SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 6
Baixar para ler offline
NOTA TÉCNICA

PERSPECTIVA DE GÊNERO E RAÇA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS*
Laís Abramo**

O tema deste ensaio é a dimensão de raça nas políticas públicas. A primeira pergunta que
deve ser feita é: Por que é importante falar de gênero e raça quando se fala de políticas
públicas? Ou, em uma linguagem mais técnica, por que é importante introduzir, fortalecer
e transversalizar a dimensão de raça nas políticas públicas?
Em primeiro lugar porque, no Brasil, as desigualdades e a discriminação de gênero e
raça são problemas que dizem respeito à maioria da população. No caso brasileiro, quando
nos referimos a gênero e raça não estamos falando de grupos específicos da população, ou de
minorias, mas, sim, das amplas maiorias da sociedade brasileira. Isso não significa que a
discriminação contra qualquer minoria possa ser justificada, mas que, no Brasil, esse problema
claramente se refere à maioria da população. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (PNAD) de 2001, as mulheres correspondem a 42% da População Economicamente Ativa (PEA), e os negros de ambos os sexos a 44,5%. A soma de mulheres
(brancas e negras) e homens negros corresponde a 55 milhões de pessoas, que representam
quase 70% da PEA brasileira. Por sua vez, as mulheres negras, que representam um conjunto
bastante especial nesse grupo, correspondem a 14 milhões de pessoas — quase 20% da PEA
brasileira.
Em segundo lugar, porque, em qualquer indicador social considerado — educação,
emprego, trabalho, moradia etc — existe uma desvantagem sistemática das mulheres em
relação aos homens, e do conjunto de negros de ambos os sexos em relação aos brancos. Essa
desvantagem é especialmente marcada no caso das mulheres negras.
O segundo tema importante a ser discutido é como essas duas questões — gênero e
raça — podem e devem ser relacionadas. Esses dois temas têm estatutos diferenciados. No
caso do Brasil existem, inclusive, movimentos sociais organizados — e diferenciados — em
torno dessas duas questões: os direitos da mulher e o feminismo, e os direitos dos negros e o
combate ao racismo. Trabalhar conjuntamente essas duas questões não é fácil, não é simples.
Pelo contrário, é um grande desafio.
No Brasil, estamos vivendo atualmente um momento propício para trabalhar essa
questão, a partir da criação, pelo Governo do presidente Lula, de duas secretarias especiais
vinculadas à Presidência da República. Uma delas encarregada das políticas para as mulheres e
a outra encarregada das políticas de promoção da igualdade racial. Essas duas secretarias, e
as suas respectivas ministras, têm muita consciência de que é necessário trabalhar em conjunto essas duas dimensões, e isso é muito importante.
As desigualdades e as discriminações de gênero e raça são duas formas fundamentais de
discriminação que cruzam a sociedade e o mundo do trabalho no Brasil. São dois tipos de

* Apresentação feita no Seminário Internacional América do Sul, África, Brasil: acordos e compromissos para a promoção da
igualdade racial e combate a todas as formas de discriminação, Brasilia, 22-24 de março de 2004.
** Especialista Regional da OIT em Gênero e Trabalho.

ipea

mercado de trabalho

| 25 | nov 2004

17
NOTA TÉCNICA

discriminação que não apenas se superpõem, mas se intercruzam e se potencializam. A
situação da mulher negra evidencia essa dupla discriminação.
Examinando os indicadores do mercado de trabalho, o que observamos é que em alguns aspectos a discriminação de gênero é mais acentuada que a de raça, e em outros ocorre
o contrário. Não se trata aqui de discutir qual desses dois tipos de discriminação é o pior.
Ambos são intoleráveis e têm de ser combatidos. No caso da mulher negra, uma forma de
discriminação potencializa a outra.
Outro tema abordado nessa exposição é a relação entre a discriminação (de gênero e
raça), a pobreza e a exclusão social. Muitas vezes essa discussão é feita separadamente: quem
discute a questão da discriminação não discute necessariamente a questão da pobreza, e
quem discute a questão da pobreza não está levando na devida conta as dimensões de gênero
e raça. Existe, entretanto, uma relação muito forte entre esses dois problemas: as diversas
formas de discriminação estão fortemente associadas aos fenômenos de exclusão social que
dão origem à pobreza e são responsáveis pela superposição de diversos tipos de vulnerabilidade
e pela criação de poderosas barreiras adicionais para que as pessoas e os grupos discriminados
possam superar a pobreza e a exclusão social.
A pobreza é heterogênea. Isso pode parecer óbvio, mas não é porque a maioria das
análises e diagnósticos sobre a questão da pobreza, os indicadores em geral utilizados para
medi-la, assim como as políticas públicas desenvolvidas para tentar combatê-la não consideram devidamente nem a dimensão de gênero, nem a de raça desses fenômenos.
A pobreza não é neutra. A pobreza tem sexo, tem cor, tem endereço. Isso significa que
os fatores ligados à condição da família, ao ciclo de vida, ao sexo, à idade, à raça e à etnia,
determinam formas diferenciadas de vivenciar a pobreza, e que determinados grupos da
população são mais vulneráveis e têm uma dificuldade maior de superá-la. Há alguns processos e características que são comuns na pobreza de homens e mulheres, negros e brancos,
mas existem outros que são diferentes e geram maiores dificuldades e desvantagens adicionais.
O sexo e a raça são os fatores que mais fortemente condicionam a forma pela qual as pessoas
e suas famílias vivenciam a pobreza. No Brasil, os negros estão sobre-representados entre os
pobres. Eles equivalem a 45,5% do total da população e a 69% do total das pessoas em
situação de pobreza. Na mensuração da pobreza, é mais fácil ter dados desagregados por cor
que por sexo, devido aos indicadores que freqüentemente são utilizados para medir a pobreza,
que tomam em conta o rendimento familiar (a família é a unidade de análise, e as diferenças
que existem no seu interior, entre elas a de sexo, não são devidamente consideradas).

