O documento discute as objeções à ideia de aperfeiçoamento biológico do ser humano, apresentando três principais objeções: 1) dar prioridade ao natural face ao artificial; 2) modificar a natureza humana é "brincar a Deus"; 3) só os mais ricos teriam acesso às tecnologias, aumentando as desigualdades. O texto argumenta que estas objeções são discutíveis e não impedem necessariamente o aperfeiçoamento se feito de forma ética e inclusiva.
2. Introdução
Gostaria de ser mais inteligente? Mais forte? Gostaria de viver durante
mais tempo e com boa saúde? De escolher o sexo e aparência duma
criança da qual vai ser um dos progenitores?
Há quem garanta que os avanços da ciência adiarão o
envelhecimento e a decadência do corpo. Poderemos ainda recuperar a
visão e melhorar a memória.
Quem não gostaria de ter todas estas vantagens sem precisar de
trabalhar para as obter?
O aperfeiçoamento biológico do ser humano
FILOSOFIA 11.º ano
3. Objeções à ideia de aperfeiçoamento biológico
Apresentam-se três objeções à ideia de aperfeiçoamento biológico do
ser humano.
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4. 1.ª Objeção
«Devemos dar prioridade ao que é natural face ao artificial porque o
que é natural é, em geral bom, e o que não é natural é mau.»
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5. Comentário à 1.ª Objeção
Receia-se que haja desigualdade entre os seres humanos
aperfeiçoados e os que «ficam para trás». Um igual estatuto moral
depende de uma mesma natureza humana. Se se aperfeiçoar essa
natureza, não a farão em todos os seres humanos. Logo, uns «serão
mais iguais do que outros» ou deixaremos de ter um igual estatuto
moral.
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6. Comentário à 1.ª Objeção
Os bioconservadores dizem que todos são iguais por natureza
reduzindo, contudo, assim o conceito de pessoa a uma caraterística
biológica. Por outro lado, considerar como bom o que é natural é fazer
da natureza humana mais uma avaliação do que um dado. Trata-se de
uma construção: é naturalmente bom o que é desejável.
As teorias sobre a natureza humana são muitas e algumas como a
de Hobbes salientam a maldade e não a tendência para o bem. E falar
de «sabedoria da natureza» é mais uma crença metafísica do que uma
justificação plausível.
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7. 2.ª Objeção
«Ao querermos aperfeiçoar a natureza humana estamos a “brincar a
Deus” e, por isso, a ser arrogantes.»
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8. Comentário à 2.ª Objeção
Esta é uma das objeções mais usadas: o argumento do «brincar a
Deus». Modificar e intervir na natureza humana é arrogância perante o
Criador. No entanto, este argumento só será plausível para os crentes e
dificilmente convencerá os ateus ou agnósticos. Esta segunda objeção é
habitualmente reforçada pela ideia de que a natureza é boa e sábia.
Seja num contexto religioso seja num contexto secular, julga-se que
cabe à própria natureza e não ao ser humano a tarefa do
aperfeiçoamento. E nós, humanos, devemos aceitar só o que a natureza
nos deu?
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9. 3.ª Objeção
«As intervenções técnicas da engenharia genética na natureza
humana são muito caras e só os mais favorecidos poderão beneficiar
delas. Por outro lado, não aceitar as contingências da lotaria genética
e fazer com que a natureza humana seja o resultado de escolhas
controladas artificialmente reduziria o peso de valores como a
humildade e a solidariedade. A valorização dos dons naturais de um
atleta e de um cantor é algo de que não devemos prescindir.»
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10. Comentário à 3.ª Objeção
Esta é uma questão de justiça social que implicitamente reconhece
que o aperfeiçoamento é uma coisa boa. Se a intervenção das
biotecnologias for no sentido de criar seres humanos superiores
interferindo no genoma tal como ele é, o risco de desigualdade é claro.
Podemos antever uma elite de pós-humanos com mais aptidões
mentais, mais capacidade atlética, vidas mais longas e melhores, mais
capacidade para criar riqueza e, desde logo, a propensão para se
tornarem dominantes. A divisão entre humanos e pós-humanos, os
beneficiários do aperfeiçoamento, criaria um fosso e um conflito grave.
