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Mulheres negras e a luta pela
ascensão educacional
O déficit histórico de atenção do Estado à população negra
criou um País onde os antigos escravos permaneceram
com baixa escolaridade, baixa remuneração e piores
empregos. Mas medidas afirmativas de inclusão
educacional começam a mudar as cores dessa história. E
entre elas, os desafios são maiores.
Por Rafael Dantas 25 de julho de 2013
A renda das mulheres brasileiras é em média 30% inferior
a dos homens, de acordo com pesquisa do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID). Curiosamente,
o tempo de estudo delas é maior que o masculino.
Esse fenômeno não se dá apenas com profissões em que
a demanda por formação é baixa, como os domésticos. O
salário de uma mulher mesmo com nível de mestrado,
por exemplo, é 28% inferior a um homem com a mesma
titulação.
Quando esse recorte é feito apenas com as mulheres
negras a disparidade é ainda maior. Elas recebem, em
média, o equivalente a 40% do que os homens brancos.
“Os dados disponíveis sobre as desigualdades de gênero
e raça no mercado de trabalho apontam para uma pior
situação de negros e mulheres em praticamente todos os
indicadores analisados. Expressam, ainda, a perversa
manifestação da dupla discriminação que atinge mulheres
negras, e que faz com que estas, vítimas do racismo e do
sexismo, encontrem-se concentradas nos piores postos
de trabalho, recebendo os menores rendimentos,
sofrendo com as relações informais de trabalho (e sua
conseqüente ausência de proteção social tanto presente
quanto futura – aposentadoria) e ocupando as posições
de menor prestígio na hierarquia profissional”, declara a
técnica do Ipea, Luana Pinheiro, em Retrato da
Desigualdade.
Mulheres e Negras
As mulheres negras estão no grupo crítico das
que nem trabalham, nem estudam, segundo o
Instituto de Estudos Sociais e Políticos. Além
disso, entre as que trabalham, há uma grande
concentração ainda da raça negra entre as
domésticas. Entre aquelas que conseguem chegar
no nível superior, são poucas as que encontram
vaga em cursos mais valorizados socialmente e
melhor remunerados.
No Brasil, 93% dos profissionais domésticos são
mulheres, de acordo com Estudo do Dieese
(2010). No Recife, 80,9% das empregadas
domésticas são negras. Quando observamos no
universo das mulheres profissionais, uma a cada
cinco recifenses negras atuam como domésticas.
Entre as mulheres brancas, apenas 10% trabalham
no ramo.
Cor, gênero e profissão
18 - 24
25 - 39
40 - 49
50 - 59
Fonte: Dieese 2010
Apesar da suprema maioria de mulheres negras
no serviço doméstico, é importante apontar que
essas empregadas estão envelhecendo e menos
jovens seguem a profissão. O Dieese aponta que
apenas 7,1% das domésticas recifenses negras
possuem idade entre 18 e 24 anos, que é a faixa
etária de maior potencial para educação técnica e
superior.
Sinais de mudança
Poucos anos antes da libertação dos escravos do
Brasil, engenheiro e abolicionista André
Rebouças pregava que tornar os escravos livres
não era suficiente. Há mais de um século, ele
defendeu que os negros de sua época
recebessem um pedaço de terra para trabalhar e
que em cada comunidade negra chegasse uma
escola. O grito por uma revolução do lápis foi
dado, mas não foi atendido. “A lei que proclamou
a libertação dos escravos foi uma das menores da
história brasileira. Apenas tornava-os livres, sem
nenhum acréscimo”, afirma a militante Inaldete
Pinheiro, uma das fundadoras do movimento
negro no Recife.
Mais de cem anos depois, a reforma agrária não
foi feita. Mas o acesso educacional amplo para os
negros começa a chegar. Desde a Constituição de
1988, que garantiu a educação universal, as
crianças mais carentes tiveram acesso à escola,
mas as suas limitações de qualidade dificultam
até hoje o acesso desse estudante ao ensino
superior público.
