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A PROPRIEDADE É UM ROUBO* 
Se eu tivesse de responder à seguinte questão: 
o que é a escravidão?, e a respondesse numa única 
palavra: é um assassinato, meu pensamento seria logo 
compreendido. Eu não teria necessidade de um longo 
discurso para mostrar que o poder de tirar ao homem 
o pensamento, a vontade, a personalidade é um poder 
de vida e de morte, e que fazer um homem escravo é 
assassiná-lo. Por que então a esta outra pergunta: o 
que é a propriedade?, não posso eu responder da mes-ma 
maneira: é um roubo, sem ter a certeza de não ser 
entendido, embora esta segunda proposição não seja 
senão a primeira transformada? 
Eu tento discutir a própria origem de nosso go-verno 
e de nossas instituições, a propriedade; estou 
no meu direito: posso me enganar na conclusão que 
resultará de minhas pesquisas; agrada-me colocar o 
último pensamento de meu livro no início; estou sem-pre 
no meu direito. 
Tal autor explica que a propriedade é um direito 
civil, nascido da ocupação e sancionado pela lei; tal 
outro sustenta que ela é um direito nacional, tendo 
sua fonte no trabalho, e estas doutrinas, por mais opos-tas 
que pareçam, são estimuladas, aplaudidas. Eu afirmo 
que nem o trabalho, nem a ocupação e nem a lei 
* Extraído de Qu’est-ce que la Propriété?, 1810. 
20
podem criar a propriedade; que ela é um efeito sem 
causa: sou repreensível? 
Quantas queixas se levantam! 
– A propriedade é um roubo! Eis o rebate de 
93! Eis a desordem das revoluções! 
– Leitor, tranqüilizai-vos: não sou de modo algum 
um agente de discórdia, um bota-fogo de sedição. 
Antecipo-me alguns dias na História; exponho uma ver-dade 
cuja passagem nós tentamos em vão barrar; es-crevo 
o preâmbulo de nossa futura constituição. Esta 
definição que vos parece blasfematória, a propriedade 
é um roubo, seria o punhal exorcizador do ódio se nossas 
preocupações nos permitissem entendê-la; mas quan-tos 
interesses, quantos preconceitos se lhe opõem! A 
filosofia não mudará de maneira alguma, hélas!; o 
curso dos acontecimentos: os destinos se efetuarão 
independentemente da profecia; aliás, não é necessário 
que a justiça se faça e que nossa educação se complete? 
– A propriedade é um roubo! Que inversão das 
idéias humanas! Proprietário e ladrão foram em todos 
os tempos expressões contraditórias tanto como os se-res 
que elas designam são antipáticos; todas as línguas 
consagraram esta antilogia. Sobre que autoridade 
poderias então atacar o consenso universal e dar o 
desmentido ao gênero humano? Quem és para negar 
a razão dos povos e dos tempos? 
– Que vos importa, leitor, minha medíocre indivi-dualidade? 
Eu sou, como vós, de um século em que a 
razão só se submete ao fato e à prova; minha reputação, 
assim como a vossa, é de investigador da verdade*; 
* Em grego skepticos, indagador, filósofo que faz profissão de 
procurar o verdadeiro. (Nota de Proudhon.) 
21
minha missão está escrita nessas palavras da lei: Fale 
sem ódio e sem medo; diga o que tu sabes. A obra de 
nossa espécie é construir o templo da ciência, e esta 
ciência abrange o homem e a natureza. Ora, a verdade 
se revela a todos, hoje a Newton e a Pascal, ao pastor 
no vale, ao operário na oficina. Cada um coloca sua 
pedra no edifício e, sua tarefa feita, desaparece. A 
eternidade nos precede, a eternidade nos segue: entre 
dois infinitos, que é o lugar de um mortal para que o 
século nele se informe? 
Deixai, portanto, leitor, meu valor e meu caráter, 
e ocupai-vos só com minhas razões. É conforme o 
consenso universal que eu pretendo corrigir o erro 
universal; é à fé do gênero humano que chamo de 
opinião do gênero humano. Tende a coragem de me 
seguir e, se vossa vontade é sincera, se vossa cons-ciência 
é livre, se vosso espírito sabe unir duas pro-posições 
para daí extrair uma terceira, minhas idéias 
tornar-se-ão infalivelmente as vossas. Começando por 
vos lançar minha última palavra, quis eu vos prevenir 
e não vos desafiar: porque, tenho certeza, se me le-res, 
eu forçarei vossa concordância. As coisas de 
que tenho a vos falar são tão simples, tão palpáveis, 
que vos espantareis de não as ter percebido, e vós 
vos direis: “Eu não tinha refletido nada disso”. Ou-tros 
vos oferecerão o espetáculo do gênio violentan-do 
os segredos da natureza e divulgando oráculos 
sublimes; vós não encontrareis aqui senão uma série 
de experiências sobre o justo e sobre o direito, uma 
espécie de verificação de pesos e medidas de vossa 
consciência. As operações se farão sob vossos olhos; 
e vós mesmos apreciareis o resultado. 