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11. Contra este cenário, a aceitação dos dons da natureza é valorizada por pensadores
como Michael Sandel, por exemplo, que não descarta as intervenções terapêuticas, mas
opõe-se a técnicas de aperfeiçoamento. Uma coisa é intervir na natureza para a restaurar,
para restaurar a saúde ou para curar, outra é querer mudar essa natureza em nome de
uma ideia de natureza humana perfeita.
Este pensador considera que se devem valorizar as capacidades naturais humanas, o
empenho, por exemplo, de um atleta que usa e trabalha o que a natura, por sorte, lhe
deu. Se cada um de nós pudesse determinar as suas capacidades com base no
aperfeiçoamento artificial, então cada indivíduo deveria os seus sucessos e fracasso só a si
mesmo, e este conceito asfixiante de responsabilidade reduziria a solidariedade social.
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Comentário à 3.ª Objeção
12. Objeções ao aperfeiçoamento
As dúvidas sobre a segurança dos
procedimentos
Muita gente se preocupa com a segurança das tecnologias do
aperfeiçoamento e com o conhecimento limitado que mesmo os
especialistas têm sobre as consequências da engenharia genética em
certos domínios. No entanto, este argumento parece não ser suficiente
para mostrar que melhorar não é ético. Se houvesse um avanço
científico significativo, poderia confirmar-se a segurança dos
procedimentos, e as consequências do aperfeiçoamento poderiam ser
controladas. Nessa altura, não haveria nenhuma objeção em avançar
com o aperfeiçoamento.
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13. O que é natural deve ter prioridade sobre o artificial.
Outra objeção ao aperfeiçoamento tem por base a ideia de que o
natural é bom e de que o não natural é mau: resumidamente,
devemos dar prioridade ao natural em detrimento do artificial.
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Objeções ao aperfeiçoamento
14. Muitos consideram esta crença errada. Por exemplo, diz-se que os
alimentos que surgem naturalmente são mais seguros ou mais
saudáveis, mas em muitos casos, porém, os alimentos preparados
artificialmente são mais seguros e mais saudáveis.
Quando os processos naturais são menos dispendiosos ou provocam
menos danos no ambiente, há razões para preferi-los. No entanto, não
há razão alguma para preferir um processo natural a um processo
artificial na ausência de outras considerações relevantes. Pode-se dar
exemplos de acontecimentos naturais bons, como um brilhante pôr-do-
Sol ou uma colheita abundante. Mas, por vezes, o natural também pode
provocar grandes danos (as enchentes, as secas…), podendo mesmo
causar perdas de vidas humanas.
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Objeções ao aperfeiçoamento
O que é natural deve ter prioridade sobre o artificial.
15. Também desta forma se teria de renunciar às práticas da medicina e
às suas constantes descobertas, como as vacinas e os antibióticos. O ser
humano fica naturalmente doente e é invadido por organismos naturais
como vírus e bactérias, que muitas vezes matam.
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Objeções ao aperfeiçoamento
O que é natural deve ter prioridade sobre o artificial.
16. O dever de não tentar aperfeiçoar a natureza humana é muito discutível.
Outra objeção importante é a de «brincar a Deus», já referida
anteriormente, a ideia de que, ao procedermos a certos
aperfeiçoamentos, somos culpados de arrogância.
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Objeções ao aperfeiçoamento
17. «Não se espera que os seres humanos criem melhores seres
humanos, pois isso seria arrogante da sua parte. Deveriam apenas
aceitar o que Deus ou a natureza lhes deu, sem tentarem melhorá-lo.»
A pergunta é: Haverá algo de errado em intervir nos genes, modificando
assim a natureza humana e evoluir por nós próprios?
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O dever de não tentar aperfeiçoar a natureza humana é muito discutível.
18. Lisa Bortollotti disserta acerca do possível facto da valorização da
humanidade enquanto tal. «O facto de todas as pessoas que
conhecemos serem seres humanos é apenas um acaso. Se
encontrássemos essas caraterísticas das pessoas em seres não
humanos, íamos (ou devíamos) ainda valorizá-las e estimá-las. Tais
considerações podem apoiar a ideia de que o valor intrínseco e o
estatuto moral não dependem da espécie a que os indivíduos
pertencem, mas do facto de serem pessoas, e de, enquanto tal, terem
interesses de um certo tipo.»
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O dever de não tentar aperfeiçoar a natureza humana é muito discutível.