Um passo afirmativo dado nos últimos anos foi a
criação de mecanismos de acesso aos alunos de
escolas públicas a cursos preparatórios para
vestibulares. Mais recentemente, o Programa
Universidade para Todos (Prouni) e alguns
sistemas de cotas esporádicos, por iniciativa de
cada instituição, aceleraram este acesso. No ano
passado, a lei federal que institui 50% das cotas
para esses alunos, incluindo um mecanismo
proporcional que de respeito à questão racial,
tornou essa batalha pela educação negra uma
política de Estado.
O grito de Rebouças
Políticas avançam, mas sofrem resistências
As políticas nacionais de distribuição de renda da
última década – tais como Bolsa Família e o
aumento real do salário mínimo – tiraram muitas
famílias da pobreza e criaram uma celebrada
nova classe C. De acordo com estudos do
Instituto Data Popular, 68% dos filhos da classe C
estudaram mais que seus pais. Além disso, os
estudos do instituto apontam que 66% dessas
famílias atribuem a educação dos filhos como
prioridade na hora de escolher onde investir.
Se as políticas de distribuição de renda colocam
muitos filhos das classes mais baixas na rede
privada de ensino, as ações afirmativas no ensino
superior tem garantido de forma mais rápida os
espaços dessa população no corpo discente das
universidades brasileiras.
Mesmo sem fazer um recorte racial, essas
políticas atingem fortemente as famílias negras,
que se enquadram em sua maioria no contexto
das exclusões do País.
Se alguns especialistas comemoram os
indicadores que apontam diferenças mínimas de
desempenho entre cotistas e não cotistas no
ensino superior, uma grande parcela da
população resiste ao caminho encontrado pelo
Governo Federal para promover a ascensão dos
mais pobres do País, onde estão incluídos os
negros. Em especial na distribuição de vagas no
ensino superior público.
Enquanto as cotas representam uma luz no fim
do túnel de jovens que sofreram toda sua vida
num ensino público precário, para muitas famílias
da classe média elas são mais uma barreira ao
difícil acesso ao ensino superior, onde apenas
19% dos jovens entre 18 e 24 anos tem
oportunidade de realizar. Além disso, apenas um
quarto dessas vagas estão em instituições
públicas (federais, estaduais e municipais).
Frente a este quadro, a opção governamental de
reservar vagas - ao invés de expandir o corpo
discente das universidades públicas - colocou em
choque os anseios desses dois grupos sociais.
Políticas avançam, mas sofrem resistências
Mesmo de acordo com a política de cotas sociais
e raciais, o presidente da Coordenação Nacional
de Direito Educacional do Conselho Federal da
OAB, Inácio Feitosa, acredita que a opção
também não foi a mais adequada. “Sou
particularmente favorável a esta lei, mesmo
reconhecendo que a mesma poderia, ao invés de
suprimir 50% das vagas para o sistema de cotas,
ter acrescido essas vagas às existentes.”
Combatendo os argumentos de resistência à
política de cotas, Inácio Feitosa aponta
indicadores que comprovam o sucesso do
programa, e defende um papel da universidade
de maior inclusão social.
“Os alunos do Prouni são reconhecidamente
bons, inclusive com ótimos resultados no Enade,
essa informação é do próprio MEC. Essa
preocupação, hoje, é inexistente nas instituições
particulares. A defasagem existente em relação ao
aluno cotista é semelhante ao aluno não cotista,
com raras exceções, e em alguns cursos das
Universidades Públicas. Porém, algo que poderá
ser totalmente resolvido com a realização de
cursos de nivelamento. As Universidades públicas
devem desempenhar um papel de inclusão social
efetivo. Hoje, isso não acontece. As Universidades
públicas não são para os alunos carentes. São
para aqueles que tiveram condições de gastar
mais com cursinhos e aprenderam os “macetes”
dos vestibulares das federais, para saírem na
frente da concorrência.”, declara Inácio Feitosa.
Entre o acesso e sucesso da política
Vencendo preconceitos e uma tradição de acesso
exclusivamente pela meritocracia, as cotas
garantem a entrada de uma parcela de negros
em todos os cursos do ensino federal. Porém,
entre o acesso e o sucesso da política existem as
dificuldades naturais do ensino superior, além das
limitações financeiras desses alunos a serem
superadas por no mínimo quatro anos.
