preocupando com as consequências de nossas ações, e
22. 22
isso é um espiral de decadência que com certeza leva
ao fim da nossa civilização.
Não estou falando do fim da raça humana, nem
do fim do mundo, mas sim do encerramento de um
modelo de sociedade que não se sustenta, de um
modelo civilizatório onde seus próprios integrantes o
consomem, gerando cada dia mais fraquezas, mais
problemas, mais dificuldades, mais desigualdades.
Então o que precisamos ter em mente é que, se
essa civilização cavou sua própria cova, precisamos
construir algo novo que a substitua, outra civilização
tem que surgir. E ela só surgirá quando cada vez mais
gente perceber que, se essa cultura quer fazer cada um
se sentir frustrado por não poder corresponder aos
padrões de consumo de uma superioridade aparente,
por não possuir os produtos caros, símbolos dessa
superioridade. A saída mais racional não é se sentir
frustrado e metamorfosear-se numa criatura maliciosa,
que mergulhará de cabeça no mesmo sistema que quer
frustrá-la. Nem fazer de tudo para satisfazer os
caprichos desse sistema. Mas pelo contrário, o certo é
se desvencilhar das etiquetas criadas culturalmente, e
começar a raciocinar por conta própria, ter ideias
próprias, enxergar um horizonte novo onde não são os
23. 23
padrões de consumo que ditam o caráter de um ser
humano.
Isso é o surgimento de uma nova cultura, a
construção de um novo ambiente cultural. Onde as
pessoas não disputem entre si, atropelando os que
estão por baixo para chegar ao topo, mas onde cada
um olhe para o outro como um colaborador social, um
ente do organismo social. Para que dessa forma, uns
não suprimam as oportunidades dos outros. Um
ambiente onde ninguém acumule para ser melhor e
mais forte que o próximo, mas que todos consumam
para fazer parte dessa máquina complexa que é a
sociedade. Onde todas as peças deveriam trabalhar em
conjunto para que a máquina funcionasse bem. Mas
quando umas peças são mais valorizadas e outras são
maltratadas, é lógico que a máquina mais cedo ou mais
tarde irá falhar, e parar.
24.
25.
26.
27. 27
A BUSCA DA IGUALDADE É UMA
BATALHA
“
O modelo cultural e social em que nossa
sociedade foi construída, fez com que
existissem mais oportunidades para uns do
que para outros. Por causa disso, uma parte
da humanidade passa fome enquanto outra
acumula o que não usa. Os que têm demais
oprimem os que têm de menos, ou que nada
têm. Quando falta a igualdade nasce a
crueldade, quando falta a igualdade surgem
as guerras e as disputas por recursos
naturais. A igualdade é o maior bem que a
humanidade pode alcançar. Não estou
falando de uma igualdade onde todo mundo
se veste igual, faz tudo igual e tem as
mesmas coisas, isso se chama moda. Estou
falando de uma igualdade onde cada ser
humano tem os mesmos direitos, tem as
mesmas oportunidades. Onde todo mundo
tem direito a alimentação e moradia dignas,
educação de qualidade, e dispõe de todos os
recursos necessários para exercer sua
cidadania plenamente. É sobre essa
igualdade que quero tratar aqui.
”
28. 28
N
a base da pirâmide social atualmente está a
maioria da população, são as classes média e
baixa, representando quase a totalidade dos
seres humanos. Existem diferentes visões sobre até
que ponto se estende essa base, alguns afirmam que
são as pessoas com renda de até quatro ou cinco
salários mínimos mensais. Indiferente a essa estatística,
o fato é que nas classes da base estão trabalhadores,
operários, funcionários públicos, pequenos e micro
empresários, comerciantes, ambulantes,
desempregados e pessoas abaixo da linha da pobreza.
O que diferencia a base da pirâmide de todo o
restante é a forma como o sistema social é preparado,
já que as oportunidades para essas classes são bem
menores que para as classes superiores que
representam uma minoria privilegiada da sociedade.
Por exemplo, são os integrantes das classes da base
que pagam a maior parte dos tributos ao Estado, são
eles facilmente atingidos por crises e instabilidades, e
são os que enfrentam maior dificuldade de ascensão.
Sempre que se fala em classes inferiores da base
da pirâmide, analisa-se o tema a partir de uma visão do
ambiente social. Mas existe ainda uma característica
peculiar nesse assunto, que é pouco discutida, que é a
cultura. Como sabemos, os produtores de cultura são
29. 29
na maioria, integrantes do meio ou do topo da
pirâmide social, enquanto as classes inferiores são
consumidoras dessa cultura.
Pegando o assunto nesse ponto, podemos
analisar que existem basicamente dois tipos de cultura,
produzidas especialmente para cada grupo. As pessoas
abaixo da linha da pobreza e na miséria extrema estão
à margem da sociedade, e devido a isso não são levadas
em conta como público alvo. Já o restante, recebe ou
uma cultura livre, feita especialmente para as classes
mais baixas, que é a cultura preparada para reforçar o
modelo de sistema em que vivemos. Ou uma cultura
específica, geralmente paga, feita para as classes
médias, e preparada de forma a fazê-las se identificar
com a classe alta, mesmo que haja um abismo social
entre as duas.
É lógico que não se pode generalizar, jogando
toda a culpa nos representantes do meio cultural. Não
são os formadores de opinião os responsáveis pela
desigualdade que existe entre as classes, eles são, pelo
contrário, atingidos por essa desigualdade. Eles são
fortemente influenciados pelo modelo em que
vivemos, e assim como o restante da sociedade, são
propagadores de um consenso. As classes
influenciadas por esse consenso passam a viver o
30. 30
modelo para o qual foram programadas, sem conseguir
perceber as várias nuances que existem, frutos da
profunda diferença entre os diversos níveis da
pirâmide social.
A condição de igualdade plena, apesar de ser
perfeita, certamente é uma condição utópica difícil de
alcançar. Mas para onde o progresso deve apontar
infinitamente. Já uma condição de justa igualdade é
possível estabelecer-se no presente, e pode se
caracterizar pela eliminação dos grandes contrastes e
das injustiças. Essas injustiças só existem porque
certos mecanismos, certos hábitos do sistema, as
mantêm, e as alimenta, e esses hábitos são vícios que
nossa sociedade adquiriu e dos quais ela sente
dificuldade de desfazer-se. No entanto, como a
injustiça sempre faz um grande número de vítimas, é
de se esperar que se ergam personagens que lutem por
elas, as vítimas.
É razoável que em todo lugar onde uma injustiça
ataca, pessoas se defendam, e por isso a desigualdade
tem seus adversários, o que quer dizer que a igualdade
tem seus aliados. A construção da igualdade existe,
muitas pessoas estão trabalhando nela, e é um trabalho
árduo, já que a desigualdade cria seus favoritos e
privilegia-os, e esses, contaminados com toda
31. 31
insensibilidade e incompreensão da cultura em que
foram educados, se tornam obstáculos para a
construção da igualdade.
Todos os que trabalham pela construção da
igualdade, estão empenhados em uma batalha. Eles
enfrentam forças econômicas, políticas e sociais
poderosas. Enfrentam a própria ganância sobre a qual
nosso sistema foi construído. Eles são figuras
importantes da história, porque sempre foram essas
pessoas as responsáveis por todos os avanços e
direitos que já conquistamos até hoje. São essas
pessoas que sempre representaram a maioria da
sociedade em frente às grandes disputas, onde os
interesses econômicos ameaçavam a liberdade e a
condição de vida dos cidadãos.