DETERMINANTES DE GÊNERO E RAÇA DA SITUAÇÃO DA POBREZA DE
NEGROS E MULHERES
A raça e o sexo das pessoas determinam a sua maior ou menor vulnerabilidade diante da
pobreza e uma maior ou menor dificuldade de superação dessa situação. Quais são esses
determinantes? Quatro deles merecem destaque:
Primeiro determinante: maiores dificuldades de inserção de negros e
mulheres no mercado de trabalho
Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT) a forma fundamental de superação da
pobreza é o trabalho. Não um trabalho qualquer, mas um trabalho que a OIT define como
trabalho decente, ou seja, capaz de garantir condições de vida minimamente dignas para as
pessoas, e se o trabalho é a via fundamental de superação da pobreza e da exclusão social, é

18

mercado de trabalho

| 25 | nov 2004

ipea
NOTA TÉCNICA

necessário analisar quais as condições que têm os negros e as mulheres para uma inserção
decente (de boa qualidade) no mercado de trabalho. Todos os dados indicam que as mulheres
e os negros têm mais dificuldades de se inserir no mercado de trabalho e, em especial, de
obter um emprego de qualidade.
As principais dificuldades de cada um desses grupos não são necessariamente as mesmas.
No caso das mulheres, um fator muito importante são as restrições impostas pelas responsabilidades reprodutivas, ou seja, toda a carga das tarefas relativas ao cuidado da casa, das
crianças, dos mais velhos, que continua sendo assumida principalmente — quando não
exclusivamente — pelas mulheres. Esse é um trabalho que consome um número importante
de horas por dia (especialmente entre os setores mais pobres) e que não tem um valor
econômico reconhecido pelo mercado. No caso dos negros, um elemento importante é a
escolaridade. Apesar de aumentos importantes verificados na última década nos níveis de
escolaridade do conjunto da população brasileira, ainda persiste um diferencial muito grande
entre negros e brancos nesse aspecto. Esse diferencial se manteve igual ao longo de todo o
século XX. Essa é uma estabilidade muito perversa.
Também afetam negativamente a inserção de mulheres e de negros no mercado de
trabalho a falta de qualificação profissional específica e a ausência de redes de informação, de
contatos, fatores muito importantes para que as pessoas possam encontrar um trabalho.
No caso das mulheres, existem também fatores culturais que não incentivam — ou
desincentivam — o trabalho feminino, dentre eles a velha idéia de que cabe ao homem o
papel de provedor da família e à mulher as funções de cuidado. Essa idéia continua tendo
uma forte presença e capacidade de propagação, apesar do fato que, no Brasil, 27% das
famílias são chefiadas por mulheres, ou seja, em quase 30% das famílias brasileiras as mulheres são as provedoras principais — ou exclusivas. Apesar disso, continua sendo muito
forte a idéia de que o papel da mulher é “cuidar” da família e da esfera reprodutiva e, mesmo
quando ela trabalha, seu trabalho é secundário ou complementar ao do marido.

Segundo determinante: a desigual valorização econômica e social do
trabalho tanto de negros quanto de mulheres
O trabalho tanto de negros como de mulheres é menos valorizado social e economicamente.
Isso está na base dos preconceitos que afetam a sua inserção no mercado de trabalho, como
a suposta “falta de competência” para determinados tipos de trabalho, ou uma delimitação
rígida do que seriam trabalhos próprios para mulheres e próprios para homens, próprios para
negros e próprios para brancos. Na verdade existem muitos preconceitos, muitos estereótipos
diferentes, mas todos eles têm um elemento comum: a desqualificação das mulheres em
relação aos homens e dos negros em relação aos brancos. As formas pelas quais negros e
mulheres são desqualificados e desvalorizados no mercado de trabalho não são necessariamente as mesmas, mas esse fenômeno ocorre com ambos os grupos da população e está na
base da persistência e reprodução de uma segmentação ocupacional que os desfavorece.
Mesmo diante do fato de que as mulheres já têm um nível médio de escolaridade superior
ao dos homens no mercado de trabalho, elas costumam se concentrar em certas ocupações e
profissões que são desvalorizadas social e economicamente, e que aparecem quase como uma
extensão das “funções de cuidado” exercidas no âmbito doméstico e familiar (empregadas
domésticas, enfermeiras, educadoras de ensino básico etc.). Isso explica uma parte importante da maior dificuldade de inserção das mulheres no mercado de trabalho e os diferenciais
de rendimento, oportunidades de ascensão e promoção que ainda permanecem. O mesmo
ocorre no caso dos negros.