De acordo com dados do Ministério da Educação,
de 2009, a taxa de evasão no ensino superior
brasileiro é de 20,9%. Como as políticas de cotas
são recentes, há uma carência por números que
apontem maior ou menor evasão dentro desse
universo do universitário brasileiro. Nesse sentido,
os ativistas do movimento negro e especialistas
apontam a necessidade de serviços como o
restaurante universitário e mesmo o reforço
escolar funcionem de forma eficiente, em
benefício dos egressos cotistas.
Entrevista com
Inaldete Pinheiro
Enfermeira, com mestrado em Serviço
Social pelo UFPE, Inaldete Pinheiro tem
uma longa trajetória no movimento negro
em Pernambuco e no Brasil. Hoje
aposentada, ela aponta a educação
como a principal ferramenta de
promoção social e as cotas como uma
resposta a exclusão histórica nos negros
no Brasil.
“A escravidão da terra e intelectual
ainda não acabou”
Como você chegou ao movimento negro?
Uma amiga que tinha família em São Paulo tinha
contato com os grupos de estudantes negros da
USP que discutiam as questões raciais. Mas eram
mais universitários, a grande massa negra não
estava ali. Em 1978, acompanhei muitas
publicações alternativas que abordavam a
questão racial, como o Versus. Li muito os artigos
do jornalista Hamilton Cardoso, que tinha uma
coluna Afro Latino América e fazia várias
reportagens. Uma que não me esqueço trazia o
Movimento Nacional Negro Unificado contra a
Discriminação Racial, que protestavam contra a
proibição do acesso de um atleta negro na sede
social do Clube Regatas de São Paulo. A partir da
solidariedade a esse atleta, muitos grupos se
formaram, mas eram mais fortes em São Paulo,
Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul.
Como nasceu o movimento em Pernambuco?
Tive acesso a carta proposta e ao estatuto desse
movimento. Me identifiquei e apresentei a dois
amigos. A primeira reunião do movimento negro
no Recife aconteceu na minha casa, em julho de
1979. E ficamos na minha casa até que o grupo
cresceu muito.
Como você avalia o cenário da educação da
população negra no País?
A questão da população negra a educação é
marcada desde o início pela exclusão. Apesar
desse problema da educação ser para todos no
Brasil. Antes mesmo da abolição, mesmo formado
em engenharia, André Rebouças sofreu
preconceitos. Perdeu uma bolsa para estudar na
Europa por preconceito racial. Mas o pai
prometeu que pagaria seus estudos fora do País,
mesmo se tivesse que vender todos os seus
livros. Ele foi e ao voltar montou uma empresa e
foi responsável pela construção de muitas
ferrovias no Brasil. Já na época ele defendia a
educação para os negros no Brasil, mas até hoje
persistem a escravidão da terra e intelectual. Essa
proposta dele, de colocar uma escola em cada
comunidade negra, já era uma ação afirmativa.
Vale o registro que no Recife, nesta época, um
grupo de negros alforriados se dedicou a ensinar
aos negros recém libertos. Mas só agora essa
história de exclusão começa a mudar via as ações
afirmativas.
Entrevista com Inaldete Pinheiro
O cenário das mulheres negras é mais complicado
no Brasil?
Olhando para a história do Brasil, quantos
senhores de engenho não proibiam suas filhas de
estudar? Além da questão racial, as mulheres
enfrentam os preconceitos de gênero. Apesar
disso, nos últimos anos e historicamente a
população negra de estudantes mulheres é maior
que a masculina no ensino superior. Aos homens
sempre a pressão por trabalhar foi maior. Essa
exclusão do homem das mulheres negras
alimentou muito o ciclo vicioso do analfabetismo.
Como mulher e negra, num período de ditadura
militar, você enfrentou preconceitos na
universidade?
Minha faculdade era muito conservadora. Mas a
melhor professora do curso era negra, apesar de
ser a única do corpo docente. Éramos minoria
também entre os alunos. De 42 matriculados,
havia um homem e quatro mulheres negras.
