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UMA CONTRIBUIÇÃO FILOSÓFICA À CRÍTICA DA DOUTRINA DOS
                                    DIREITOS HUMANOS




                                                                   Honoré Augusto Cardoso




SUMÁRIO:1.Introdução. 2. Crítica Tradicionalista.                    3. Crítica Historicista. 4.
Crítica Marxista. 5. Crítica Culturalista. 6. Considerações Finais. Referências

RESUMO: O presente artigo irá expor críticas aos direitos humanos, feitas pelos seguintes
filósofos: Edmund Burke, Carl Von Savigny, Karl Marx e Raimon Pannikar. A doutrina dos
direitos humanos mostrou-se problemática em muitos aspectos e suscita muitas questões.
Entre elas: os direitos são realmente universais? São apenas de uma classe social? Quem é
esse homem das declarações? Verifica-se que, a despeito das suas diferentes perspectivas,
essas críticas possuem em comum o fato de criticarem o caráter abstrato dos direitos
humanos e por todos possuírem uma preocupação com o homem concreto. Este trabalho
exporá, sucessivamente, as críticas tradicionalista, historicista, marxista, e, finalmente a crítica
culturalista. O trabalho foi concebido segundo o Método Indutivo, acionadas as Técnicas do
Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.



Palavras-Chave: Direitos Humanos. Universalismo. Relativismo Cultural.

ABSTRACT: This article will expose some of the main criticisms of human rights made by follow
philosophers: Edmund Burke, Carl Von Savigny, Karl Marx, Raimon Pannikar. The doctrine of
human rights proved to be problematic in many respects and raises many questions. Among
them: rights are truly universal? They are just one class? Who is this man of the statements? It
appears that, despite their differences in perspective, these critiques have in common the fact
criticizing the abstractness of human rights and everyone has a concern with the actual person.
This paper will present successively the critical traditionalist, historicist, Marxist, and finally the
cultural critique. The work is designed in the Inductive Methods, Techniques Regarding the
driven, Category, Operational Concept and Library Research.

Key-Words: Human Rights. Universalism. Cultural Relativism

"A escravidão cresce desmesuradamente quando lhe dão a aparência de liberdade."- Ernst
Junger
INTRODUÇÃO

         Quem é o sujeito dos direitos humanos? A resposta mais óbvia: o
homem. E quem é esse homem? E porque ele tem direitos? Os partidários da
doutrina dos direitos humanos admitem que no momento em que o homem
nasceu homem, independente de qualquer contexto, de qualquer tempo ou
lugar, ele já é detentor de direitos humanos. A doutrina dos direitos humanos
tem uma pretensão universalizante. Distinguindo, conceitualmente, direitos
fundamentais de direitos humanos, Ingo Wolfgang Sarlet expõe o seguinte:

                        Em que pese sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e
                        ‘direitos fundamentais’) comumente utilizados como sinônimos, a
                        explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para
                        a distinção é de que o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica
                        para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados
                        na esfera do direito constitucional positivo de determinado
                        Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria
                        relação com os documentos de direito internacional, por referir-
                        se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser
                        humano como tal, independentemente de sua vinculação com
                        determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à
                        validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte
                        que      revelam   um      inequívoco    caráter supranacional
                        (internacional).1

         Verifica-se, que a doutrina dos direitos humanos, ao tentar abarcar a
totalidade dos homens é obrigada a se preocupar com o abstrato e o universal,
e a renegar o fato que o homem só existe no particular concreto e não num
universal abstrato, a doutrina dos direitos humanos transforma a pessoa
concreta que sente dor e sofre, a pessoa concreta que tem pai e mãe e
mantem laços afetivos com sua comunidade, em uma figura abstrata
supostamente universal e destituída de contexto. O sujeito abstrato dos direitos
humanos destrói a pessoa concreta. Por essa razão, desenvolveu-se o estudo
apresentado neste artigo, o qual, utilizando-se de pesquisa bibliográfica,
buscou dar uma contribuição à crítica da doutrina dos direitos humanos. As
diversas críticas, expostas neste artigo, aos direitos do homem, a despeito de
suas diferentes perspectivas, possuem em comum essa crítica de seu caráter

1 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed., Porto Alegre : Livraria
do Advogado, 2006, p. 35 e 36.
abstrato e uma preocupação pelo homem concreto. Mas, antes de entrar nas
críticas, é necessário voltar às origens da ideia de direitos humanos. De onde
vieram esses direitos do homem?

          Não pode haver direitos humanos sem o “humano”, e sociedades pré-
modernas não desenvolveram idéias de liberdade e de individualidade.
Assinala Costas Douzinas que: “Tanto Atenas quanto Roma tinham cidadãos,
mas não “homens”, no sentido de membros da espécie humana. A sociedade
humana geral estava ausente do agora e do fórum”2                           No mesmo sentido,
expõe Michel Villey:

                         Sem ainda ter posse da mesma teoria que os modernos têm da
                         “liberdade”, os pensadores gregos tinham o costume de postular
                         uma ordem no mundo, de neles reconhecer uma hierarquia de
                         gêneros e de espécies [...] A ciência do direito não era
                         concentrada no indivíduo. Não o considerava isolado numa ilha.
                         A antiguidade encarava o indivíduo tal como é, situado dentro de
                         um grupo “o homem é animal político”3.

          Havia , também, no pensamento medieval o predomínio da idéia de
uma ordem universal e não existiam unidades atomizadas e individuais. Era um
mundo em que tudo tinha uma ordem e hierarquia, e não havia espaço para o
individualismo. O indivíduo era definido a partir de suas funções sociais: “pai",
"clérigo", "vizinho" ou outra ‘qualidade' que se referia à sua função social e não
por características meramente individuais.4

          Na crise do período medieval é que vai entrar a idéia de sujeito, de
homem como unidade autônoma, fragmentária. O sujeito moderno, como
aponta Costas Douzinas5 “é o produto da destruição da visão teleológica do
mundo da antiguidade”.

2 DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos, 1ª ed. São Leopoldo: Unisinos, 2009, p.81.




3 VILLEY, Michel O direito e os direitos humanos, 1ª Ed. São Paulo.Martins Fontes, 2007, p.73.




4 GILSON, Etienne. A filosofia na idade média. São Paulo. Martins Fontes, 1998.
Ao final do séc XVIII, como efeito do iluminismo, esse sujeito autônomo
é aclamado e o conceito de homem havia se tornado o valor absoluto do qual o
mundo girava. O homem deixou de estar submetido a uma ordem divina ou
superior e foi forjada uma nova Trindade expressa por essas três palavras:
Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Como escreveu o filósofo Julián Marías6
sobre os revolucionários franceses:

                        Esses homens decidem derrubar tudo para fazer melhor,
                        racionalmente, de uma vez por todas e para todos: “direitos do
                        homem e do cidadão”, assim, sem mais concessões à história.
                        Estamos na Revolução Francesa. O mundo se organizará de um
                        modo definitivo, geometricamente. É a raison que vai mandar a
                        partir de agora.

