O documento descreve a poesia de João Cabral de Melo Neto, pertencente à terceira geração do modernismo brasileiro. A poesia de João Cabral se caracteriza por um estilo formalista, com vocabulário objetivo e preciso, e por tratar de temas sociais como a condição de vida no Nordeste brasileiro de forma antilírica e distanciada. Dois poemas de João Cabral ("A Mulher e a Casa" e "Tecendo a Manhã") são analisados em detalhe para ilustrar essas caracterí
3. DIRETRIZES GERAIS DA POESIA
terceira geração do modernismo brasileiro
renovação estética
uso da métrica e da rima dicção clássica volta do soneto
valorização da técnica da composição
metalinguagem perfeição formal linguagem elaborada
ampliação do poder de significação da palavra
recursos sonoros intertextualidade clássica culto da metáfora
4. JOÃO CABRAL DE MELO NETO
terceira geração do modernismo brasileiro
5. JOÃO CABRAL DE MELO NETO
terceira geração do modernismo brasileiro
poesia substantiva: vocabulário objetivo e preciso;
traço formalizante: estilo culto e elevado;
a linguagem é vista como instrumento;
poesia antilírica: medusamento da subjetividade;
poesia antimusical: prosificação do discurso;
poesia social: denúncia do condição de vida do nordestino.
6. A MULHER E A CASA
João Cabral de Melo Neto
Tua
sedução
é
menos
Mesmo
quando
ela
possui
uma
casa
não
é
nunca
de
mulher
do
que
de
casa:
tua
plácida
elegância,
só
para
ser
contemplada;
pois
vem
de
como
é
por
dentro
esse
teu
reboco
claro,
melhor:
somente
por
dentro
ou
por
detrás
da
fachada.
riso
franco
de
varandas,
é
possível
contemplá-‐la.
Seduz
pelo
que
é
dentro,
pelo
que
dentro
fizeram
pelos
espaços
de
dentro:
ou
será,
quando
se
abra;
com
seus
vazios,
com
o
nada;
seus
recintos,
suas
áreas,
pelo
que
pode
ser
dentro
pelos
espaços
de
dentro,
organizando-‐se
dentro
de
suas
paredes
fechadas;
não
pelo
que
dentro
guarda;
em
corredores
e
salas,
os
quais
sugerindo
ao
homem
exercem
sobre
esse
homem
estâncias
aconchegadas,
efeito
igual
ao
que
causas:
paredes
bem
revesGdas
a
vontade
de
corrê-‐la
ou
recessos
bons
de
cavas,
por
dentro,
de
visitá-‐la.
lirismo
amoroso:
a
temáGca
amorosa
é
apresentada
de
forma
impassível,
distanciada;
[ao
invés
do
transbordamento
lírico,
elege-‐se
uma
metáfora
concreta:
mulher-‐casa]
aspectos
formais:
oito
quadras
heptassílabas;
rimas
toantes;
prosificação
do
discurso.
7. TECENDO A MANHÃ
João Cabral de Melo Neto
Um
galo
sozinho
não
tece
uma
manhã:
ele
precisará
sempre
de
outros
galos.
De
um
que
apanhe
esse
grito
que
ele
e
o
lance
a
outro;
de
um
outro
galo
que
apanhe
o
grito
de
um
galo
antes
e
o
lance
a
outro;
e
de
outros
galos
que
com
muitos
outros
galos
se
cruzem
os
fios
de
sol
de
seus
gritos
de
galo,
para
que
a
manhã,
desde
uma
teia
tênue,
se
vá
tecendo,
entre
todos
os
galos.
E
se
encorpando
em
tela,
entre
todos,
se
erguendo
tenda,
onde
entrem
todos,
se
entretecendo
para
todos,
no
toldo
(a
manhã)
que
plana
livre
de
armação.
A
manhã,
toldo
de
um
tecido
tão
aéreo
que,
tecido,
se
eleva
por
si:
luz
balão.
lirismo
filosófico:
fala-‐se
de
modo
objeGvo
de
uma
instância
percebida
subjeGvamente
pelo
ser.
