Figuras de Linguagem nos Poemas de Florbela Espanca
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Uma Análise Literária das Figuras de Linguagem nos Poemas de
Florbela Espanca
Adilson Motta, 2011
Resumo: Numa extensão ao modernismo português, as obras de Florbela Espanca apresentam
um tom romântico. Seu discurso é, sobretudo, um discurso feminino de inquietação, e esse é um
dado riquíssimo, de grande relevância para se estudar a obra literária da poetisa. Entre as variáveis, a
escolhida neste artigo foi o estudo das figuras de linguagens, através das quais, se pretende
identificar e classificá-las em seus poemas. Para desenvolvê-lo, foram analisados poemas diversos da
autora – utilizando fragmentos e seus referenciais, seguidos das respectivas identificação e
classificação e em alguns casos, interpretação. O mesmo é importante em função da
significatividade que apresenta quanto ao aspecto interpretativo e subsídio à prática de
produção textual – sendo uma contribuição a professores, alunos e pesquisadores que venham
dele precisar. Ressalta-se dessa forma, a importância do uso e aplicabilidade das figuras de
linguagem tanto na produção literária quanto a uma maior riqueza na arte de comunicar e se
comunicar com o mundo e seus contextos.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura - Figuras de Linguagem – Poemas
Nas duas estrofes abaixo há uma comparação metafórica feita entre dois elementos de
universos diferentes. Esse tipo de metáfora é comumente encontrado nos poemas de Florbela
Espanca.
Desejo
(...) Que seja a tua mão branda como a neve D
Que feche meu olhar numa carícia leve D
Num perpassar de pétalas de lis... E
Que seja a tua boca rubra como o sangue F
Que feche a minha boca, a minha boca exangue! (...)
Eu quero amar, amar perdidamente! (1)
Amar só por amar:Aqui... Além... (2)
... Amar! Amar! E não amar ninguém! (3) (Amar, Florbela Espanca)
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No verso 1, da estrofe acima há a presença de uma hipérbole, pelo exagero expresso. Já no
2, há a presença de assíndeto, com a omissão do conectivo “e”. No verso 3, pela oposição de ideias
há uma antítese: “amar/não amar”.
A minha tragédia
A “Minha tragédia” é uma composição de forma fixa caracterizada por dois quartetos e dois
tercetos, formando um soneto, composto de quatorze versos.
Tenho ódio à luz e raiva à claridade (1)
Do sol, alegre, quente, na subida. (2)
Parece que a minh´alma é perseguida (3)
Por um carrasco cheio de maldade! (4)
Ó minha vã, inútil mocidade, (5)
Traze-me embriagada, entontecida!... (6)
Duns beijos que me deste noutra vida, (7)
Trago em meus lábios roxos, a saudade!... (8)
Eu não gosto do sol, eu tenho medo (9)
Que me leiam nos olhos o segredo (10)
De não amar ninguém, de ser assim! (11)
Gosto da Noite imensa, triste, preta, (12)
Como esta estranha borboleta (13)
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!... (14)
“A minha tragédia” é uma composição de forma fixa caracterizada por dois quartetos e dois
tercetos, formando um soneto, composto de quatorze versos. E, o sentido figurado das
palavras predominou em relação ao sentido denotativo.
Dentre esses, outros recursos expressivos podem ser destacados, como: a aliteração (“Traze-
me embriagada entontecida!...), (“Trago em meus lábios roxos, a saudade!...) e a assonância
(“Que me leiam nos olhos o segredo”), em que ambos imprimem uma maior sonoridade ao
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poema, em função de sua significação; e comparação (“Como esta estranha e doida
borboleta”, duns beijos que me deste noutra vida.”); a apóstrofe (“Ó minha vã inútil
mocidade,”); O hipérbato (“Duns beijos que me deste noutra vida,/ Trago em meus lábios
roxos, a saudade!...).
O verso 5 da terceira estrofe expressa o uso da apóstrofe pela invocação ou chamamento presente.
(...) Ó minha vã, inútil mocidade (1)
Traze-me embriagada, enternecida! (...) (2)
Recordar? Esquecer? Indiferente!... (1)
Prender ou desprender? Émal? Ébem?... (2)
... E se um dia hei de ser pó, cinza e nada (3)
Que seja minha noite uma alvorada, (4)
Que me saiba perder... pra me encontrar... (5)
Nos versos 1 e 2 há a presença de antíteses. Já no verso 3 existe uma gradação, ou seja,
uma sequência de palavras que intensificam uma mesma ideia. Nos versos 4 e 5, antíteses se
intercruzam.