         A base da humanidade foi transferida de Deus para a natureza humana
e o método dos inventores das declarações dos direitos do homem foi o de
partir de uma definição racional do ser humano individual, da qual, então,
deduziram seus “direitos”. Fazendo isso renegaram toda a cosmovisão da
antiguidade e postularam uma nova: a parte foi apartada do Todo e a
sociedade se atomizou. Foi destruída a preponderância da base comunitária
medieval e agora no centro está um homem individual abstrato sem contexto.

          Toma-se como ponto de partida a Declaração dos direitos do homem e
do cidadão de 1789 que teve como inspiração e influência as ideias filosóficas
do iluminismo. Em seu artigo primeiro está escrito:

         Art.1º Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As
distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.7

5 DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos, p.74




6 MARÍAS, Julián. História da Filosofia.1a ed . São Paulo : Martins Fontes, 2004, p.307.




7 VILLEY, Michel. O direito e os direitos humanos, apêndice.
Pode-se notar que a Declaração dos direitos do homem e do cidadão
expressa princípios de ordem universal. Pretende-se universal, pois expressa
direitos que não são somente para esse ou aquele homem, mas é um direito de
um homem que está em todos os tempos e é de todos os lugares. Aqui surge
uma pergunta: Quem é esse homem? Ao que parece, é todo e qualquer
homem não se distinguindo sua cultura, língua, costumes. Mas será que já
vimos um homem assim: Sem língua, sem costumes, sem história? E um
homem sem classe social?

         As diversas críticas aos direitos do homem, que serão expostas nesse
trabalho, questionarão esse homem abstrato sem contexto e vão ter uma
preocupação       pelo    homem       particular   concreto.     Este     artigo   exporá,
sucessivamente, as críticas tradicionalista, historicista, marxista, e, finalmente a
crítica culturalista.




1. A CRÍTICA TRADICIONALISTA (EDMUND BURKE)

         Se as declarações do século XVIII dão origem ao discurso e a
concepção de direitos universais humanos, as reflexões de Burke a respeito da
Revolução Francesa dão origem às críticas desse discurso.

         Já no ano seguinte à Declaração francesa, ou seja, em 1790, Edmund
Burke, apresenta, no seu livro Reflexões sobre a Revolução na França, uma
refutação do que ele considera como “falácias francesas”. Burke8 apoia-se
numa concepção do homem diferente da dos revolucionários: para o autor o
homem está imerso na tradição e no costume, o homem sempre se encontra
inserido num contexto histórico.

         O homem sempre tem pai e mãe. Antes do indivíduo nascer, a
sociedade já existia com a sua história e tradição, e o indivíduo possui laços
não somente racionais, mas emocionais e de atitude com a sua comunidade.
Exemplos típicos são a família, a pátria, a igreja.

8 Burke, Edmund. Reflexões sobre a Revolução em França, 1ª Ed. Brasília: Unb, 1997.p. 91
Os reais direitos do homem, para Burke, teriam que ser determinados
por contextos reais da vida, que variavam com os tempos e as circunstâncias
não podendo ser fixados mediante o estabelecimento de algum princípio
racional abstrato. Burke vê que o homem da Declaração, é um homem a-
histórico e isolado, e sem laços com a comunidade. Burke acredita que os
direitos promulgados abstratamente pela Revolução Francesa são falsos, pois
se assentam num pressuposto insustentável: a ficção do homem sem ligações,
sem tradição, sem história, um homem “sem mãe e sem pai”.9

           Esse homem universal e abstrato da Declaração do homem e do
cidadão, é algo que não se apoia na experiência, é uma teorização que não
veio da experiência concreta e moral das pessoas, mas foram direitos
inspirados em ideias de filósofos distanciados do mundo do agir concreto.
Burke nota, claramente, que o discurso dos direitos do homem não se situa no
concreto, no prático e social. Sacia-se a fome com pão e não com um direito
inscrito num papel. O fato de os direitos terem sido declarados não garante a
sua eficácia concreta.

           Neste sentido, reproduz-se o autor:

                         Toda a questão é de saber como se conseguem alimentos, como
                         se ministram os remédios. E, em tais circunstâncias, eu
                         aconselharia fazer sempre apelo ao agricultor ou ao médico,
                         antes de recorrer ao professor de metafísica.10

           O francês Joseph Maistre, alguns anos depois, também apontou os
perigos da abstração dos direitos do homem: ”já conheci italianos, russos,
espanhóis, ingleses, franceses, mas não conheço um homem em geral”11. Esse

9 Burke, Edmund. Reflexões sobre a Revolução em França, p.




10 FERREIRA, Da Cunha, Paulo. Direitos Humanos, 1ª ed .Lisboa Portugal. Edições Globo .
2003, p.127




11FERREIRA, Da Cunha, Paulo. Direitos Humanos, p.129
7
    DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos, 1ª Ed. São Leopoldo: Unisinos, 2009, p.165
“homem em geral”, essa abstração parece ser necessária para abarcar as
grandes diferenças das pessoas, dos lugares e das circunstâncias. Mas na
verdade, parece que quanto mais a abstração é verdadeira, menos utilidade
concreta ela tem.

            Como escreveu Costas Douzinas:

                          De que adianta o direito abstrato à vida ou à liberdade de
                          expressão e de imprensa às vítimas de fome e da guerra ou às
                          pessoas incapazes de ler por falta de recursos educacionais? De
                          que adianta proclamar o direito à saúde em um lugar como Haiti,
                          onde um hospital básico atende a mais de dois milhões de
                          pessoas e pacientes de AIDS são rotineiramente dispensados
                          por não poderem ser tratados devido à falta de recursos? As
                          considerações de Burke, tecidas cerca de duzentos anos atrás,
                          soam proféticas à luz dos fardos colocados sobre o mundo em
                          desenvolvimento pela dívida imensa e má gestão, a corrupção e
                          a ineficiência que acompanharam a ajuda humanitária.12

            É quase um insulto às vítimas de catástrofes, de fome coletiva ou
guerra, de terremotos, de epidemia e tortura, é um escárnio e desconsideração
dizer a essas vítimas que, de acordo com um importante tratado internacional,
elas tem direito à comida e à paz, tem direito a um abrigo e a um lar ou a um
atendimento médico e a um fim aos maus-tratos.

            Em síntese: os direitos do homem, para terem substância, devem ser
fundados na tradição e no costume. Na Alemanha, estas teses de Burke
encontraram uma repercussão na Escola Histórica de Direito, principalmente
por meio de F. Carl von Savigny.

2 ESCOLA HISTÓRICA DE DIREITO (F. CARL VON SAVIGNY)
8
    LIMA. Hermes. Introdução à Ciência do Direito, 2ª ed . São Paulo. Objetiva, 2001 , p.276




12
9
 SAMPAIO, José Adércio Leite – Direitos Fundamentais: retórica e historicidade, 2ª ed – Belo
Horizonte: Del Rey, 2010, p.37
A recusa pela escola historicista da concepção de direitos do homem
de 1789 inscreve-se nessa continuidade de rejeição de um direito racional e
abstrato. O livro de Burke foi traduzido rapidamente para o alemão e é uma das
influências dessa Escola. A diferença é que, aqui, a crítica se focará na filosofia
do direito.

