1) O documento discute as raízes históricas da psicossomática e como a teoria evoluiu para reconhecer a interação entre mente e corpo na saúde e doença.
2) Apresenta as principais perturbações somatoformes de acordo com o DSM-IV, incluindo sintomas e características.
3) Discutem-se mecanismos psicológicos subjacentes às perturbações somatoformes como alexitimia e a influência de fatores emocionais e relacionais.
1. Da Psicossomática às
Perturbações Somatoformes
Por: Ana Raquel de Sousa Lopes
Licenciada em Psicologia
Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde
2. Das raízes da psicossomática
A teoria psicossomática desenvolveu-se nos anos 50, quando Franz
Alexander e o Chicago Institute of Psychoanalysis procuraram correlacionar
certos tipos de personalidade com determinadas doenças e verificar os estados
psicofisiológicos que acompanham crises e eventos existenciais.
3. Das raízes da psicossomática
Hoje em dia, o reconhecimento da unidade mente-corpo explica uma
quantidade considerável de fenómenos psicopatológicos, quer derivados do
humor quer de carácter somatoforme.
De qualquer forma, o dualismo mente/corpo prevaleceu no Ocidente durante
séculos, vendo-se essas entidades não só como separadas, mas também como
opostas. Descartes, apesar de ser considerado um dualista, ao conceber o
compositum sugeriu uma via relacional entre res cogitans e res extensa.
4. Das raízes da psicossomática
O modelo biomédico defendia a existência de uma causalidade única e
exclusivamente biológica para cada patologia, sendo mecanicista e reducionista.
Excluiu as influências psicológicas e psicossociais na doença e na saúde. O modelo
biopsicossocial vem demostrar a interação de inúmeras variáveis nos campos da saúde
e da doença, nomeadamente reconhecendo o forte poder dos estados psicológicos para
provocar o adoecimento do corpo.
Explicações monistas e materialistas da doença foram continuando infiltradas na
cultura, mas tendem a ser ultrapassadas pela evidência que a Medicina Psicossomática
revelou, tornando a mente não só refletora de efeitos físicos, mas também capaz de
produzi-los.
5. Das raízes da psicossomática
Corpo e mente colaboram na adaptação e plasticidade humanas, assim como
na sua inadaptação e disfuncionalidade.
Para Freud e Lacan, o corpo abrange uma linguagem, ou seja, a psicopatologia
está aliada a manifestações físicas como alguns casos clínicos expressavam. É a
mente que colige quer os sinais do sistema orgânico quer os sinais do sistema
simbólico.
6. Das raízes da psicossomática
Com percursores da psicossomática como Alexander nos anos 50 e o trabalho do Instituto
de Psicanálise de Chicago a par dos trabalhos na Europa de Pierre Marty, veicula-se a noção
nítida de que os sintomas físicos não derivam sempre de causas exclusivamente corporais.
A própria defesa imunitária também beneficia do equilíbrio emocional e, de qualquer das
formas, a personalidade tem um impacto no nosso estado de saúde. Por exemplo, a
personalidade tipo A, explosiva e em desafio cerrado constante, aumenta o risco
cardiovascular, assim como são sobejamente conhecidos os efeitos do stress crónico. O
stress, em que ideia, corpo e emoção se fundem nocivamente, é um bom exemplo da
unidade destas dimensões e desmascara a visão reducionista do dualismo anteriormente
predominante.
7. Das raízes da psicossomática
Lipowiski em 1988 (cit. por Lazzaro & Laszlo, 2004, p.1359) definiu a somatização
como “uma tendência para experimentar e comunicar desconforto somático e
sintomas que não podem ser explicados por achados patológicos, ou atribuídos a
doenças físicas”.
Nos cuidados de saúde primários, são inúmeros os pacientes que chegam à consulta
médica com queixas somáticas para as quais não se encontra uma base orgânica
identificável, e que não produzem intencionalmente esses sinais físicos.
8. Das raízes da psicossomática
É relevante perceber que síndromes somáticas (cólon irritável, fibriomialgia,
fadiga crónica) estão frequentemente associadas a perturbações depressivas e
ansiosas (Fabião, Silva, Fleming & Barbosa, 2010).
De acordo com um estudo de meta-análise (Hemingsen, Zimmerman &
Stattel, 2003), a Depressão Major estaria presente em 58,9% dos doentes com
Perturbação Somatoforme.
9. Das raízes da psicossomática
A história inconsciente e mesmo as emoções não encobertas quando
extremas estariam na raíz das queixas somáticas. A consciência pode auto-
culpabilizar o indivíduo ou ser punitiva? Será que a pessoa consegue perceber
sozinha estes mecanismos?