Particularmente nunca percebi entre os colegas
nenhuma manifestação de preconceito. Lembro-
me apenas de um professor que não nos olhava
com carinho, mas não era nada explícito. Mas, até
hoje, pelo número de pessoas negras que
circulam na universidade, você percebe que são
muito poucas.
Qual a sua avaliação da implantação das ações
afirmativas em Pernambuco?
Aqui a UPE foi pioneira no estabelecimento de
cotas. Foi mais de um ano de discussão. Tenho
lembranças desse lindo momentos e que
aconteceu uma audiência pública interna na UPE.
Mas nos jornais da época a briga era baixa.
Fizemos panfletagem para que os estudantes se
declarassem negros na inscrição do vestibular
para concorrer as cotas. Quem é negro sabe as
barreiras para terminar o segundo grau. Enfrentar
racismo, fome, falta de passagem de ônibus,
professores de escolas públicas pouco
compromissados. Essa questão de mérito no
acesso à universidade é tão redundante. Existe
um grande mérito nesses estudantes que
conseguem chegar mesmo via cotas ao ensino
superior, por tudo o que enfrentaram. Isso não é
tirar vantagem por ser negro. Dou total apoio as
ações afirmativas sociais com esse recorte racial
proposto pelo Governo Federal. Cheguei a ouvir
que universidade é para quem gosta de estudar.
Isso é de um racismo e de ignorância tão grande.
No Brasil somos mais de 50% da população, mas
estamos longe de ser metade dos universitários
ainda.
Entrevista com Inaldete Pinheiro
Se por um lado as mulheres e homens negros
são beneficiados diretamente pela política de
cotas e demais ações afirmativas, por outro a
universidade ganha um aluno com um grande
potencial de trazer contribuições acadêmicas.
Enquanto um grupo acreditava que a reduzida
escolaridade de parte do alunato poderia
comprometer o ensino, um outro vê nesse alunos
uma aproximação real da academia com a
sociedade.
Alunos com histórias de vida e com problemas
diferentes do docente tradicional das
universidades sinalizam um grande potencial para
as pesquisas acadêmicas e projetos de extensão,
visto o olhar diferente do aluno que nasceu e
cresceu na periferia urbana e na zona de exclusão
social do Brasil. Nos questionamentos e
pesquisas que esses alunos trarão a universidade
está outra grande vantagem dessas ações.
“Esses alunos trazem uma humanização das
relações sociais. A verdade é que não estamos
acostumados a conviver com as diferenças.
Lembrei-me de um depoimento de um cego
amigo nosso, que de forma simples me ensinou
uma grande lição de vida. Disse-me certa vez:
“Sabe qual a diferença de mim que sou cego
para você que enxerga? (...) é que nós não
tivemos condições de sermos criados juntos. Não
aprendemos a nos conhecer e a nos respeitar”,
declarou Inácio Feitosa.
A contribuição negra no ensino superior
Segundo dados do último Enade divulgados,
apenas 6% dos universitários formados naquele
ano eram negros. No curso de medicina, os
concluintes eram apenas 2,6%. Esses indicadores
e os testemunhos dos alunos egressos só
confirmam que essa é apenas o início de uma
trajetória muito maior que colocar alunos a
universidade, mas que envolve toda uma
necessária reforma no sistema educacional
brasileiro, rumo a um modelo de mais qualidade
e mais inclusivo.
O início de uma trajetória de mudanças
A estudante Aline Katiuscia, 25 anos entrou
há dois meses na universidade via o sistema
de cotas. Natural de Afogados da Ingazeira,
interior de Pernambuco e vinda da
educação pública, ela, que se declara parda,
hoje faz o curso de psicologia. Na sua
experiência acadêmica recente, ela afirma
não ter tido nenhum problema pelo fato de
ser cotista. “As pessoas não tem tido
rejeição por quem entra pelo sistema.
Acredito que as cotas são importantes pois
inserem na universidade quem não entraria
naturalmente pela defasagem da educação
básica nas escolas públicas”, afirma.