        Como aponta Hermes Lima:

                    [...] é conquista definitiva da Escola Histórica a noção de caráter
                    social dos fenômenos jurídicos, com seus dois elementos
                    essenciais: continuidade e transformação. A escola mostrou que
                    os fundamentos do direito se encontram na vida social. Eram
                    esses fundamentos que as teorias precedentes iam buscar na
                    razão.13

        A Escola histórica de Direito, que tem como seu maior expoente, Carl
Von Savigny, surgiu na Alemanha no final do século XVIII e início do século
XIX, poucas décadas depois da Declaração do homem e do cidadão e num
período em que o Direito era considerado pura criação da razão humana.

        Entendia Savigny, ao contrário da filosofia iluminista, que em vez de
geral e universal, o direito era um produto histórico, nem constituído
arbitrariamente pela vontade dos homens e nem pela razão, mas sim pela
consciência nacional do povo e pelas relações concretas da vida.14

        Assinala José Adércio Leite Sampaio:

                    [...] o direito era visto, nessa escola como produto da elaboração
                    dos povos, de sua vontade, na sedimentação que só o tempo
                    haveria de conferir a existência, e nunca um produto da razão
                    apriorística ou de qualquer princípio jusnaturalista (...) o povo
                    vive o direito como uma necessidade própria de coexistência,
                    fonte última de juridicidade. É mesmo nessa vivência ou nas
                    “relações concretas da vida” que habitam os institutos jurídicos e
                    os costumes. E é a partir deles que as regras podem ser
                    intuídas, não sendo deduzidas de algum campo racional
                    abstrato. Não há, portanto, um conjunto de preceitos imutáveis e


13




14
universais, pois somente existe o direito positivo que resulta do
                       espírito de cada povo situado no tempo e no espaço.15

         Na perspectiva da Escola Histórica o homem não está em todos os
tempos e em todos os lugares, ele sempre está inserido em um contexto
histórico e geográfico: não podem existir direitos que não sejam da sociedade
de onde se vive e fruto das relações concretas da vida, portanto devemos nos
questionar o fato de alguns franceses situados em certa época, conseguirem
inferir uma ideia que pudesse responder diretamente aos problemas concretos
de todos os seres humanos, culturas e sociedades em todos os lugares e
tempos.

         Após     Savigny,        iniciou-se   uma   concepção    homem,      no    direito,
intimamente ligada ao contexto cultural; e uma das lutas da escola histórica foi
contra o formalismo do Direito revolucionário burguês, que considerava a
pessoa humana desligada de seu ligamento social. Essa crítica também será
feita, posteriormente, por Karl Marx.

3. CRÍTICA MARXISTA (KARL MARX)

         Em “A Questão Judaica”, Karl Marx fez críticas severas à Declaração
do homem e do cidadão de 1789 e como os autores anteriores, aqui também
se questiona o caráter abstrato dos direitos, mas será ressaltada a questão das
classes. Marx entendia que esses direitos serviriam para a dominação da
classe burguesa.

         Faz-se referência ao pensamento do autor: “Os direitos do homem
nada são além dos direitos do membro da sociedade burguesa, ou seja, do
homem egoísta, do homem separado do outro homem e da comunidade.”16

15 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: retórica e historicidade, 2ª ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2010, p.37.




16 VILLEY, Michel. O direito e os direitos humanos,p.114
Para Marx nenhum dos chamados direitos humanos ultrapassa,
portanto, o egoísmo do homem, do homem como membro da sociedade
burguesa, ou seja, do indivíduo voltado para si mesmo, para seu interesse
particular, e afastado da comunidade.17

         Alem de criticar a concepção individualista dos direitos do homem,
Marx examinou especificamente cada um dos direitos elencados na
Declaração, e suas críticas foram mordazes.

         Marx viu que cada um dos direitos serviu, depois da destruição da
monarquia, para a dominação política da classe burguesa. O autor analisou o
direito de propriedade e viu que esse direito é um fortalecimento da classe
burguesa. Ignorara-se que os ricos têm mais condições de exercer o direito de
propriedade? E a opinião e a expressão?

         Com a Liberdade de Expressão, o povo não tem o que fazer, mas
apenas aqueles que tiveram educação e o tempo suficiente de escrever e se
expressar e do mesmo modo, o direito à liberdade de imprensa não tem a
menor importância para um camponês faminto e para algum analfabeto de um
algum vilarejo sulamericano.

         Enfim, os direitos não são para todos, são direitos que só poucos
podem concretizar.

         Não são os “povos do mundo” que são os gestores dos direitos
humanos, pois tais direitos estão nas mãos de representantes governamentais,
diplomatas e funcionários de organizações internacionais que estão bem
afastados das ruas.

         Os direitos humanos perderam seu caráter inicial de rebeldia e anseio
de mudança e se institucionalizou tornando-se uma arma ideológica nas mãos
de instituições internacionais muito poderosas. Será que eles realmente se
preocupam com os direitos humanos ou usam esse discurso com interesses


17 FERREIRA, Da Cunha, Paulo. Direitos Humanos, 1ª Ed. Lisboa Portugal. Edições Globo.
2003.
políticos e econômicos? Além da questão da dominação econômica, há
também, um perigo de dominação cultural relacionada aos direitos humanos. E
é sobre isso que a próxima crítica irá tratar.




4    CRÍTICA CULTURALISTA (R. PANIKKAR E OUTROS).

         Trata-se de uma crítica dos direitos do homem em nome da pluralidade
de culturas humanas e da defesa dessa pluralidade contra o papel compressor
que representa a noção de direitos universais do homem na atualidade.

       A escola culturalista questiona a universalidade dos direitos humanos.
Seriam     esses     direitos    verdadeiramente        universais?     Esses       direitos
supostamente universais são a tentativa do ocidente em universalizar suas
próprias crenças? Num mundo plural, podem existir direitos universais?

       Protesta Adriano Scianca contra a universalidade dos direitos humanos:

                      Vírus ideológico pela sua capacidade etnocida quase total, esta
                      moral presumidamente universal proporciona a armadura
                      ideológica a um neocolonialismo que em lugar do “fardo do
                      homem branco” tem hoje como justificação um coquetel
                      devastador de messianismo e hipocrisia. Tratando de impor uma
                      moral particular a todos os povos, a “religião” dos direitos
                      humanos pretende voltar a dar uma boa consciência ao Ocidente
                      permitindo-lhe instituir-se uma vez mais como “modelo”. A
                      destruição dos povos passa também a partir daqui pela
                      imposição a nível planetário dos “valores” ocidentais e pela
                      consequente desintegração de todo o vínculo orgânico, de toda
                      tradição particular, de todo o resto de comunidade – obstáculos
                      todos eles à tomada de consciência da nova “identidade global”
                      por parte do cidadão da era da globalização.18

         Tem se afirmado, rotineiramente, a tese da universalidade dos direitos
humanos. No entanto, ainda hoje, diversas argumentações não aceitam tal
universalidade.



18 SCIANCA, Adriano –Direitos Humanos?- Revista Orion, número 226, julho de 2003,
13
  César Augusto (org). Direitos humanos na sociedade cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar,
2004
O filósofo indiano Raimundo Pannikar no seu célebre artigo: “A noção
dos direitos do homem é um conceito ocidental?19” responde afirmativamente
ao título do seu artigo e escreve que a noção de direitos do homem são uma
ferramenta     à    serviço    da    cultura    ocidental:    racionalidade      abstrata,
antropocentrismo, individualismo e atomismo são conceitos que ela introduz
em culturas que possuem outros valores.

