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Raça e acesso às ações prioritárias na
agenda da saúde reprodutiva

Ignez Helena Oliva Perpétuo1

Junho 2000

1

UFMG/Departamento de Demografia/CEDEPLAR;
Bolsista do CNPq (Pós-doutoramento na Maternal and Child Epidemiology Unit/London School of
Hygiene and Tropical Medicine, London, UK)
Raça e acesso às ações prioritárias na
agenda da saúde reprodutiva

Introdução
Durante um longo período a questão racial no Brasil foi dominada pelo mito da
democracia racial, segundo o qual o preconceito e discriminação contra o negro seriam
um problema de estratificação social, ou seja, seriam decorrentes da posição sócioeconômica inferior da população negra, herança do nosso passado escravista. Uma
perspectiva de análise mais recente, e menos otimista, assume que a inserção social de
um indivíduo na sociedade é diretamente relacionada à sua cor, e que a persistência
histórica da raça como princípio classificatório não deve ser encarada como herança do
passado mas como um mecanismo social de reprodução da desigualdade racial, servindo
aos interesses do grupo racialmente hegemônico2. Ou, em palavras mais simples, a
posição sócio-econômica inferior da população negra seria decorrente de sua menor
oportunidade de ascensão social e econômica em função do preconceito e discriminação
raciais existentes na sociedade brasileira.
Uma série de estudos tributários dessa segunda abordagem têm documentado a
segregação da população negra em dimensões variadas, tais como a distribuição
espacial, o acesso à educação, a inserção no mercado de trabalho3. Análises da dinâmica
demográfica, por outro lado, indicam a existência de grandes diferenciais de
mortalidade e de fecundidade entre brancos e negros (Berquó, Bercovich, Garcia 1986;
Garcia 1987; Berquó 1988; Pinto da Cunha 1990). Trabalhos que abordam temas
relativos à saúde reprodutiva são mais raros. Alguns deles sugerem que as mulheres
negras estão mais expostas à infertilidade e à mortalidade materna, como resultado de

2

Para uma revisão da questão racial no Brasil ver, por exemplo, Haselberg (1991), Ianni (1991),
Skimore (1991) ou a revisão apresentada por Porcaro 1988:172-4.
3

Ver, por exemplo, Hasenbalg, Vale Silva (1988), Hasenbalg (1990), Rosemberg (1990), Telles
(1990), Batista, Galvão (1992), Castro, Guimarães (1993), entre inúmeros outros.

2
sua predisposição biológica para algumas doenças - como a hipertensão arterial e a
miomatose - vis a vis `a sua maior dificuldade de acesso a serviços de saúde, fruto da
discriminação racial que determinaria sua maior concentração em áreas de periferia,
onde a infraestrutura de serviços é ausente ou deficiente (Rolnik, 1989; Oliveira, 1993;
Souza 1994; Oliveira 2000). Outros autores vão mais além, denunciando que a
discriminação contra o negro no Brasil se traduziria em intervenções específicas, como
a cirurgia de laqueadura tubária, que estaria sendo praticada por motivações eugênicas
(Geledés, 1991). Entretanto, pesquisa em São Paulo que realizada especificamente para
investigar esse tema não detectou diferenciais de prevalência do uso do método entre
mulheres negras e não-negras (Berquó 1992).
A literatura internacional, por outro lado, principalmente nos EUA, tem
mostrado que a raça continua a impedir acesso a serviços de saúde, com os brancos os
usando mais, e por mais tempo, mesmo quando todas as variáveis sócio-econômicas
pertinentes são mantidas constantes (Falcone and Broyles 1994, Becker et al 1993,
Wenneker and Epstein 1989).
No Brasil a ausência da variável cor em muitas dos sistemas existentes de
informação demográfica e de saúde tem dificultado a investigação do tema da
desigualdade racial. Neste sentido, a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde
(PNDS), de 1996, é uma fonte valiosa não apenas porque dispor desta variável mas
também por conter informações sobre algumas dimensões essenciais da saúde e direitos
reprodutivos: o contexto sócio-econômico, a experiência sexual e reprodutiva, a
assistência à anticoncepção, a assistência pré-natal, o atendimento obstétrico e o
atendimento ginecológico voltado para a prevenção do câncer cervical e de mama.
O presente trabalho lança mão dessas informações para, em primeiro lugar,
documentar diferenciais entre mulheres brancas e negras em relação à sua inserção
sócio-econômica, seu risco reprodutivo e seu acesso a serviços de saúde e, em segundo
lugar, para investigar se o diferencial no acesso a serviços de saúde estariam associadas
à cor ou se seriam um reflexo do maior nível de pobreza das mulheres negras.
O universo de análise é composto pelas 7541 mulheres entrevistadas pela PNDS
que na data da pesquisa tinham de 15 a 49 anos, se encontravam em uma união estável
(formal ou consensual) e se auto-declararam brancas (44%) ou negras (parda, mulata,

3
morena, cabocla e pretas). O atendimento pré-natal e ao parto é investigado com base
nas 3025 mulheres que tiveram filho(s) nos 5 anos antes da pesquisa, o que representa
42,7% das mulheres negras e 36,8% das brancas.

