2. APOIO À APRENDIZAGEM
Questões para Kant
A filosofia moral (a ética) de Kant é forte e eloquente. Mas pode ser difícil de compreender, sobretudo
no início. Aqui ficam quatro perguntas que poderíamos fazer a Kant. vejamos como ele responderia.
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3. a notícia irá causar. Qual é a coisa certa a fa-
QUESTÃO 1 : O imperativo categórico de Kant zer? A Regra de Ouro perguntaria: “Como
diz-nos para tratar toda a gente com respeito, gostaria de ser tratado numa circunstância se-
como um fim em si mesmo. Não será isso pratica- melhante?”. A resposta, como é óbvio, é alta-
mente a mesma coisa que a Regra de Ouro (“faz mente contingente. Algumas pessoas preferi-
aos outros o que desejas que eles te façam a ti”)? am ser poupadas a verdades duras em mo-
RESPOSTA: Não. A Regra de Ouro baseia-se mentos de vulnerabilidade, enquanto outras
em factos contingentes acerca da forma como preferem a verdade, por muito dolorosa que
as pessoas gostariam de ser tratadas. O impe- seja. Poderá, pois, concluir que, se se encon-
rativo categórico exige que nos abstraiamos trasse na situação da sua mãe, preferia que
dessas contingências e respeitemos as pessoas não lhe dissessem. Todavia, para Kant, essa é
como seres racionais, independentemente do a pergunta errada a fazer. O que importa não
que estas possam querer numa dada situação. é como você (ou a sua mãe) se sentiria nessas
Suponha que recebe a notícia de que o seu ir- circunstâncias, mas o que significa tratar as
mão morreu num acidente de viação. A sua pessoas como seres racionais dignos de respei-
mãe idosa, que se encontra num lar em virtu- to. Esta é uma das situações em que a compai-
de da saúde debilitada, pede-lhe notícias xão poderá apontar para um lado e o respeito
dele. Fica dividido entre dizer-lhe a verdade e kantiano para outro. Do ponto de vista do im-
poupá-la ao choque e ao sofrimento atroz que perativo categórico, mentir à sua mãe por pre-
ocupação com os sentimentos dela seria estar
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4. manifestamente a usá-la como um meio para que escolhemos. “A dignidade do homem
a sua própria satisfação, em vez de a respeitar consiste precisamente na sua capacidade de
como ser racional. fazer lei universal, embora somente na condi-
ção de ele próprio se submeter à lei que faz”.
QUESTÃO 2: Kant parece insinuar que reagir
por dever e agir autonomamente são exatamente a QUESTÃO 3: Se a autonomia significa agir de
mesma coisa. Mas como é que isso pode ser? Agir acordo com uma lei que imponho a mim mesmo, o
de acordo com o dever significa ter de obedecer a que garante que todos irão escolher a mesma lei
uma lei. Como é que a obediência a uma lei pode moral? Se o imperativo categórico é o produto da
ser compatível com a liberdade? minha vontade, não será provável que pessoas dife-
RESPOSTA: O dever e a autonomia coexis- rentes tenham imperativos categóricos diferentes?
tem apenas num caso especial: quando sou Kant parece pensar que todos iremos concordar
eu o autor da lei a que tenho o dever de obe- com a mesma lei moral. Mas como pode ele ter a
decer. A minha dignidade enquanto pessoa li- certeza de que pessoas diferentes não irão racioci-
vre não consiste em estar sujeito à lei moral, nar de maneira diferente e chegar a diversas leis
mas sim em ser o autor de “essa mesma lei... morais?
e subordinado a ela apenas por este motivo”. RESPOSTA: Quando determinamos a lei mo-
Quando agimos de acordo com o imperativo ral, não escolhemos, enquanto pessoas indivi-
categórico, agimos de acordo com uma lei duais, como pessoas específicas que somos,
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5. mas sim como seres racionais, como partici- QUESTÃO 4: Kant afirma que se a moralidade é
pantes naquilo que Kant designa por “razão mais do que uma questão de cálculo prudente, tem
prática pura”. Portanto, é um erro pensar que de tomar a forma de um imperativo categórico.
a lei moral depende de nós enquanto indiví- Mas como podemos saber que a moralidade existe
duos. Evidentemente, se raciocinarmos com para lá do jogo de poder e de interesses? Podere-
base nos nossos interesses, desejos e fins parti- mos alguma vez ter a certeza de que somos capa-
culares, podemos chegar a um qualquer nú- zes de agir autonomamente, com livre vontade? E
mero de princípios. Mas não são princípios se os cientistas descobrirem (através da imagiolo-
morais, apenas princípios de prudência. Des- gia do cérebro, por exemplo, ou da neurociência
de que exerçamos a razão prática pura, abstra- cognitiva) que afinal não temos livre vontade: iria
ímo-nos dos nossos interesses particulares. isso refutar a filosofia moral (a ética) de Kant?
Isto significa que todos os que exercem a ra- RESPOSTA: A liberdade da vontade não é o
zão prática pura irão chegar à mesma conclu- tipo de coisa que a ciência possa provar ou re-
são - irão chegar a um imperativo categórico futar. E a moralidade também não. É certo
(universal) único. “Uma vontade livre e uma que os seres humanos vivem no reino da natu-
vontade submetida a leis morais são, por con- reza. Tudo o que fazemos pode ser descrito
seguinte, uma e a mesma coisa”. de um ponto de vista físico ou biológico.
Quando levanto a mão para votar, a minha ac-
ção pode ser explicada em termos de múscu-
los, neurónios, sinapses e células. Mas tam-
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6. bém pode ser explicada em termos de ideias e
de crenças. Kant afirma que nada podemos fa-
zer senão compreender-nos a nós próprios de
ambas as perspetivas - o reino empírico da fí-
sica e da biologia, e um reino inteligível da ac-
ção humana livre.
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