         A primeira crítica: o conceito de direitos humanos é fundado numa
visão antropocêntrica do mundo, que não é compartilhada por todas as
culturas.20

         Toma-se como exemplo a civilização hindu: encontra-se, aqui, uma
sociedade hierárquica cujo o ponto de partida não é o indivíduo. Para os hindus
não existe um indivíduo isolado, no indivíduo estão seus pais, filhos, amigos,
ancestrais e o ponto de partida é o complexo concatenado do real.

         Da perspectiva hindu, os direitos humanos são incompletos porque são
direitos do homem individual, o que equivaleria a uma abstração, e não são
relativos ao indivíduo como parte intrínseca das relações que constituem o real,
dentro de uma estrutura hierárquica.

         Escreveu Panikkar: “com vistas a obter uma sociedade justa, o
Ocidente moderno insiste na noção de Direitos Humanos. A fim de obter uma
ordem dármica, a Índia clássica insiste na noção de svadharma”21.



19




20César Augusto (org). Direitos humanos na sociedade cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar,
2004




21 PANIKKAR, Raimon. Seria a noção de direitos humanos um conceito ocidental? In: BALDI,
César Augusto (org). Direitos humanos na sociedade cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar,
2004, p.206.
Outra crítica é a de que a noção de “direitos” inerentes aos direitos
humanos contrapõe-se a noção de “deveres” proclamada por muitos povos.
Por exemplo: os povos submetidos à tradição islâmica.

          Esses povos tem um severo senso de responsabilidades diante de
Deus (Allah) que sobrepuja a liberdade individual.

          Assinalou Érica Peixoto em seu artigo “Universalismo e Relativismo
Cultural”:

                          O fato é que, se a doutrina ocidental dos direitos humanos não
                          se preocupa com as questões metafísicas relacionadas ao
                          sentido da vida como, por exemplo, “quem é o ser humano?” ou
                          “por que está aqui?”, a visão corânica não compreende qualquer
                          noção do ser humano, seus direitos e responsabilidades, sem
                          analisá-las. Isso porque a tradição dos direitos humanos,
                          tipicamente ocidental, pauta-se numa visão antropocêntrica de
                          mundo, enquanto outras culturas, como a islâmica, partem de
                          uma visão teológica.22

          Critica-se o fato de que os universalistas analisam um homem sem
contexto, sendo que o homem se define por seus particularismos (língua,
cultura, costumes, valores). As diversidades locais caracterizam o indivíduo.

          O homem vive num determinado lugar, numa certa época e compartilha
valores que são preciosos naquela comunidade em que está inserido. A
doutrina dos direitos humanos, segundo a visão relativista, deve levar em
consideração as particularidades, pois é preciso que o homem se identifique
com os valores que defende, e isso não será possível abstraindo o homem do
seu contexto cultural.

          E tem outro aspecto: nem todos os Estados se aderiram formalmente
aos tratados de direitos humanos, e, além das diferenças ideológicas, há

15
 PEIXOTO, Érica. Universalismo e Relativismo Cultural. Revista da Faculdade de Direito de
Campos, Ano VIII, Nº 10 - Junho de 2007, p.05




22 PEIXOTO, Érica – Universalismo e Relativismo Cultural- Revista da Faculdade de Direito de Campos,
Ano VIII, Nº 10 Junho de 2007, p.05.
também, muita disparidade econômica entre os países. Para que todos no
mundo possam concretizar os direitos é preciso que haja um desenvolvimento
econômico em inúmeros países. Diversos países estão longe de ter condições
de efetivamente proteger e implementar os direitos humanos.

        Aqui, ainda cabe uma continuidade com às críticas anteriores: o
universal só se mostra singularmente. Direitos Universais do homem só podem
ser defendidos pelo fato de existirem humanos que vivem em comunidades
concretas com o seus estatutos culturais particulares.

5   CONSIDERAÇÕES FINAIS

        A partir dessa breve exposição das principais críticas aos direitos
humanos, pode-se verificar que há um chamado para que esses direitos
humanos respondam às exigências concretas do homem real e não o do
abstrato.

        Há a necessidade de questionar os fundamentos e a efetividade dos
Direitos Humanos, pois, diga-se o que se disser na Declaração do Homem e
do Cidadão de 1789 ou na Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948, temos que constatar isso que escreveu Costas Douzinas: “mais
atrocidades foram cometidas contra o homem nesse período obcecado por
direitos do que em qualquer outro período da história”23

        É necessário descobrir novos caminhos, além da razão e da lei para
evitarmos ou reduzirmos massacres, genocídios e a corrupção. A liberdade dos
direitos humanos é um mero preceito formal. É um atrativo retórico. Quando foi
colocada como um princípio, como ocorreu na França, teve como resultado a
tirania nos “amigos da liberdade” contra os “supostos inimigos”. Quem sabe,
não encontraríamos mais paz se reclamarmos menos os “meus direitos”, se
sairmos da posição de reclamantes para a posição de pessoas gratas por
existir e que pensam mais em deveres e em adquirir virtudes?


23 DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos, p.167
Verifica-se, que é usada na atualidade, de forma exacerbada, a palavra
“direitos”, mas não se usa, quase nunca, a palavra “dever”. O homem atual,
parece se mostrar, muito mais como um ser descontente que reinvindica, que
reclama “seus direitos”, do que um ser grato e endividado ciente de “seus
deveres”.

         O professor da Universidad Pontíficia Comillas de Madrid, Miguel
Ayuso, retratou a assim a diferença entre a atitude do homem descontente e a
do homem devedor:

                        A atitude do homem devedor , que antepõe o
                        cumprimento dos seus deveres à reclamação dos seus
                        direitos, conduz a uma “sociedade de deveres”, ou seja,
                        ao que, na linguagem sociológica de Ferdinand Tonnies,
                        chamaríamos “comunidade”. Ao passo que a atitude
                        revolucionária do homem sempre descontente, zeloso
                        guardião de seus direitos, leva a uma “sociedade de
                        direitos”, que só pode ser “coexistência” no sentido
                        kantiano – já que a liberdade de cada um não tem outros
                        limites - mecânicos por sua própria formulação e
                        geradores mais de equilíbrio que de autêntica harmonia -
                        que as liberdades dos demais – ou “sociedade” na
                        terminologia de Tonnies.24

            O homem não é levado a respeitar a liberdade do próximo por causa
de uma Declaração, por causa de uma formalidade. Ele é levado por amor, por
benevolência e não pelo interesse egoísta de preservação da própria liberdade.
Esvaziada de virtudes e desinteresse pessoal à liberdade é uma prepotência.

         A liberdade não tem dono. A liberdade é de ninguém.




REFERÊNCIAS



24 AYUSO, Miguel. Liberdade e Direitos Humanos. 2ª ed. Lisboa Portugal, Globo. 2003, p.79
DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos, 1ª ed.São Leopoldo:
Unisinos, 2009, p.165.

DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos, p.167.

FERREIRA, Da Cunha Paulo. – Direitos Humanos, 1ª ed. Lisboa Portugal
Edições Globo. 2003, p.127.




