O documento discute o programa FIES no Brasil, que financia estudos no ensino superior para estudantes de baixa renda. O FIES pode ser visto como uma iniciativa de empreendedorismo, já que os estudantes assumem o risco de financiamento e são responsáveis por pagá-lo após a formatura. O programa beneficiou centenas de milhares de alunos e tem o potencial de promover o acesso à educação superior no país.
1. FIES E O EMPREENDEDORISMO
Ronan Ramos Júnior
INTRODUÇÃO
A educação brasileira avança na universalidade do ensino, na
mensuração dos índices de aprendizagem e na educação infantil. Tendo em
vista que há pouco tempo a educação infantil ainda era questão de assistência
social, ou seja, a preocupação principal girava em torno do cuidar da criança
em prejuízo ao binômio cuidar-educar; que apenas recentemente o país
começou a adotar índices de referência para a mensuração da qualidade do
ensino; e que ter todas as crianças e jovens na escola parecia um esforço
quase impossível, tem-se que as conquistas educacionais são importantes
passos galgados no processo da política pública brasileira e uma vitória
inalienável do povo brasileiro. Entretanto, muito ainda há que se fazer.
Além do dever de continuar avançando e aprimorando o processo
educacional, diversas questões aguardam ações mais consistentes e
duradouras por parte do governo, das empresas e da sociedade civil. Dentre os
atuais desafios destacam-se a necessidade de expansão do ensino
profissionalizante, da melhoria na eficiência do ensino em geral e no
alargamento de acesso ao ensino superior. É sobre este terceiro desafio que o
artigo discorrerá.
Entre os novos avanços no âmbito educacional e o respectivo salto no
desenvolvimento econômico ainda encontram-se pessoas com dificuldades na
complementação dos estudos, seja por falta de ensino técnico com vistas ao
mercado de trabalho, seja por dificuldade de acesso e permanência nas
universidades, além de outras razões.
Iniciativa governamental que merece atenção nesse sentido é a criação
de mecanismos para viabilizar a entrada e a permanência de alunos nas
universidades. O Programa Universidade para Todos, conhecido como ProUni,
é uma realização do Ministério da Educação – MEC, que democratiza o acesso
ao ensino superior por meio da concessão de bolsas de estudos a alunos de
baixa renda em instituições de ensino superior privadas. Outra louvável
iniciativa que se junta ao ProUni e outras dezenas de ações do MEC é o Fundo
de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior - FIES.
Tendo em mente este pano de fundo sublinha-se uma frase e uma
pergunta: “Um ano a mais de escolaridade no Brasil aumenta o salário em
cerca de 15%’.1 “Se a educação é algo tão bom em termos privados, por que
1
Conforme dados do movimento Todos pela Educação.
2. as pessoas não investem mais nela?”2 Com esse desafiador paradoxo
“benefícios do estudo” versus a “ausência de educação”, o artigo prossegue.
ESBOÇANDO ALGUMAS SOLUÇÕES
De início pode parecer que falta a informação de que o estudo é bom
para as pessoas - como o fato da educação impactar diretamente na
empregabilidade, no salário e na saúde. É verdade. Acontece que como tudo
na vida, esta situação não pode ser analisada apenas por partes. As condições
sociais, as circunstâncias econômicas, geográficas e as motivações subjetivas
de cada pessoa interferem e interagem em um emaranhado de informações e
práticas.
A partir desta primeira reflexão, enxerga-se que há falha em comunicar
as potencialidades da educação e que algum cuidado deve ser tomado ao
tentarmos compreender as motivações das pessoas que não investem na
própria educação.
Marcelo Neri, PhD em economia, sugere alguns caminhos de análise.
Ele aponta que falta ao pai de família e ao jovem estudante brasileiro tomar
ciência do poder transformador da educação. Às vezes, como no caso da
saúde, o fato de estudar repercute na velhice - fase distante no horizonte de
planejamento do jovem. Segundo Neri, precisamos entender como as
informações chegam às pessoas e como elas transformam as informações
recebidas em decisões. Ele conclui que precisamos, acima de tudo, que se
eduque a população sobre a importância da educação.