ipea

mercado de trabalho

| 25 | nov 2004

19
NOTA TÉCNICA

Terceiro determinante: acesso desigual aos recursos produtivos
Em uma situação em que emprego assalariado e formal responde cada vez mais a uma menor
percentagem dos postos de trabalho existentes, são cruciais as condições de acesso à terra, à
tecnologia, ao crédito que possibilitem alguma alternativa de geração de trabalho e renda.
Nesse aspecto também a situação de mulheres e negros é muito menos favorável.
Quarto determinante: desigualdade de oportunidades para participar
dos processo de tomada de decisões
Essa desigualdade incide na não-inclusão dos interesses das mulheres e dos negros nas agendas
de políticas públicas. Em razão disso, as políticas de combate à pobreza, de geração de
emprego, ou de qualquer outra área das políticas públicas (educação, saúde, habitação etc.)
não refletem adequadamente as necessidades e direitos de mulheres e negros, e as políticas
aparentemente “neutras” em relação ao gênero e à raça tendem a reproduzir as desigualdades
existentes entre mulheres e homens, negros e brancos.
DESAFIOS PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS
Nessa parte final quatro desafios para as políticas públicas voltadas ao combate à pobreza e
à geração de emprego serão apresentados, com o objetivo de incorporar adequadamente as
dimensões de gênero e raça.
O primeiro deles é incorporar uma dimensão de gênero e raça nos métodos de medição
da pobreza e nas análises sobre a pobreza, a fim de visibilizar as características próprias da
pobreza das mulheres e dos negros. Se a pobreza é heterogênea, se existe uma situação
diferenciada e desigual em termos de gênero e raça na vivência da pobreza e dos processos de
exclusão social, essa realidade deve refletir-se nos indicadores através dos quais esses fenômenos
são mensurados, assim como nas análises e diagnósticos feitos sobre pobreza, problemas de
emprego, educação, saúde, habitação etc. Outra vez, isso vale para qualquer área das políticas
públicas.
Para elaborar políticas mais eficazes de combate à pobreza é fundamental compreender
as causas a ela associadas, identificar os grupos mais vulneráveis e gerar respostas adequadas.
É fundamental, ainda, que as pessoas em situação de pobreza deixem de ser vistas apenas
como beneficiárias de programas sociais, e passem a ser vistas como cidadãs e cidadãos
portadores de direitos.
O segundo desafio é justamente incorporar os problemas das mulheres e dos negros na
agenda pública. Para isso, é muito importante estabelecer canais e mecanismos de diálogo
com diferentes atores. Esses problemas são de uma magnitude tal que a sua solução supõe o
concurso de diferentes atores e a criação de espaços de concertação social. Também é importante identificar adequadamente as melhores opções institucionais para promover a
transversalização das dimensões de gênero e raça nas políticas públicas, que podem ser diferentes segundo os vários contextos em que se atua.
O terceiro desafio é gerar novas respostas ante os problemas das mulheres e dos negros.
Rever o impacto diferenciado em homens e mulheres, brancos e negros dos programas de
emprego e combate à pobreza e incorporar uma dimensão de gênero e raça nos processos de
planejamento, implementação, alocação de recursos, monitoramento e avaliação de cada
programa ou política. Se não existirem mecanismos ou indicadores que possam medir os
efeitos dessas políticas, e se esses indicadores são sensíveis ao gênero e à raça, nunca poderemos

20

mercado de trabalho

| 25 | nov 2004

ipea
NOTA TÉCNICA

saber se esses programas são eficientes ou não, se contribuem ou não para os seus objetivos,
assim como para a superação das desigualdades de gênero e raça.
O quarto desafio é fortalecer as capacidades institucionais dos gestores públicos e demais
atores sociais para desenvolverem propostas de política e mecanismos de implementação,
monitoramento e avaliação capazes de promover a igualdade de gênero e raça como um
aspecto fundamental das políticas públicas. Quando falamos de políticas públicas nos referimos a gestores, a formuladores de políticas, a pessoas responsáveis pela implementação
dessas políticas, seu monitoramento e avaliação. Estamos falando do governo, dos funcionários
públicos e também das organizações da sociedade civil que estão em constante diálogo com
esses gestores públicos. Um fator central, portanto, para o êxito dessas políticas, para aumentar sua capacidade de contribuir para a superação das desigualdades de gênero e raça é
fortalecer as capacidades institucionais dos atores que são por elas responsáveis para que
sejam capazes de executar tudo o que estamos propondo aqui. Não basta ter sensibilidade
para a questão de gênero, sensibilidade para a questão de raça, isso é importante, mas não
suficiente. Fundamental é saber como traduzir essa sensibilidade em programas e políticas
concretas, em ferramentas concretas, e isso exige um grande esforço de formação e capacitação
dos gestores públicos e dos demais atores sociais e a criação de espaços e mecanismos de
diálogo social e de concertação em torno ao tema. As organizações sindicais, de empregadores,
de mulheres e negros têm de estar presentes nessa discussão. Para isso elas também têm de
se qualificar, para saber traduzir todas essas idéias e demandas em políticas e ações concretas.

ipea

mercado de trabalho

| 25 | nov 2004

21
Perspectiva de genero e raça

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Relaçoes.de.genero
Relaçoes.de.generoRelaçoes.de.genero
Relaçoes.de.genero
Kati Froes
 
Classificação da desigualdade nas políticas públicas - Cotas ou Bonus Raciais?
Classificação da desigualdade nas políticas públicas - Cotas ou Bonus Raciais?Classificação da desigualdade nas políticas públicas - Cotas ou Bonus Raciais?
Classificação da desigualdade nas políticas públicas - Cotas ou Bonus Raciais?
Charles Argelazi
 
Dados Sobre As Desigualdades Raciais No Brasil Site Mundo Negro
Dados Sobre As Desigualdades Raciais No Brasil   Site Mundo NegroDados Sobre As Desigualdades Raciais No Brasil   Site Mundo Negro
Dados Sobre As Desigualdades Raciais No Brasil Site Mundo Negro
guesta7e113
 
Atividades de sociologia brasil(inclusãox exclusão) (1)
Atividades de sociologia brasil(inclusãox exclusão) (1)Atividades de sociologia brasil(inclusãox exclusão) (1)
Atividades de sociologia brasil(inclusãox exclusão) (1)
Atividades Diversas Cláudia
 
Pobreza, exclusão social, desigualdade e violência.
Pobreza, exclusão social, desigualdade e violência.Pobreza, exclusão social, desigualdade e violência.
Pobreza, exclusão social, desigualdade e violência.
roberto mosca junior
 

Mais procurados (20)

Nota informativa oxfam_datafolha_nos_desigualdades
Nota informativa oxfam_datafolha_nos_desigualdadesNota informativa oxfam_datafolha_nos_desigualdades
Nota informativa oxfam_datafolha_nos_desigualdades
 
