1. CAPÍTULO 8
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A ROTINA DO
COORDENADOR
Otempo é, sem dúvida, um dos maiores desafios. Na escola sempre há muito
o que fazer. Então, como decidir o que priorizar e como organizar o trabalho
tendo tantos problemas a resolver?
Trabalhamos em uma instituição complexa, que traz no seu bojo as representações
sociais e as dos sujeitos que nela atuam. É uma sociedade de aprendizagem – como
diz António Nóvoa, concordando com Meirieu – que tem regras para a vida em
comum e para o diálogo. Com dinâmica própria, na qual se aprende uma infinidade
de saberes. Onde as pessoas não escolhem seus pares ou colegas, porém se reúnem
com o objetivo de trabalharem juntas durante um período da vida delas, independen-
temente de gostarem ou não das mesmas coisas ou terem os mesmos interesses. A
escola não se resume ao conjunto de ambien-
tes e às ações nela realizadas: ela se amplia na
possibilidade de interações e aprendizagens
que ocorrem dentro e para além das portas fe-
chadas das salas de aula.
É nesse local – que parece organizado por
urgências e emergências capazes de mobilizar
de tal forma seus profissionais e no qual é pos-
sível passar um dia inteiro resolvendo ques-
tões de toda ordem – que se insere o trabalho
do CP. A pesquisa realizada por Placco, Al-
meida e Souza em 2011 sobre o perfil desses
educadores mostra que o cotidiano atribulado
da escola é um dos responsáveis pela falta de
foco do trabalho deles, imprimindo uma rotina caótica, centrada no atendimento aos
alunos e a outras demandas, conforme as ações listadas no quadro da próxima página:
A escola não se
resume ao conjunto de
ambientes e às ações
nela realizadas: ela se
amplia na possibilidade
de interações e
aprendizagens que
ocorrem dentro e para
além das portas fechadas
das salas de aula.
2. CAPÍTULO 8
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A pesquisa revelou que 50% do tempo de trabalho dos CPs é ocupado por atendi-
mentos telefônicos (de pais, do sistema de ensino e de outras instituições) – e 70%
dessa parcela acredita que essas são ocupações adequadas, demonstrando a falta de
compreensão do seu papel na escola. Outro dado indica que 19% substituem, uma ou
mais vezes por semana, os professores faltosos – e, desses, apenas 38% consideram
essa dedicação excessiva. Temos ainda 9% confessando não ter em sua rotina nenhu-
ma ação relacionada à formação do professor.
A maioria (72%) dos CPs acompanha a entrada e a saída dos alunos diariamente
e 55% confere se as classes estão organizadas e limpas. Apenas 26% citaram que o
tempo dedicado ao projeto político-pedagógico é insuficiente.
A rotina de trabalho organizada dessa forma fica restrita, em muitos casos, a uma
lista de ações e compromissos para a semana. Muitos CPs chegam à escola na segun-
da-feira e anotam em seu caderno tudo o que pretendem realizar: os compromissos
dos quais precisam participar e o nome dos professores, dos alunos e das famílias
com quem vão conversar. Com base nessas notas, montam a agenda semanal. Outros
definem a rotina de acordo com os problemas que vão aparecendo na sua frente. Há
ainda os que nem sequer tentam prever o que farão no dia ou na semana.
Exatamente por conhecer o cotidiano da es-
cola é que o CP tem de se organizar para não
ser engolido pelo dia a dia, apagando incên-
dios e apaziguando os ânimos de professores,
alunos e pais. É necessário lembrar que o CP
não entra nessa roda-viva por acaso: ele mes-
mo não tem certeza de suas verdadeiras atri-
buições. Contribui para isso o fato de ele tra-
balhar numa instituição que não tem clareza da sua função social nem uma cultura
de formação permanente. Na pesquisa citada, foi constatado que, para se sentir útil
e com autoridade, ele se oferece para organizar eventos, resolver conflitos, receber
os pais, xerocar documentos e avaliações, informar a comunidade sobre os feitos da
escola – ou aceita de bom grado fazer essas tarefas quando lhe pedem.
Há também uma confusão entre as atribuições do CP e as do diretor, ambos inte-
grantes da equipe gestora e líderes pedagógicos. Uma escola que realiza um processo
de formação permanente precisa definir o lugar e o papel de cada um nessa estrutura
a fim de que o todo o conjunto funcione organicamente e todos organizem suas roti-
nas de modo a favorecer o trabalho colaborativo.