[ao
invés
de
falar
das
impressões
do
eu
acerca
do
tempo,
o
locutor
usa
imagens
concretas]
aspectos
formais:
prosificação
do
discurso
[enjambement,
repeGções,
elipses
e
zeugmas].
8. A EDUCAÇÃO PELA PEDRA
João Cabral de Melo Neto
Uma
educação
pela
pedra:
por
lições;
para
aprender
da
pedra,
frequentá-‐la;
captar
sua
voz
inenfáGca,
impessoal
(pela
de
dicção
ela
começa
as
aulas).
A
lição
de
moral,
sua
resistência
fria
ao
que
flui
e
a
fluir,
a
ser
maleada;
a
de
poéGca,
sua
carnadura
concreta;
a
de
economia,
seu
adensar-‐se
compacta:
lições
da
pedra
(de
fora
para
dentro,
carGlha
muda),
para
quem
soletrá-‐la.
Outra
educação
pela
pedra:
no
Sertão
(de
dentro
para
fora,
e
pré-‐didáGca).
No
Sertão
a
pedra
não
sabe
lecionar,
e
se
lecionasse
não
ensinaria
nada;
lá
não
se
aprende
a
pedra:
lá
a
pedra,
uma
pedra
de
nascença,
entranha
a
alma.
9. A EDUCAÇÃO PELA PEDRA
João Cabral de Melo Neto
antilira, aspectos formais
ausência
de
métrica
e
de
rima;
estrofação
irregular;
uso
de
arGculadores
discursivos
[conjunção
e
preposição]
que
afastam
o
poema
do
discurso
poéGco
tradicional
e
o
aproximam
do
discurso
conWnuo
e
arGculado
da
prosa
antilira, aspectos temáticos
prosaísmo
[afastamento
dos
temas
convencionalmente
poéGcos
–
amor,
beleza,
senGmentos]
defesa
de
uma
poesia
impassível,
conGda
e
densa
10. CATAR FEIJÃO
João Cabral de Melo Neto
Catar
feijão
se
limita
com
escrever;
Jogam-‐se
os
grãos
na
água
do
alguidar
E
as
palavras
na
folha
de
papel;
E
depois,
joga-‐se
fora
o
que
boiar.
Certo,
toda
palavra
boiará
no
papel,
Água
congelada,
por
chumbo
seu
verbo:
Pois
para
catar
esse
feijão,
soprar
nele,
E
jogar
fora
o
leve
e
oco,
palha
e
eco.
Ora,
nesse
catar
feijão
entra
um
risco:
O
de
que
entre
os
grãos
pesados
entre
Um
grão
qualquer,
pedra
ou
indigesto,
Um
grão
imasGgável,
de
quebrar
dente
Certo
não,
quando
ao
catar
palavras:
A
pedra
dá
à
frase
seu
grão
mais
vivo:
Obstrui
a
leitura
fluviante
flutual,
Açula
a
atenção,
isca-‐a
com
o
risco.
lirismo
metalinguís4co:
por
intermédio
de
uma
metáfora
concreta,
alude-‐se
à
criação
poéGca;
[de
novo,
a
pedra:
concentração,
objeGvidade,
densidade,
anGmusical,
anGlírico,
essência]
aspectos
formais:
prosificação
do
discurso;
metalinguagem.
11. MORTE E VIDA SEVERINA [fragmento]
João Cabral de Melo Neto
E
se
somos
Severinos
iguais
em
tudo
na
vida,
morremos
de
morte
igual,
mesma
morte
severina:
que
é
a
morte
de
que
se
morre
de
velhice
antes
dos
trinta,
de
emboscada
antes
dos
vinte
de
fome
um
pouco
por
dia
(de
fraqueza
e
de
doença
é
que
a
morte
severina
ataca
em
qualquer
idade,
e
até
gente
não
nascida).
lirismo
social:
através
de
uma
personagem,
fala-‐se
do
sofrimento
de
um
povo
–
o
nordesGno;
[a
personagem
Severino
vivencia
as
agruras
sofridas
pelo
nordesGno
que
sofre
com
a
seca]
aspectos
formais:
musicalidade
popular
[redondilha
maior,
rimas,
metáforas
quase
concretas].