Relaçoes.de.genero
Relaçoes.de.generoRelaçoes.de.genero
Relaçoes.de.genero
 
Livro Juventude
Livro JuventudeLivro Juventude
Livro Juventude
 
Brasil nao reserva datas para herois negros
Brasil nao reserva datas para herois negrosBrasil nao reserva datas para herois negros
Brasil nao reserva datas para herois negros
 
16467 50753-1-pb
16467 50753-1-pb16467 50753-1-pb
16467 50753-1-pb
 
Mulheres negras contam sua história
Mulheres negras contam sua história Mulheres negras contam sua história
Mulheres negras contam sua história
 
O Racismo Estrutural no Mercado de Trabalho
O Racismo Estrutural no Mercado de TrabalhoO Racismo Estrutural no Mercado de Trabalho
O Racismo Estrutural no Mercado de Trabalho
 
Classificação da desigualdade nas políticas públicas - Cotas ou Bonus Raciais?
Classificação da desigualdade nas políticas públicas - Cotas ou Bonus Raciais?Classificação da desigualdade nas políticas públicas - Cotas ou Bonus Raciais?
Classificação da desigualdade nas políticas públicas - Cotas ou Bonus Raciais?
 
Dados Sobre As Desigualdades Raciais No Brasil Site Mundo Negro
Dados Sobre As Desigualdades Raciais No Brasil   Site Mundo NegroDados Sobre As Desigualdades Raciais No Brasil   Site Mundo Negro
Dados Sobre As Desigualdades Raciais No Brasil Site Mundo Negro
 
Mapa violencia 2010
Mapa violencia 2010Mapa violencia 2010
Mapa violencia 2010
 
Mapeamento das ações
Mapeamento das açõesMapeamento das ações
Mapeamento das ações
 
O que é desigualdade social
O que é desigualdade socialO que é desigualdade social
O que é desigualdade social
 
Atividades de sociologia brasil(inclusãox exclusão) (1)
Atividades de sociologia brasil(inclusãox exclusão) (1)Atividades de sociologia brasil(inclusãox exclusão) (1)
Atividades de sociologia brasil(inclusãox exclusão) (1)
 
Para alem dos numeros
Para alem dos numerosPara alem dos numeros
Para alem dos numeros
 
Desigualdades raciais no brasil
Desigualdades raciais no brasilDesigualdades raciais no brasil
Desigualdades raciais no brasil
 
Pobreza no brasil contemporâneo e formas de seu enfrentamento
Pobreza no brasil contemporâneo e formas de seu enfrentamentoPobreza no brasil contemporâneo e formas de seu enfrentamento
Pobreza no brasil contemporâneo e formas de seu enfrentamento
 
Mulheres
MulheresMulheres
Mulheres
 
A mulher negra_brasileira
A mulher negra_brasileiraA mulher negra_brasileira
A mulher negra_brasileira
 
Brasil não reserva datas para heróis negros
Brasil não reserva datas para heróis negrosBrasil não reserva datas para heróis negros
Brasil não reserva datas para heróis negros
 
Pobreza, exclusão social, desigualdade e violência.
Pobreza, exclusão social, desigualdade e violência.Pobreza, exclusão social, desigualdade e violência.
Pobreza, exclusão social, desigualdade e violência.
 

Destaque (8)

Pcri marchazumbi
Pcri marchazumbiPcri marchazumbi
Pcri marchazumbi
 
Práticas religiosas de cuidado e cura entre mulheres negras
Práticas religiosas de cuidado e cura entre mulheres negrasPráticas religiosas de cuidado e cura entre mulheres negras
Práticas religiosas de cuidado e cura entre mulheres negras
 
Racismo e saúde estudo etnográfico com mulheres negras de baixa renda
Racismo e saúde estudo etnográfico com mulheres negras de baixa rendaRacismo e saúde estudo etnográfico com mulheres negras de baixa renda
Racismo e saúde estudo etnográfico com mulheres negras de baixa renda
 
Livros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População NegraLivros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População Negra
 
Livros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População NegraLivros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População Negra
 
Desigualdades raciais no acesso de mulheres ao cuidado pré natal e no parto
Desigualdades raciais no acesso de mulheres ao cuidado pré natal e no partoDesigualdades raciais no acesso de mulheres ao cuidado pré natal e no parto
Desigualdades raciais no acesso de mulheres ao cuidado pré natal e no parto
 
Pcri fatos notas1
Pcri fatos notas1Pcri fatos notas1
Pcri fatos notas1
 
Doença, Sangue e Raça: o caso da anemia falciforme no Brasil, 1933- 1949
Doença, Sangue e Raça: o caso da anemia falciforme no Brasil, 1933- 1949Doença, Sangue e Raça: o caso da anemia falciforme no Brasil, 1933- 1949
Doença, Sangue e Raça: o caso da anemia falciforme no Brasil, 1933- 1949
 

Semelhante a Perspectiva de genero e raça

Artigo%20 blog%201[1]
Artigo%20 blog%201[1]Artigo%20 blog%201[1]
Artigo%20 blog%201[1]
dgmansur
 
Mulher negritude, indicadores sociais
Mulher negritude, indicadores sociaisMulher negritude, indicadores sociais
Mulher negritude, indicadores sociais
Kelly da Silva
 
Desigualdade De GéNero
Desigualdade De GéNeroDesigualdade De GéNero
Desigualdade De GéNero
guestf0ccd3
 
Relações ÉTnico Raciais E De GêNero
Relações ÉTnico Raciais E De GêNeroRelações ÉTnico Raciais E De GêNero
Relações ÉTnico Raciais E De GêNero
culturaafro
 
Gênero e Diversidade na Escola
Gênero e Diversidade na Escola Gênero e Diversidade na Escola
Gênero e Diversidade na Escola
guest635ad82
 