AS ATRIBUIÇÕES E O
TEMPO DO COORDENADOR
Somente quando o CP tem clareza de sua função é que ele organiza o tempo de acor-
do com as obrigações. Reconhecer-se, antes de tudo, na função de formador docente
e articulador do trabalho coletivo na escola é fundamental para o seu exercício pro-
fissional. A mudança de paradigma não se realiza isoladamente. É necessário existir
uma organização institucional que defina os papéis e as funções dos educadores en-
volvidos, investimento na construção de uma equipe colaborativa e uma formação
que ajude a reconceitualizar o papel do CP e do professor.
“A minha rotina de trabalho é organizada de acordo com as demandas
de aprendizagem do meu grupo de professores. Penso basicamente nos conteúdos
elencados no plano de formação, que acontece nos horários semanais de planejamento
e nos grupos de estudo mensais. Também tenho contemplado no meu dia a dia tempo
para realizar os acompanhamentos das práticas dos professores em sala de aula
e elaborar e dar devolutivas orais e escritas. Além disso, participo de encontros
mensais com diretores escolares e de um espaço privilegiado de formação de CPs
que acontece semanalmente na secretaria.”
Clebiana Nascimento Leite, CP de diversas escolas em Boa Vista do Tupim
Para bem desempenhar sua função, o CP deve elaborar um plano de trabalho com
Exatamente por
conhecer o cotidiano
da escola é que o CP
precisa se organizar
para não ser engolido
pelo dia a dia.
Atendimento a pessoas Cotidiano dos alunos
I Atendimento telefônico
I Atendimento aos professores
I Reunião com diretor
I Conversa com alunos
I Orientação aos pais
I Substituição de professores
I Solicitações do Sistema
I Acompanhamento da entrada
e saída dos estudantes
I Organização da classe
I Sanções disciplinares
3. CAPÍTULO 8
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a direção da escola, tendo como base as diretrizes do PPP e, no seu bojo, um projeto
de formação de professores pautado nas necessidades de aprendizagem dos alunos e
dos docentes. Para tanto, é preciso definir objetivos e conteúdos de modo a favorecer
a reflexão permanente acerca de tudo o que acontece em sala de aula, prever tempos
e espaços para cada ação no cotidiano da escola – a formação, o planejamento e o
acompanhamento do trabalho dos professores e das turmas.
Para dar conta de tudo isso, o CP deve elaborar um cronograma semanal e outro
mensal, articulando bem todas as ações de modo a não fugir dos objetivos delinea-
dos. Será no exercício constante dessa organização que um modelo diferente de tra-
balho dentro da escola será construído.
O QUE NÃO PODE FALTAR
NA ROTINA DE UM CP
Dentre as muitas atribuições desse profissional, organizamos uma lista com oito que
consideramos fundamentais, todas dentro da gestão de formação permanente dos
professores. São elas:
1| Reunião de formação
Deve ser articulada ao contexto de trabalho e centrada na reflexão sobre
as práticas de sala de aula e a aprendizagem dos alunos. Tem como
principal objetivo construir coletivamente respostas para os problemas
pedagógicos enfrentados pelo grupo. Em algumas regiões, é chamada
de horário de trabalho coletivo (HTC); em outras, de atividade
complementar (AC). Há lugares que possibilitam um encontro formativo
mensal de oito horas, além de mais três ou quatro horas semanais – caso
dos municípios do Projeto Chapada. Alguns garantem apenas o horário
semanal de duas, três ou quatro horas. Essa variação depende da estrutura
e do funcionamento da formação no município e na escola. Os estudos
e planejamentos podem ser feitos em duplas ou pequenos grupos,
dependendo dos conteúdos, dos objetivos e das necessidades
dos professores. É importante estabelecer critérios para a organização
dos agrupamentos – professores que ensinam no mesmo ano, no mesmo
ciclo ou a mesma disciplina. Para essas reuniões, o CP precisa
organizar um acervo de materiais que podem ser utilizados
pelos professores, propor discussões sobre as atividades
consideradas bons modelos, refletir com o grupo sobre o impacto
delas na sala de aula e elaborar conjuntamente projetos didáticos,
planos de aula, sequências didáticas e atividades. Enfim, cabe
a ele oferecer as melhores condições para que os professores
planejem o trabalho a ser desenvolvido na sala de aula.
