1. O BOM MÉDICO, O MAU MÉDICO E A ESCOLHA DA MEDICINA
Helena Brígido1
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Docente da Universidade Federal do Pará e do Centro Universitário do Pará
(CESUPA), Médica Infectologista e Epidemiologista, Mestre em Medicina Tropical.
Quando uma pessoa pensa em ser médica, instintivamente, seja criança ou
adolescente, tem a ideia de que a profissão é linda e/ou pensa em cuidar de pessoas.
Ao concretizar a entrada em um curso disputado de Medicina a pessoa pensa, e é
verdade, que vai ralar muito pra transpor os obstáculos das disciplinas cada vez mais
complexas a cada semestre, com professores exigentes que planejam as aulas da melhor
forma para o aprendizado, sem que o objetivo seja apenas de “passar” no módulo, mas
aprender para a vida acadêmica, que não é finita.
São longos anos de leitura, estudos pela madrugada, abdicando em ficar com o
seu amor, família, amigos.
Ao terminar, mesmo com muitos estudos, o médico sempre acredita que ainda
precisa estudar muito mais pela complexidade que é o corpo humano na anatomia,
fisiologia e fatores externos que influenciam diretamente no bom funcionamento
(alimentação, hábitos esportivos ou de vícios, stress e o próprio tempo de vida que cada
um de nós tem nesse mundo). A tarefa fica mais árdua, porque após a formatura não tem
mais os professores para ensinar diretamente, ainda que se saiba que o bom professor
estará sempre disponível para ajudá-lo, mas, naquele momento, ao sair da faculdade,
tem que andar com as próprias pernas.
Começa a busca por trabalho, mas é preciso aperfeiçoar-se. Faz residência
médica e/ou cursos de pós-graduação, mestrado, doutorado, pós-doutorado. A
responsabilidade aumenta ainda mais.
Aquele sonho antigo de ser médico está concretizado! É preciso agir direcionado
ao objetivo: minimizar a dor buscando a cura para cada paciente que entra em
consultório, urgência e emergência, atendimento de rua... Cada pessoa tem uma história
e uma família. Como o próprio médico.
2. Às vezes não dá tempo pra pensar nisso, é preciso resolver a situação
imediatamente. Resolvido. Não resolvido. Não? Por que? Não estudou tanto? Não
consegue salvar a vida daquela pessoa? Não! Por falta de infraestrutura (material de
entubação, medicamentos, leitos etc) ou pelo fato do paciente já estar em estágio
avançado do quadro clínico ou por negligência, imperícia, imprudência do médico.
Como assim? Em outras situações, em cirurgias eletivas (programadas) ou de
urgência/emergência o paciente sai do bloco cirúrgico muito bem, recupera-se, retorna
ao lar. Outro paciente é manipulado para que um médico ganhe ilicitamente, sem
necessidade de haver a cirurgia ou é inserido um material mais “moderno” e mais caro
em que o médico tem participação de lucro ao selecionar esse ou aquele fabricante.
Como? Inquietante, mas é fato divulgado em que o objetivo não é o juramento feito, o
primeiro desejo ao querer ser médico, mas o bolso.
A tristeza é imensurável! Sou professora de futuros médicos e iria ficar arrasada
ao ter conhecimento de que um ex-aluno, hoje médico, faz essa prática. Não é isso o que
queremos! Não ensinamos apenas as técnicas e avanços científicos, mas também o
acolhimento, o despertar ou incremento às atitudes de responsabilidade e, acima de
tudo, a busca da melhoria de vida do paciente, preservando a saúde. É vergonhoso e
descaracterizador de imagem de médico que se queria para si ao escolher a profissão lá
na infância ou adolescência ou que a própria sociedade almeja para si.
Voltar ao tempo e se arrepender de escolher a medicina? Olhar para baixo e
pensar que essa profissão está sendo alvo de charges, humilhações por parte da mídia
em geral? Desanimar? NUNCA!! Escolhi e exerço a medicina com muita honra. Deito a
cabeça no travesseiro, respiro fundo relembrando o que foi feito no dia com meu
cérebro e mãos humanas e mesmo assim ainda durmo intranquila, por ter faltado fazer
mais e não houve possibilidade, não por minha vontade, mas por não haver
infraestrutura ou por ter precisado dar um pouco, só um pouco, de meu tempo para
minha família.
Independente de gestão adequada é preciso trabalhar corretamente e prol do
paciente.
3. Quero que meus filhos me olhem ao vivo, em fotografia, vídeo ou o que for e
tenham orgulho da médica mãe, que se desdobra pra fazer o melhor, sacrificando até o
tempo que deveria estar com eles para buscar atualizações, atender ligações telefônicas
para conversar sobre algum caso clínico, trocar e-mails, participar de eventos científicos
e, principalmente, estar com alunos e atender pacientes.
As notícias sobre médicos irregulares nos ideais da medicina são incômodas,
mas jamais irão contribuir para deixar de ter orgulho da profissão e de conhecer
incontáveis trabalhadores que se desdobram em olhar no olho do paciente e cuidar no
sentido amplo, da pessoa doente e não da doença na pessoa. É preciso que a mídia e a
população possam discernir o joio do trigo. Não se pode carimbar uma classe pelo lado
sombrio constatado na minoria. O Brasil possui médicos honrados, determinados ao
bem e dignos de serem admirados pelo paciente, família e população em geral, pois
quando se cuida corretamente de uma pessoa doente o desdobramento ecoa para toda a
sociedade. A doença não é de um, mas de todos, assim como um bom médico não é de
si próprio, mas de todos.
Valorize seu médico. Não generalize. Médicos bons existem ao seu redor. No
cotidiano, bem pertinho.