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A prosa intimista de Clarice Lispector
              Manoel Neves
LINHAS GERAIS DA NARRATIVA
           terceira geração do modernismo brasileiro
             grande elaboração linguística e formal;
aprofundamento da tendência regional: regionalismo universalista;
  aprofundamento da tendência psicológica: narrativa intimista.
CLARICE LISPECTOR
                             terceira geração do modernismo brasileiro

                       o psicologismo em Clarice Lispector
                       Clarice	
  dá	
  con-nuidade	
  ao	
  romance	
  neorealista	
  da	
  Segunda	
  Geração	
  
    suas	
  personagens	
  são	
  quase	
  sempre	
  oriundas	
  do	
  universo	
  urbano	
  e	
  tem	
  vida	
  interior	
  densa	
  
A	
  Srª	
  Jorge	
  B.	
  Xavier	
  era	
  ninguém.	
  	
  
Então	
  quis	
  ter	
  sen-mentos	
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  e	
  român-cos	
  em	
  relação	
  à	
  delicadeza	
  de	
  rosto	
  de	
  Roberto	
  
Carlos.	
   Mas	
   não	
   conseguiu:	
   a	
   delicadeza	
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  era	
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  de	
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  defronte	
  do	
  
espelho	
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  [...]	
  
Seus	
  lábios	
  levemente	
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  Ou	
  por	
  acaso	
  era	
  nojento	
  beijar	
  boca	
  de	
  
velha?	
   Examinou	
   bem	
   de	
   perto	
   e	
   inexpressivamente	
   os	
   próprios	
   lábios.	
   E	
   ainda	
  
inexpressivamente	
   cantou	
   o	
   estribilho	
   da	
   canção	
   mais	
   famosa	
   de	
   Roberto	
   Carlos:	
   “Quero	
   eu	
  
você	
  me	
  aqueça	
  neste	
  inverno	
  e	
  que	
  tudo	
  o	
  mais	
  vá	
  para	
  o	
  inferno”.	
  	
  
Foi	
  então	
  que	
  a	
  Srª	
  Jorge	
  B.	
  Xavier	
  bruscamente	
  dobrou-­‐se	
  sobre	
  a	
  pia	
  como	
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  e	
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  tem!	
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  saííííííída!	
  [fragmento	
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                    discurso	
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  interior	
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CLARICE LISPECTOR
terceira geração do modernismo brasileiro

   o artesanato da linguagem
       rompe	
  a	
  estrutura	
  dos	
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CLARICE LISPECTOR
                             terceira geração do modernismo brasileiro

                                              o fluxo de consciência
                                                    quebra	
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vivi	
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para	
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  organização	
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  desorganização	
  pois	
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  quero	
  me	
  confirmar	
  
no	
  que	
  vivi	
  -­‐	
  na	
  confirmação	
  de	
  mim	
  eu	
  perderia	
  o	
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  como	
  eu	
  o	
  -nha,	
  e	
  sei	
  que	
  não	
  tenho	
  
capacidade	
  para	
  outro.	
  
CLARICE LISPECTOR
terceira geração do modernismo brasileiro

                             a epifania
         a	
  personagem	
  é	
  disposta	
  numa	
  situação	
  co-diana	
  
 prepara-­‐se	
  para	
  um	
  evento	
  que	
  é	
  pressen-do	
  discretamente	
  
                ocorre	
  o	
  evento	
  que	
  lhe	
  ilumina	
  a	
  vida	
  
desfecho:	
  constatação	
  de	
  que	
  o	
  evento	
  modifica	
  a	
  personagem	
  
CLARICE LISPECTOR
                            terceira geração do modernismo brasileiro
O	
  bonde	
  se	
  arrastava,	
  em	
  seguida	
  estacava.	
  Até	
  Humaitá	
  -nha	
  tempo	
  de	
  descansar.	
  Foi	
  então	
  
que	
  olhou	
  para	
  o	
  homem	
  parado	
  no	
  ponto.	
  	
  
A	
   diferença	
   entre	
   ele	
   e	
   os	
   outros	
   é	
   que	
   ele	
   estava	
   realmente	
   parado.	
   De	
   pé,	
   suas	
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   se	
  
man-nham	
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  Era	
  um	
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  [...]	
  Então	
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  cego	
  mascava	
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  sorrir	
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  sorrir	
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  Ana	
  olhava-­‐o.	
  E	
  quem	
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teria	
  a	
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  a	
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  cada	
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Análise da Prova de Redação da UERJ-2010
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A prosa intimista de clarice lispector