Ela afirma que quando a educação básica
brasileira tiver qualidade não concordará
com a permanência do sistema, que existe
para reparar o déficit histórico educacional
do País com os pobres e negros.
Como Aline, um números maior de
brasileiros entraram no ensino superior via
o sistema de cotas neste ano. Apesar disso,
a trajetória ainda se mostra longa para
reparar a disparidade entre negros e
brancos, além da questão de gênero.

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Mulheres

  • 1. Mulheres negras e a luta pela ascensão educacional O déficit histórico de atenção do Estado à população negra criou um País onde os antigos escravos permaneceram com baixa escolaridade, baixa remuneração e piores empregos. Mas medidas afirmativas de inclusão educacional começam a mudar as cores dessa história. E entre elas, os desafios são maiores. Por Rafael Dantas 25 de julho de 2013
  • 2. A renda das mulheres brasileiras é em média 30% inferior a dos homens, de acordo com pesquisa do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Curiosamente, o tempo de estudo delas é maior que o masculino. Esse fenômeno não se dá apenas com profissões em que a demanda por formação é baixa, como os domésticos. O salário de uma mulher mesmo com nível de mestrado, por exemplo, é 28% inferior a um homem com a mesma titulação. Quando esse recorte é feito apenas com as mulheres negras a disparidade é ainda maior. Elas recebem, em média, o equivalente a 40% do que os homens brancos. “Os dados disponíveis sobre as desigualdades de gênero e raça no mercado de trabalho apontam para uma pior situação de negros e mulheres em praticamente todos os indicadores analisados. Expressam, ainda, a perversa manifestação da dupla discriminação que atinge mulheres negras, e que faz com que estas, vítimas do racismo e do sexismo, encontrem-se concentradas nos piores postos de trabalho, recebendo os menores rendimentos, sofrendo com as relações informais de trabalho (e sua conseqüente ausência de proteção social tanto presente quanto futura – aposentadoria) e ocupando as posições de menor prestígio na hierarquia profissional”, declara a técnica do Ipea, Luana Pinheiro, em Retrato da Desigualdade. Mulheres e Negras
  • 3. As mulheres negras estão no grupo crítico das que nem trabalham, nem estudam, segundo o Instituto de Estudos Sociais e Políticos. Além disso, entre as que trabalham, há uma grande concentração ainda da raça negra entre as domésticas. Entre aquelas que conseguem chegar no nível superior, são poucas as que encontram vaga em cursos mais valorizados socialmente e melhor remunerados. No Brasil, 93% dos profissionais domésticos são mulheres, de acordo com Estudo do Dieese (2010). No Recife, 80,9% das empregadas domésticas são negras. Quando observamos no universo das mulheres profissionais, uma a cada cinco recifenses negras atuam como domésticas. Entre as mulheres brancas, apenas 10% trabalham no ramo. Cor, gênero e profissão
  • 4. 18 - 24 25 - 39 40 - 49 50 - 59 Fonte: Dieese 2010 Apesar da suprema maioria de mulheres negras no serviço doméstico, é importante apontar que essas empregadas estão envelhecendo e menos jovens seguem a profissão. O Dieese aponta que apenas 7,1% das domésticas recifenses negras possuem idade entre 18 e 24 anos, que é a faixa etária de maior potencial para educação técnica e superior. Sinais de mudança
  • 5. Poucos anos antes da libertação dos escravos do Brasil, engenheiro e abolicionista André Rebouças pregava que tornar os escravos livres não era suficiente. Há mais de um século, ele defendeu que os negros de sua época recebessem um pedaço de terra para trabalhar e que em cada comunidade negra chegasse uma escola. O grito por uma revolução do lápis foi dado, mas não foi atendido. “A lei que proclamou a libertação dos escravos foi uma das menores da história brasileira. Apenas tornava-os livres, sem nenhum acréscimo”, afirma a militante Inaldete Pinheiro, uma das fundadoras do movimento negro no Recife. Mais de cem anos depois, a reforma agrária não foi feita. Mas o acesso educacional amplo para os negros começa a chegar. Desde