Educao_para_a_Igualdade_de_Gnero.pdf
Educao_para_a_Igualdade_de_Gnero.pdfEducao_para_a_Igualdade_de_Gnero.pdf
Educao_para_a_Igualdade_de_Gnero.pdf
Iris Ribeiro
 
Efeitos do capital humano por raça e gênero nas chances de acesso às posições...
Efeitos do capital humano por raça e gênero nas chances de acesso às posições...Efeitos do capital humano por raça e gênero nas chances de acesso às posições...
Efeitos do capital humano por raça e gênero nas chances de acesso às posições...
Juliana Anacleto
 
Roseli ct nacional_2010
Roseli ct nacional_2010Roseli ct nacional_2010
Roseli ct nacional_2010
Estati
 
POLÍTICA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL
POLÍTICA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL POLÍTICA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL
POLÍTICA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL
culturaafro
 
Apresentação1
Apresentação1Apresentação1
Apresentação1
cenape
 

Semelhante a Perspectiva de genero e raça (20)

Artigo%20 blog%201[1]
Artigo%20 blog%201[1]Artigo%20 blog%201[1]
Artigo%20 blog%201[1]
 
Mulher negritude, indicadores sociais
Mulher negritude, indicadores sociaisMulher negritude, indicadores sociais
Mulher negritude, indicadores sociais
 
Desigualdade De GéNero
Desigualdade De GéNeroDesigualdade De GéNero
Desigualdade De GéNero
 
As mulheres na sociedade
As mulheres na sociedadeAs mulheres na sociedade
As mulheres na sociedade
 
"Percebam que a alma não tem cor - artigo - Rita C T Mendonça
"Percebam que a alma não tem cor - artigo - Rita C T Mendonça"Percebam que a alma não tem cor - artigo - Rita C T Mendonça
"Percebam que a alma não tem cor - artigo - Rita C T Mendonça
 
Desigualdades de Gênero no Brasil
Desigualdades de Gênero no BrasilDesigualdades de Gênero no Brasil
Desigualdades de Gênero no Brasil
 
Relações ÉTnico Raciais E De GêNero
Relações ÉTnico Raciais E De GêNeroRelações ÉTnico Raciais E De GêNero
Relações ÉTnico Raciais E De GêNero
 
Aula 3 desigualdades de gênero no brasil indicadores
Aula 3 desigualdades de gênero no brasil  indicadoresAula 3 desigualdades de gênero no brasil  indicadores
Aula 3 desigualdades de gênero no brasil indicadores
 
Gênero e Diversidade na Escola
Gênero e Diversidade na Escola Gênero e Diversidade na Escola
Gênero e Diversidade na Escola
 
Educao_para_a_Igualdade_de_Gnero.pdf
Educao_para_a_Igualdade_de_Gnero.pdfEducao_para_a_Igualdade_de_Gnero.pdf
Educao_para_a_Igualdade_de_Gnero.pdf
 
Racismo
RacismoRacismo
Racismo
 
Raça
RaçaRaça
Raça
 
Raça e saude reprodutiva
Raça e saude reprodutivaRaça e saude reprodutiva
Raça e saude reprodutiva
 
Diversidade
Diversidade  Diversidade
Diversidade
 
Racismo e Dicas Atinirracistas.docx
Racismo e Dicas Atinirracistas.docxRacismo e Dicas Atinirracistas.docx
Racismo e Dicas Atinirracistas.docx
 
Efeitos do capital humano por raça e gênero nas chances de acesso às posições...
Efeitos do capital humano por raça e gênero nas chances de acesso às posições...Efeitos do capital humano por raça e gênero nas chances de acesso às posições...
Efeitos do capital humano por raça e gênero nas chances de acesso às posições...
 
Roseli ct nacional_2010
Roseli ct nacional_2010Roseli ct nacional_2010
Roseli ct nacional_2010
 
POLÍTICA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL
POLÍTICA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL POLÍTICA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL
POLÍTICA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL
 
Apresentação1
Apresentação1Apresentação1
Apresentação1
 
mulhertrabalhoeeducacao1.pptx
mulhertrabalhoeeducacao1.pptxmulhertrabalhoeeducacao1.pptx
mulhertrabalhoeeducacao1.pptx
 

Mais de População Negra e Saúde

Mary Seacole e Maria Soldado: enfermeiras negras que fizeram história
Mary Seacole e Maria Soldado: enfermeiras negras que fizeram históriaMary Seacole e Maria Soldado: enfermeiras negras que fizeram história
Mary Seacole e Maria Soldado: enfermeiras negras que fizeram história
População Negra e Saúde
 
Saude em debate tematico saude da população negra
Saude em debate tematico saude da população negraSaude em debate tematico saude da população negra
Saude em debate tematico saude da população negra
População Negra e Saúde
 
Jones race racism and the practice of epidemiology
Jones race racism and the practice of epidemiologyJones race racism and the practice of epidemiology
Jones race racism and the practice of epidemiology
População Negra e Saúde
 
Documento para o encontro de especialistas de genero e raça
Documento para o encontro de especialistas de genero e raçaDocumento para o encontro de especialistas de genero e raça
Documento para o encontro de especialistas de genero e raça
População Negra e Saúde
 

Mais de População Negra e Saúde (20)

Biografias Femininas, racismo e subjetividade ativista: Um olhar sobre a saúd...
Biografias Femininas, racismo e subjetividade ativista: Um olhar sobre a saúd...Biografias Femininas, racismo e subjetividade ativista: Um olhar sobre a saúd...
Biografias Femininas, racismo e subjetividade ativista: Um olhar sobre a saúd...
 
