Este documento contém vários poemas sobre temas relacionados à natureza, como inverno, chuva, mar, estrelas e estações do ano. Muitos destes poemas descrevem cenas de uma forma sensível e evocativa, capturando detalhes como o som da chuva ou a beleza do mar e do céu noturno. Os poemas transmitem uma apreciação pela natureza e uma conexão com seus elementos.
2. Inverno
Velho, velho, velho. Com medo do frio,
encosta-se a nós:
Chegou o Inverno.
dai-lhe café quente
senão perde a voz.
Vem de sobretudo,
vem de cachecol, Velho, velho, velho.
o chão por onde passa Chegou o Inverno.
parece um lençol. Eugénio de Andrade, Aquela nuvem e outras
Esqueceu as luvas
perto do fogão:
quando as procurou,
roubara-as o cão.
3. Inverno
Olho a medo o céu
de onde os pássaros
fugiam
e onde um negro
manto de nuvens
cobre a tarde:
vem aí
uma carga
de mágoa.
João Pedro Mésseder e Francisco Duarte Mangas, Breviário da água
4. Janela
Na tarde cinza de Inverno
já vês chorar a vidraça
que da chuva te resguarda.
E na sala
o lume ri-se
da tua amiga janela…
João Pedro Mésseder e Francisco Duarte Mangas, Breviário da água
5. Canção da chuva
Bate a chuva, tic… tic… Meninas a fazer meia
nas vidraças da janela. com as nuvens de novelo,
Canta a chuva, tic… tic… nenhuma delas é feia!
Que linda canção aquela! Tic… tic… tic… tic…
Tenho um medo que me pelo,
Tic… tic… tic… tic… que alguma delas me pique.
Que linda canção aquela
de meninas ao despique:
- Qual de nós será a mais bela.
António de Sousa, in Brincar também é poesia
6. Chuva
Cai a chuva, ploc, ploc
Corre a chuva ploc, ploc
como um cavalo a galope.
Enche a rua, plás, plás
esconde a lua, plás, plás
e leva as folhas atrás.
Risca os vidros, truz, truz
molha os gatos, truz, truz
e até apaga a luz.
Parte as flores, plim, plim
maça a gente plim, plim
parece não ter mais fim.
Luísa Ducla Soares, A gata Tareca e outros poemas levados da breca
7. Rio
As águas vêm de longe,
trazem o mundo,
os montes a terra as pedras
os bichos e o pólen
as folhas e a luz
a chuva o granizo
e a sede dos homens
o rumor das noites e dos dias.
Rio vivo, quase mudo,
cheio de água
cheio de terra
cheio de tudo.
João Pedro Mésseder, Versos com reversos
8. a água é tão límpida
que um peixe
bastava para a poluir
Francisco Duarte Mangas, Pequeno livro da terra
10. O sono é uma casa
Sem portas nem janelas,
É um barco de papel
Irmão das caravelas
Que adormece com o embalo
Que o vento lhe dá nas velas.
José Jorge Letria, Versos de fazer ó-ó
11. Pescador da barca bela
Pescador da barca bela, Não se enrede a rede nela,
Onde vais pescar com ela, Que perdido é remo e vela
Que é tão bela, Só de vê-la,
Ó pescador? Ó pescador!
Não vês que a última estrela Pescador da barca bela,
No céu nublado se vela? Inda é tempo, foge dela,
Colhe a vela, Foge dela,
Ó pescador! Ó pescador!
Almeida Garrett, Folhas caídas
Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela…
Mas cautela,
Ó pescador!
12. Sargo e pargo
Parvo, disse o sargo
ao pargo.
Parvo, não. Pargo,
emendou o pargo.
Mas já a rede o puxava
e o levava
do mar largo
para a costa.
Era mesmo parvo,
concluiu o sargo.
Mas também ele
acabou
cortado posta a posta
e congelado.
António Torrado, Como quem diz
13. Aperta a mão do mar, diz-lhe bom-dia.
Ele dirá maresia.
Pedro Tamen, Tábua das matérias
14. Tenho uma janela que dá para o mar
Tenho uma janela Que seria bela
Que dá para o mar Seria mais bela
Barcos a sair Que qualquer janela
Barcos a entrar Janela fosse ela
Tenho uma janela De lua ou de estrela
Que dá para o mar Ou qualquer janela
Sonhos a partir De qualquer escola
Sonhos a chegar Se não fosse aquele
Tenho uma janela Pescador já velho
Que dá para o mar Que anda pela praia
Um fio de fumo A pedir esmola
Uma sombra além Barcos a sair
Uma história antiga Barcos a entrar
Um cantar de vela Chego-me à janela
Um azul de mar E não vejo o mar.
Tenho uma janela
Mário Castrim, in Palavras de cristal
15. Fundo do mar
No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.
Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.
Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.
Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.
Sophia de Mello Breyner Andersen, Obra poética
16. Urgentemente
É urgente o Amor,
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer.
Eugénio de Andrade, Poesia e prosa
17. As meninas
Arabela
abria a janela. Pensaremos em cada menina
que vivia naquela janela;
Carolina uma que se chamava Arabela,
erguia a cortina. outra que se chamou Carolina.
Mas a nossa profunda saudade
E Maria é Maria, Maria, Maria,
olhava e sorria: "Bom dia!“ que dizia com voz de amizade:
"Bom dia!“
Arabela
Cecília Meireles, Ou isto ou aquilo
foi sempre a mais bela.
Carolina
a mais sábia menina.
E Maria
Apenas sorria:"Bom dia!"
18. Canção da lua
É rara a minha luz
a minha lei é velar
velar o sono da noite
os sonhos iluminar
Nuno Higino, O menino que namorava paisagens
19. À noite
Quando o sol se vai e é chegada a lua
O pai corre fechos, persianas,
Vai trancar o portão que dá p’rá a rua.
Depois eu adormeço, mas os meus sonhos
Não cabem na casa e eu saio
Para riscar a noite com um fio de luz,
Cavalgar mistérios até de manhã.
À noite, uma simples brisa
Escancara portas e janelas
E não há chave, fecho ou tranca
Que encerre a porta larga dos meus sonhos.
Álvaro Magalhães, O reino perdido
20. Mar Português
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Fernando Pessoa, Mensagem
21. Todas as estrelas
Tenho as estrelas todas
neste fio.
Com o olhar apenas
as disperso e junto.
Se estou contente
abro os olhos:
acendem imediatamente.
Se tenho mágoas
fecho os olhos
e apago-as.
Nuno Higino, O menino que namorava paisagens
22. História de uma estrela
De tanto a noite olhar,
E de uma sozinha estrela
Mais que as outras fixar,
Deixou, o menino, de vê-la.
Fez-se pequeno o destino,
Fez-se tão pequeno o mar
Que nos olhos do menino
Caiu uma estrela a brilhar.
Vergílio Alberto Vieira, A cor das vogais