2. LINHAS GERAIS DA NARRATIVA
terceira geração do modernismo brasileiro
grande elaboração linguística e formal;
aprofundamento da tendência regional: regionalismo universalista;
aprofundamento da tendência psicológica: narrativa intimista.
3. CLARICE LISPECTOR
terceira geração do modernismo brasileiro
o psicologismo em Clarice Lispector
Clarice
dá
con-nuidade
ao
romance
neorealista
da
Segunda
Geração
suas
personagens
são
quase
sempre
oriundas
do
universo
urbano
e
tem
vida
interior
densa
A
Srª
Jorge
B.
Xavier
era
ninguém.
Então
quis
ter
sen-mentos
bonitos
e
român-cos
em
relação
à
delicadeza
de
rosto
de
Roberto
Carlos.
Mas
não
conseguiu:
a
delicadeza
dele
apenas
a
levava
a
um
corredor
escuro
de
sensualidade.
E
a
danação
era
a
lascívia.
Era
fome
baixa:
ela
queria
comer
a
boca
de
Roberto
Carlos.
Não
era
român-ca,
ela
era
grosseira
em
matéria
de
amor.
Ali
no
banheiro,
defronte
do
espelho
da
pia.
[...]
Seus
lábios
levemente
pintados
ainda
seriam
beijáveis?
Ou
por
acaso
era
nojento
beijar
boca
de
velha?
Examinou
bem
de
perto
e
inexpressivamente
os
próprios
lábios.
E
ainda
inexpressivamente
cantou
o
estribilho
da
canção
mais
famosa
de
Roberto
Carlos:
“Quero
eu
você
me
aqueça
neste
inverno
e
que
tudo
o
mais
vá
para
o
inferno”.
Foi
então
que
a
Srª
Jorge
B.
Xavier
bruscamente
dobrou-‐se
sobre
a
pia
como
se
fosse
vomitar
as
vísceras
e
interrompeu
sua
vida
com
uma
mudez
estraçalhante:
tem!
que!
haver!
uma!
porta!
de
saííííííída!
[fragmento
de
“À
procura
de
uma
dignidade”]
discurso
indireto
livre
monólogo
interior
fluxo
de
consciência
4. CLARICE LISPECTOR
terceira geração do modernismo brasileiro
o artesanato da linguagem
rompe
a
estrutura
dos
gêneros
narra-vos
subversão
da
linearidade
e
da
cronologia
fusão
da
poesia
à
prosa
[linguagem
figurada]
5. CLARICE LISPECTOR
terceira geração do modernismo brasileiro
o fluxo de consciência
quebra
de
limites
espaço-‐temporais
funde:
realidade/desejo,
presente/passado
a
narra-va
advém
como
se
fosse
captada
por
uma
câmera
instalada
no
cérebro
da
personagem;
pensamento
solto
intersecciona
vários
planos
narra-vos
sem
preocupação
com
a
lógica
Estou
procurando,
estou
procurando.
Estou
tentando
entender.
Tentando
dar
a
alguém
o
que
vivi
e
não
sei
a
quem,
mas
não
quero
ficar
com
o
que
vivi.
Não
sei
o
que
fazer
do
que
vivi,
tenho
medo
dessa
desorganização
profunda.
Não
confio
no
que
aconteceu.
Aconteceu-‐me
alguma
coisa
que
eu,
pelo
fato
de
não
saber
como
viver,
vivi
outra?
A
isso
queria
chamar
desorganização,
e
teria
a
segurança
de
me
aventurar,
porque
saberia
depois
para
onde
voltar:
para
a
organização
interior.
A
isso
prefiro
chamar
desorganização
pois
não
quero
me
confirmar
no
que
vivi
-‐
na
confirmação
de
mim
eu
perderia
o
mundo
como
eu
o
-nha,
e
sei
que
não
tenho
capacidade
para
outro.
6. CLARICE LISPECTOR
terceira geração do modernismo brasileiro
a epifania
a
personagem
é
disposta
numa
situação
co-diana
prepara-‐se
para
um
evento
que
é
pressen-do
discretamente
ocorre
o
evento
que
lhe
ilumina
a
vida
desfecho:
constatação
de
que
o
evento
modifica
a
personagem
7. CLARICE LISPECTOR
terceira geração do modernismo brasileiro
O
bonde
se
arrastava,
em
seguida
estacava.
Até
Humaitá
-nha
tempo
de
descansar.
Foi
então
que
olhou
para
o
homem
parado
no
ponto.
A
diferença
entre
ele
e
os
outros
é
que
ele
estava
realmente
parado.
De
pé,
suas
mãos
se
man-nham
avançadas.
Era
um
cego.
[...]
Então
ela
viu:
o
cego
mascava
chicles...
[...]
Inclinada,
olhava
o
cego
profundamente,
como
se
olha
o
que
não
nos
vê.
Ele
mascava
goma
na
escuridão.
[...].
O
movimento
da
mas-gação
fazia-‐o
parecer
sorrir
e
de
repente
deixar
de
sorrir,
sorrir
e
deixar
de
sorrir
—
como
se
ele
a
-vesse
insultado,
Ana
olhava-‐o.
E
quem
a
visse
teria
a
impressão
de
uma
mulher
com
ódio.
Mas
con-nuava
a
olhá-‐lo,
cada
vez
mais
inclinada
—
o
bonde
deu
uma
arrancada
súbita
jogando-‐a
desprevenida
para
trás,
o
pesado
saco
de
tricô
despencou-‐se
do
colo,
ruiu
no
chão
—
Ana
deu
um
grito,
o
condutor
deu
ordem
de
parada
antes
de
saber
do
que
se
tratava
—
o
bonde
estacou,
os
passageiros
olharam
assustados.
[...]
O
que
chamava
de
crise
viera
afinal.
E
sua
marca
era
o
prazer
intenso
com
que
olhava
agora
as
coisas,
sofrendo
espantada.
O
calor
se
tornara
mais
abafado,
tudo
-nha
ganho
uma
força
e
vozes
mais
altas.
Na
Rua
Voluntários
da
Pátria
parecia
prestes
a
rebentar
uma
revolução,
as
grades
dos
esgotos
estavam
secas,
o
ar
empoeirado.
Um
cego
mascando
chicles
mergulhara
o
mundo
em
escura
sofreguidão.
Em
cada
pessoa
forte
havia
a
ausência
de
piedade
pelo
cego
e
as
pessoas
assustavam-‐na
com
o
vigor
que
possuíam.
Junto
dela
havia
uma
senhora
de
azul,
com
um
rosto.
Desviou
o
olhar,
depressa.
Na
calçada,
uma
mulher
deu
um
empurrão
no
filho!
Dois
namorados
entrelaçavam
os
dedos
sorrindo…
E
o
cego?
Ana
caíra
numa
bondade
extremamente
dolorosa.