Nesse sentido, mesmo não sendo a solução mágica para resolver todas
as dificuldades da educação brasileira, percebe-se que ações de difusão de
informação são bem vindas.
O FIES
Ao pegar carona na difusão de informações sobre a importância da
educação, coloca-se em evidência o FIES. Ele é um programa do governo
federal (a cargo do MEC) destinado a financiar a graduação na educação
superior de estudantes matriculados em instituições não gratuitas. A princípio,
é uma ação de estímulo ao estudante por fornecer condições para a conclusão
do ensino superior.
Contudo, além do benefício lógico de um financiamento com juros de
3,4% ao ano - condição financeira absolutamente única - o FIES pode ser
encarado também sob o prisma do empreendedorismo. O estudante
2
Essa pergunta foi levantada por Marcelo Neri em seu capítulo “O paradoxo da evasão e as motivações
dos sem escola”, no livro Educação Básica no Brasil.
3. beneficiado pelo FIES participa ativamente de todo o processo de contratação
do financiamento, fazendo, por meio do site do programa, que, aliás, é todo
informatizado, a simulação de sua conta futura. Ou seja, o estudante toma a
decisão consciente de quanto e quando terá que pagar e como irá liquidar o
empréstimo recebido via FIES antes de assinar o contrato.
O programa pode ser descrito sinteticamente da seguinte maneira:
durante a graduação, período de utilização do financiamento, que pode
corresponder a 100% da mensalidade ou ser parcial, o estudante paga apenas
R$50,00 reais por trimestre. Concluído o curso superior inicia-se o período de
carência, tendo o aluno mais de dezoito meses para iniciar o pagamento.
Encerrada a carência o estudante terá um prazo três vezes maior que a fase de
utilização do financiamento para pagar o saldo devedor.
O FIES E O EMPREENDEDORISMO
Um diferencial do FIES em relação aos outros programas estatais reside
no fato de se basear na capacidade do estudante em honrar seu contrato,
quebrando um possível paternalismo governamental. Ao invés de doação ou
entrega gratuita, o FIES parte da premissa de que com o estudo financiado
aquela pessoa, que se encontrava em dificuldade financeira para pagar os
estudos, terá plena condição de arcar com os custos quando estiver
estabilizada profissionalmente - após a conclusão da graduação e do período
de carência.
É por este motivo que o FIES pode ser encarado sob o prisma do
empreendedorismo. Em outros países este tipo de financiamento é muito
comum justamente pela crença na capacidade das pessoas e no dever público
de geração de oportunidades, em contraponto ao assistencialismo.
Segundo definição do dicionário Sacconi, empreendedor é “aquele que é
ativo, cheio de iniciativa e vontade de iniciar novos projetos..., tomando as
decisões que irão nortear o futuro do negócio e assumindo riscos pessoais e de
terceiros”. Ao partir do pressuposto do doutor em educação Robert Lamp de
que “a aprendizagem como a vida, é uma constante, os estudantes aprendem
o que fazem.” Tem-se o FIES como uma real prática de empreendedorismo. O
estudante acredita na própria capacidade, corre o risco de um contrato e ao
final honra seu compromisso de formação superior sem dever nada a ninguém
e com o orgulho do esforço próprio.
A faculdade de se governar por si mesmo - denominada autonomia - é
um dos atributos do FIES. Logo, o FIES deixa uma singular contribuição para o
debate sobre a educação brasileira: o avanço do diálogo para além do lugar
comum ao evidenciar a possibilidade de políticas públicas priorizarem ações de
estímulo ao empreendedorismo ao invés de manter em voga o paternalismo e
a crença na incapacidade das pessoas de custear a própria educação.
4. A educação constitui o investimento com maior retorno social e, sendo
possível que esse investimento venha acompanhado de prática que possibilite
ao estudante se responsabilizar e desonerar o financiamento público do
estudo, enorme avanço para a construção de um país inovador, empreendedor
e de economia saudável estará dado.