Desigualdades entre mulheres brancas e negras
Os dados sobre a distribuição das entrevistadas segundo região e situação de
residência, nível educacional e classe social4 confirmam que um enorme abismo sócioeconômico separa as mulheres brancas e negras. Através do Gráfico 1 podemos
verificar que a proporção das mulheres negras que residem nas regiões menos
desenvolvidas e que se encontram nos estratos educacionais e sócio-econômicas
inferiores é dobro que a das mulheres brancas. A diferença na sua distribuição por
situação de residência é menor, mas ainda assim significativa, principalmente
considerando que a população negra se concentra na periferia das cidades onde são o
acesso a bens e serviços urbanos é muito mais precário.

G rá fic o 1
B ras il, 1 99 6: D is trib u iç ão d e m u lh e res b ran c as e n e g ras , se g u n d o ca rac te ríistic as só c io ec o n ô m ica s s elecio na d as

R esidentes no N orte, N ordeste e C entro-oeste

N eg ras

R esidentes na área rural

N eg ras

S em instruç ão ou p rim ário incom p leto

N eg ras

C lasse D e E

N eg ras

0 .0

2 0 .0

4 0 .0

6 0 .0

8 0 .0

P ro p o rçã o (% )

F o n te : M icro d a d o s d a P N D S /9 6

4

É um indicador de renda ou de poder aquisitivo, calculado de acordo com metodologia
desenvolvida pela Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado, a partir de dados sobre a
posse de bens de consumo duraveis (e seu numero) e a educação do marido (detalhes desta metodologia
pode ser encontrada na publicação Mercado Global, Jan/Feb 1984).

.

4
As informações apresentadas na Tabela 1, por outro lado, mostram que a
população negra é muito maior risco reprodutivo pois é substancialmente mais alto o
percentual de mulheres iniciam a vida sexual e tem o primeiro filho ainda adolescentes,
bem como a proporção de mulheres com 3 ou mais filhos.
Tabela 1
Brasil, 1996: Distribuição das Mulheres Brancas e Negras, segundo Algumas
Características de sua Experiência Sexual e Reprodutiva
Branca
Negra
p-value
Idade na primeira relacao sexual
< 15 anos
7.2
13.7
15-17 anos
28.3
33.8
18 e mais
64.5
52.6
<.0001
Idade em que teve o primeiro filho
ate os 16 anos
17-19 anos
20 e + anos
25 e + anos
Numero de filhos tidos
0-2 filhos
3 e mais filhos
Fonte: Micro-dados da PNDS
Nota: Mulheres unidas, de 15-49 anos

7.8
25.7
42.7
23.9

13.2
31.7
38.6
16.5

<.0001

61.9
38.1

48.9
51.1

<.0001

A Tabela 2 ajuda a entender porque é maior a fecundidade das negras ao mostrar
que apenas 20% delas sabe localizar o período fértil da mulher (em contraste com 37%
das brancas), que o percentual que nunca usou nenhum anticoncepcional ou começou a
controlar a fecundidade através da esterilização é o dobro do percentual que se verifica
no grupo das brancas; sendo também o dobro a proporção das que começaram a usar
métodos depois de terem tido 2 ou mais filhos.
O acesso mais precário das mulheres negras aos anticoncepcionais também se
revela através da maior parcela que não usava nenhum método na data da pesquisa e na
menor amplitude do mix anticoncepcional, no qual a pílula e esterilização respondem
por 83% da regulação da fecundidade, em contraposição com os 76% no grupo das
mulheres brancas. Além disso, uma menor parcela de negras usuárias da pílula passou
por uma consulta médica antes de começar a tomá-la, sendo maiores as proporções de
mulheres negras que se encontravam grávidas por falha do método usado e que tinham
‘necessidade insatisfeita por contracepção’, ou seja,

não usavam nenhum método

apesar de serem fecundas e não desejarem ficar grávidas.