Livros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População NegraLivros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População Negra
 
Mary Seacole e Maria Soldado: enfermeiras negras que fizeram história
Mary Seacole e Maria Soldado: enfermeiras negras que fizeram históriaMary Seacole e Maria Soldado: enfermeiras negras que fizeram história
Mary Seacole e Maria Soldado: enfermeiras negras que fizeram história
 
Saude em debate tematico saude da população negra
Saude em debate tematico saude da população negraSaude em debate tematico saude da população negra
Saude em debate tematico saude da população negra
 
Cartaz Onde vc guarda o seu racismo
Cartaz Onde vc guarda o seu racismoCartaz Onde vc guarda o seu racismo
Cartaz Onde vc guarda o seu racismo
 
Boletim pcri especial saude
Boletim pcri especial saudeBoletim pcri especial saude
Boletim pcri especial saude
 
Pcri ata premio
Pcri ata premioPcri ata premio
Pcri ata premio
 
Fatos notas3
Fatos notas3Fatos notas3
Fatos notas3
 
Fatos notas2
Fatos notas2Fatos notas2
Fatos notas2
 
Premio pcri
Premio pcriPremio pcri
Premio pcri
 
Pcri relatanual
Pcri relatanualPcri relatanual
Pcri relatanual
 
Artigo racismo sexismo e eugenia
Artigo racismo sexismo e eugeniaArtigo racismo sexismo e eugenia
Artigo racismo sexismo e eugenia
 
Saude referida brasil e eua
Saude referida brasil e euaSaude referida brasil e eua
Saude referida brasil e eua
 
Jones race racism and the practice of epidemiology
Jones race racism and the practice of epidemiologyJones race racism and the practice of epidemiology
Jones race racism and the practice of epidemiology
 
Documento para o encontro de especialistas de genero e raça
Documento para o encontro de especialistas de genero e raçaDocumento para o encontro de especialistas de genero e raça
Documento para o encontro de especialistas de genero e raça
 
A importância do quesito cor
A importância do quesito corA importância do quesito cor
A importância do quesito cor
 
A cor da morte
A cor da morteA cor da morte
A cor da morte
 
A batalha de durban
A batalha de durbanA batalha de durban
A batalha de durban
 
Desigauldes raciais em saude
Desigauldes raciais em saudeDesigauldes raciais em saude
Desigauldes raciais em saude
 
Em busca da equidade
Em busca da equidadeEm busca da equidade
Em busca da equidade
 