PARA OS PROFESSORES DA REDE PÚBLICA
Recente divulgação da revista Nova Escola expôs que a alteração na
legislação facilitou as condições de pagamento dos empréstimos do FIES para
aqueles que cursam licenciatura. Segundo a revista (Março/2010) “Uma
novidade importante beneficia os estudantes de licenciatura. Os recém-
formados que ingressarem na rede pública ou que já atuem nela podem abater
1% do saldo devedor a cada mês trabalhado. Na prática, com 100 meses, o
docente quita seu financiamento sem desconto salarial. Outras mudanças
valem para todas as graduações. A taxa anual de juros do empréstimo tomado
no banco, por exemplo, caiu de 6,5% para 3,5%. Já o prazo de quitação da
dívida aumentou para três vezes o tempo de financiamento. A estimativa é de
que o Fies contemple 200 mil estudantes este ano.”
QUADRO RESUMO FIES3
Informação Geral O FIES custeia o estudo de 560 mil alunos
em mais de 1,5 mil instituições de Ensino
Superior e tem inscrições abertas o ano todo.
O que é Programa destinado a financiar cursos de
graduação (prioritariamente) e cursos de pós-
graduação e de Educação profissional em
nível técnico (havendo disponibilidade de
recursos e a critério do MEC).
Porcentagem de financiamento 50, 75 ou 100% do valor do curso.
Número de vagas para 2010 200 mil (estimativa).
Como se candidatar Período de inscrição: o ano todo no site
www.mec.gov.br.
Pré-requisito financeiro Para requerer a bolsa de 100%, comprovar
que 60% da renda familiar bruta está
comprometida com gastos fixos. Estudantes
de licenciatura ou bolsistas parciais do ProUni
estão livres dessa exigência.
Pré-requisito acadêmico Estar matriculado numa graduação em
3
Quadro construído com base em ilustração no site da revista Nova Escola.
5. instituição que tenha aderido ao FIES e que
possua conceito maior ou igual a 3 no
Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Superior - Sinaes. (Vide quadro abaixo com a
listagem de algumas instituições participantes
do FIES em BH).
Formas de pagamento Em dinheiro
A cada três meses o estudante paga uma
taxa de 50 reais ao Fundo. Depois de
formado, ele tem carência de 18 meses
(pagando nesse período apenas os 50 reais
trimestrais) para começar a quitar o
financiamento. No início da quitação, ele arca,
em prestações mensais, com o custo do
último semestre cursado. Após esse período,
o valor restante é dividido em parcelas iguais
por até três vezes o período de duração do
financiamento.
Com trabalho
Graduandos de licenciatura que ingressem na
rede pública ou professores que já atuem
nela por pelo menos 20 horas semanais
podem pagar o financiamento com trabalho,
abatendo 1% do saldo devedor a cada mês.
Exigências durante o curso Renovação Semestral.
Aproveitamento acadêmico No mínimo 75% nas disciplinas cursadas no
período letivo.
Instituições em BH participantes do FIES
Para informações atualizadas, consulta de cursos e instituições em outros
municípios clique em: http://sisfiesportal.mec.gov.br/pesquisa.html
Centro Universitário de Belo Horizonte
Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix
Centro Universitário Newton Paiva
Centro Universitário UNA
Escola Superior Dom Helder Câmara
Faculdade Anhanguera de Belo Horizonte
Faculdade COTEMIG
Faculdade de Ciências Gerenciais Padre Arnaldo Janssen
Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais
6. Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Belo Horizonte
Faculdade de Direito Padre Arnaldo Janssen
Faculdade de Estudos Administrativos de Minas Gerais - FEAD/MG
Faculdade de Estudos Superiores de Minas Gerais
Faculdade de Minas Belo Horizonte
Faculdade de Tecnologia INED - Unidade Lagoa da Pampulha
Faculdade Estácio de Sá - Belo Horizonte
Faculdade IBMEC
Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
Faculdade Metropolitana de Belo Horizonte
Faculdade Minas Gerais
Faculdade Novos Horizontes
Faculdade Pitágoras de Belo Horizonte
Faculdade Promove de Minas Gerais
Faculdade São Camilo
Instituto Belo Horizonte de Ensino Superior
Instituto Santo Tomás de Aquino
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Universidade FUMEC
Universidade José do Rosário Vellano
Universidade Vale do Rio Verde
Universidade Salgado de Oliveira
NÚMEROS
Com o intuito de ilustrar parte do universo atendido pelo FIES vale
sublinhar alguns números. De acordo com o portal do MEC, o FIES em BH
conta com 21.928 alunos beneficiados e o ProUni com 3.152 alunos
participantes em 2008. O número total de alunos beneficiados pelo programa
ultrapassa 560 mil.