2| Observação e acompanhamento do trabalho docente
O acompanhamento da sala de aula é uma importante
ferramenta para melhorar a prática pedagógica, pois se centra
especificamente nos problemas didáticos. Podemos dizer que é na
classe que se materializa todo o trabalho da formação permanente
estabelecida na escola e prevista no planejamento. Entretanto, em
muitas instituições essa ainda é uma conquista a ser feita. Em um
lugar em que está sendo implantado um processo formativo, tanto os
docentes iniciantes quanto os mais experientes podem resistir a
abrir as portas da sua sala de aula para essa finalidade. Por isso ela
precisa ser cuidadosamente encaminhada. É fundamental que, no
início, os professores se ofereçam voluntariamente para ter suas
aulas observadas. O passo seguinte é fazer o planejamento do conteúdo
que será observado com o docente que receberá a visita do CP.
Posteriormente, o formador deve ter uma reunião individual com o
professor para dar devolutivas orais ou escritas e, juntos, replanejarem
as intervenções para a atividade seguinte. O conteúdo da observação
pode também ser usado na formação coletiva a fim de tratar com
todo o grupo os pontos evidenciados. Nesses momentos, é essencial
o professor compartilhar com os colegas as observações que fez da
própria aula e as devolutivas recebidas do CP antes de este último tecer
seus comentários. Uma opção é ter os próprios professores observando
uns aos outros. Dessa forma, se constrói uma cultura de observação
ética e colaborativa na escola. Constituir-se em um parceiro de trabalho
do professor cuja aula será acompanhada é fundamental para o êxito
4. CAPÍTULO 8
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dessa ação. Aqui vão algumas recomendações para se construir
uma cultura de observação e acompanhamento para melhoria
da qualidade do trabalho docente:
| Conversar com os professores sobre a importância do
acompanhamento direto – dizer que é nessa observação que se
levantam as melhores informações para a definição dos conteúdos
da formação, bem como para elaborar as pautas formativas mais
centradas nas necessidades deles. Esclarecer também que são nessas
observações de sala de aula que se entra em contato com
experiências exitosas que podem ser compartilhadas.
| Planejar conjuntamente a aula que será observada, de modo
que eles possam participar e escolher os conteúdos nos quais querem
mais apoio na reflexão e discussão. É importante que esse
planejamento esteja articulado com os conteúdos de formação
que vêm sendo estudados pelo grupo.
| Definir com o grupo quais professores receberão
o CP na classe, lembrando que, no início, é interessante
que eles se ofereçam voluntariamente.
| Combinar com os docentes os aspectos da aula que serão observados.
| Divulgar o calendário de acompanhamento com antecedência,
para ninguém ser pego de surpresa.
| Lembrar, durante a observação, que a classe é um espaço do professor.
Por isso, é essencial que o CP entre e se acomode preferencialmente
no fundo, evitando a interação com os alunos. Afinal, ele está ali
como observador. O CP deve ficar o tempo necessário e fazer
as anotações para não esquecer de nada no momento da devolutiva.
| Reunir-se com o professor logo em seguida à observação –
de preferência, não deixando passar mais de uma semana – para
conversar sobre as considerações acerca da aula observada
e das produções escritas do docente. Entregar a ele uma cópia
das anotações ou o relatório e deixar que ele também dê
a sua opinião sobre a aula, as dificuldades pelas quais passou
e os pontos que considerou fortes.
| Dar as devolutivas apontando os pontos positivos que o professor
pode conservar em outras situações didáticas similares. Depois,
apontar alternativas para a superação das dificuldades, sempre
baseando a conversa em suportes teóricos. Afinal, analisar
a prática pela prática não ajuda a avançar, é preciso teorizá-la.
| Planejar com o professor a aula seguinte, de modo a ajudá-lo
a antecipar possíveis intervenções de acordo com
as alternativas encaminhadas.
| Compartilhar o modo como pretende abordar o conteúdo
da observação na reunião com o grupo, prevendo também
a participação do professor observado.
| Planejar a etapa formativa.
3| Acompanhamento
A orientação ao docente pode ser realizada diretamente, como descrito
na situação de observação da classe, ou indiretamente, por meio da
análise de planos de ensino, projetos e sequências didáticas, planos
de aula, atividades, produções e cadernos dos alunos, atividades
avaliativas e registros. Para tanto, o CP precisa reservar em sua
rotina um tempo para avaliar esses documentos e estabelecer o dia
da semana em que receberá o material e que o devolverá com
as observações. O CP pode tratar disso individualmente com cada
professor ou combinar com ele que os registros serão discutidos
durante a formação permanente.