GILSON, Etienne. A filosofia na idade média. São Paulo: Martins Fontes,
1998.
LIMA. Hermes. Introdução à Ciência do Direito, 2ª ed. São Paulo. Objetiva,
2001, p.276.

MARÍAS, Julián. História da Filosofia. 1a ed. - São Paulo: Martins Fontes,
2004, p.307.

PANIKKAR, Raimon. Seria a noção de direitos humanos um conceito
ocidental? In: BALDI, César Augusto (org.). Direitos humanos na sociedade
cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.206.

PEIXOTO, Érica. Universalismo e Relativismo Cultural. Revista da
Faculdade de Direito de Campos, Ano VIII, Nº 10. Junho de 2007, p.05.

SAMPAIO,       José   Adércio   Leite.   Direitos   Fundamentais:   retórica   e
historicidade, 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.37.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed., Porto
Alegre : Livraria do Advogado, 2006, p. 35 e 36.

SCIANCA, Adriano. Direitos Humanos?- Revista Orion, número 226, julho de
2003, disponível em <www.causanacional.net/index.php?itemid=208> acesso
em 18. Out. 2011.

VILLEY, Michel. O direito e os direitos humanos, 1ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2007, p.73.

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Crítica aos Direitos Humanos

  • 1. UMA CONTRIBUIÇÃO FILOSÓFICA À CRÍTICA DA DOUTRINA DOS DIREITOS HUMANOS Honoré Augusto Cardoso SUMÁRIO:1.Introdução. 2. Crítica Tradicionalista. 3. Crítica Historicista. 4. Crítica Marxista. 5. Crítica Culturalista. 6. Considerações Finais. Referências RESUMO: O presente artigo irá expor críticas aos direitos humanos, feitas pelos seguintes filósofos: Edmund Burke, Carl Von Savigny, Karl Marx e Raimon Pannikar. A doutrina dos direitos humanos mostrou-se problemática em muitos aspectos e suscita muitas questões. Entre elas: os direitos são realmente universais? São apenas de uma classe social? Quem é esse homem das declarações? Verifica-se que, a despeito das suas diferentes perspectivas, essas críticas possuem em comum o fato de criticarem o caráter abstrato dos direitos humanos e por todos possuírem uma preocupação com o homem concreto. Este trabalho exporá, sucessivamente, as críticas tradicionalista, historicista, marxista, e, finalmente a crítica culturalista. O trabalho foi concebido segundo o Método Indutivo, acionadas as Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica. Palavras-Chave: Direitos Humanos. Universalismo. Relativismo Cultural. ABSTRACT: This article will expose some of the main criticisms of human rights made by follow philosophers: Edmund Burke, Carl Von Savigny, Karl Marx, Raimon Pannikar. The doctrine of human rights proved to be problematic in many respects and raises many questions. Among them: rights are truly universal? They are just one class? Who is this man of the statements? It appears that, despite their differences in perspective, these critiques have in common the fact criticizing the abstractness of human rights and everyone has a concern with the actual person. This paper will present successively the critical traditionalist, historicist, Marxist, and finally the cultural critique. The work is designed in the Inductive Methods, Techniques Regarding the driven, Category, Operational Concept and Library Research. Key-Words: Human Rights. Universalism. Cultural Relativism "A escravidão cresce desmesuradamente quando lhe dão a aparência de liberdade."- Ernst Junger
  • 2. INTRODUÇÃO Quem é o sujeito dos direitos humanos? A resposta mais óbvia: o homem. E quem é esse homem? E porque ele tem direitos? Os partidários da doutrina dos direitos humanos admitem que no momento em que o homem nasceu homem, independente de qualquer contexto, de qualquer tempo ou lugar, ele já é detentor de direitos humanos. A doutrina dos direitos humanos tem uma pretensão universalizante. Distinguindo, conceitualmente, direitos fundamentais de direitos humanos, Ingo Wolfgang Sarlet expõe o seguinte: Em que pese sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e ‘direitos fundamentais’) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir- se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).1 Verifica-se, que a doutrina dos direitos humanos, ao tentar abarcar a totalidade dos homens é obrigada a se preocupar com o abstrato e o universal, e a renegar o fato que o homem só existe no particular concreto e não num universal abstrato, a doutrina dos direitos humanos transforma a pessoa concreta que sente dor e sofre, a pessoa concreta que tem pai e mãe e mantem laços afetivos com sua comunidade, em uma figura abstrata supostamente universal e destituída de contexto. O sujeito abstrato dos direitos humanos destrói a pessoa concreta. Por essa razão, desenvolveu-se o estudo apresentado neste artigo, o qual, utilizando-se de pesquisa bibliográfica, buscou dar uma contribuição à crítica da doutrina dos direitos humanos. As diversas críticas, expostas neste artigo, aos direitos do homem, a despeito de suas diferentes perspectivas, possuem em comum essa crítica de seu caráter 1 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed., Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2006, p. 35 e 36.
  • 3. abstrato e uma preocupação pelo homem concreto. Mas, antes de entrar nas críticas, é necessário voltar às origens da ideia de direitos humanos. De onde vieram esses direitos do homem? Não pode haver direitos humanos sem o “humano”, e sociedades pré- modernas não desenvolveram idéias de liberdade e de individualidade. Assinala Costas Douzinas que: “Tanto Atenas quanto Roma tinham cidadãos, mas não “homens”, no sentido de membros da espécie humana. A sociedade humana geral estava ausente do agora e do fórum”2 No mesmo sentido, expõe Michel Villey: Sem ainda ter posse da mesma teoria que os modernos têm da “liberdade”, os pensadores gregos tinham o costume de postular uma ordem no mundo, de neles reconhecer uma hierarquia de gêneros e de espécies [...] A ciência do direito não era concentrada no indivíduo. Não o considerava isolado numa ilha. A antiguidade encarava o indivíduo tal como é, situado dentro de um grupo “o homem é animal político”3. Havia , também, no pensamento medieval o predomínio da idéia de uma ordem universal e não existiam unidades atomizadas e individuais. Era um mundo em que tudo tinha uma ordem e hierarquia, e não havia espaço para o individualismo. O indivíduo era definido a partir de suas funções sociais: “pai", "clérigo", "vizinho" ou outra ‘qualidade' que se referia à sua função social e não por características meramente individuais.4 Na crise do período medieval é que vai entrar a idéia de sujeito, de homem como unidade autônoma, fragmentária. O sujeito moderno, como aponta Costas Douzinas5 “é o produto da destruição da visão teleológica do mundo da antiguidade”. 2 DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos, 1ª ed. São Leopoldo: Unisinos, 2009, p.81. 3 VILLEY, Michel O direito e os direitos humanos, 1ª Ed. São Paulo.Martins Fontes, 2007, p.73. 4 GILSON, Etienne. A filosofia na idade média. São Paulo. Martins Fontes, 1998.