Esses personagens se encontram em todos os
setores, o que os caracteriza é o profundo
entendimento sobre os graves problemas que a
sociedade enfrenta. Existem desde teóricos,
estudiosos, literários, românticos. Até práticos,
políticos e ativistas, os que lutam nas ruas e nos
movimentos organizados. A quantidade de
conhecimento que se produz no conjunto dessas
mentes é riquíssima, e não estou falando apenas dos
32. 32
dias de hoje, em toda a história está gravada a ação de
pessoas assim, desde antes de Cristo.
O grande dilema, é que a ideia da acumulação
para ganhar superioridade, quando se enraíza na
cultura pervertendo os instintos da humanidade, cria
hábitos de opressão e perseguição dos fracos e dos que
lhes representam. Como podemos ver na história, com
a escravidão, com a invasão de nações fracas por
nações fortes, entre tantos outros exemplos. Nas
épocas onde essas opressões acontecem, a cultura está
tão contaminada que as pessoas não conseguem
perceber onde está o erro, existe um senso comum que
considera aquilo normal. É por isso que precisa
sempre existir um espírito de progresso e de
aprimoramento do sistema social, para que quando o
analisarmos, possamos perceber onde ele está
acobertando esse tipo de prática.
Não estou aumentando as coisas, nem estou
tentando criar mártires onde não existem, é a própria
história que comprova. Vejamos o tanto de gente que
diante da perseguição e da opressão de sua classe, de
seu povo, ergueu sua voz, exigiu seus direitos e
terminaram assassinados.
33. 33
Você pode me questionar sobre que tipo de
perseguição estou falando. Lógico que não posso aqui
arriscar a dizer exatamente o que ela é e como
acontece. Mas devo dizer que me parece existir algo
estranho desde o começo da civilização, que se dedica
a prejudicar os mais fracos e neutralizar todos que os
defendem. É algo que existe só para provocar
desigualdades, é um tipo de força da qual só
conseguimos perceber seus resultados, porque passam-
se as gerações e sempre tem gente a serviço dessa força
estranha. Não estou me referindo a uma coisa
metafisica ou demoníaca, acredito que seja uma espécie
de superproduto psíquico gerado pelo dinheiro e suas
relações, e que se tornou ícone forte da cultura
humana.
O resultado disso é uma luta eterna das riquezas
contra os pobres, criando além da desigualdade, uma
cultura cheia de estigmas, clichês e discriminação de
classe. Essa força tem uma influência impressionante
sobre as gerações e sobre os indivíduos, que sob o
efeito dela, buscam incessantemente se identificar com
uma classe que não é a sua, numa tentativa
inconsciente de fugir de um padrão indesejado. Esses
casos acontecem com frequência. Pessoas se desligam
facilmente das dificuldades e dores de seus iguais, é o
34. 34
que, na maioria das vezes, faz o senso comum não
perceber as classes perseguidas pelo sistema social.
Isso está distorcendo a tal ponto as emoções humanas
em nosso ambiente cultural, que hoje, características
como ambição e ganância chegam a ser tratadas como
qualidades e não como defeitos. É claro que meu
objetivo não é convencer ninguém a levar uma vida de
São Francisco de Assis, mas estou tentando mostrar
até que ponto a idolatria a esse deus-dinheiro está
fazendo seres humanos se converterem em criaturas
insensíveis e egocêntricas. Criaturas que quanto mais
têm, mais querem, que escolhem como modelos de
perfeição aqueles que atropelaram tudo no caminho
para ampliar fortunas desnecessárias.
E não é à toa que sejam esses os nossos modelos
de perfeição na atualidade. É porque se criou uma
ideia, muito esquisita a meu ver, de que existe um
mecanismo onde os que pertencem à base da
sociedade “evoluem” para posições melhores. E essa
ideia, todo mundo conhece ou já ouviu falar, alguns
inocentemente até acreditam nela. É como se o
sistema social “preparasse” os inferiores para se
tornarem superiores. É um pensamento tão absurdo
que não consegue se comprovar nem na teoria, já que
a grande maioria da humanidade pertence às classes da
35. 35
base, classe baixa e classe média, com uma
porcentagem enorme de pessoas que vivem abaixo da
linha da pobreza, sem acesso sequer a alimentação e
água. Na verdade, as classes ditas superiores
correspondem a uma pequena porcentagem da
humanidade, obviamente o grande contingente da base
não pode subir essa suposta escada social.
Foi a cultura moderna que criou esse clichê de
que qualquer um pode “chegar lá” caso se sacrifique, e
embarcando nessa falácia, as pessoas prejudicam suas
vidas, suas famílias e se prejudicam umas às outras. É
por causa dessa ideia, que quanto menos uma pessoa
tem, mais discriminação ela sofre, é por isso que o
favelado foi transformado na escória da raça humana,
a ponto de ser taxado como marginal, que significa que
está à margem da sociedade. Um morador de rua virou
um objeto estranho na paisagem, que incomoda a
visão do cidadão de bem. Nesse nosso sistema, os mais
prejudicados agora se tornaram os culpados da própria
condição em que se encontram, são acusados de não
se esforçarem para “chegar lá”.
A estrutura social criou ambientes precários, bem
longe dos centros da cidade, onde os pobres se
amontoam, e transformou esses ambientes em zonas
de descarte, onde a sociedade despeja drogas, armas e
36. 36
todo o excedente humano. E nem por isso essa mesma
sociedade abre mão de extrair renda do PIB dessas
localidades. Nem todos que moram em uma periferia
são criminosos, mas estão todos à margem da
sociedade, tanto é que sofrem os mesmos
preconceitos. São os que vivem lá que são
transformados em inimigos da sociedade, e mesmo
sendo eles as maiores vítimas da violência urbana, são
justamente os que sofrem a repressão e lotam as
prisões.
37.
38.
39. 39
CONHECIMENTO É A MELHOR
ARMA
“
Porque não enxergamos mais os nossos
iguais? Em que momento nos desviamos do
rumo que nossa humanidade deveria seguir?
Transformamos as coisas que criamos para
auxiliar nossas vidas em coisas das quais
dependemos delas para viver, e por elas
matamos e morremos. Vivemos em um
mundo onde nossos hábitos já não tem mais
sentido, são apenas modas. Mas onde
aprendemos tudo isso?
Aprendemos em todos os lugares, a todo o
momento. Na verdade, é somente esse tipo
de pensamento que buscamos, tanto é que
ele se proliferou e contaminou quase todas
as mentes, a ponto de ser a única cultura
que conhecemos.
”
O
s meios formadores de opinião são peças-
chave, tanto da divulgação da informação e
da promoção cultural, quanto do progresso
intelectual de um povo. É certo que o público-alvo que
recebe essa cultura possui algumas ferramentas que o
ajuda a disseminar aquilo que considera mais
40. 40
importante. No entanto, o público-alvo é direcionado
pela cultura que recebeu e o influenciou. O que
significa que a maioria da sociedade não produz
cultura, mas apenas consome e reproduz aquilo que os
vários tipos de meios formadores de opinião lançaram.
Nesse sentido, a cultura recebida direciona o foco do
público a pontos específicos. Quando o nível de
seletividade é alto, faz com que os consumidores criem
uma imagem incompleta do que realmente é o mundo
em que vivemos, não oferecendo entendimento
suficiente sobre nossa própria sociedade.