a Constituição de 1988, que garantiu a educação universal, as crianças mais carentes tiveram acesso à escola, mas as suas limitações de qualidade dificultam até hoje o acesso desse estudante ao ensino superior público. Um passo afirmativo dado nos últimos anos foi a criação de mecanismos de acesso aos alunos de escolas públicas a cursos preparatórios para vestibulares. Mais recentemente, o Programa Universidade para Todos (Prouni) e alguns sistemas de cotas esporádicos, por iniciativa de cada instituição, aceleraram este acesso. No ano passado, a lei federal que institui 50% das cotas para esses alunos, incluindo um mecanismo proporcional que de respeito à questão racial, tornou essa batalha pela educação negra uma política de Estado. O grito de Rebouças
  • 6. Políticas avançam, mas sofrem resistências As políticas nacionais de distribuição de renda da última década – tais como Bolsa Família e o aumento real do salário mínimo – tiraram muitas famílias da pobreza e criaram uma celebrada nova classe C. De acordo com estudos do Instituto Data Popular, 68% dos filhos da classe C estudaram mais que seus pais. Além disso, os estudos do instituto apontam que 66% dessas famílias atribuem a educação dos filhos como prioridade na hora de escolher onde investir. Se as políticas de distribuição de renda colocam muitos filhos das classes mais baixas na rede privada de ensino, as ações afirmativas no ensino superior tem garantido de forma mais rápida os espaços dessa população no corpo discente das universidades brasileiras. Mesmo sem fazer um recorte racial, essas políticas atingem fortemente as famílias negras, que se enquadram em sua maioria no contexto das exclusões do País. Se alguns especialistas comemoram os indicadores que apontam diferenças mínimas de desempenho entre cotistas e não cotistas no ensino superior, uma grande parcela da população resiste ao caminho encontrado pelo Governo Federal para promover a ascensão dos mais pobres do País, onde estão incluídos os negros. Em especial na distribuição de vagas no ensino superior público. Enquanto as cotas representam uma luz no fim do túnel de jovens que sofreram toda sua vida num ensino público precário, para muitas famílias da classe média elas são mais uma barreira ao difícil acesso ao ensino superior, onde apenas 19% dos jovens entre 18 e 24 anos tem oportunidade de realizar. Além disso, apenas um quarto dessas vagas estão em instituições públicas (federais, estaduais e municipais). Frente a este quadro, a opção governamental de reservar vagas - ao invés de expandir o corpo discente das universidades públicas - colocou em choque os anseios desses dois grupos sociais.
  • 7. Políticas avançam, mas sofrem resistências Mesmo de acordo com a política de cotas sociais e raciais, o presidente da Coordenação Nacional de Direito Educacional do Conselho Federal da OAB, Inácio Feitosa, acredita que a opção também não foi a mais adequada. “Sou particularmente favorável a esta lei, mesmo reconhecendo que a mesma poderia, ao invés de suprimir 50% das vagas para o sistema de cotas, ter acrescido essas vagas às existentes.” Combatendo os argumentos de resistência à política de cotas, Inácio Feitosa aponta indicadores que comprovam o sucesso do programa, e defende um papel da universidade de maior inclusão social. “Os alunos do Prouni são reconhecidamente bons, inclusive com ótimos resultados no Enade, essa informação é do próprio MEC. Essa preocupação, hoje, é inexistente nas instituições particulares. A defasagem existente em relação ao aluno cotista é semelhante ao aluno não cotista, com raras exceções, e em alguns cursos das Universidades Públicas. Porém, algo que poderá ser totalmente resolvido com a realização de cursos de nivelamento. As Universidades públicas devem desempenhar um papel de inclusão social efetivo. Hoje, isso não acontece. As Universidades públicas não são para os alunos carentes. São para aqueles que tiveram condições de gastar mais com cursinhos e aprenderam os “macetes” dos vestibulares das federais, para saírem na frente da concorrência.”, declara Inácio Feitosa.