  • 4. Ao final do séc XVIII, como efeito do iluminismo, esse sujeito autônomo é aclamado e o conceito de homem havia se tornado o valor absoluto do qual o mundo girava. O homem deixou de estar submetido a uma ordem divina ou superior e foi forjada uma nova Trindade expressa por essas três palavras: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Como escreveu o filósofo Julián Marías6 sobre os revolucionários franceses: Esses homens decidem derrubar tudo para fazer melhor, racionalmente, de uma vez por todas e para todos: “direitos do homem e do cidadão”, assim, sem mais concessões à história. Estamos na Revolução Francesa. O mundo se organizará de um modo definitivo, geometricamente. É a raison que vai mandar a partir de agora. A base da humanidade foi transferida de Deus para a natureza humana e o método dos inventores das declarações dos direitos do homem foi o de partir de uma definição racional do ser humano individual, da qual, então, deduziram seus “direitos”. Fazendo isso renegaram toda a cosmovisão da antiguidade e postularam uma nova: a parte foi apartada do Todo e a sociedade se atomizou. Foi destruída a preponderância da base comunitária medieval e agora no centro está um homem individual abstrato sem contexto. Toma-se como ponto de partida a Declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789 que teve como inspiração e influência as ideias filosóficas do iluminismo. Em seu artigo primeiro está escrito: Art.1º Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.7 5 DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos, p.74 6 MARÍAS, Julián. História da Filosofia.1a ed . São Paulo : Martins Fontes, 2004, p.307. 7 VILLEY, Michel. O direito e os direitos humanos, apêndice.
  • 5. Pode-se notar que a Declaração dos direitos do homem e do cidadão expressa princípios de ordem universal. Pretende-se universal, pois expressa direitos que não são somente para esse ou aquele homem, mas é um direito de um homem que está em todos os tempos e é de todos os lugares. Aqui surge uma pergunta: Quem é esse homem? Ao que parece, é todo e qualquer homem não se distinguindo sua cultura, língua, costumes. Mas será que já vimos um homem assim: Sem língua, sem costumes, sem história? E um homem sem classe social? As diversas críticas aos direitos do homem, que serão expostas nesse trabalho, questionarão esse homem abstrato sem contexto e vão ter uma preocupação pelo homem particular concreto. Este artigo exporá, sucessivamente, as críticas tradicionalista, historicista, marxista, e, finalmente a crítica culturalista. 1. A CRÍTICA TRADICIONALISTA (EDMUND BURKE) Se as declarações do século XVIII dão origem ao discurso e a concepção de direitos universais humanos, as reflexões de Burke a respeito da Revolução Francesa dão origem às críticas desse discurso. Já no ano seguinte à Declaração francesa, ou seja, em 1790, Edmund Burke, apresenta, no seu livro Reflexões sobre a Revolução na França, uma refutação do que ele considera como “falácias francesas”. Burke8 apoia-se numa concepção do homem diferente da dos revolucionários: para o autor o homem está imerso na tradição e no costume, o homem sempre se encontra inserido num contexto histórico. O homem sempre tem pai e mãe. Antes do indivíduo nascer, a sociedade já existia com a sua história e tradição, e o indivíduo possui laços não somente racionais, mas emocionais e de atitude com a sua comunidade. Exemplos típicos são a família, a pátria, a igreja. 8 Burke, Edmund. Reflexões sobre a Revolução em França, 1ª Ed. Brasília: Unb, 1997.p. 91
  • 6. Os reais direitos do homem, para Burke, teriam que ser determinados por contextos reais da vida, que variavam com os tempos e as circunstâncias não podendo ser fixados mediante o estabelecimento de algum princípio racional abstrato. Burke vê que o homem da Declaração, é um homem a- histórico e isolado, e sem laços com a comunidade. Burke acredita que os direitos promulgados abstratamente pela Revolução Francesa são falsos, pois se assentam num pressuposto insustentável: a ficção do homem sem ligações, sem tradição, sem história, um homem “sem mãe e sem pai”.9 Esse homem universal e abstrato da Declaração do homem e do cidadão, é algo que não se apoia na experiência, é uma teorização que não veio da experiência concreta e moral das pessoas, mas foram direitos inspirados em ideias de filósofos distanciados do mundo do agir concreto. Burke nota, claramente, que o discurso dos direitos do homem não se situa no concreto, no prático e social. Sacia-se a fome com pão e não com um direito inscrito num papel. O fato de os direitos terem sido declarados não garante a sua eficácia concreta. Neste sentido, reproduz-se o autor: Toda a questão é de saber como se conseguem alimentos, como se ministram os remédios. E, em tais circunstâncias, eu aconselharia fazer sempre apelo ao agricultor ou ao médico, antes de recorrer ao professor de metafísica.10 O francês Joseph Maistre, alguns anos depois, também apontou os perigos da abstração dos direitos do homem: ”já conheci italianos, russos, espanhóis, ingleses, franceses, mas não conheço um homem em geral”11. Esse 9 Burke, Edmund. Reflexões sobre a Revolução em França, p. 10 FERREIRA, Da Cunha, Paulo. Direitos Humanos, 1ª ed .Lisboa Portugal. Edições Globo . 2003, p.127 11FERREIRA, Da Cunha, Paulo. Direitos Humanos, p.129 7 DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos, 1ª Ed. São Leopoldo: Unisinos, 2009, p.165
  • 7. “homem em geral”, essa abstração parece ser necessária para abarcar as grandes diferenças das pessoas, dos lugares e das circunstâncias. Mas na verdade, parece que quanto mais a abstração é verdadeira, menos utilidade concreta ela tem. Como escreveu Costas Douzinas: De que adianta o direito abstrato à vida ou à liberdade de expressão e de imprensa às vítimas de fome e da guerra ou às pessoas incapazes de ler por falta de recursos educacionais? De que adianta proclamar o direito à saúde em um lugar como Haiti, onde um hospital básico atende a mais de dois milhões de pessoas e pacientes de AIDS são rotineiramente dispensados por não poderem ser tratados devido à falta de recursos? As considerações de Burke, tecidas cerca de duzentos anos atrás, soam proféticas à luz dos fardos colocados sobre o mundo em desenvolvimento pela dívida imensa e má gestão, a corrupção e a ineficiência que acompanharam a ajuda humanitária.12 É quase um insulto às vítimas de catástrofes, de fome coletiva ou guerra, de terremotos, de epidemia e tortura, é um escárnio e desconsideração dizer a essas vítimas que, de acordo com um importante tratado internacional, elas tem direito à comida e à paz, tem direito a um abrigo e a um lar ou a um atendimento médico e a um fim aos maus-tratos. Em síntese: os direitos do homem, para terem substância, devem ser fundados na tradição e no costume. Na Alemanha, estas teses de Burke encontraram uma repercussão na Escola Histórica de Direito, principalmente por meio de F. Carl von Savigny. 2 ESCOLA HISTÓRICA DE DIREITO (F. CARL VON SAVIGNY) 8 LIMA. Hermes. Introdução à Ciência do Direito, 2ª ed . São Paulo. Objetiva, 2001 , p.276 12 9 SAMPAIO, José Adércio Leite – Direitos Fundamentais: retórica e historicidade, 2ª ed – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.37