Por esse motivo, para defender a igualdade nos
tempos atuais, você tem que aprender a fazer isso sem
visibilidade das outras pessoas, porque essa visibilidade
depende dos meios formadores de opinião. Então as
lutas populares só conseguem chegar ao conhecimento
de todos, se alcançarem esses meios, tanto para que as
pessoas saibam que essas lutas existem, como para
conhecer os ideais e necessidades que as motivam.
Esses meios precisam estar dispostos a levar ao
público as lutas travadas contra as desigualdades, mas é
importante também que estejam abertos para receber
as pessoas compromissadas com esse trabalho em seu
seio e permiti-las serem novos formadores de opinião.
Diversificando a criação cultural e informativa, para
41. 41
quebrar um pouco a rigidez dessa cultura individualista
que se estabeleceu em nossa civilização.
Pelo fato do nosso foco estar mal direcionado e
nossa imagem da sociedade incompleta, quando
sentimos que alguma coisa está errada, nos revoltamos
com a política, muitas vezes com atitudes extremadas e
violentas. Mas a revolta e a violência não ajudam em
muita coisa, por dois motivos: O primeiro é que os
políticos dispostos a combater as injustiças que nos
acometem, certamente já estão fazendo, só não
estamos tendo conhecimento disso, e os que não estão
dispostos, só mudariam de atitude se corressem o risco
de perder seus cargos; O segundo motivo é que
quando uma sociedade está revoltada costuma não
raciocinar direito, muitas pessoas que perdem o
respeito com as autoridades e governantes terminam
prejudicando a si mesmas, ao seu grupo e até a própria
nação, perdendo apoios importantes e denegrindo a
própria imagem. Porque não conseguem compreender
que o desrespeito, a ignomínia e a violência, mais
prejudicam do que contribuem.
Não estou aqui com qualquer intenção de
desestímulo, ou pretendendo bloquear as lutas tão
necessárias, é preciso combater o bom combate. Mas a
história está cheia de casos em que o povo de uma
42. 42
nação se rebela com violência, achando que está
fazendo a coisa certa, quando na verdade está sendo
manipulado por forças culturais colonizadoras, e seus
países entram em conflitos civis sangrentos que
terminam com uma invasão estrangeira.
Nesse ponto entra a questão que você pode estar
se indagando: E quanto aos políticos que nos
prejudicam? Seria irresponsabilidade minha pensar ter
uma resposta pronta para essa questão, mas acredito
que aqueles que alcançaram cargos de poder graças ao
voto do povo, são obrigados a obedecer à vontade da
maioria desse povo, é claro que muitos dão um jeito de
escapar dessa regra, mas a questão principal é que
vontades individuais não terão nenhum efeito sobre
esses políticos, somente a vontade da maioria.
Lembre-se que a política não é um problema,
mas é nela que encontraremos muitas soluções. É claro
que os causadores de desigualdades se infiltram nos
cargos de poder, e é por isso que a sociedade precisa
distinguir entre os que estão lá. Só que muitas vezes
parece que a maioria da nação está iludida. O que eu
acho que realmente acontece nesses momentos, é que
uma parte fortemente influenciada das pessoas está
muito ativa, enquanto a parte mais desperta está de
mãos atadas, e todo o restante está acuado e
43. 43
desinformado, sem saber o que fazer, e sem querer
tomar posição nas disputas, que nesses momentos
sempre estão acirradas em torno de algum evento
importante. Isso faz parecer que a maioria do povo
está apoiando injustiças, mas seria apenas uma
impressão. Aliás, a maioria é a voz da sociedade,
porque é para exercer a vontade dela que o Estado foi
construído, protegendo é claro, a voz e os direitos dos
grupos minoritários.
Então, no meu ver, em situações assim, uma
saída possível é que se produza outro tipo de cultura,
que esclareça a sociedade, tirando-a da zona de
conforto. Que faça as pessoas perceberem onde estão
errando em suas ideias. E isso não é um trabalho fácil
já que essa nova cultura precisa ter quantidade e
qualidade suficiente para superar todas as ideias
distorcidas que estão abastecendo o ambiente cultural.
Certamente quando a cultura da maioria muda, a
postura dos homens de poder precisa mudar.
Preciso observar que quando me refiro a nova
cultura, quero dizer uma cultura diferente da que está
propagada atualmente, mas não necessariamente a uma
cultura que ainda não existe. Pelo contrário, essa nova
cultura, apesar de ter pouco alcance, está aí. O fato de
44. 44
chamá-la de nova quer dizer que ela ainda não está
popularizada o suficiente.
É exatamente por causa da capacidade de ilusão
massiva, que a cultura tem sido o principal
instrumento dessa força milenar que esmaga todos que
não possuem capacidade de fazer sua própria
liberdade. É o modelo cultural vigente que vem
criando injustos todos os dias para ingressarem em
posições importantes do sistema social. E esse sistema
monta na economia com uma força brutal para abrir
caminhos para os lucros dos que tem mais e para
extrair o máximo que pode dos quem tem menos. Esse
sistema usa a economia como uma máquina capaz de
trabalhar a serviço das classes mais fortes e impedir
que as necessidades das classes mais fracas sejam
atendidas. E como a máquina poderosa que é, a
economia assume o controle do Estado, que é o único
capaz de impedir essa dragagem de recursos das
camadas inferiores da sociedade para abastecer as
camadas superiores.
Então é muito claro que o Estado precisa ter
força suficiente para se administrar sozinho, porque
quando ele é fraco, fica refém de outros poderes a
serviço de interesses econômicos, que irão dominá-lo e
governar a sociedade dos bastidores. A força que o
45. 45
Estado precisa ter para ser independente, depende de
uma estrutura que também seja forte o suficiente para
não se dobrar diante dos assédios dessas forças
econômicas. Para que essa estrutura esteja voltada
unicamente para o bem geral.
Pela importância que tem, é inconcebível que o
Estado seja extinto. Primeiro porque ele assume a
administração de várias funções essenciais para uma
nação, e segundo, porque mesmo que não seja ideal
como deveria ser, ele ainda é a melhor opção. Visto
que se fosse extinto na sociedade como ela é hoje,
surgiria uma lei muito pior que a do Estado, que é a da
sobrevivência do mais forte. Ao contrário disso, ele
tem que ser a balança que equilibra poder e renda,
distribuindo-os igualmente, isto é, transferindo de
onde está em excesso para onde está faltando,
justamente para evitar que a extrema desigualdade se
converta em opressão e escravidão. Para isso, o Estado
tem que ter mais força que os mais fortes, para ser
livre e promover uma sociedade igualmente livre, onde
a riqueza e o poder não sejam instrumentos da
dominação de ninguém.
Quando eu falo dos mais fortes, não estou
falando das classes ricas em geral, estou falando de
certos grupos comprometidos com os interesses de
46. 46
seus próprios negócios, sem a mínima preocupação
com as condições de trabalhadores ou de pequenos
empresários. Esses grupos se organizam para
influenciar o sistema ao seu favor, e usam lobbys,
manobras econômicas, pressões políticas, e na maioria
dos casos se infiltram em lugares onde existe poder e
influência. São grupos que estão por toda a nação, em
todas as nações, e representam pautas econômicas
diversas, são as chamadas facções liberais. Cada
vitória que alcançam para impor suas pautas, geram
resultados desastrosos nas condições de vida de
milhões de pessoas. Elas criam vários obstáculos para
a luta contra a desigualdade, e têm poder de manipular
a opinião pública com facilidade.