22
Além disso, não disponho de sistema: eu desejo 
o fim do privilégio, a abolição da escravatura, a 
igualdade de direitos, o reino da lei. Justiça, nada se-não 
Justiça; tal é o resumo de meu discurso; deixo a 
outros o encargo de disciplinar o mundo. 
Eu me disse um dia: por que, na sociedade, há 
tanta dor e miséria? O homem deve ser eternamente 
infeliz? E, sem me limitar às explicações gerais dos 
empreendedores de reformas ao denunciar a miséria 
geral, estes a covardia e a imperícia do poder, aqueles 
os conspiradores e os motins, outros a ignorância e a 
corrupção geral; fatigado com os intermináveis com-bates 
da tribuna e da imprensa, quis eu próprio 
aprofundar a coisa. Consultei os mestres da ciência, 
li centenas de volumes de filosofia, de direito, de eco-nomia 
política e de história: e queira Deus que eu 
tivesse vivido num século em que tanta leitura me 
fosse inútil! Fiz todos os esforços para obter informa-ções 
exatas, comparando as doutrinas, opondo às ob-jeções 
as respostas, fazendo sem cessar equações e 
reduções de argumentos, pesando os milhares de si-logismos 
à luz da lógica mais escrupulosa. Neste peno-so 
caminho, reuni vários fatos interessantes, de que 
darei conhecimento a meus amigos e ao público assim 
que tiver tempo. Mas, é preciso que eu o diga, primeira-mente 
julguei reconhecer que nós jamais compreen-demos 
o sentido destas palavras tão vulgares e tão 
sagradas: justiça, igualdade, liberdade; que sobre cada 
uma destas coisas nossas idéias eram profundamente 
obscuras; e que enfim esta ignorância era a única 
causa do pauperismo que nos devora e de todas as 
calamidades que afligiram a espécie humana. 
23
Meu espírito se assombrou com este estranho 
resultado: eu duvidava de minha razão. Como!, dizia 
eu, isto que o olho nunca viu, nem a orelha ouviu, nem 
a inteligência penetrou, tu a descobririas! Tenha medo, 
infeliz, de tomar as visões de teu cérebro doente por 
conhecimento da ciência! (...) 
Resolvi então fazer uma contraprova de meus 
julgamentos, e eis quais foram as condições que me 
impus a mim mesmo neste novo trabalho: é possível 
que na aplicação de princípios da moral a humanidade 
esteja há tanto tempo e tão universalmente enganada? 
Como e por que ela estaria enganada? Como seu erro, 
sendo universal, não seria invencível? 
Estas questões, de cuja solução eu fazia depen-der 
a certeza de minhas observações, não resistiram 
24 
muito tempo à análise. 
(...) Sim, todos os homens acreditam e repetem 
que a igualdade de condições é idêntica à igualdade 
de direitos; que propriedade e roubo são termos sinô-nimos; 
que toda proeminência social, concedida ou, 
para melhor dizer, usurpada sob pretexto de superiori-dade 
de talento e de serviço, é iniqüidade e pilhagem: 
todos os homens, eu digo, atestam estas verdades em 
sua alma; trata-se só de fazê-los descobrir.
ADVENTO DA LIBERDADE* 
A comunidade** é opressão e servidão. O 
homem quer na verdade se submeter à lei do dever, 
servir sua pátria, obsequiar seus amigos, mas ele quer 
trabalhar naquilo que lhe agrada, quando lhe agrada, 
tanto quanto lhe agrade; ele quer dispor de suas ho-ras, 
obedecer somente à necessidade, escolher seus 
amigos, suas diversões, sua disciplina; prestar servi-ço 
por satisfação, não por ordem; sacrificar-se por 
egoísmo e não por uma obrigação servil. A comuni-dade 
é essencialmente contrária ao livre exercício de 
nossas faculdades, a nossos pendores mais nobres, a 
nossos sentimentos mais íntimos; tudo o que se imagi-nar 
para conciliá-la com as exigências da razão indivi-dual 
e da vontade não levará senão a mudar a coisa 
conservando o nome; ora, se nós procuramos a verda-de 
de boa-fé, devemos evitar as disputas de palavra. 
Assim, a comunidade viola a autonomia da cons-ciência 
e a igualdade; a primeira, comprimindo a es-pontaneidade 
do espírito e do coração, o livre-arbítrio 
na ação e no pensamento; a segunda, recompensando 
com uma igualdade de bem-estar o trabalho e a pre-guiça, 
o talento e a asneira, o próprio vício e a virtude. 