5
Tabela 2
Brasil, 1996: Distribuição das Mulheres Brancas e Negras, segundo características
de sua experiência anticoncepcional
Branca
Negra
p-value
Período fértil da mulher
Meio do ciclo
36.7
20.8
Outras respostas
63.3
79.2
<.0001
Primeiro método usado
Nunca usou
Esterilização feminina
Outro moderno
Tradicional

4.1
4.0
79.0
12.9

8.3
8.0
73.8
9.9

< .0001

Número de filhos no 1º uso anticoncepcional
0-1 filho
2 + filhos
Nunca usou

83.0
12.9
4.1

67.4
24.4
8.3

< .0001

Método usado na data da pesquisa
Não usa
Esterilização feminina
Pílula
Outro método moderno
Método tradicional

19.6
37.7
23.1
12.0
7.7

26.1
42.1
19.0
7.3
5.5

< .0001

Consultou médico quando começou a usar a pílula
Consultou
Não consultou

26.0
74.0

31.4
68.6

<.018

93.0
7.0

88.4
11.6

< .0001

Necessidade anticonpecional insatisfeita
Usa método ou não precisa usar
Grávida por falha ou ‘unmet need’
Fonte: Micro-dados da PNDS
Nota: Mulheres unidas, de 15-49 anos

Em conseqüência deste precário conhecimento da fisiologia reprodutiva e acesso
à contracepção, é alto o índice de falha na implementação da preferência reprodutiva.
Ela se traduz, por exemplo, num elevado nível de fecundidade não-desejada que, no
total, representa 27% da fecundidade na população branca e 40% na negra. Como pode
ser visto no Gráfico 2, os diferenciais de insucesso na regulação da fecundidade são
particularmente importantes nas idades extremas do período reprodutivo. As jovens
mulheres negras que, como visto, iniciam sua vida sexual mais cedo, têm um maior
desconhecimento

da

fisiologia

reprodutiva

e

menor

acesso

a

assistencia

anticoncepcional, apresentam taxa especifica de fecundidade substancialmente maior
que as jovens brancas (0,320 vs 0,259) e uma relação muito mais desfavorável em
termos do componente não-desejado da fecundidade ( 39% vs 17%). Nas idades mais

6
velhas, a proporção de fecundidade não desejada das mulheres negras atinge quase
77%, em contraste com 50% das brancas.

Gráfico 2
Brasil, 1995/96:
TFM desejada e não desejada: populacao branca e negra

Negras

Brancas
0.400

0.400

0.300

0.300

0.200

0.200

0.100

0.100

9
/4

9

Fec. Desejada

45

/3
35

/2
25

15

/1

9

45/49

35/39

25/29

15/19

9

0.000

0.000

NÃO Des.

Brasil, 1995/96: Proporção de Fecundide não desejada das mulheres
casadas brancas e negras por idade

Proporção (%)

100.0

Brancas

Negras

80.0
60.0
40.0
20.0
0.0
15-19

20-24

25-29

30-34

35-39

40 e mais

Idade

Fonte: Micro dados da PNDS/96

Não bastassem estas diferenças, as mulheres negras têm também um menor
acesso à assistência obstétrica, seja durante o pré-natal - que sabidamente é a melhor

7
instrumento de combate à mortalidade materna, que no Brasil é maior entre elas 5 – seja
durante o parto e o período puerperal . Como mostra a Tabela 3, o percentual de
gestantes negras que recebeu o que Ministério da Saúde considerada como o ‘pacote
mínimo de qualidade para assistência pré-natal’ - seis consultas ao longo da gestação,
mais uma consulta no puerpério – foi de 61% e 31%, em contraste 77% e 46% das
brancas. Quanto ao parto, 7% dos bebês de mães negras nasceram em casa, mais do
triplo do que acontece no caso das mulheres brancas.
Tabela 3
Brasil, 1996: Distribuicao das Mulheres Brancas e Negras, segundo características do atendimento
pré-natal, local de realização do parto atendimento pós-parto, em relação ao último filho tido nos
5 anos anteriores à pesquisa
Branca
Negra
p-value
Mes primeira consulta pré-natal
Ate 4º mês de gravidez
5 e mais mêses de gravidez
Não fez

88.2
5.9
6.0

78.2
8.9
12.8

< .0001

Numero de consultas pré-natal
Menos de 3 consultas
3 a 5 consultas
6 e mais consultas