Perspectiva de genero e raça

  • 1. NOTA TÉCNICA PERSPECTIVA DE GÊNERO E RAÇA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS* Laís Abramo** O tema deste ensaio é a dimensão de raça nas políticas públicas. A primeira pergunta que deve ser feita é: Por que é importante falar de gênero e raça quando se fala de políticas públicas? Ou, em uma linguagem mais técnica, por que é importante introduzir, fortalecer e transversalizar a dimensão de raça nas políticas públicas? Em primeiro lugar porque, no Brasil, as desigualdades e a discriminação de gênero e raça são problemas que dizem respeito à maioria da população. No caso brasileiro, quando nos referimos a gênero e raça não estamos falando de grupos específicos da população, ou de minorias, mas, sim, das amplas maiorias da sociedade brasileira. Isso não significa que a discriminação contra qualquer minoria possa ser justificada, mas que, no Brasil, esse problema claramente se refere à maioria da população. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2001, as mulheres correspondem a 42% da População Economicamente Ativa (PEA), e os negros de ambos os sexos a 44,5%. A soma de mulheres (brancas e negras) e homens negros corresponde a 55 milhões de pessoas, que representam quase 70% da PEA brasileira. Por sua vez, as mulheres negras, que representam um conjunto bastante especial nesse grupo, correspondem a 14 milhões de pessoas — quase 20% da PEA brasileira. Em segundo lugar, porque, em qualquer indicador social considerado — educação, emprego, trabalho, moradia etc — existe uma desvantagem sistemática das mulheres em relação aos homens, e do conjunto de negros de ambos os sexos em relação aos brancos. Essa desvantagem é especialmente marcada no caso das mulheres negras. O segundo tema importante a ser discutido é como essas duas questões — gênero e raça — podem e devem ser relacionadas. Esses dois temas têm estatutos diferenciados. No caso do Brasil existem, inclusive, movimentos sociais organizados — e diferenciados — em torno dessas duas questões: os direitos da mulher e o feminismo, e os direitos dos negros e o combate ao racismo. Trabalhar conjuntamente essas duas questões não é fácil, não é simples. Pelo contrário, é um grande desafio. No Brasil, estamos vivendo atualmente um momento propício para trabalhar essa questão, a partir da criação, pelo Governo do presidente Lula, de duas secretarias especiais vinculadas à Presidência da República. Uma delas encarregada das políticas para as mulheres e a outra encarregada das políticas de promoção da igualdade racial. Essas duas secretarias, e as suas respectivas ministras, têm muita consciência de que é necessário trabalhar em conjunto essas duas dimensões, e isso é muito importante. As desigualdades e as discriminações de gênero e raça são duas formas fundamentais de discriminação que cruzam a sociedade e o mundo do trabalho no Brasil. São dois tipos de * Apresentação feita no Seminário Internacional América do Sul, África, Brasil: acordos e compromissos para a promoção da igualdade racial e combate a todas as formas de discriminação, Brasilia, 22-24 de março de 2004. ** Especialista Regional da OIT em Gênero e Trabalho. ipea mercado de trabalho | 25 | nov 2004 17
  • 2. NOTA TÉCNICA discriminação que não apenas se superpõem, mas se intercruzam e se potencializam. A situação da mulher negra evidencia essa dupla discriminação. Examinando os indicadores do mercado de trabalho, o que observamos é que em alguns aspectos a discriminação de gênero é mais acentuada que a de raça, e em outros ocorre o contrário. Não se trata aqui de discutir qual desses dois tipos de discriminação é o pior. Ambos são intoleráveis e têm de ser combatidos. No caso da mulher negra, uma forma de discriminação potencializa a outra. Outro tema abordado nessa exposição é a relação entre a discriminação (de gênero e raça), a pobreza e a exclusão social. Muitas vezes essa discussão é feita separadamente: quem discute a questão da discriminação não discute necessariamente a questão da pobreza, e quem discute a questão da pobreza não está levando na devida conta as dimensões de gênero e raça. Existe, entretanto, uma relação muito forte entre esses dois problemas: as diversas formas de discriminação estão fortemente associadas aos fenômenos de exclusão social que dão origem à pobreza e são responsáveis pela superposição de diversos tipos de vulnerabilidade e pela criação de poderosas barreiras adicionais para que as pessoas e os grupos discriminados possam superar a pobreza e a exclusão social. A pobreza é heterogênea. Isso pode parecer óbvio, mas não é porque a maioria das análises e diagnósticos sobre a questão da pobreza, os indicadores em geral utilizados para medi-la, assim como as políticas públicas desenvolvidas para tentar combatê-la não consideram devidamente nem a dimensão de gênero, nem a de raça desses fenômenos. A pobreza não é neutra. A pobreza tem sexo, tem cor, tem endereço. Isso significa que os fatores ligados à condição da família, ao ciclo de vida, ao sexo, à idade, à raça e à etnia, determinam formas diferenciadas de vivenciar a pobreza, e que determinados grupos da população são mais vulneráveis e têm uma dificuldade maior de superá-la. Há alguns processos e características que são comuns na pobreza de homens e mulheres, negros e brancos, mas existem outros que são diferentes e geram maiores dificuldades e desvantagens adicionais. O sexo e a raça são os fatores que mais fortemente condicionam a forma pela qual as pessoas e suas famílias vivenciam a pobreza. No Brasil, os negros estão sobre-representados entre os pobres. Eles equivalem a 45,5% do total da população e a 69% do total das pessoas em situação de pobreza. Na mensuração da pobreza, é mais fácil ter dados desagregados por cor que por sexo, devido aos indicadores que freqüentemente são utilizados para medir a pobreza, que tomam em conta o rendimento familiar (a família é a unidade de análise, e as diferenças que existem no seu interior, entre elas a de sexo, não são devidamente consideradas). DETERMINANTES DE GÊNERO E RAÇA DA SITUAÇÃO DA POBREZA DE NEGROS E MULHERES A raça e o sexo das pessoas determinam a sua maior ou menor vulnerabilidade diante da pobreza e uma maior ou menor dificuldade de superação dessa situação. Quais são esses determinantes? Quatro deles merecem destaque: Primeiro determinante: maiores dificuldades de inserção de negros e mulheres no mercado de trabalho Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT) a forma fundamental de superação da pobreza é o trabalho. Não um trabalho qualquer, mas um trabalho que a OIT define como trabalho decente, ou seja, capaz de garantir condições de vida minimamente dignas para as pessoas, e se o trabalho é a via fundamental de superação da pobreza e da exclusão social, é 18 mercado de trabalho | 25 | nov 2004 ipea