  • 1. A prosa intimista de Clarice Lispector Manoel Neves
  • 2. LINHAS GERAIS DA NARRATIVA terceira geração do modernismo brasileiro grande elaboração linguística e formal; aprofundamento da tendência regional: regionalismo universalista; aprofundamento da tendência psicológica: narrativa intimista.
  • 3. CLARICE LISPECTOR terceira geração do modernismo brasileiro o psicologismo em Clarice Lispector Clarice  dá  con-nuidade  ao  romance  neorealista  da  Segunda  Geração   suas  personagens  são  quase  sempre  oriundas  do  universo  urbano  e  tem  vida  interior  densa   A  Srª  Jorge  B.  Xavier  era  ninguém.     Então  quis  ter  sen-mentos  bonitos  e  român-cos  em  relação  à  delicadeza  de  rosto  de  Roberto   Carlos.   Mas   não   conseguiu:   a   delicadeza   dele   apenas   a   levava   a   um   corredor   escuro   de   sensualidade.   E   a   danação   era   a   lascívia.   Era   fome   baixa:   ela   queria   comer   a   boca   de   Roberto   Carlos.  Não  era  român-ca,  ela  era  grosseira  em  matéria  de  amor.  Ali  no  banheiro,  defronte  do   espelho  da  pia.  [...]   Seus  lábios  levemente  pintados  ainda  seriam  beijáveis?  Ou  por  acaso  era  nojento  beijar  boca  de   velha?   Examinou   bem   de   perto   e   inexpressivamente   os   próprios   lábios.   E   ainda   inexpressivamente   cantou   o   estribilho   da   canção   mais   famosa   de   Roberto   Carlos:   “Quero   eu   você  me  aqueça  neste  inverno  e  que  tudo  o  mais  vá  para  o  inferno”.     Foi  então  que  a  Srª  Jorge  B.  Xavier  bruscamente  dobrou-­‐se  sobre  a  pia  como  se  fosse  vomitar  as   vísceras  e  interrompeu  sua  vida  com  uma  mudez  estraçalhante:  tem!  que!  haver!  uma!  porta!   de  saííííííída!  [fragmento  de  “À  procura  de  uma  dignidade”]   discurso  indireto  livre   monólogo  interior   fluxo  de  consciência  
  • 4. CLARICE LISPECTOR terceira geração do modernismo brasileiro o artesanato da linguagem rompe  a  estrutura  dos  gêneros  narra-vos   subversão  da  linearidade  e  da  cronologia   fusão  da  poesia  à  prosa  [linguagem  figurada]  
  • 5. CLARICE LISPECTOR terceira geração do modernismo brasileiro o fluxo de consciência quebra  de  limites  espaço-­‐temporais   funde:  realidade/desejo,  presente/passado   a  narra-va  advém  como  se  fosse  captada  por  uma  câmera  instalada   no  cérebro  da  personagem;  pensamento  solto   intersecciona  vários  planos  narra-vos  sem  preocupação  com  a  lógica   Estou  procurando,  estou  procurando.  Estou  tentando  entender.  Tentando  dar  a  alguém  o  que   vivi  e  não  sei  a  quem,  mas  não  quero  ficar  com  o  que  vivi.  Não  sei  o  que  fazer  do  que  vivi,  tenho   medo   dessa   desorganização   profunda.   Não   confio   no   que   aconteceu.   Aconteceu-­‐me   alguma   coisa   que   eu,   pelo   fato   de   não   saber   como   viver,   vivi   outra?   A   isso   queria   chamar   desorganização,  e  teria  a  segurança  de  me  aventurar,  porque  saberia  depois  para  onde  voltar:   para  a  organização  interior.  A  isso  prefiro  chamar  desorganização  pois  não  quero  me  confirmar   no  que  vivi  -­‐  na  confirmação  de  mim  eu  perderia  o  mundo  como  eu  o  -nha,  e  sei  que  não  tenho   capacidade  para  outro.  
  • 6. CLARICE LISPECTOR terceira geração do modernismo brasileiro a epifania a  personagem  é  disposta  numa  situação  co-diana   prepara-­‐se  para  um  evento  que  é  pressen-do  discretamente   ocorre  o  evento  que  lhe  ilumina  a  vida   desfecho:  constatação  de  que  o  evento  modifica  a  personagem  
  • 7. CLARICE LISPECTOR terceira geração do modernismo brasileiro O  bonde  se  arrastava,  em  seguida  estacava.  Até  Humaitá  -nha  tempo  de  descansar.  Foi  então   que  olhou  para  o  homem  parado  no  ponto.     A   diferença   entre   ele   e   os   outros   é   que   ele   estava   realmente   parado.   De   pé,   suas   mãos   se   man-nham  avançadas.  Era  um  cego.  [...]  Então  ela  viu:  o  cego  mascava  chicles...     [...]  Inclinada,  olhava  o  cego  profundamente,  como  se  olha  o  que  não  nos  vê.  Ele  mascava  goma   na   escuridão.   [...].   O   movimento   da   mas-gação   fazia-­‐o   parecer   sorrir   e   de   repente   deixar   de   sorrir,  sorrir  e  deixar  de  sorrir  —  como  se  ele  a  -vesse  insultado,  Ana  olhava-­‐o.  E  quem  a  visse   teria  a  impressão  de  uma  mulher  com  ódio.  Mas  con-nuava  a  olhá-­‐lo,  cada  vez  mais  inclinada  —   o   bonde   deu   uma   arrancada   súbita   jogando-­‐a   desprevenida   para   trás,   o   pesado   saco   de   tricô   despencou-­‐se   do   colo,   ruiu   no   chão   —   Ana   deu   um   grito,   o   condutor   deu   ordem   de   parada   antes  de  saber  do  que  se  tratava  —  o  bonde  estacou,  os  passageiros  olharam  assustados.  [...]   O  que  chamava  de  crise  viera  afinal.  E  sua  marca  era  o  prazer  intenso  com  que  olhava  agora  as   coisas,   sofrendo   espantada.   O   calor   se   tornara   mais   abafado,   tudo   -nha   ganho   uma   força   e   vozes   mais   altas.   Na   Rua   Voluntários   da   Pátria   parecia   prestes   a   rebentar   uma   revolução,   as   grades  dos  esgotos  estavam  secas,  o  ar  empoeirado.  Um  cego  mascando  chicles  mergulhara  o   mundo  em  escura  sofreguidão.  Em  cada  pessoa  forte  havia  a  ausência  de  piedade  pelo  cego  e  as   pessoas  assustavam-­‐na  com  o  vigor  que  possuíam.  Junto  dela  havia  uma  senhora  de  azul,  com   um  rosto.  Desviou  o  olhar,  depressa.  Na  calçada,  uma  mulher  deu  um  empurrão  no  filho!  Dois   namorados   entrelaçavam   os   dedos   sorrindo…   E   o   cego?   Ana   caíra   numa   bondade   extremamente  dolorosa.