  • 8. A recusa pela escola historicista da concepção de direitos do homem de 1789 inscreve-se nessa continuidade de rejeição de um direito racional e abstrato. O livro de Burke foi traduzido rapidamente para o alemão e é uma das influências dessa Escola. A diferença é que, aqui, a crítica se focará na filosofia do direito. Como aponta Hermes Lima: [...] é conquista definitiva da Escola Histórica a noção de caráter social dos fenômenos jurídicos, com seus dois elementos essenciais: continuidade e transformação. A escola mostrou que os fundamentos do direito se encontram na vida social. Eram esses fundamentos que as teorias precedentes iam buscar na razão.13 A Escola histórica de Direito, que tem como seu maior expoente, Carl Von Savigny, surgiu na Alemanha no final do século XVIII e início do século XIX, poucas décadas depois da Declaração do homem e do cidadão e num período em que o Direito era considerado pura criação da razão humana. Entendia Savigny, ao contrário da filosofia iluminista, que em vez de geral e universal, o direito era um produto histórico, nem constituído arbitrariamente pela vontade dos homens e nem pela razão, mas sim pela consciência nacional do povo e pelas relações concretas da vida.14 Assinala José Adércio Leite Sampaio: [...] o direito era visto, nessa escola como produto da elaboração dos povos, de sua vontade, na sedimentação que só o tempo haveria de conferir a existência, e nunca um produto da razão apriorística ou de qualquer princípio jusnaturalista (...) o povo vive o direito como uma necessidade própria de coexistência, fonte última de juridicidade. É mesmo nessa vivência ou nas “relações concretas da vida” que habitam os institutos jurídicos e os costumes. E é a partir deles que as regras podem ser intuídas, não sendo deduzidas de algum campo racional abstrato. Não há, portanto, um conjunto de preceitos imutáveis e 13 14
  • 9. universais, pois somente existe o direito positivo que resulta do espírito de cada povo situado no tempo e no espaço.15 Na perspectiva da Escola Histórica o homem não está em todos os tempos e em todos os lugares, ele sempre está inserido em um contexto histórico e geográfico: não podem existir direitos que não sejam da sociedade de onde se vive e fruto das relações concretas da vida, portanto devemos nos questionar o fato de alguns franceses situados em certa época, conseguirem inferir uma ideia que pudesse responder diretamente aos problemas concretos de todos os seres humanos, culturas e sociedades em todos os lugares e tempos. Após Savigny, iniciou-se uma concepção homem, no direito, intimamente ligada ao contexto cultural; e uma das lutas da escola histórica foi contra o formalismo do Direito revolucionário burguês, que considerava a pessoa humana desligada de seu ligamento social. Essa crítica também será feita, posteriormente, por Karl Marx. 3. CRÍTICA MARXISTA (KARL MARX) Em “A Questão Judaica”, Karl Marx fez críticas severas à Declaração do homem e do cidadão de 1789 e como os autores anteriores, aqui também se questiona o caráter abstrato dos direitos, mas será ressaltada a questão das classes. Marx entendia que esses direitos serviriam para a dominação da classe burguesa. Faz-se referência ao pensamento do autor: “Os direitos do homem nada são além dos direitos do membro da sociedade burguesa, ou seja, do homem egoísta, do homem separado do outro homem e da comunidade.”16 15 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: retórica e historicidade, 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.37. 16 VILLEY, Michel. O direito e os direitos humanos,p.114
  • 10. Para Marx nenhum dos chamados direitos humanos ultrapassa, portanto, o egoísmo do homem, do homem como membro da sociedade burguesa, ou seja, do indivíduo voltado para si mesmo, para seu interesse particular, e afastado da comunidade.17 Alem de criticar a concepção individualista dos direitos do homem, Marx examinou especificamente cada um dos direitos elencados na Declaração, e suas críticas foram mordazes. Marx viu que cada um dos direitos serviu, depois da destruição da monarquia, para a dominação política da classe burguesa. O autor analisou o direito de propriedade e viu que esse direito é um fortalecimento da classe burguesa. Ignorara-se que os ricos têm mais condições de exercer o direito de propriedade? E a opinião e a expressão? Com a Liberdade de Expressão, o povo não tem o que fazer, mas apenas aqueles que tiveram educação e o tempo suficiente de escrever e se expressar e do mesmo modo, o direito à liberdade de imprensa não tem a menor importância para um camponês faminto e para algum analfabeto de um algum vilarejo sulamericano. Enfim, os direitos não são para todos, são direitos que só poucos podem concretizar. Não são os “povos do mundo” que são os gestores dos direitos humanos, pois tais direitos estão nas mãos de representantes governamentais, diplomatas e funcionários de organizações internacionais que estão bem afastados das ruas. Os direitos humanos perderam seu caráter inicial de rebeldia e anseio de mudança e se institucionalizou tornando-se uma arma ideológica nas mãos de instituições internacionais muito poderosas. Será que eles realmente se preocupam com os direitos humanos ou usam esse discurso com interesses 17 FERREIRA, Da Cunha, Paulo. Direitos Humanos, 1ª Ed. Lisboa Portugal. Edições Globo. 2003.
  • 11. políticos e econômicos? Além da questão da dominação econômica, há também, um perigo de dominação cultural relacionada aos direitos humanos. E é sobre isso que a próxima crítica irá tratar. 4 CRÍTICA CULTURALISTA (R. PANIKKAR E OUTROS). Trata-se de uma crítica dos direitos do homem em nome da pluralidade de culturas humanas e da defesa dessa pluralidade contra o papel compressor que representa a noção de direitos universais do homem na atualidade. A escola culturalista questiona a universalidade dos direitos humanos. Seriam esses direitos verdadeiramente universais? Esses direitos supostamente universais são a tentativa do ocidente em universalizar suas próprias crenças? Num mundo plural, podem existir direitos universais? Protesta Adriano Scianca contra a universalidade dos direitos humanos: Vírus ideológico pela sua capacidade etnocida quase total, esta moral presumidamente universal proporciona a armadura ideológica a um neocolonialismo que em lugar do “fardo do homem branco” tem hoje como justificação um coquetel devastador de messianismo e hipocrisia. Tratando de impor uma moral particular a todos os povos, a “religião” dos direitos humanos pretende voltar a dar uma boa consciência ao Ocidente permitindo-lhe instituir-se uma vez mais como “modelo”. A destruição dos povos passa também a partir daqui pela imposição a nível planetário dos “valores” ocidentais e pela consequente desintegração de todo o vínculo orgânico, de toda tradição particular, de todo o resto de comunidade – obstáculos todos eles à tomada de consciência da nova “identidade global” por parte do cidadão da era da globalização.18 Tem se afirmado, rotineiramente, a tese da universalidade dos direitos humanos. No entanto, ainda hoje, diversas argumentações não aceitam tal universalidade. 18 SCIANCA, Adriano –Direitos Humanos?- Revista Orion, número 226, julho de 2003, 13 César Augusto (org). Direitos humanos na sociedade cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004
  • 12. O filósofo indiano Raimundo Pannikar no seu célebre artigo: “A noção dos direitos do homem é um conceito ocidental?19” responde afirmativamente ao título do seu artigo e escreve que a noção de direitos do homem são uma ferramenta à serviço da cultura ocidental: racionalidade abstrata, antropocentrismo, individualismo e atomismo são conceitos que ela introduz em culturas que possuem outros valores. A primeira crítica: o conceito de direitos humanos é fundado numa visão antropocêntrica do mundo, que não é compartilhada por todas as culturas.20 Toma-se como exemplo a civilização hindu: encontra-se, aqui, uma sociedade hierárquica cujo o ponto de partida não é o indivíduo. Para os hindus não existe um indivíduo isolado, no indivíduo estão seus pais, filhos, amigos, ancestrais e o ponto de partida é o complexo concatenado do real. Da perspectiva hindu, os direitos humanos são incompletos porque são direitos do homem individual, o que equivaleria a uma abstração, e não são relativos ao indivíduo como parte intrínseca das relações que constituem o real, dentro de uma estrutura hierárquica. Escreveu Panikkar: “com vistas a obter uma sociedade justa, o Ocidente moderno insiste na noção de Direitos Humanos. A fim de obter uma ordem dármica, a Índia clássica insiste na noção de svadharma”21. 19 20César Augusto (org). Direitos humanos na sociedade cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004 21 PANIKKAR, Raimon. Seria a noção de direitos humanos um conceito ocidental? In: BALDI, César Augusto (org). Direitos humanos na sociedade cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.206.