Leia o poema “Desejo”, de Florbela Espanca abaixo e observe o que se analisa acerca
das figuras de linguagem:
Quero-te ao pé de mim na hora de morrer, (1)
Quero, aopartir, levar-te, todo suavidade, (2)
Ò doce olhar de sonho, ó vida dum viver (3)
Amortalhado sempre à luz duma saudade! (4)
Quero-te junto a mim quando meu rosto branco(5)
Se ungir da palidez sinistra do não ser, (6)
E quero ainda, amor, no meu supremo arranco(7)
Sentir junto ao meu seio teu coração bater! (8)
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Que seja a tua mão branda como a neve(9)
Que feche teu olhar numacarícia leve (10)
Numperpassar de pétalas de lis... (11)
Que seja a tua boca rubra como o sangue(12)
Que feche a minha boca,a minha boca enxágüe! (13)
Ah, venha a morte já que eu morrerei feliz! (14)
Analisando o poema acima, no verso um e três fica evidenciado a presença de umaantítese
expressas nas palavras “morrer”, “viver”. No verso nove, há uma comparação comparativa
expressapor dois elementos de universos diferentes: “branda e neve”. No verso 12, existe também
comparação metafórica no fragmento “Que seja a tua boca rubra como o sangue”.
Existetambém um apelo às figuras de linguagem como anáfora (“... Quero-te ao pé de mim
na hora de morrer,/ Quero, ao partir, levar-te, todo suavidade(...) / Quero junto de mim(...)”, dentre
outros). Comparações:“(...)Que seja a tua mão branda como a neve(...)” e (...) Que seja tua boca
rubra como o sangue (...)”.
No poema “Ambiciosa”(...) “Minh´alma é como a pedra funerária”, existe uma comparação
metafórica. Já no fragmento “(...) O amor dum home? -_ Terra tão pisada”há uma elipse, pela
supressão do verbo ser (é).
O poema “Tédio”apresenta o fragmento “(...) Que branca que ela é! Parece morta!” insere-
se aí uma ironia. O fragmento seguinte: “E eu que vou sonhando, vaga, absorta,(...)” é uma
gradação, pois apresenta uma sequência de palavras – sinônimas ou não – que intensificam uma
mesma idéia.
Que diga o mundo e a gente o que quiser! (1)
- O que éque isso me faz? ... o que me importa? (2)
O frio que trago dentro gela e corta(3)
Tudo que é sonho e graça na mulher! (4)
O fragmento (1) apresenta uma elipse, pois houve a supressão do verbo dizer no final do
verso. No verso (3) tem a presença de uma hipérbole – pelo exagero apresentado nas palavras
“..gela e corta”).
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De joelhos
“Bendita seja a Mãeque te gerou,”
Bendito o leite que tefez crescer.
Bendito o berço aonde te embalou
A tua alma, prate adormecer!
Pela repetição dos termos “Bendita; Bendito; Bendito -aparece o recurso estilístico da
iteração.
Em busca do amor
O meu destino disse-me a chorar: (1)
“Pela estrada da Vida vai andando, (...)(2)
No verso (1) há a existência de uma personificação; pois, dizer, sinônimo de falar é um
atributo humano,em que o destino fala.
Neurastenia
O vento desgrenhando chora e reza (1)
Por almas dos que estão nas agonias! (2)
No verso 1 há uma clara presença da personificação, pois “chorar e rezar” são
atributos humanos e não do vento, coisa inanimada.
(...) Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura! (1)
Gritem ao mundo inteiro estaamargura, (2)
Digam istoque sinto que eu não posso!!... (3)
Noverso 1, pela invocação ou chamamento “(...) Ó chuva! Ó vento! Ó neve!” há um
apóstrofe, que corresponde sintaticamente ao vocatio. Já no verso 3 aparece o zeugma, ou
seja, a omissão da palavra dizer que já se encontra expressa em “digam”.
Pior velhice
Sou velha e triste. Nunca o alvorecer (1)
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Dum riso são andou na minha boca! (2)
No verso 2 o verbo “andou” está sendo usado em sentido metafórico e corresponde
a “foi dito” ou “expressada”.
Este Livro
Livro de mágoas... Dores... Ansiedades!
Livro de Sombras... Névoas e Saudades! (...)
Pela sequência de palavras que intensificama transmissão de uma mesma idéia, vê-se
a presença da gradação.
Lágrimas ocultas
(...) Parece-me que foi em outras eras (1)
Parece-me que foi numa outra ... (2)
(...) Sou aquela que passa e ninguém vê... (3)
Sou a que chama triste sem o ser... (4)
Sou a que chora sem saber porquê... (5)
Nos dois primeiros versos acima, pela repetição dos termos “Parece-me que foi...” –
esta figura estilística classifica-se como anáfora. O mesmo acontece com os três últimos
versos.
Ser poeta
(...) É ser mendigo e dar como quem seja (1)a
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor! (2)
Pela repetição do fonema “-em” das palavras “Aquém/ Além” no segundo versopara
realçar um determinado som ou ritmo ao verso - há aí a presença da aliteração.O mesmo
acontece nos dois últimos versos abaixo da estrofe abaixo:
(...) É ter mil desejos o esplendor(1)
E não saber sequer que se deseja! (2)
É ter cá dentro um astro que flameja, (3)
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Esquecimento
Esse de quem eu era e era meu,
Que foi um sonho e foi realidade, ((...)