10. Das raízes da psicossomática
Em algumas Perturbações Somatoformes há porém uma dificuldade de verbalização
ou expressão da emoção: a alexitimia. Pode ser entendida como uma dificuldade em
reconhecer, comunicar e descrever os próprios sentimentos e emoções, prevalecendo a
linguagem corporal dos mesmos (cf. Lazzaro & Laszlo, 2004).
A alexitimia pode traduzir um défice para usar processos cognitivos regulatórios das
emoções. Reich (1986, cit. por Almeida & Machado, 2004) defendeu que o corpo é
moldado de acordo com as experiências vividas e Alexander Lowen em 1977 defendia
que através dos sinais corporais se lia o caráter de uma pessoa.
11. Das raízes da psicossomática
Além disso, há visões que especulam sobre a inscrição de fenómenos
psíquicos e sensitivos na reatividade orgânica longitudinalmente, como se a
memória emocional pudesse ancorar-se ao corpo: “O corpo não esquece. Tudo
o que foi vivido durante a infância, através de sensações, permanece registado.
A somatização é uma forma de comunicar esses registos” (Volpi, 2001).
Considera-se frequentemente o sintoma somático, ou seja corporal, como a
tradução sintomatológica física de conflitos psíquicos. Sintomas conversivos,
por exemplo, poderiam beneficiar da intervenção psicoterapêutica.
12. Das raízes da psicossomática
Marty, na década de 70, observou que haveria um predomínio de pulsões
tanatológicas sobre a vida que favorecia o adoecimento (quer de condições
reversíveis quer de condições graves). Ao mesmo tempo uma incapacidade na
simbolização abre caminho ao sintoma físico, e há autores que apontam ainda a
prevalência de defesas disfuncionais, processos inconscientes de negação,
recusa, recalcamento, denegação e rejeição.
13. Das raízes da psicossomática
A perda objectal ou a vida relacional podem estar embrenhadas no processo de somatização:
“o sintoma somático é endereçado a um outro: eu adoeço por alguém. A crise somática acontece
no âmbito de uma relação com o outro, quando esta relação coloca um impasse psíquico”
(Dejours, 1998).
O corpo não mascara o mal-estar psicológico, pelo contrário, denuncia-o, emitindo sinais:
devido a forclusão da função segundo Dejours.
Assim mente e corpo têm uma relação estreita em vários processos de adoecer, e o estado
mental é capaz, sem que o próprio indivíduo o reconheça, de potenciar a doença orgânica.
14. Perturbações Somatoformes
Seguimos aqui o DSM-IV, numa revisão sintética das Perturbações Somatoformes.
Estas Perturbações têm em comum a ocorrência de sintomas físicos que parecem um
estado físico geral mas não são completamente explicadas pelo estado físico geral ou
por outra perturbação mental. Os sintomas causam mal-estar e podem interferir na
vida relacional, ocupacional, etc.
Sumariamente apresentam-se as diferentes Perturbações Somatoformes.
15. Perturbações Somatoformes
1- Perturbação de Somatização
Anteriormente designada Síndrome de Briquet, é polissintomática, inicia-se
antes dos 30 anos, combina sintomas gastrointestinais, sexuais,
pseudoneurológicos e dor.
16. Perturbações Somatoformes
2- Perturbação Somatoforme Indiferenciada
Queixas físicas inexplicadas, durante pelo menos 6 meses, abaixo do limiar
de diagnóstico para Perturbação de Somatização.
17. Perturbações Somatoformes
3- Perturbação de Conversão
Sintomas ou défices inexplicáveis que afetam funções voluntárias motoras ou sensoriais
sugerindo uma doença neurológica ou outro estado físico geral.
4- Perturbação de Dor Somatoforme
A dor é o foco predominante da atenção clínica. Reconhece-se que há factores
psicológicos que têm um importante papel no seu início, gravidade, exacerbação ou
manutenção.
18. Perturbações Somatoformes
5- Hipocondria
Preocupação excessiva e sofrível, com receio de ter, ou com a ideia de que se tem, uma
doença grave, baseando-se numa interpretação errónea dos sintomas físicos e outros
sinais.
6- Perturbação Dismórfica Corporal
Preocupação com um defeito, imaginado ou exagerado na apresentação física.
20. Bibliografia Fundamental
• Almeida, V. & Machado, P. (2004). Somatização e Alexitimia. Um Estudo nos
Cuidados de Saúde Primários. International Journal of Clinical and Health
Psychology.
• Fabião, C., Silva, M., Fleming, M. & Barbosa, A. (2010). Perturbações
Somatoformes, Revisão Epidemiológica nos Cuidados de Saúde Primários.
Acta Médica Portuguesa: 23:865.872.