  • 13. Outra crítica é a de que a noção de “direitos” inerentes aos direitos humanos contrapõe-se a noção de “deveres” proclamada por muitos povos. Por exemplo: os povos submetidos à tradição islâmica. Esses povos tem um severo senso de responsabilidades diante de Deus (Allah) que sobrepuja a liberdade individual. Assinalou Érica Peixoto em seu artigo “Universalismo e Relativismo Cultural”: O fato é que, se a doutrina ocidental dos direitos humanos não se preocupa com as questões metafísicas relacionadas ao sentido da vida como, por exemplo, “quem é o ser humano?” ou “por que está aqui?”, a visão corânica não compreende qualquer noção do ser humano, seus direitos e responsabilidades, sem analisá-las. Isso porque a tradição dos direitos humanos, tipicamente ocidental, pauta-se numa visão antropocêntrica de mundo, enquanto outras culturas, como a islâmica, partem de uma visão teológica.22 Critica-se o fato de que os universalistas analisam um homem sem contexto, sendo que o homem se define por seus particularismos (língua, cultura, costumes, valores). As diversidades locais caracterizam o indivíduo. O homem vive num determinado lugar, numa certa época e compartilha valores que são preciosos naquela comunidade em que está inserido. A doutrina dos direitos humanos, segundo a visão relativista, deve levar em consideração as particularidades, pois é preciso que o homem se identifique com os valores que defende, e isso não será possível abstraindo o homem do seu contexto cultural. E tem outro aspecto: nem todos os Estados se aderiram formalmente aos tratados de direitos humanos, e, além das diferenças ideológicas, há 15 PEIXOTO, Érica. Universalismo e Relativismo Cultural. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VIII, Nº 10 - Junho de 2007, p.05 22 PEIXOTO, Érica – Universalismo e Relativismo Cultural- Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VIII, Nº 10 Junho de 2007, p.05.
  • 14. também, muita disparidade econômica entre os países. Para que todos no mundo possam concretizar os direitos é preciso que haja um desenvolvimento econômico em inúmeros países. Diversos países estão longe de ter condições de efetivamente proteger e implementar os direitos humanos. Aqui, ainda cabe uma continuidade com às críticas anteriores: o universal só se mostra singularmente. Direitos Universais do homem só podem ser defendidos pelo fato de existirem humanos que vivem em comunidades concretas com o seus estatutos culturais particulares. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir dessa breve exposição das principais críticas aos direitos humanos, pode-se verificar que há um chamado para que esses direitos humanos respondam às exigências concretas do homem real e não o do abstrato. Há a necessidade de questionar os fundamentos e a efetividade dos Direitos Humanos, pois, diga-se o que se disser na Declaração do Homem e do Cidadão de 1789 ou na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, temos que constatar isso que escreveu Costas Douzinas: “mais atrocidades foram cometidas contra o homem nesse período obcecado por direitos do que em qualquer outro período da história”23 É necessário descobrir novos caminhos, além da razão e da lei para evitarmos ou reduzirmos massacres, genocídios e a corrupção. A liberdade dos direitos humanos é um mero preceito formal. É um atrativo retórico. Quando foi colocada como um princípio, como ocorreu na França, teve como resultado a tirania nos “amigos da liberdade” contra os “supostos inimigos”. Quem sabe, não encontraríamos mais paz se reclamarmos menos os “meus direitos”, se sairmos da posição de reclamantes para a posição de pessoas gratas por existir e que pensam mais em deveres e em adquirir virtudes? 23 DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos, p.167
  • 15. Verifica-se, que é usada na atualidade, de forma exacerbada, a palavra “direitos”, mas não se usa, quase nunca, a palavra “dever”. O homem atual, parece se mostrar, muito mais como um ser descontente que reinvindica, que reclama “seus direitos”, do que um ser grato e endividado ciente de “seus deveres”. O professor da Universidad Pontíficia Comillas de Madrid, Miguel Ayuso, retratou a assim a diferença entre a atitude do homem descontente e a do homem devedor: A atitude do homem devedor , que antepõe o cumprimento dos seus deveres à reclamação dos seus direitos, conduz a uma “sociedade de deveres”, ou seja, ao que, na linguagem sociológica de Ferdinand Tonnies, chamaríamos “comunidade”. Ao passo que a atitude revolucionária do homem sempre descontente, zeloso guardião de seus direitos, leva a uma “sociedade de direitos”, que só pode ser “coexistência” no sentido kantiano – já que a liberdade de cada um não tem outros limites - mecânicos por sua própria formulação e geradores mais de equilíbrio que de autêntica harmonia - que as liberdades dos demais – ou “sociedade” na terminologia de Tonnies.24 O homem não é levado a respeitar a liberdade do próximo por causa de uma Declaração, por causa de uma formalidade. Ele é levado por amor, por benevolência e não pelo interesse egoísta de preservação da própria liberdade. Esvaziada de virtudes e desinteresse pessoal à liberdade é uma prepotência. A liberdade não tem dono. A liberdade é de ninguém. REFERÊNCIAS 24 AYUSO, Miguel. Liberdade e Direitos Humanos. 2ª ed. Lisboa Portugal, Globo. 2003, p.79
  • 16. DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos, 1ª ed.São Leopoldo: Unisinos, 2009, p.165. DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos, p.167. FERREIRA, Da Cunha Paulo. – Direitos Humanos, 1ª ed. Lisboa Portugal Edições Globo. 2003, p.127. GILSON, Etienne. A filosofia na idade média. São Paulo: Martins Fontes, 1998. LIMA. Hermes. Introdução à Ciência do Direito, 2ª ed. São Paulo. Objetiva, 2001, p.276. MARÍAS, Julián. História da Filosofia. 1a ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.307. PANIKKAR, Raimon. Seria a noção de direitos humanos um conceito ocidental? In: BALDI, César Augusto (org.). Direitos humanos na sociedade cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.206. PEIXOTO, Érica. Universalismo e Relativismo Cultural. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VIII, Nº 10. Junho de 2007, p.05. SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: retórica e historicidade, 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.37. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed., Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2006, p. 35 e 36. SCIANCA, Adriano. Direitos Humanos?- Revista Orion, número 226, julho de 2003, disponível em <www.causanacional.net/index.php?itemid=208> acesso em 18. Out. 2011. VILLEY, Michel. O direito e os direitos humanos, 1ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p.73.