4| Planejamento da formação
O CP vai elaborar e rever periodicamente o projeto de formação
e montar as pautas de cada reunião. Em geral, para essa tarefa, é
necessário estudar e pesquisar referências bibliográficas e videográficas.
5| Organização do acervo
O projeto político-pedagógico, os planos anuais dos cursos, os projetos
e as sequências didáticas, os portfólios e as avaliações, entre outros,
são documentos de trabalho para o CP. Portanto, devem estar sempre
em ordem para ser consultados e servirem para a montagem
Leia mais sobre
a tematização
da prática
no capítulo 7.
5. CAPÍTULO 8
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do acervo e da memória pedagógica da instituição.
6| Planejamento e estudo das práticas formativas
Estudar, investigar e planejar práticas formativas a fim de atingir os
objetivos do projeto de formação são procedimentos que demandam
tempo. Cabe ao CP ver os vídeos que pretende tematizar e aprofundar
seus conhecimentos sobre as estratégias a ser usadas e o conhecimento
didático específico a fim de ajudar os professores a compreender
melhor o objeto de ensino e a maneira de ensinar.
7| Produção de registros
Relatórios das observações de sala de aula e das análises dos planos
dos professores precisam ser registrados por escrito, tanto para
dar devolutivas quanto para o próprio planejamento do CP. Assim,
é função dele organizar o portfólio da formação bem como o de cada
professor, pois isso o ajuda no acompanhamento da formação continuada.
8| Reunião com alunos e professores
É tarefa do CP observar e avaliar os alunos, sempre
em parceria com os professores, a fim de planejar o apoio
pedagógico ou mesmo comunicar aos estudantes os aspectos
em que precisam melhorar.
Além desses momentos garantidos na rotina, é necessário assegurar um momento
de formação para o CP, que pode ser organizado e encaminhado pela Secretaria de
Educação local ou realizada por um colega ou supervisor mais experiente. Afinal, o
CP também faz parte de um coletivo que estará constantemente refletindo sobre o co-
nhecimento didático e o da formação. Um espaço em que ele também possa discutir
dúvidas e ter a prática analisada. Para tanto, urge instaurar um trabalho colaborativo
para: planejar em conjunto, refletir sobre a prática, analisar coletivamente as produ-
ções dos professores e dos alunos para identificar as demandas formativas e reorga-
nizar o planejamento, num processo de formação similar ao que acontece com os
professores. É assim que os CPs aprendem a elaborar os próprios projetos e sequên-
cias formativas e a tematizar a prática. Os CPs também são sujeitos em formação.
A ORGANIZAÇÃO
DA ROTINA
Importante lembrar que não há uma rotina fixa predeterminada. A organização do
tempo deve ser pensada de acordo com as especificidades e os objetivos do trabalho
de cada CP e do projeto político-pedagógico da escola.
Nos registros abaixo, os CPs de Boa Vista do Tupim, município com vasta expe-
riência no processo de formação permanente de educadores, compartilham o modo
como elaboram sua rotina:
“Ao elaborar minha rotina, tento atender especificamente às necessidades
de cada localidade em que sou CP. Na organização não podem faltar o planejamento
individualizado (com os professores novos) e o coletivo (por ciclo),
os momentos para estudos, o acompanhamento dos professores em sala de aula
e as reuniões com diretores de cada escola para atender às demandas específicas”.
Uihara de Matos, CP de diversas escolas em Boa Vista do Tupim
“Quando falo em rotina, não posso me esquecer das demandas dos professores
e de todos os atores envolvidos da equipe. Sendo assim, sempre apresento a minha
agenda aos diretores escolares e aos supervisores técnicos antes de publicá-la
para que eles fiquem cientes de como eu estou me programando para trabalhar.
Dessa forma, evito que eventuais imprevistos venham atrapalhar o meu dia a dia.”
Cleide Léia Cerqueira, CP de diversas escolas em Boa Vista do Tupim
No CD anexado a este livro, você encontra bons modelos de rotina considerando
as atribuições do CP descritas acima e os diferentes momentos de formação.
Leia mais sobre
a formação do CP
no capítulo 9
deste livro.