(...) Que forma de governo iremos preferir? 
– Em! vós podereis perguntá-lo; e sem dúvida 
qualquer um de meus mais jovens leitores responde, 
“vós sois republicano”. 
* O título é nosso. 
** Por “comunidade” Proudhon entende, como aliás ele mesmo o 
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A propriedade é um roubo

  • 1. A PROPRIEDADE É UM ROUBO* Se eu tivesse de responder à seguinte questão: o que é a escravidão?, e a respondesse numa única palavra: é um assassinato, meu pensamento seria logo compreendido. Eu não teria necessidade de um longo discurso para mostrar que o poder de tirar ao homem o pensamento, a vontade, a personalidade é um poder de vida e de morte, e que fazer um homem escravo é assassiná-lo. Por que então a esta outra pergunta: o que é a propriedade?, não posso eu responder da mes-ma maneira: é um roubo, sem ter a certeza de não ser entendido, embora esta segunda proposição não seja senão a primeira transformada? Eu tento discutir a própria origem de nosso go-verno e de nossas instituições, a propriedade; estou no meu direito: posso me enganar na conclusão que resultará de minhas pesquisas; agrada-me colocar o último pensamento de meu livro no início; estou sem-pre no meu direito. Tal autor explica que a propriedade é um direito civil, nascido da ocupação e sancionado pela lei; tal outro sustenta que ela é um direito nacional, tendo sua fonte no trabalho, e estas doutrinas, por mais opos-tas que pareçam, são estimuladas, aplaudidas. Eu afirmo que nem o trabalho, nem a ocupação e nem a lei * Extraído de Qu’est-ce que la Propriété?, 1810. 20
  • 2. podem criar a propriedade; que ela é um efeito sem causa: sou repreensível? Quantas queixas se levantam! – A propriedade é um roubo! Eis o rebate de 93! Eis a desordem das revoluções! – Leitor, tranqüilizai-vos: não sou de modo algum um agente de discórdia, um bota-fogo de sedição. Antecipo-me alguns dias na História; exponho uma ver-dade cuja passagem nós tentamos em vão barrar; es-crevo o preâmbulo de nossa futura constituição. Esta definição que vos parece blasfematória, a propriedade é um roubo, seria o punhal exorcizador do ódio se nossas preocupações nos permitissem entendê-la; mas quan-tos interesses, quantos preconceitos se lhe opõem! A filosofia não mudará de maneira alguma, hélas!; o curso dos acontecimentos: os destinos se efetuarão independentemente da profecia; aliás, não é necessário que a justiça se faça e que nossa educação se complete? – A propriedade é um roubo! Que inversão das idéias humanas! Proprietário e ladrão foram em todos os tempos expressões contraditórias tanto como os se-res que elas designam são antipáticos; todas as línguas consagraram esta antilogia. Sobre que autoridade poderias então atacar o consenso universal e dar o desmentido ao gênero humano? Quem és para negar a razão dos povos e dos tempos? – Que vos importa, leitor, minha medíocre indivi-dualidade? Eu sou, como vós, de um século em que a razão só se submete ao fato e à prova; minha reputação, assim como a vossa, é de investigador da verdade*; * Em grego skepticos, indagador, filósofo que faz profissão de procurar o verdadeiro. (Nota de Proudhon.) 21
  • 3. minha missão está escrita nessas palavras da lei: Fale sem ódio e sem medo; diga o que tu sabes. A obra de nossa espécie é construir o templo da ciência, e esta ciência abrange o homem e a natureza. Ora, a verdade se revela a todos, hoje a Newton e a Pascal, ao pastor no vale, ao operário na oficina. Cada um coloca sua pedra no edifício e, sua tarefa feita, desaparece. A eternidade nos precede, a eternidade nos segue: entre dois infinitos, que é o lugar de um mortal para que o século nele se informe? Deixai, portanto, leitor, meu valor e meu caráter, e ocupai-vos só com minhas razões. É conforme o consenso universal que eu pretendo corrigir o erro universal; é à fé do gênero humano que chamo de opinião do gênero humano. Tende a coragem de me seguir e, se vossa vontade é sincera, se vossa cons-ciência é livre, se vosso espírito sabe unir duas pro-posições para daí extrair uma terceira, minhas idéias tornar-se-ão infalivelmente as vossas. Começando por vos lançar minha última palavra, quis eu vos prevenir e não vos desafiar: porque, tenho certeza, se me le-res, eu forçarei vossa concordância. As coisas de que tenho a vos falar são tão simples, tão palpáveis, que vos espantareis de não as ter percebido, e vós vos direis: “Eu não tinha refletido nada disso”. Ou-tros vos oferecerão o espetáculo do gênio violentan-do os segredos da natureza e divulgando oráculos sublimes; vós não encontrareis aqui senão uma série de experiências sobre o justo e sobre o direito, uma espécie de verificação de pesos e medidas de vossa consciência. As operações se farão sob vossos olhos; e vós mesmos apreciareis o resultado. 22