Esses grupos reagem violentamente quando
tentam impedi-los, e têm poder suficiente para
perseguir de muitas maneiras. Em alguns casos chegam
a causar crises no país, aumentando juros,
inflacionando preços e controlando a distribuição de
mercadorias para provocar escassez. Em tantos outros
casos, financiam perseguições contra aqueles que os
enfrentam. É por isso que tantas pessoas que lutam
por terra, por moradia, pela preservação do meio
ambiente, pelos direitos humanos, tiveram que
47. 47
enfrentar a justiça, tiveram sua imagem difamada, ou
perderam tudo o que tinham.
Os países mais ricos também são vítimas de suas
próprias facções econômicas, que sequestram seus
Estados para influenciar a política no mundo, muitas
vezes usando a inteligência militar, a espionagem e a
guerra econômica, para dominar as nações mais fracas.
Vários casos já ocorreram, principalmente nos tempos
das democracias modernas, onde os países ricos, a
serviço desses grupos, desestabilizam a política de
países não aliados ou impõem sanções econômicas,
mergulhando-os na pobreza, isso quando não invadem
militarmente impondo guerras cruéis.
Os objetivos geopolíticos dessa dominação
podem ser vários, os mais comuns são a apropriação
de recursos naturais como minério, petróleo etc. E
essas afirmações que faço, não as faço por simples
opinião, todos esses casos já aconteceram muitas
vezes, inclusive com repercussão na mídia mundial.
Vale lembrar, que todos nós sabemos que a maioria
das guerras que aconteceram no mundo foi por causa
de petróleo, onde nações poderosas se uniam para
invadir um país com grandes reservas de petróleo, e
posteriormente, depois do país destruído, dominá-las.
48. 48
Vale lembrar o que muitos de nós sabemos, que
a colonização que a África viveu e ainda vive, a maioria
das guerras que ela já enfrentou e ainda enfrenta, são
quase todas por causa do petróleo, do diamante e de
outros minérios usados na fabricação de aparelhos
eletrônicos.
Eu sei que não sou nenhum economista e estou
longe de ser uma pessoa adequada para discorrer sobre
esse assunto. O que estou desenvolvendo aqui não é
nenhum estudo econômico, porém, é claro que a
desigualdade tem suas bases econômicas, portanto, a
construção de um mundo igualitário terá que passar
pelas mudanças nessa área. E como eu já disse, existem
pessoas prontas para esse trabalho em todas as áreas, é
por isso que não preciso entrar nesse assunto mais
profundamente.
A necessidade de entrar no assunto da economia
está mais para o fato de ter que citar os personagens
principais deste contexto, que são forças culturais e
sociais controladas por grupos a serviço de interesses
econômicos. Forças que assumem o controle do
Estado, e com suas pautas, provocam a miséria na
população, a violência, a destruição dos recursos
naturais e do ecossistema, o que combinado, causa
uma dizimação literal de populações vulneráveis.
49. 49
Sei que é complicado entender tudo isso, mas é
importante que nós tenhamos em mente que toda
nossa sociedade se ergueu a partir das relações com o
dinheiro, ele é a base de tudo o que construímos, por
isso, se o Estado não controla sua própria economia,
mas a entrega nas mãos dos personagens mais fortes
do sistema social, é claro que está permitindo que a
desigualdade castigue a sociedade.
50.
51.
52.
53. 53
CONSEQUÊNCIAS DA CULTURA DE
LUCRO E ACUMULAÇÃO
“
A ambição é fruto da cultura de lucro e
acumulação, é a própria mãe do sistema em
que vivemos. Essa ambição transforma o
lucro em algo mais importante do que a vida
humana, ela é a raiz de praticamente todos
os males que a nossa civilização moderna
padece. Basta analisarmos que a vida
humana se tornou uma mercadoria.
Antigamente os escravos eram forçados a
trabalhar e só recebiam roupas, alimento e
um teto para dormir, hoje, com um pouco de
dignidade a mais, existe uma classe
trabalhadora que tem que vender suas horas
em troca de salários que só pagam o
alimento, as roupas e o teto para viver. É um
dos resultados dessa cultura de lucro,
transformar seres humanos em mercadoria,
dar preço às horas de suas vidas, que
passam a ser contadas não pelo tempo que
têm para viver, mas pelo lucro gerado com o
tempo que têm.
”
54. 54
V
ejo a desigualdade como uma doença, com
muitas causas e muitas consequências, que
atinge várias áreas da sociedade e provoca
desde dificuldades cotidianas, até sofrimentos agudos
nas vidas dos que são atingidos por ela. Com certeza
não existe uma solução simples, mas como o Estado
vive infiltrado e controlado por esses grupos
econômicos, seria importante que as pessoas que
trabalham na construção de uma sociedade igualitária
alcançassem posições importantes dentro dele. Onde
colocarão um peso a mais na balança, trazendo
equilíbrio de volta ao jogo. Não que isso ainda não
esteja acontecendo, na verdade está, mas não na
quantidade suficiente.
Quando o aparelho político está tomado pelas
personalidades mais mercantilistas, a balança do poder
sempre pende contra a dignidade humana e a favor de
um modelo baseado exclusivamente no lucro. Mas não
somente o sistema político, já que a desigualdade é
uma doença social e cultural.
O que faz os mecanismos da sociedade atrelarem
-se a esse modelo de sistema não é uma sensação de
prazer, não é qualquer benefício, é a força que ele tem,
é a dependência que ele provoca. Porque ao contrário
do que muitos pensam, não é um sistema confortável,
55. 55
ele é prejudicial, por ser movido sempre pela
dependência do lucro, das relações com o dinheiro, ele
é cego, seus objetivos são canibais e autofágicos. Já que
nesse rumo, ele destrói tudo o que pode dar lucro até
não sobrar mais nada, e perto de seu fim começa a
mergulhar pouco a pouco no fosso que cavou. É
quando os primeiros sintomas da doença que o
acomete começam a ser sentidos.
Esse sistema de que estou falando não é o
Estado em si, nem a política. Não estou falando nem
mesmo de corporações ou empresas, porque todos
estes são meios onde pode existir diversidade. Estou
falando do sistema social e cultural, principalmente das
relações de consumo, lucro e acumulação que o
sustentam, do que ele causa nas relações, emoções e
impulsos humanos, e no próprio modo de vida dentro
da sociedade. É por causa desse tipo de sistema que
surgem pessoas que se tornam peças do jogo, trocadas
constantemente, funcionando como engrenagens de
um mecanismo que continua em movimento sempre
do mesmo jeito, não importam quantos séculos se
passem. Estado e governo não são os protagonistas
reais neste jogo, mas pelo poder que têm, são os
personagens mais importantes, e por esse motivo são
as vítimas principais, e os mais dominados.
56. 56
Esse sistema abriga um mecanismo de autodefesa
complexo, que elimina processos que venham para
fazê-lo progredir, ou que ainda combate
personalidades que tentam conter seus danos.
Precisamos ter em mente que todos os avanços já
conseguidos até o dia de hoje, no manuseio da
natureza, nas relações de trabalho e emprego, nas leis,
na política, quase todo o progresso positivo em nossa
civilização, pode se perder. Porque esse tipo de sistema
sempre tentará usar de toda forma de defesa que
possui para derrubar esses avanços, é por isso que ele
precisa evoluir. Contra todas as adversidades, é preciso
reinventá-lo, forçá-lo a se abrir para novos modelos de
organização, transformá-lo com novos personagens e
novos raciocínios. Só assim conseguiremos desfazer
essa teia cultural que nós mesmos tecemos com o
passar do tempo e na qual terminamos todos presos.
