Este documento apresenta excertos de poemas de diversos poetas portugueses, desde o século XIII até ao século XX, abordando temas como a natureza, o amor, a filosofia e a infância. Ao longo do texto, são apresentados pequenos poemas ou partes de poemas de 15 autores diferentes, dando exemplos do estilo e temáticas abordadas por cada um ao longo dos séculos.
2. D. Dinis Séc. XIII - XIV
Ai, flores, ai, flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo?
Ai, Deus, e u é?
Ai, flores, ai, flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado?
Ai, Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo?
Ai, Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi à jurado?
Ai, Deus, e u é?
-- Vós me preguntades polo vosso amigo?
E eu ben vos digo que é sano e vivo.
Ai, Deus,e u é?
Vós me preguntades polo vosso amado?
E eu ben vos digo que é vivo esano.
Ai, Deus, e u é?
E eu ben vos digo queé sano e vivo
e seerá vosco ante o prazo saido.
Ai, Deus, e u é?
E eu ben vos digo que é vivo e sano
e seerá vosco ante o prazo passado.
Ai, Deus, e u é?
3. Luís Vaz de Camões Séc. XVI
"Os bons vi sempre passar
No Mundo graves tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só pera mim,
Anda o Mundo concertado."
4. Manuel Maria Bocage – Séc. XVIII
A Raposa e as Uvas
Contam que certa raposa,
andando muito esfaimada,
viu roxos maduros cachos
pendentes de alta latada.
De bom grado os trincaria,
mas sem lhes poder chegar,
disse: “estão verdes, não prestam,
só cães os podem tragar !”
Eis cai uma parra, quando
prosseguia seu caminho,
e crendo que era algum bago,
volta depressa o focinho.
5. João Baptista de Almeida Garrett
Séc. XIX
Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela,
Que é tão bela,
Ó pescador?
Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Ó pescador!
Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Ó pescador!
Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Ó pescador!
Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela,
Foge dela,
Ó pescador!
6. José Joaquim Cesário Verde
Séc. XIX
Naquele pique-nique de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
7. José de Almada Negreiros
Séc. XIX e XX
Pede-se a uma criança: Desenhe uma flor! Dá-se-lhe
papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto
da sala onde não há mais ninguém.
Passado algum tempo o papel está cheio de linhas.
Umas numa direcção, outras noutras; umas mais
carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis,
outras mais custosas. A criança quis tanta força em
certas linhas que o papel quase que não resistiu.
Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis
já era de mais.
Depois a criança vem mostrar essas linhas às
pessoas: uma flor!
As pessoas não acham parecidas estas linhas com as
de uma flor!
Contudo, a palavra flor andou por dentro da criança,
da cabeça para o coração e do coração para a
cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor,
e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou
todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares,
mas são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!
8. Fernando Pessoa Séc. XIX e XX
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é,
Sentir, sinta quem lê !
9. Florbela Espanca Séc. XIX e XX
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
10. António Gedeão Séc. XX
Pedra Filosofal
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
Gota de Água
Eu, quando choro,
não choro eu.
Chora aquilo que nos homens
em todo o tempo sofreu.
As lágrimas são as minhas
mas o choro não é meu.
11. Miguel Torga - Séc. XX
Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.
Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...
12. Sophia M. Andresen – Séc. XX
No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.
Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.
Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.
Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.
13. Álvaro Magalhães – Séc- XX
Escrevi a palavra flor.
Um girassol nasceu
no deserto de papel.
Era um girassol
como é um girassol.
Endireitou o caule,
sacudiu as pétalas
e perfumou o ar.
Voltou a cabeça
à procura do sol
e deixou cair dois grãos de pólen
sobre a mesa.
Depois cresceu até ficar
com a ponta de uma pétala
fora da Natureza.
14. Ary dos Santos – Séc. XX
Estudar não é só ler nos livros que
há nas escolas.
É também aprender a ser livres,
sem ideias tolas.
Ler um livro é muito importante, às
vezes, urgente.
Mas os livros não são o bastante
para a gente ser gente.
É preciso aprender a escrever, mas
também a viver, mas também a
sonhar.
É preciso aprender a crescer,
aprender a estudar.
Estudar também é repartir, também
é saber dar
o que a gente souber dividir para
multiplicar.
15. Eugénio de Andrade – Séc. XX
Pastor, pastorinho,
onde vais sozinho?
Vou àquela serra
buscar uma ovelha.
Porque vais sozinho,
pastor, pastorinho?
Não tenho ninguém
que me queira bem.
Não tens um amigo?
Deixa-me ir contigo.
16. Maria Alberta Menéres – Séc. XX
O bicho-de-conta
Faz de conta, faz
Que é cabeça tonta
Mas lá bem no fundo
Não é mau rapaz.
Se a gente lhe toca,
Logo se disfarça:
Veste-se de bola.
Por mais que se faça
Não se desenrola.
Lá dentro escondendo
Patinhas e rosto
É todo um segredo:
Se eu fosse menino
Comigo brincava
Sem medo sem medo.
Notas do Editor
Luísa Ducla Soares; Pessoa; Régio; Florbela Espanca; Maria Alberta Menéres; Eugénio de Andrade; Sophia; Almada; Cesário; José Gomes Ferreira; Gedeão; Bocage; Garret; Torga; Camões; D. Dinis