  • 4. Além disso, não disponho de sistema: eu desejo o fim do privilégio, a abolição da escravatura, a igualdade de direitos, o reino da lei. Justiça, nada se-não Justiça; tal é o resumo de meu discurso; deixo a outros o encargo de disciplinar o mundo. Eu me disse um dia: por que, na sociedade, há tanta dor e miséria? O homem deve ser eternamente infeliz? E, sem me limitar às explicações gerais dos empreendedores de reformas ao denunciar a miséria geral, estes a covardia e a imperícia do poder, aqueles os conspiradores e os motins, outros a ignorância e a corrupção geral; fatigado com os intermináveis com-bates da tribuna e da imprensa, quis eu próprio aprofundar a coisa. Consultei os mestres da ciência, li centenas de volumes de filosofia, de direito, de eco-nomia política e de história: e queira Deus que eu tivesse vivido num século em que tanta leitura me fosse inútil! Fiz todos os esforços para obter informa-ções exatas, comparando as doutrinas, opondo às ob-jeções as respostas, fazendo sem cessar equações e reduções de argumentos, pesando os milhares de si-logismos à luz da lógica mais escrupulosa. Neste peno-so caminho, reuni vários fatos interessantes, de que darei conhecimento a meus amigos e ao público assim que tiver tempo. Mas, é preciso que eu o diga, primeira-mente julguei reconhecer que nós jamais compreen-demos o sentido destas palavras tão vulgares e tão sagradas: justiça, igualdade, liberdade; que sobre cada uma destas coisas nossas idéias eram profundamente obscuras; e que enfim esta ignorância era a única causa do pauperismo que nos devora e de todas as calamidades que afligiram a espécie humana. 23
  • 5. Meu espírito se assombrou com este estranho resultado: eu duvidava de minha razão. Como!, dizia eu, isto que o olho nunca viu, nem a orelha ouviu, nem a inteligência penetrou, tu a descobririas! Tenha medo, infeliz, de tomar as visões de teu cérebro doente por conhecimento da ciência! (...) Resolvi então fazer uma contraprova de meus julgamentos, e eis quais foram as condições que me impus a mim mesmo neste novo trabalho: é possível que na aplicação de princípios da moral a humanidade esteja há tanto tempo e tão universalmente enganada? Como e por que ela estaria enganada? Como seu erro, sendo universal, não seria invencível? Estas questões, de cuja solução eu fazia depen-der a certeza de minhas observações, não resistiram 24 muito tempo à análise. (...) Sim, todos os homens acreditam e repetem que a igualdade de condições é idêntica à igualdade de direitos; que propriedade e roubo são termos sinô-nimos; que toda proeminência social, concedida ou, para melhor dizer, usurpada sob pretexto de superiori-dade de talento e de serviço, é iniqüidade e pilhagem: todos os homens, eu digo, atestam estas verdades em sua alma; trata-se só de fazê-los descobrir.
  • 6. ADVENTO DA LIBERDADE* A comunidade** é opressão e servidão. O homem quer na verdade se submeter à lei do dever, servir sua pátria, obsequiar seus amigos, mas ele quer trabalhar naquilo que lhe agrada, quando lhe agrada, tanto quanto lhe agrade; ele quer dispor de suas ho-ras, obedecer somente à necessidade, escolher seus amigos, suas diversões, sua disciplina; prestar servi-ço por satisfação, não por ordem; sacrificar-se por egoísmo e não por uma obrigação servil. A comuni-dade é essencialmente contrária ao livre exercício de nossas faculdades, a nossos pendores mais nobres, a nossos sentimentos mais íntimos; tudo o que se imagi-nar para conciliá-la com as exigências da razão indivi-dual e da vontade não levará senão a mudar a coisa conservando o nome; ora, se nós procuramos a verda-de de boa-fé, devemos evitar as disputas de palavra. Assim, a comunidade viola a autonomia da cons-ciência e a igualdade; a primeira, comprimindo a es-pontaneidade do espírito e do coração, o livre-arbítrio na ação e no pensamento; a segunda, recompensando com uma igualdade de bem-estar o trabalho e a pre-guiça, o talento e a asneira, o próprio vício e a virtude. (...) Que forma de governo iremos preferir? – Em! vós podereis perguntá-lo; e sem dúvida qualquer um de meus mais jovens leitores responde, “vós sois republicano”. * O título é nosso. ** Por “comunidade” Proudhon entende, como aliás ele mesmo o diz, o “sistema comunista”: uma “tirania mística e anônima”, “a pessoa humana destituída de suas prerrogativas”. 25