Não é meu papel aqui, dizer se existe algo novo e
pronto para substituir esse sistema, e que resolva todos
os seus problemas. Mas sei que existem soluções sendo
construídas todos os dias, por mentes pensantes bem
comprometidas, por que a busca de saídas melhores é
natural da inteligência humana, é inevitável.
Essa discussão de alternativas nos levará a
caminhar etapa após etapa para uma sociedade
57. 57
igualitária, justa, pacífica e moderada. No entanto, no
momento em que transformações neste rumo estão
perto de acontecer, surge uma força contrária para
impedir, e em muitos casos ela assume o protagonismo
e evita que efeitos maiores na sociedade levem a uma
mudança mais profunda. Isso acontece porque a
primeira transformação, e talvez a mais importante não
aconteceu, que é a transformação do intelecto da
maior parte da sociedade. É esse o motivo pelo qual
essa força oposta ao progresso consegue assumir o
controle da situação, porque ela é movida pela mesma
regra de lucro e acumulação. E como a sociedade está
toda construída em torno dessa regra, o caminho
sempre estará aberto para toda oposição ao progresso.
Só para termos uma ideia sobre até que ponto
esse sistema é todo construído em torno de uma regra
de ambição, o fluxo do qual falei, por onde é tragada a
renda das camadas inferiores da sociedade para
abastecer as camadas superiores, é um fluxo
generalizado, que funciona tanto na sociedade como
no Estado. Cito como exemplo, as pessoas que saem
de suas comunidades para gastar o dinheiro em
localidades mais ricas, os compradores que gastam sua
renda com as grandes grifes, os trabalhadores com
baixos salários empregados em empresas altamente
58. 58
lucrativas. São inúmeros exemplos que eu poderia dar
aqui, mas o maior modelo de drenagem de recursos,
provocador de desigualdade, é justamente a atitude que
o próprio Estado tem com a economia.
O Estado sempre transfere renda para os grandes
ricos, com o nome de subsídios, incentivos,
financiamentos etc. São quantias milionárias que são
entregues nas mãos dessas pessoas para montar
negócios, comprar ou aumentar os lucros. Não
questiono se esses subsídios deveriam existir ou não,
mas a questão é sabermos se o Estado também
transfere recursos para as classes onde eles menos
existem. Porque é evidente que se ele usa a renda que
arrecada de todos, para transferir para os que têm
mais, tira de onde está faltando e transfere para onde
está sobrando, agravando cada vez mais o contraste
nas condições de vida do povo. É certo que o Estado
tem meios para socorrer os que se encontram mais
desesperados, mas ainda trata com desigualdade seus
cidadãos, porque enquanto transfere fundos para os
grandes, não disponibiliza sequer o suficiente para
garantir que todos os cidadãos possam viver com
dignidade. O que impede essa garantia é uma
distribuição injusta da renda, porque para ela ser justa,
59. 59
os que têm mais seriam obrigados a também ter
compromisso com sua nação.
Para garantir dignidade a cada um dos cidadãos,
o Estado precisaria criar subsídios também às outras
classes, que fossem garantias suficientes da
sobrevivência de cada um. E essa sobrevivência não se
resume a dinheiro ou comida, mas tudo aquilo que as
pessoas dependem para o convívio em sociedade, e
que quando falta para uns, eles são empurrados para a
margem. Principalmente as posses indispensáveis para
se manter vivo, como alimentação, terra, abrigo,
roupas, água potável, energia elétrica, etc. Quem não
tem acesso aos suprimentos das necessidades básicas
de seu próprio organismo, no mundo atual não
somente perde a dignidade, como perde a própria
condição de ser humano.
Percebo alguns estudos apontando para o fato de
que conforme o mundo vai aprimorando suas formas
de produção, carece cada vez menos de mão de obra, o
que significa que a cada dia existirão menos empregos.
Tanto é verdade que várias experiências já são
conduzidas no sentido de garantir uma renda mínima
para a subsistência das pessoas. É claro que nem todos
os países do mundo são capazes atualmente de colocar
em prática uma experiência desse tipo, de forma
60. 60
realmente eficiente. Por isso seria necessário um
projeto a nível global, com a colaboração entre os
países mais ricos e os países mais pobres, equilibrando
a própria desigualdade entre as nações. Isso não
significa uma forma de política assistencial de um país
para com outro, mas uma obrigação de todo o mundo
no auxílio da garantia de vida dos seres humanos em
qualquer parte do globo. Até mesmo porque muitos
dos países ricos de hoje, se tornaram ricos explorando
recursos dos países que hoje são pobres e que outrora
foram suas colônias. Não é uma regra, mas é um
exemplo que vale para muitos dos casos.
É o próprio caminho que a nossa civilização
tomou que a levou a esse ponto. Porque as pessoas
não têm capacidade de se autossustentar, elas
dependem de um conjunto de fatores, como oferta de
emprego, nível de salário, poder de compra, e até
mesmo das condições em que o próprio Estado se
encontra. Quando existe um desequilíbrio em um
único ponto desse conjunto de fatores, uma
quantidade grande de pessoas corre risco de
sobrevivência.
61.
62.
63. 63
SUBSISTÊNCIA E SOBREVIVÊNCIA
“
Os pensadores ressaltam que nos dias de
hoje a humanidade comemora as maravilhas
da tecnologia, da ciência, vivencia
constantemente progressos incríveis que a
sociedade alcança, e o impressionante é que
enquanto estamos maravilhados com tudo
isso, ainda existam pessoas que além de não
fazerem parte de todo esse avanço, ainda
carecem dos recursos mais básicos da vida
humana. Como todo mundo sabe, esse
quadro não se refere só a algumas pessoas,
é uma quantidade imensa de gente que
existe no mundo vivendo privada de
recursos fundamentais.
”
A
conteceram muitos processos, às vezes
tortuosos, onde os Estados em formação
cederam a nobres e grandes ricos, vastas
extensões de terra. Estes se tornaram donos das fontes
de água e de todos os recursos naturais existentes
nessas áreas, que posteriormente foram sendo
vendidas em porções cada vez menores e mais caras.
A terra, que no início pertencia à natureza,
concentrada nas mãos dos primeiros donos que a
64. 64
receberam por concessão dos Estados em formação,
ou que a colonizaram, mesmo depois de repartida em
áreas menores, permaneceu concentrada sob o
domínio de poucos, como é até os dias atuais, e assim
a produção foi monopolizada e o sustento humano
passou a depender do comércio.
Deixando de lado todo o debate filosófico que
pode nascer desse assunto, a única coisa que interessa
observar no âmbito desta minha reflexão, é que o
grande contingente de pessoas que se espreme nas
cidades, em favelas, pombais, e terrenos pequenos e
caros, e que não tem acesso a nenhum meio para se
sustentar sozinho, depende de um emprego que pague
o suficiente para não ser privado daquilo que a
natureza dá livremente a todos os seres vivos.
Hoje, nos lotes urbanos é impossível qualquer
tipo de produção, porque a produção de subsistência
necessita de recursos essenciais como água potável,
sementes, animais, terra etc. E mesmo assim ainda
continua sendo indispensável outra fonte de renda
para a aquisição de suprimentos necessários à vida
social e que não podem ser produzidos de forma
independente, como medicamentos, vestuário,
equipamentos eletrônicos, luz elétrica, internet etc.