  • 3. NOTA TÉCNICA necessário analisar quais as condições que têm os negros e as mulheres para uma inserção decente (de boa qualidade) no mercado de trabalho. Todos os dados indicam que as mulheres e os negros têm mais dificuldades de se inserir no mercado de trabalho e, em especial, de obter um emprego de qualidade. As principais dificuldades de cada um desses grupos não são necessariamente as mesmas. No caso das mulheres, um fator muito importante são as restrições impostas pelas responsabilidades reprodutivas, ou seja, toda a carga das tarefas relativas ao cuidado da casa, das crianças, dos mais velhos, que continua sendo assumida principalmente — quando não exclusivamente — pelas mulheres. Esse é um trabalho que consome um número importante de horas por dia (especialmente entre os setores mais pobres) e que não tem um valor econômico reconhecido pelo mercado. No caso dos negros, um elemento importante é a escolaridade. Apesar de aumentos importantes verificados na última década nos níveis de escolaridade do conjunto da população brasileira, ainda persiste um diferencial muito grande entre negros e brancos nesse aspecto. Esse diferencial se manteve igual ao longo de todo o século XX. Essa é uma estabilidade muito perversa. Também afetam negativamente a inserção de mulheres e de negros no mercado de trabalho a falta de qualificação profissional específica e a ausência de redes de informação, de contatos, fatores muito importantes para que as pessoas possam encontrar um trabalho. No caso das mulheres, existem também fatores culturais que não incentivam — ou desincentivam — o trabalho feminino, dentre eles a velha idéia de que cabe ao homem o papel de provedor da família e à mulher as funções de cuidado. Essa idéia continua tendo uma forte presença e capacidade de propagação, apesar do fato que, no Brasil, 27% das famílias são chefiadas por mulheres, ou seja, em quase 30% das famílias brasileiras as mulheres são as provedoras principais — ou exclusivas. Apesar disso, continua sendo muito forte a idéia de que o papel da mulher é “cuidar” da família e da esfera reprodutiva e, mesmo quando ela trabalha, seu trabalho é secundário ou complementar ao do marido. Segundo determinante: a desigual valorização econômica e social do trabalho tanto de negros quanto de mulheres O trabalho tanto de negros como de mulheres é menos valorizado social e economicamente. Isso está na base dos preconceitos que afetam a sua inserção no mercado de trabalho, como a suposta “falta de competência” para determinados tipos de trabalho, ou uma delimitação rígida do que seriam trabalhos próprios para mulheres e próprios para homens, próprios para negros e próprios para brancos. Na verdade existem muitos preconceitos, muitos estereótipos diferentes, mas todos eles têm um elemento comum: a desqualificação das mulheres em relação aos homens e dos negros em relação aos brancos. As formas pelas quais negros e mulheres são desqualificados e desvalorizados no mercado de trabalho não são necessariamente as mesmas, mas esse fenômeno ocorre com ambos os grupos da população e está na base da persistência e reprodução de uma segmentação ocupacional que os desfavorece. Mesmo diante do fato de que as mulheres já têm um nível médio de escolaridade superior ao dos homens no mercado de trabalho, elas costumam se concentrar em certas ocupações e profissões que são desvalorizadas social e economicamente, e que aparecem quase como uma extensão das “funções de cuidado” exercidas no âmbito doméstico e familiar (empregadas domésticas, enfermeiras, educadoras de ensino básico etc.). Isso explica uma parte importante da maior dificuldade de inserção das mulheres no mercado de trabalho e os diferenciais de rendimento, oportunidades de ascensão e promoção que ainda permanecem. O mesmo ocorre no caso dos negros. ipea mercado de trabalho | 25 | nov 2004 19
  • 4. NOTA TÉCNICA Terceiro determinante: acesso desigual aos recursos produtivos Em uma situação em que emprego assalariado e formal responde cada vez mais a uma menor percentagem dos postos de trabalho existentes, são cruciais as condições de acesso à terra, à tecnologia, ao crédito que possibilitem alguma alternativa de geração de trabalho e renda. Nesse aspecto também a situação de mulheres e negros é muito menos favorável. Quarto determinante: desigualdade de oportunidades para participar dos processo de tomada de decisões Essa desigualdade incide na não-inclusão dos interesses das mulheres e dos negros nas agendas de políticas públicas. Em razão disso, as políticas de combate à pobreza, de geração de emprego, ou de qualquer outra área das políticas públicas (educação, saúde, habitação etc.) não refletem adequadamente as necessidades e direitos de mulheres e negros, e as políticas aparentemente “neutras” em relação ao gênero e à raça tendem a reproduzir as desigualdades existentes entre mulheres e homens, negros e brancos. DESAFIOS PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS Nessa parte final quatro desafios para as políticas públicas voltadas ao combate à pobreza e à geração de emprego serão apresentados, com o objetivo de incorporar adequadamente as dimensões de gênero e raça. O primeiro deles é incorporar uma dimensão de gênero e raça nos métodos de medição da pobreza e nas análises sobre a pobreza, a fim de visibilizar as características próprias da pobreza das mulheres e dos negros. Se a pobreza é heterogênea, se existe uma situação diferenciada e desigual em termos de gênero e raça na vivência da pobreza e dos processos de exclusão social, essa realidade deve refletir-se nos indicadores através dos quais esses fenômenos são mensurados, assim como nas análises e diagnósticos feitos sobre pobreza, problemas de emprego, educação, saúde, habitação etc. Outra vez, isso vale para qualquer área das políticas públicas. Para elaborar políticas mais eficazes de combate à pobreza é fundamental compreender as causas a ela associadas, identificar os grupos mais vulneráveis e gerar respostas adequadas. É fundamental, ainda, que as pessoas em situação de pobreza deixem de ser vistas apenas como beneficiárias de programas sociais, e passem a ser vistas como cidadãs e cidadãos portadores de direitos. O segundo desafio é justamente incorporar os problemas das mulheres e dos negros na agenda pública. Para isso, é muito importante estabelecer canais e mecanismos de diálogo com diferentes atores. Esses problemas são de uma magnitude tal que a sua solução supõe o concurso de diferentes atores e a criação de espaços de concertação social. Também é importante identificar adequadamente as melhores opções institucionais para promover a transversalização das dimensões de gênero e raça nas políticas públicas, que podem ser diferentes segundo os vários contextos em que se atua. O terceiro desafio é gerar novas respostas ante os problemas das mulheres e dos negros. Rever o impacto diferenciado em homens e mulheres, brancos e negros dos programas de emprego e combate à pobreza e incorporar uma dimensão de gênero e raça nos processos de planejamento, implementação, alocação de recursos, monitoramento e avaliação de cada programa ou política. Se não existirem mecanismos ou indicadores que possam medir os efeitos dessas políticas, e se esses indicadores são sensíveis ao gênero e à raça, nunca poderemos 20 mercado de trabalho | 25 | nov 2004 ipea
  • 5. NOTA TÉCNICA saber se esses programas são eficientes ou não, se contribuem ou não para os seus objetivos, assim como para a superação das desigualdades de gênero e raça. O quarto desafio é fortalecer as capacidades institucionais dos gestores públicos e demais atores sociais para desenvolverem propostas de política e mecanismos de implementação, monitoramento e avaliação capazes de promover a igualdade de gênero e raça como um aspecto fundamental das políticas públicas. Quando falamos de políticas públicas nos referimos a gestores, a formuladores de políticas, a pessoas responsáveis pela implementação dessas políticas, seu monitoramento e avaliação. Estamos falando do governo, dos funcionários públicos e também das organizações da sociedade civil que estão em constante diálogo com esses gestores públicos. Um fator central, portanto, para o êxito dessas políticas, para aumentar sua capacidade de contribuir para a superação das desigualdades de gênero e raça é fortalecer as capacidades institucionais dos atores que são por elas responsáveis para que sejam capazes de executar tudo o que estamos propondo aqui. Não basta ter sensibilidade para a questão de gênero, sensibilidade para a questão de raça, isso é importante, mas não suficiente. Fundamental é saber como traduzir essa sensibilidade em programas e políticas concretas, em ferramentas concretas, e isso exige um grande esforço de formação e capacitação dos gestores públicos e dos demais atores sociais e a criação de espaços e mecanismos de diálogo social e de concertação em torno ao tema. As organizações sindicais, de empregadores, de mulheres e negros têm de estar presentes nessa discussão. Para isso elas também têm de se qualificar, para saber traduzir todas essas idéias e demandas em políticas e ações concretas. ipea mercado de trabalho | 25 | nov 2004 21