12. OS REINOS DO AMARELO
João Cabral de Melo Neto
A
Terra
lauta
da
Mata
produz
e
exibe
Só
que
fere
a
vista
um
amarelo
outro:
Um
amarelo
rico
(se
não
o
dos
metais):
Se
animal,
de
homem:
de
corpo
humano;
O
amarelo
do
maracujá
e
os
da
manga,
De
corpo
e
vida;
de
tudo
o
que
segrega
O
do
oiG-‐da-‐praia,
do
caju
e
do
cajá;
(sarro
ou
suor,
bile
ínGma
ou
ranho),
Amarelo
vegetal,
alegro
de
sol
livre,
Ou
sofre
(o
amarelo
de
senGr
triste,
Beirando
o
estridente,
de
tão
alegre,
De
ser
analfabeto,
de
exisGr
aguado):
E
que
o
sol
eleva
de
vegetal
e
mineral,
Amarelo
que
no
homem
dali
se
adiciona
Polindo-‐o,
até
um
aceso
metal
de
pele.
O
que
há
em
ser
pântano,
ser-‐se
fardo.
Só
que
fere
a
vista
um
amarelo
outro,
Embora
comum
ali,
esse
amarelo
humano
E
a
fere
embora
baço
(sol
não
o
acende):
Ainda
dá
na
vista
(mais
pelo
prodígio):
Amarelo
aquém
do
vegetal,
e
se
animal,
Pelo
que
tardam
a
secar,
e
ao
sol
dali,
De
um
animal
cobre:
pobre,
podremente.
Tais
poças
de
amarelo,
de
escarro
vivo.
lirismo
social:
por
intermédio
de
um
paralelo,
fala-‐se
dos
nordesGnos
excluídos;
[confronto:
amarelo
vegetal
rico
x
amarelo
animal
pobre]
aspectos
formais:
prosificação
do
discurso;
confronto;
metáforas
de
forte
apelo
visual.
13. DUAS BANANAS E A BANANEIRA
João Cabral de Melo Neto
Entre
a
caaGnga
tolhida
e
raquíGca
A
bananeira
dá,
luzidia
e
contente,
entre
uma
vegetação
ruim,
de
orfanato:
nos
fundos
de
quintal,
com
despejos,
no
mais
alto,
o
mandacaru
se
edifica
com
monturos
de
lixo:
fogueira
fria
a
torre
gigante
e
de
braço
levantado;
e
sem
fumo,
mas
fumegando
mau
cheiro;
quem
o
depara,
nessas
chãs
atrofiadas,
e
mais
daria
se
o
dicionário
omiGsse
pensa
que
ele
nasce
ali
por
acaso;
banana
gesto
de
rebeldia
e
indecente;
mas
ele
dá
naGvo
ali,
e
daí
fazer-‐se
se
além
de
banana
fruta,
registrasse
assim
alto
e
com
o
braço
para
o
alto.
banana
coisa
sem
espinhaço,
somente.
Para
que,
por
encima
do
mato
anêmico,
Daí
a
bananeira
dobrar,
como
impotente,
desde
o
país
eugênico
além
das
chãs,
A
ereção
do
mangará,
de
crua
macheza;
se
veja
a
banana
que
ele,
mandacaru,
E
daí
conceber
as
bananas
sem
caroço
dá
em
nome
da
caaGnga
anã
e
irmã.
Fáceis
de
despir,
com
carne
de
rameira.
14. DUAS BANANAS E A BANANEIRA
João Cabral de Melo Neto
a
correspondência
externa
consiste
no
uso
da
técnica
do
confronto
ou
contraste,
por
intermédio
da
qual
se
focaliza,
de
forma
contrastante,
dois
aspectos
de
um
mesmo
tema
estrofe 01
banana:
senGdo
denotaGvo:
flor
do
mandacaru
banana:
senGdo
conotaGvo:
resistência,
vigor;
lugar
NE
estrofe 02
banana:
senGdo
denotaGvo:
fruto
da
bananeira
banana:
senGdo
conotaGvo:
falta
de
fibra,
passividade;
lugar
SE.