65. 65
Num mundo onde é desigual a distribuição de
recursos essenciais à produção, a disponibilidade dos
mesmos se torna bem menor do que o necessário para
atender todas as pessoas que necessitam de apoio
externo para sobreviver. Então se não houver um
processo justo que caminhe para uma melhor
distribuição destes recursos, garantindo terra e outros
elementos necessários para produção, a única saída
seria que essas pessoas fossem inseridas em modelos
de produção diferentes, isso no próprio ambiente em
que vivem, onde a distribuição é injusta.
A subsistência passa ainda por vários outros
fatores, principalmente no meio urbano, onde as
relações de trabalho são o fator principal, já que é pelo
emprego que os cidadãos sobrevivem. É onde a base
da sociedade vive no limite de sua capacidade,
dependendo do controle do próprio salário para que
não falte nada na sexta básica do mês, assim como
depende de que não falte emprego para poder ter seu
salário. Esse contingente de pessoas, da base da
sociedade, que sofre primeiro as consequências de
qualquer instabilidade na organização social, é o único
capaz de criar esses novos modelos, novas formas de
produção, novas relações de trabalho, e novos meios
sociais e culturais. Porque são essas pessoas que
66. 66
entendem na prática os problemas que o sistema atual
cria, já que os vivenciam no dia a dia.
É claro que as pessoas sozinhas têm dificuldade
para conseguir fazer alguma coisa, é por isso que
avanços nesse sentido precisam ser estimulados por
organizações independentes que trabalham justamente
com o social, como ONGs, cooperativas, instituições
de ensino, igrejas, associações e sindicatos.
É difícil para muita gente entender a capacidade
que existe nas pessoas atingidas pela desigualdade. A
experiência de vida delas as faz adquirirem um
conhecimento social muitas vezes ignorado. É claro
que elas precisam ser preparadas para saber como pôr
esse conhecimento em prática, e muitas vezes fazê-lo
brotar, mas o mais importante é que ele já está lá, elas
sabem como a desigualdade atinge as pessoas, apesar
de não conhecerem as causas por trás do sistema atual,
elas entendem perfeitamente as consequências que ele
produz. Por isso que é importante as organizações de
base não só as acolherem, mas prepará-las, e utilizar
seu potencial para produzir um novo modelo de
comunidade, que se estenderá para sociedade, país,
mundo.
67. 67
Isso é importante tanto pelo fato de que atenua a
injustiça social, quanto pelo fato de construir um
ambiente social mais preocupado com o convívio e as
relações entre os cidadãos. Uma sociedade onde os
indivíduos não pensem no progresso apenas como um
método de acumulação pessoal e individual, mas como
uma forma de crescimento comunitário, grupal, social.
Onde os indivíduos se auxiliam mutuamente e são
sensíveis às diferenças de capacidade, e não se tornem
coniventes com a exclusão de ninguém nem
sacrifiquem a maioria para privilegiar alguns. Essa
forma de pensar e interagir pode ser capaz de criar um
ambiente de justiça social dentro de um meio urbano
que sempre foi pautado pela injustiça.
Iniciativas assim vão criando uma nova cultura,
com aperfeiçoamento dos comportamentos e das
visões da sociedade. Esses tipos de ações vão
germinando também uma nova organização
civilizatória, com menos problemas, menos injustiças,
e mais potencial individual e coletivo. Essas iniciativas
existem em grande quantidade no mundo, porém
muitas delas carecem de apoio e visibilidade, porque
algumas ainda não estão amadurecidas o suficiente
para se autossustentar.
68. 68
Quando a maioria dessas organizações
independentes e de base perceberem o compromisso
fundamental que possuem para com suas
comunidades, e o quão amplo pode ser seu campo de
ação, todas as comunidades poderão entrar em um
processo de comunhão, de conjunção, cada uma das
personalidades irá se tornando parte de um projeto de
construção da realidade. E se eu falo da maioria dessas
organizações, é porque muitas delas já tomaram
consciência e praticam esse trabalho. Considero
importante que os protagonistas desse processo
tenham em mente, que o trabalho não deve se
restringir ao âmbito de ação e pensamento da
organização ou instituição, mas ir se ampliando a todos
os aspectos sociais que necessitam de aprimoramento,
como educação, promoção da igualdade, relações de
emprego e renda, meio ambiente, garantia de direitos,
entre outros.
69.
70.
71. 71
FORMAÇÃO DAS PESSOAS E
CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE
S
e você observar bem, perceberá que a
formação pessoal dos cidadãos é desigual
entre as classes. O meio onde os mais ricos
nascem e crescem é praticamente um meio de
formação política, onde entram para os círculos
sociais, adquirem contatos importantes, e
conhecimentos essenciais para chegar a altas posições.
Além disso, entram com facilidade em concursos e
universidades. Quanto mais rica uma pessoa é, mais é
aberto o caminho para poder e ascensão. Isso é uma
das causas do desequilíbrio do sistema, porque as
pautas dessas classes são diferentes das pautas das
outras classes, são pautas econômicas que estruturam o
Estado e a sociedade de acordo com seus negócios.
Por isso, as necessidades das classes mais baixas ficam
prejudicadas, já que não conseguem tanta
representatividade assim, e tudo aquilo que essas
classes dependem fica precário, já que as classes mais
ricas, por serem mais independentes, não dependem
das mesmas coisas que as classes mais pobres
dependem.
72. 72
Este modelo, cria nas vias de acesso para as
posições de destaque na sociedade, círculos fechados
por obstáculos intransponíveis para aqueles que não
pertencem a esse meio. Fazendo ainda com que as
classes inferiores da pirâmide social, que são maioria,
tenham que gravitar em torno da minoria das classes
superiores, buscando as necessidades que essa minoria
possui para oferecer-lhes serviços, na tentativa de ter
algum acesso à renda concentrada. Contradizendo
assim, toda a noção ou fantasia de liberdade e
independência que tenhamos sobre o mundo atual.
Essa desigualdade na formação dos cidadãos cria
uma divisão insensível da sociedade, onde os mais
ricos são preparados para comandar, enquanto os mais
pobres são preparados apenas para ser mão de obra. É
lógico que a mão de obra é essencial, e sempre terá
muita gente disponível para exercer essa função, tanto
que é importante existirem todos os meios necessários
para preparar profissionalmente essas pessoas, e que
todas elas tenham acesso livre a esses meios. Mas nada
justifica que as pessoas que vêm da base da sociedade
sejam impedidas de ingressar nas posições
intermediárias do sistema, por causa de mecanismos de
seleção insensíveis à realidade do povo.
73. 73
A estrutura da sociedade faz com que o sistema
de ensino, os concursos, os vestibulares, entre outras
áreas, não somente segreguem, mas ainda coloquem
barreiras à formação e ao crescimento pessoal de
muitas pessoas. Já houve épocas da humanidade em
que a alfabetização era um privilégio de poucos, espero
que nossa civilização continue avançando e todos
tenham caminho aberto na sua educação e preparação.
Que um pobre possa entrar na faculdade assim como
entrou na escola, que todos possam fazer concursos,
cursos e se candidatar a qualquer posto livremente e
com as mesmas oportunidades. E que a formação dos
cidadãos não seja uma mercadoria, nem um
mecanismo de segregação, mas que seja para todos,
livre e gratuita, até o fim.
