1) O documento discute a percepção de médicos residentes sobre a hanseníase e os desafios no diagnóstico e tratamento da doença na Atenção Primária.
2) Os médicos relataram formação insuficiente sobre a hanseníase na graduação, com conteúdo predominantemente teórico e poucos casos práticos.
3) Os principais desafios identificados foram a alta demanda nos serviços, dificuldade no diagnóstico precoce devido ao baixo nível de suspeição, e a refer
2012 RESIDENTES DE MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE E HANSENÍASE: DESAFIOS EDUCACIONAIS E ASSISTENCIAIS
1. Universidade Federal de Ouro Preto
Departamento de Ciências Médicas
Curso de Medicina
RESIDENTES DE MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE E HANSENÍASE:
DESAFIOS EDUCACIONAIS E ASSISTENCIAIS
Introdução: A hanseníase é uma doença infecciosa negligenciada que traz As dificuldades da Assistência:
representações que transcendem definições técnico-científicas ou “Qualquer coisa que acontecer com aquele paciente em relação a isso né,
biomédicas, impregnada por um componente religioso e crenças inerentes alguma reação, medicamentoso, qualquer coisa é com a referência. Não vai
ao termo “lepra”. A doença está relacionada à aglomeração de pessoas, com a gente. A gente já marca consulta com a enfermagem, então a gente
acessibilidade aos sistemas de saúde, informação pertinente, diagnóstico nem fica sabendo.”
precoce e ao tratamento adequado, baseado em uma poliquimioterapia “Agora, uma coisa, eu acho legal (...) na teoria, mas na hora de colocar na
prolongada e cercada de falhas de adesão. A atenção primária é o âmbito prática às vezes a gente tem alguns empecilhos, por exemplo, a exigência da
privilegiado de ação. produtividade e às vezes um consultório que não tem um banheiro pra você
examinar um paciente né”
Objetivo: descrever a percepção de médicos que atuam na atenção “Agora uma coisa que me angustia, uma coisa que angustia também é que
primária acerca da hanseníase. agora é tudo da atenção básica”
Método: foi realizado um grupo focal com residentes de Medicina de O estigma
Família e Comunidade do município de Betim-MG. participaram sete “Isso aí, pode ser um motivo que assim como outros pacientes, (...) paciente
(87,5%) dos residentes de um universo de oito. Três homens, quatro HIV positivo, eles tendem a desaparecer de lá, sabe, de vista.”
mulheres, graduados entre 2004 e 2009 em Minas Gerais e no Paraná,
atuando em unidades de saúde da família urbanas.
A educação em Saúde:
“A gente vê muito auto-exame das mamas ser divulgado em campanha. A
Resultados: A análise dos discursos dos participantes apontou para as
gente não vê auto exame da pele, auto exame pra pessoa suspeitar, pra
categorias: Formação, capacitação, acesso, demanda, organização do
pessoa ter esse cuidado de, de questionar e levar isso pro médico”
serviço, trabalho em equipe, educação em saúde, estigma.
“divulgar prá o paciente chegar com a queixa relacionada, que a gente não
vai pesquisar. É muito difícil.”
Figura 1: A “lepra” do passado: guardas dos hospitais-colônias e ficha de interno ilustram
isolamento e estigma
A formação: Figura 2: A hanseníase do presente: persistem sequelas, e necessidade de reabilitar as pessoas
“a impressão que deu [na faculdade] é que era uma coisa teórica assim, que
não existe muitos casos ou se existe eles estão em algum local separado” Discussão:
“E na faculdade também, na optativa de dermato mas só teórico. Prático A Universidade ainda forma profissionais de saúde, em especial médicos,
nenhum.” dentro de hospitais e centros de referência de especialidades e como tal,
“A impressão que dá é que pelo menos durante a faculdade, parece que é com uma casuística que não se reflete na prática de APS. É muito difícil ver
uma doença que é muito pouco prevalente, que não tinha tanta pacientes com hanseníase em fase inicial, e mesmo com comorbidades na
repercussão. (...) Que a gente ficou bem com a teoria e parecia que na graduação e a formação para hanseníase é predominantemente teórica,
prática eu também não ia encontrar muito esses pacientes “ com poucos casos práticos; a capacitação é permanente a despeito de não
atingir a toda a equipe. A Atenção Primária a Saúde oferece acesso aos
pacientes, embora a hanseníase não seja relatada nas consultas pelos
A capacitação: pacientes e sua avaliação exija um alto nível de suspeição ou o acaso; a
“Porta aberta sim, mas agora o olhar, a pessoa pensando na doença, esses demanda excessiva da porta de entrada também é um fator dificultador, e a
pacientes às vezes podem demorar pra serem diagnosticados porque acho referência obrigatória para serviços de especialistas cria divisões, amplia o
que são poucos os profissionais que sentam na consulta e vão pensar em estigma e dificulta o acompanhamento horizontal dos pacientes com esta
pensar..” doença. O trabalho em equipe foi reforçado pelos presentes como
contraponto à centralização das informações, que ainda permanecem
arraigadas no saber médico. Nas práticas educativas, foram debatidas as
A assistência e o acesso :
inadequações quanto ao formato de "cartazes", a necessidade de um
“Então assim... Eu tenho notícias sobre ele mas é completamente diferente linguajar popular, as possíveis estratégias de mídia de massa, o risco de se
de um acompanhamento médico.” criar uma grande demanda a um serviço de saúde já estrangulado; foi
“É acompanhado no centro de especialidade no caso é a Colônia, mas ele percebido o estigma como tema transversal, sendo debatido ao longo de
vai lá por outros motivos clínicos né, eu acabo pergunto pra ele por todo o grupo focal, com paralelos com a loucura e a infecção pelo HIV.
curiosidade, mas quem acompanha ele mesmo é o especialista.”
“Eu acho que o acesso é muito bom, principalmente depois que o paciente já Conclusão: a graduação em medicina foi insuficiente para a formação
ta diagnosticado e em tratamento. Qualquer coisa, pelo menos lá onde eu destes profissionais, pois se baseia em conteúdo teórico, poucos casos, e
trabalho, tem livre acesso. Qualquer coisa ele já chega lá e tem... gera a percepção de uma doença rara, do campo de ação do
normalmente ele vai pra referência né. Pra ele consultar é mais fácil.” subespecialista.