No primeiro verso há um pleonasmo ou redundantismo – pela repetição do termo “era
meu”, que já tava expresso nas palavras “Esse de quem eu era”.
Fumo
(...) Os dias são outonos:choram... choram... (1)
Há crisântemos roxos que descoram... (2)
Há murmúrios dolentes de segredos... (3)
No primeiro verso, a repetição dos termos “choram.../choram...” e “Há”/”Há” classifica-o
como iteração. Pode-se também classificar o primeiro verso como personificação;pois
“chorar” é um atributo de seres humanos , e no texto: os dias e outono “choram”.
Inconstância
Procurei o amor que me mentiu
Pedi à Vida mais do que ela dava, (...)
No primeiro verso háa presença da personificação, pois o amor mentiu; e mentir implica
falr/agir ou se revelar sob o véu da mentira, o que geralmente é atributo humano.
Alma perdida
Minha´alma, de sonhar-te anda perdida. (1)
Meus olhosandam cegos de te ver! (2)
Não é sequer razão do meu viver (...)(3)
No primeiro verso “Minha´alma, de sonhar-te anda perdida” , pelo exagero há a presença da
hipérbole. E, na repetição dos fonemas “ver” em “ver e viver”dos versos 2 e 3 marca a presença da
aliteração.
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Amar
Eu quero amar, amar perdidamente! (1)
Amar só por amar: Aqui... Além... (2)
Na primeira estrofe, pelo exagero expresso há a presença da hipérbole. Já no segundo
verso, entre as palavras “Aqui... além...”houve a omissão do conectivo e.
Teus olhos
(...) Olhos do meu amor! Fontes... cisternas...
Neste último verso deste trabalhohá a presença de um assíndeto; pois há a ausência do
conectivo “e”.
Figuras de Linguagem Presentes neste Artigo
a) Metáfora: é a figura de palavras em que um termo substitui outro em vista de uma
relação de semelhança entre os elementos que esses termos designam.
b) Gradação: é a figura de pensamento que ocorre quando há uma sequência de palavras
– sinônimas ou não -que intensificam uma mesma idéia.
c) Personificação: é a figura que consiste em pensar seres inanimados ou
irracionaiscomo se eles fossem humanos.
d) Iteração:consiste na repetição de um termo como recurso estilístico.
e) Apóstrofe: é a figura de pensamento que ocorre quando nos referimos a uma pessoa
ou coisaque pode ser real ou imaginária, que pode estar presente ou ausente. Éutilizada
para dar ênfase à expressão, uma vez que o interlocutor está presente e muitas vezes
ele é um ser abstrato ou um ser que não terá condições de ouvir nossa interpelação.
f) Anáfora: é a figurasintática que consiste na repetição da mesma palavra ou construção
no início de várias orações, períodos ou versos.
g) Aliteração:é a figura de som provocada pela incidência reiterada de algumas
consoantes ou fonemas consonantais.
h) Paradoxo:Trata-se de uma antítese, porém com maior intensidade no constraste de
idéias antagônicas.
i) Antítese: é a figura de pensamento que consiste em opor a uma idéia outra de sentido
contrário.
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j) Pleonasmo: é também um caso de repetição, mas queenvolve uma redundância. Quer
dizer, no pleonasmo há uma repetição desnecessária,tanto do ponto de vista sintático
quanto do ponto de vista semântico.
k) Assíndeto:Quando o termo omitido é um conectivo, a elipse também ganha um nome
especial - assíndeto.
l) Elipse: é a omissão de um termo ou de uma oração inteira, sendo que essa omissão
geralmente fica subentendida pelo contexto.
Conclusão
As palavras são a matéria-prima da linguagem que possibilita sua versatilidade e mobilidade.
De um modo específicon na literatura, não é simplesmente a linguagem – de modo
indiscriminado que faz relevância a produção literária. As figuras de linguagem assumem um
papel central no que toca as caracterização literária – como matéria-prima e fertilizante às
possibilidades de produção textual e enriquecimento da linguagem versus comunicação/
expressão.
Referências Bibliográficas
HOLANDA, Aurélio Buarque. Dicionário Etimológico Eletrônico. 2008.
ESPANCA, Florbela. Poesia de Florbela Espanca. Porto Alegre: L&PM, 2002.
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http://www.biblio.com.br. Biografia de Flor Bela Espanca,05/2010.
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http://www.biblio.com.br. O livro Déle,05/2010.
10. 10
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http://www.biblio.com.br. Livro da Mágoas, 05/2010.
http://www.biblio.com.br. Charneca em flor,05/2010.
http://www.biblio.com.br. Reliquiae,05/2010.
http://www.biblio.com.br. Alma Perdida,05/2010.
Manual de orientação. Trabalho de conclusão de curso – Letras.