Quero fazer uma observação especial sobre o
ensino superior. Eu vejo o curso universitário como
mais uma etapa da formação das pessoas, tanto é que é
chamado de Ensino Superior, o que complementaria o
Ensino Médio e o Ensino Fundamental, e creio ser
certamente essa a sua função. Mas como podemos
explicar que haja um processo seletivo para se
ingressar nessa etapa de ensino? Ou esse tipo de
mecanismo considera que nem todos são aptos para
completar sua própria formação pessoal, ou que nem
74. 74
todos são dignos de chegarem até certo nível de
formação. Existe um ditado que diz que Deus não
escolhe os mais capacitados, mas capacita os
escolhidos, o que esse tipo de mecanismo de seleção
dentro da educação faz, é justamente escolher os mais
capazes e deixar de capacitar toda a maioria restante.
Para se ingressar em um colégio ou escola e
cursar o ensino básico, basta que o aluno se inscreva.
O Estado que é o responsável por fornecer vagas
suficientes para todos e um método de aprendizagem
eficiente que os faça terminar os cursos e absorver o
conhecimento. Porque se um estudante concluiu o
nível anterior, já teve de ser testado por meio de algum
tipo de exame final, como uma prova de conclusão por
exemplo.
No meu ver, o mesmo deveria acontecer com o
curso superior. Todos deveriam ter a chance de
ingressar sem precisar fazer nenhum exame, nem
passar por qualquer processo seletivo, apenas se
inscrever e começar a estudar, e o próprio processo de
ensino é que deveria ser eficaz para que os estudantes
conseguissem completar seus estudos, serem
aprovados no final do curso e se tornarem bons
doutores.
75. 75
A formação pessoal também não se resume à
educação acadêmica. Apesar de ser o pilar, ela é
complementada por outros tipos de formação que
devem vir paralelamente, a profissional da qual já falei,
a cultural, tecnológica, ambiental, social entre outras.
Então, para que todos tenham as mesmas
oportunidades, é preciso derrubar as barreiras que são
impostas, não só as que se tornam obstáculo ao acesso,
mas também aquelas que distanciam uma classe ou
outra desses processos.
Enquanto os velhos impasses dentro do Estado
não permitem a evolução necessária nessa questão, elas
podem começar a ser construídas por outros atores da
sociedade. Cada um deles usando seu espectro de
atuação e suas possibilidades, pode se tornar
coadjuvante da inserção das pessoas em meios onde
até então elas não conseguiam alcançar. E esses
coadjuvantes, sejam ONGs, sindicatos, associações ou
outras, devem ter em mente de que as pessoas a serem
atendidas precisam não somente aprender o suficiente
para alcançar o que pretendem. Mas que acima de
tudo, mantenham as raízes que as ligam com sua classe
de origem, e que possam representá-la em posições
melhores na sociedade.
76. 76
Essas posições melhores podem ser entendidas
como todo posto onde existe poder e influência. E
quando eu falo em posições de poder e de influência,
não estou falando apenas dos cargos do Estado, como
o judiciário, o legislativo e o executivo, mas de
qualquer posição, tanto cultural quanto social, onde
existem essas características. As posições de influência
estão ligadas mais ao ambiente cultural, e as posições
de poder estão ligadas mais ao ambiente social. Em
todos os dois casos a representatividade das classes
baixas e de grupos prejudicados pelo modelo atual de
sociedade é muito baixa. Não que essas pessoas nunca
consigam alcançá-las, mas enquanto a força da qual
falei no início, que produz ciclos após ciclos que
mantém a cultura de lucro e acumulação, for a
dominante do sistema sociocultural, os efeitos nunca
mudarão.
Por isso é necessário fortalecer uma nova força
oposta, concreta, com alterações palpáveis no tecido
social. Essa nova força terá que criar novos alicerces
sociais e culturais para que surjam novas
personalidades no jogo e um novo ciclo seja posto em
ação. Encaminhando a sociedade para um novo
processo civilizatório.
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Não que seja tudo exatamente assim como
parece quando eu digo, como um milagre instantâneo,
porque uma cultura viciada não muda do dia para a
noite. O intelecto humano é complexo, e a cultura
atual abusa de fantasias e paixões da mente humana
para viciá-la, ela estimula seus desejos secretos e suas
malícias, o que só pode levá-la à aceitação de erros, de
problemas e de crueldades.
Mudanças no intelecto humano são provocadas
pela qualidade do conteúdo que as pessoas recebem e
acumulam. Mesmo que nós não percebamos, o nosso
entretenimento, nossas notícias, informações, nossa
educação, nossos passatempos, deixam marcas
permanentes em nossa personalidade. São ideias que
penetram tão fundo em nossa consciência, que não
saem de lá nem depois que as esquecemos. E toda a
nossa cultura atual está infestada com várias ideias que
fortalecem esse sistema de um jeito, que terminamos
defendendo-o até sem perceber.
Isso significa que para surgir uma cultura
diferente, todos teriam que entender como isso
funciona. Para de um lado aprender a resistir a todas as
ideias que defendem essas velhas normas de consumo,
de lucro, de ambição, de destruição, que hoje vivem
abastecendo nossas cabeças. E por outro lado, saber
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reconhecer os agentes que já estão compromissados
com uma cultura mais responsável.
É difícil para o ser humano chegar a essa
conclusão sozinho, mesmo que muitos de nós
cheguemos a ela espontaneamente. A questão é que a
cultura humana como está é uma herança milenar, e é
por ela que somos educados, isso significa que cada
uma das partes que compõem nossa personalidade,
foram programadas por essa cultura, ela está enraizada
em nós e nos tornamos parte dela.
São circunstâncias, situações, que levam um
indivíduo ou outro a se desprender do modelo em que
vive e a partir daí, ele consegue olhar tudo isso pelo
lado de fora, alcança noções que a maioria não alcança
devido a sua própria programação inconsciente.
Quando essas pessoas se desprendem, se libertam,
podem enxergar horizontes diferentes.
Indo além desse ponto, ainda acredito que assim
como acontece em toda a natureza, onde um indivíduo
capaz de perceber perigos e fontes de alimento lidera
seu grupo, no caso da raça humana, indivíduos com
mais amplitude de visão e com mais consciência do
ambiente ao seu redor são preparados para liderar o
processo evolutivo humano.
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PERSPECTIVAS
A
questão social da igualdade não é partidária,
não é filosófica, não se limita a discussões e
disputas sectárias. No entanto devemos
aceitar o fato de que ela deve sim adentrar em todas as
áreas onde for possível que gere frutos. A igualdade é
uma questão social, humana, civilizatória, e merece o
compromisso de todos nós. E mesmo sabendo que
devemos estar engajados, e que ela não pode se
restringir às disputas que já conhecemos dentro do
âmbito político, seria contradição que,
compromissados com ela, continuemos dando aval à
infiltração dos inimigos da igualdade nos cargos de
legislação e administração em todos os níveis, ou que
continuemos contribuindo com os inimigos dela nos
diversos setores onde eles atuam.
A construção de um mundo igualitário não tem
nada a ver com a criação de meios para que as pessoas
consumam sem produzir, como os arautos da
desigualdade tentam fazer parecer. Muito pelo
contrário, ela tem de um lado a função de fazer com
que as pessoas consumam e produzam de forma
equilibrada, reestruturando a máquina social para que
os seres voltem a consumir e produzir com a finalidade
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do progresso humano, e por outro lado, para a
manutenção do equilíbrio entre homem e natureza.