Em relação à taxa de inadimplência do FIES tem-se uma situação
peculiar. O FIES foi criado em 1999 e passou por uma série de alterações no
decorrer do tempo até chegar ao formato atual com os juros de 3,4% ao ano.
Portanto, uma taxa de inadimplentes de quase 30% em anos passados, deve
sofrer abrupta alteração com as modificações recentes.
Vale ressaltar uma curiosidade relacionada com a estratégia
governamental de incentivar a adimplência das contribuições previdenciárias
das instituições de ensino credenciadas e participantes do FIES, pois o
governo repassa o recurso por meio da emissão de certificados financeiros do
tesouro série E (CFT - E).
Tendo em vista que para a melhor eficácia de uma política pública no
âmbito escolar os pais e estudantes devem ter a consciência, a concordância e
agir; que a faixa dos 15 a 17 anos de idade corresponde à maioria das pessoas
em idade escolar fora da escola; que as principais intervenções de políticas
7. públicas buscam incentivos, informação e participação, temos, de modo a
corroborar os entendimentos expostos acima, que o FIES representa
ferramenta útil de superação das desigualdades educacional e de renda no
país. O FIES passa a ser uma ponte e uma luz de futuro para aqueles que
abandonam a escola e pensam em desistir da graduação. “É na combinação
da oportunidade agregada de trabalho com a necessidade de os adolescentes
pobres suprirem sua renda que encontramos o terreno mais fértil para o
precoce abandono escolar”, diz Marcelo Neri.
CONCLUSÃO
Resta o entendimento de que a conveniência deste programa de crédito
educativo é bastante pertinente e que o FIES atende a dois importantes
aspectos em se tratando de programas governamentais, quais sejam a
transparência do sistema (todo informatizado e com informações de fácil
acesso) e a credibilidade das regras, elencadas nos contratos firmados pelos
estudantes e acessível no portal do MEC.
Conclui-se que o FIES é uma interessante possibilidade, não a única
nem a melhor, mesmo porque cada estudante apresenta singularidades, uns
buscam o ensino superior em universidades públicas e gratuitas, outros
preferem universidades privadas, outros se encaixam melhor em programas de
bolsas, uns precisam de oportunidade em determinado momento para arcar
com os custos do estudo etc. As informações acerca do FIES devem ser
divulgadas, o acesso ao site do programa (http://sisfiesportal.mec.gov.br/) deve
ser garantido a todos e especialmente a difusão nas faculdades e escolas do
ensino médio precisa ser estimulada de modo que este financiamento seja
amplamente conhecido e atenda o maior número possível de estudantes que
buscam uma oportunidade de empreender sua própria carreira, a começar pelo
investimento em sua própria educação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
http://portal.mec.gov.br/mec/index.htm, acessado em 23/08/2010.
http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-inicial/financiamento-
estudantil-para-cursos-ensino-superior-fies-graduacao-licenciatura-
539162.shtml, acessado em 31/08/2010.
http://sisfiesportal.mec.gov.br/, acessado em 31/08/2010.
Revista Dois Pontos - Vol. I, nº 11 - outubro/91
SACCONI, Luiz Antonio. Grande Dicionário da língua portuguesa. São Paulo:
Nova Geração, 2010.
8. VELOSO, Fernando. PESSÔA, Samuel. HENRIQUES, Ricardo. GIAMBIAGI.
Fabio/organizadores. Educação básica no Brasil: construindo o país do futuro.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.