  • 8. Entre o acesso e sucesso da política Vencendo preconceitos e uma tradição de acesso exclusivamente pela meritocracia, as cotas garantem a entrada de uma parcela de negros em todos os cursos do ensino federal. Porém, entre o acesso e o sucesso da política existem as dificuldades naturais do ensino superior, além das limitações financeiras desses alunos a serem superadas por no mínimo quatro anos. De acordo com dados do Ministério da Educação, de 2009, a taxa de evasão no ensino superior brasileiro é de 20,9%. Como as políticas de cotas são recentes, há uma carência por números que apontem maior ou menor evasão dentro desse universo do universitário brasileiro. Nesse sentido, os ativistas do movimento negro e especialistas apontam a necessidade de serviços como o restaurante universitário e mesmo o reforço escolar funcionem de forma eficiente, em benefício dos egressos cotistas.
  • 9. Entrevista com Inaldete Pinheiro Enfermeira, com mestrado em Serviço Social pelo UFPE, Inaldete Pinheiro tem uma longa trajetória no movimento negro em Pernambuco e no Brasil. Hoje aposentada, ela aponta a educação como a principal ferramenta de promoção social e as cotas como uma resposta a exclusão histórica nos negros no Brasil. “A escravidão da terra e intelectual ainda não acabou”
  • 10. Como você chegou ao movimento negro? Uma amiga que tinha família em São Paulo tinha contato com os grupos de estudantes negros da USP que discutiam as questões raciais. Mas eram mais universitários, a grande massa negra não estava ali. Em 1978, acompanhei muitas publicações alternativas que abordavam a questão racial, como o Versus. Li muito os artigos do jornalista Hamilton Cardoso, que tinha uma coluna Afro Latino América e fazia várias reportagens. Uma que não me esqueço trazia o Movimento Nacional Negro Unificado contra a Discriminação Racial, que protestavam contra a proibição do acesso de um atleta negro na sede social do Clube Regatas de São Paulo. A partir da solidariedade a esse atleta, muitos grupos se formaram, mas eram mais fortes em São Paulo, Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Como nasceu o movimento em Pernambuco? Tive acesso a carta proposta e ao estatuto desse movimento. Me identifiquei e apresentei a dois amigos. A primeira reunião do movimento negro no Recife aconteceu na minha casa, em julho de 1979. E ficamos na minha casa até que o grupo cresceu muito. Como você avalia o cenário da educação da população negra no País? A questão da população negra a educação é marcada desde o início pela exclusão. Apesar desse problema da educação ser para todos no Brasil. Antes mesmo da abolição, mesmo formado em engenharia, André Rebouças sofreu preconceitos. Perdeu uma bolsa para estudar na Europa por preconceito racial. Mas o pai prometeu que pagaria seus estudos fora do País, mesmo se tivesse que vender todos os seus livros. Ele foi e ao voltar montou uma empresa e foi responsável pela construção de muitas ferrovias no Brasil. Já na época ele defendia a educação para os negros no Brasil, mas até hoje persistem a escravidão da terra e intelectual. Essa proposta dele, de colocar uma escola em cada comunidade negra, já era uma ação afirmativa. Vale o registro que no Recife, nesta época, um grupo de negros alforriados se dedicou a ensinar aos negros recém libertos. Mas só agora essa história de exclusão começa a mudar via as ações afirmativas. Entrevista com Inaldete Pinheiro
  • 11. O cenário das mulheres negras é mais complicado no Brasil? Olhando para a história do Brasil, quantos senhores de engenho não proibiam suas filhas de estudar? Além da questão racial, as mulheres enfrentam os preconceitos de gênero. Apesar disso, nos últimos anos e historicamente a população negra de estudantes mulheres é maior que a masculina no ensino superior. Aos homens sempre a pressão por trabalhar foi maior. Essa exclusão do homem das mulheres negras alimentou muito o ciclo vicioso do analfabetismo. Como mulher e negra, num período de ditadura militar, você enfrentou preconceitos na universidade? Minha faculdade era muito conservadora. Mas a melhor professora do curso era negra, apesar de ser a única do corpo docente. Éramos minoria também entre os alunos. De 42 matriculados, havia um homem e quatro mulheres