O consumo desenfreado, além de ter se tornado
o principal instrumento de concentração das riquezas,
tem criado um sumidouro na sociedade, onde matéria
prima desaparece sob a forma de produto, e reaparece
sob a forma de lixo ou resíduo. Ora, a matéria prima
provém da natureza, e é aí que surge o desequilíbrio
entre o homem e o meio no qual ele se sustenta, pois
sua cultura de consumo está consumindo a própria
natureza da qual depende e criando uma quantidade
imensa de lixo.
Este equilíbrio entre produção e consumo tem a
ver com a função social do trabalho. A função social é
a finalidade para a qual uma coisa é criada, mas a
noção vai além desse ponto e entra na questão do
impacto dessa finalidade na sociedade e no meio
ambiente. Se analisarmos bem, a maioria dos aspectos
do mundo moderno está perdendo função social,
como por exemplo, o trabalho, a economia e o
consumo. Por meio do trabalho, a humanidade
transforma o meio onde vive, e na tese utiliza essa
transformação para o próprio progresso, essa seria a
função social coletiva. Dentro desse contexto, a função
social individual do trabalho é a sobrevivência de cada
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ente dentro da sociedade, estendendo-se também à sua
cidadania e seu progresso pessoal.
Quando a finalidade, tanto individual, quanto
coletiva do trabalho passa a ser unicamente o lucro, ele
perde sua função social, gerando como consequência, a
supremacia do direito individual sobre o coletivo, a
supremacia do poder financeiro dos senhores sobre
seus subordinados, e a perda de cidadania em cenários
mais conturbados. Por isso, o trabalho
necessariamente tem de promover como função social
o progresso do indivíduo e da sociedade, promover a
dignidade e a cidadania, e deve perder sua conotação
exclusivamente financeira.
No entanto, o que pode ser percebido facilmente
é que a pessoa humana vem sendo, cada vez mais,
empurrada para último plano, as funções se tornaram
mais importantes que os que as cumprem, os bens se
tornaram mais importantes que os que os utilizam, o
dinheiro se tornou capital da sociedade, tomando a
posição central que deveria ser da pessoa humana.
A construção da igualdade passa inevitavelmente
pelo trabalho, o qual possui a função social de
promoção da cidadania, do bem estar das relações
sociais, e principalmente do progresso pessoal do
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trabalhador. Para cumprir essa função, ele deve ser
garantido de forma que todos possam alcançá-lo,
possam mantê-lo, não se esgotem ao limite devido ao
ambiente onde ele se desenrola, não sejam oprimidos
por meio dele, e nele, documentos assinados não
suprimam jamais a dignidade das pessoas. E
finalmente, na incapacidade de mantê-lo ou de alcançá-
lo, deve então haver uma garantia de sobrevivência.
Lembrando ainda que, há um consenso muito
estranho da civilização moderna. Se os indivíduos só
conseguirem sobreviver dependendo de se
subordinarem ao mais superior do meio social, que
diferença existe disso para escravidão? Não se percebe
que um indivíduo que já tem sua sobrevivência
garantida, pode usar seu próprio trabalho como forma
de progresso, seu e de sua comunidade. Então, a
transferência e distribuição de renda, no modelo de
sociedade existente não pode acabar, porque há
compromissos com as condições de vida das pessoas
que são de responsabilidade exclusiva do Estado.
Devemos ter perspectivas, e além, devemos ter
planos, metas comuns, e partilhá-las coletivamente. A
sociedade não deve de modo algum ser um amontoado
de indivíduos desconexos competindo entre si. Já
suportamos demais as mazelas que derivam desse
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modelo. É hora de a sociedade trilhar coletivamente
um plano comum, no qual todos, do maior ao mais
pequenino, compreendam e estejam engajados, e
sintam no fundo do seu ser que é essa a finalidade da
sua existência. Porque a cultura competitiva, de lucro e
acumulação, faz com que aqueles que possuem mais
poder que o Estado e são protagonistas no jogo, façam
a sociedade trilhar os rumos que eles querem.
Não há outra forma de se mudar esse cenário
sem haver a conscientização de toda a humanidade, e
aqueles que já estão conscientizados precisam entender
como fazer isso, e assim que souberem, precisam
primeiro vencer as facções liberais que terão de
enfrentar, e depois trabalhar arduamente para levar a
mensagem de forma simples e clara para toda a
sociedade.
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CONCLUSÃO
E
nfim, eu acredito firmemente que tudo isso
que eu disse nesta exortação, faz parte de um
novo despertar que vem sendo construído
em nosso mundo. Em todos os lugares existem
pessoas refletindo sobre isso, é um novo patamar do
instinto de sobrevivência da raça humana, que agora
passa a se ampliar a todos os seres vivos, e ainda
adquire características humanistas. Um despertar que
nos mostra que é preciso bom senso para enxergar as
relações que viemos construindo, e refletir no tanto
que precisamos agir para garantir a qualidade do futuro
de nossa raça.
Esse pensamento nos leva a duas revoluções
radicais do processo civilizatório. Uma para garantir a
sobrevivência da raça humana em relação aos próprios
seres humanos, e outra em relação ao ambiente em que
ele vive. A primeira derivando da própria socialização
natural da espécie, que é a evolução das nossas
relações sociais. E a segunda deriva de um melhor
entendimento das relações entre nossa espécie e o
meio ambiente em que ela vive, que eu vejo como o
retorno das ligações do ser humano com a natureza,
ligações das quais ele depende para ter saúde e bem
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estar, e que foram prejudicadas pelos problemas que a
civilização adquiriu durante seu desenvolvimento.
Essa naturalização renasce assim que se acaba o
transe causado pelas transformações drásticas da
sociedade de consumo, tecnológica, industrial etc. Na
verdade, essas duas revoluções civilizatórias já estão
em curso, quanto maior é a mudança no caminho
contrário, maior será a correção de rumos que virá
posteriormente, e isso não é o resultado do próprio
sistema que está aí, eu vejo mais como o resultado da
própria evolução da nossa espécie. Além disso, eu
ainda considero que o fim dessas duas transformações
é que finalmente levarão nossa raça ao estado pleno de
Ser Humano, ao contrário do que muitos podem
pensar, ele ainda não foi concretizado, mas está sendo
construído desde que nos desligamos do nosso estado
primitivo.
É claro que nos tornamos dependentes do
sistema que construímos, e muitos de nós se recusam
brutalmente a sair do transe que ele criou em nós. É
por isso que muita gente se opõe tanto à socialização
quanto à naturalização da espécie, mas são progressos
inevitáveis. O que faz com que todos aqueles que,
devido às amarras dos mecanismos atrasados do
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sistema, se opõem a esse progresso, fiquem fadados a
se enterrar nos setores mais retrógrados.
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SOBRE O AUTOR
J
orge Souza Oliveira dos Santos é um escritor
baiano, nascido a 05 de Agosto de 1989, na
cidade de Euclides da Cunha, no sertão. Não
se formou em curso superior, mas cursou o ensino
fundamental e o médio, sempre em escola pública. Ao
término dos estudos escolares fez vários cursos
técnicos na área de informática e se tornou projetista
em arquitetura, engenharia e design de móveis.
Também trabalhou vários anos como instrutor de
cursos técnicos de informática. O fato de crescer em
cidades diferentes, sempre do interior e em bairros de
classe baixa, não o impediu de se apaixonar pela
literatura. Além da ficção, tomou gosto também por
conhecimentos gerais, se tornando autodidata e
buscando todo tipo de conhecimento, desde a
espiritualidade até a sociologia.