negras. Particularmente nunca percebi entre os colegas nenhuma manifestação de preconceito. Lembro- me apenas de um professor que não nos olhava com carinho, mas não era nada explícito. Mas, até hoje, pelo número de pessoas negras que circulam na universidade, você percebe que são muito poucas. Qual a sua avaliação da implantação das ações afirmativas em Pernambuco? Aqui a UPE foi pioneira no estabelecimento de cotas. Foi mais de um ano de discussão. Tenho lembranças desse lindo momentos e que aconteceu uma audiência pública interna na UPE. Mas nos jornais da época a briga era baixa. Fizemos panfletagem para que os estudantes se declarassem negros na inscrição do vestibular para concorrer as cotas. Quem é negro sabe as barreiras para terminar o segundo grau. Enfrentar racismo, fome, falta de passagem de ônibus, professores de escolas públicas pouco compromissados. Essa questão de mérito no acesso à universidade é tão redundante. Existe um grande mérito nesses estudantes que conseguem chegar mesmo via cotas ao ensino superior, por tudo o que enfrentaram. Isso não é tirar vantagem por ser negro. Dou total apoio as ações afirmativas sociais com esse recorte racial proposto pelo Governo Federal. Cheguei a ouvir que universidade é para quem gosta de estudar. Isso é de um racismo e de ignorância tão grande. No Brasil somos mais de 50% da população, mas estamos longe de ser metade dos universitários ainda. Entrevista com Inaldete Pinheiro
  • 12. Se por um lado as mulheres e homens negros são beneficiados diretamente pela política de cotas e demais ações afirmativas, por outro a universidade ganha um aluno com um grande potencial de trazer contribuições acadêmicas. Enquanto um grupo acreditava que a reduzida escolaridade de parte do alunato poderia comprometer o ensino, um outro vê nesse alunos uma aproximação real da academia com a sociedade. Alunos com histórias de vida e com problemas diferentes do docente tradicional das universidades sinalizam um grande potencial para as pesquisas acadêmicas e projetos de extensão, visto o olhar diferente do aluno que nasceu e cresceu na periferia urbana e na zona de exclusão social do Brasil. Nos questionamentos e pesquisas que esses alunos trarão a universidade está outra grande vantagem dessas ações. “Esses alunos trazem uma humanização das relações sociais. A verdade é que não estamos acostumados a conviver com as diferenças. Lembrei-me de um depoimento de um cego amigo nosso, que de forma simples me ensinou uma grande lição de vida. Disse-me certa vez: “Sabe qual a diferença de mim que sou cego para você que enxerga? (...) é que nós não tivemos condições de sermos criados juntos. Não aprendemos a nos conhecer e a nos respeitar”, declarou Inácio Feitosa. A contribuição negra no ensino superior
  • 13. Segundo dados do último Enade divulgados, apenas 6% dos universitários formados naquele ano eram negros. No curso de medicina, os concluintes eram apenas 2,6%. Esses indicadores e os testemunhos dos alunos egressos só confirmam que essa é apenas o início de uma trajetória muito maior que colocar alunos a universidade, mas que envolve toda uma necessária reforma no sistema educacional brasileiro, rumo a um modelo de mais qualidade e mais inclusivo. O início de uma trajetória de mudanças A estudante Aline Katiuscia, 25 anos entrou há dois meses na universidade via o sistema de cotas. Natural de Afogados da Ingazeira, interior de Pernambuco e vinda da educação pública, ela, que se declara parda, hoje faz o curso de psicologia. Na sua experiência acadêmica recente, ela afirma não ter tido nenhum problema pelo fato de ser cotista. “As pessoas não tem tido rejeição por quem entra pelo sistema. Acredito que as cotas são importantes pois inserem na universidade quem não entraria naturalmente pela defasagem da educação básica nas escolas públicas”, afirma. Ela afirma que quando a educação básica brasileira tiver qualidade não concordará com a permanência do sistema, que existe para reparar o déficit histórico educacional do País com os pobres e negros. Como Aline, um números maior de brasileiros entraram no ensino superior via o sistema de cotas neste ano. Apesar disso, a trajetória ainda se mostra longa para reparar a disparidade entre negros e brancos, além da questão de gênero.