8.1
15.3
76.6

16.7
22.0
61.3

< .0001

Consulta com médico no pré-natal
Não
Sim

8.0
92.0

17.5
82.5

< .0001

Onde teve o parto
Domicílio
Serviço Publico
Serviço Privado

1.9
76.2
21.9

7.1
80.0
12.8

< .0001

54.1
45.9

69.1
30.9

< .0001

Fez exame ginecológico pós-parto
Não
Sim
Fonte: Micro-dados da PNDS
Nota: Mulheres unidas, de 15-49 anos

Finalmente, também é menor o acesso das negras ao exame ginecológico, um
instrumento importante no controle das doenças de transmissão sexual e de prevenção
do câncer ginecológico. Isto pode ser visto na Tabela 4, que apresenta a distribuição

5

Conforme dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade-DataSUS, as síndromes
hipertensivas, que atingem mais as mulheres negras, são responsáveis por um terço das mortes maternas.
As outras causas obstétricas diretas - síndromes hemorrágicas, complicações do aborto e infecções
puerperais - são causas intimamente vinculadas à qualidade da assistência obstétrica e respondem por
89% das mortes maternas no país. O restante 11% das mortes maternas são devidas a causas obstétricas
indiretas, ou seja, complicações de doenças não específicas da gravidez, parto e puerpério, que também
podem ser prevenidas por um pré-natal de qualidade.

8
percentual de mulheres brancas e negras que alguma vez na vida fizeram passaram por
uma destas consultas e daquelas que tiveram uma consulta nos últimos 12 meses câncer
do colo uterino, pelo tipo de exame realizado.
Em suma, todos estas informações atestam, de maneira muito contundente, a
enorme desigualdade social, econômica, de risco reprodutivo e de acesso aos serviços
de saúde, existente entre a população branca e negra. Mostram também que é longo o
percurso a ser percorrido para que as mulheres brasileiras – brancas e negras - tenham
acesso pleno à saúde e direito reprodutivos.
Tabela 4
Brasil, 1996: Distribuicao das Mulheres Brancas e Negras, segundo atendimento ginecológico
Branca
Negra
p-value
Fez exame ginecologico alguma vez (15-34 anos)
Nunca fez
22.3
35.0
Sim
77.7
65.0
< .0001
Fez exame ginecológico no ultimo ano (15-34 anos)
Não ao fez exame no ultimo ano
Exame ginecológico apenas
Exame ginecológico incluiu esfreg. vaginal

46.5
7.6
45.9

59.6
7.5
32.9

< .0001

Fez exame ginecológico alguma vez (35 e + anos)
Nunca fez
Sim

13.0
87.0

23.7
76.3

< .0001

45.0
3.2
3.2
11.6
37.1

56.0
3.5
2.4
13.5
24.7

< .0001

Ex. Ginecológico no grupo com 35 anos e mais
Não fez exame no ultimo ano
Exame ginecológico apenas
Exame ginecológico incluiu mamografia
Exame ginecológico incluiu esfreg. vaginal
Exame ginecológico incluiu ambos
Fonte: Micro-dados da PNDS
Nota: Mulheres unidas, de 15-49 anos

O que estas informações não permitem dizer é se o menor acesso das negras à
atenção à saúde estaria associado de forma independente à cor de sua pele ou seria um
reflexo de sua pobreza, isto é, estaria associado ao fato de morarem em áreas onde a
cobertura dos serviços de saúde é mais baixa e de terem menores nível educacional e
poder aquisitivo, o que implica em maior dificuldade de acesso a estes serviços. Assim,
para avançar no conhecimento deste tema, se procedeu a uma análise multivariada, na
qual se incluem as características sócio-econômicas, a idade e número de filhos tidos,
como variáveis de controle de modo a testar o papel independente da variável cor sobre a
probabilidade de acesso aos serviços de saúde.

9
Raça ou pobreza?
A análise multivariada foi realizada através do ajuste de um modelo de regressão
logística, no qual o acesso à atenção à saúde, ou seja, a variável dependente, foi
representada por uma variável dicotômica que define se a mulher teve uma consulta
ginecológica completa nos 12 meses anteriores a pesquisa. Foram consideradas como
tendo consulta completa, as mulheres de 15 a 39 anos que passaram por um exame
ginecológico que incluiu um exame de esfregaço vaginal.
No caso de mulheres com 40 anos e mais, foram consideradas como completas,
as consultadas que incluíram, adicionalmente, uma mamografia.
A Tabela 5 apresenta as razões de chance de ter feito uma consulta ginecológica
completa nos últimos 12 meses, para mulheres unidas de 15 a 49 anos, segundo a cor, a
idade, número de filhos tidos e características sócio-econômicas selecionadas.
Através da coluna intitulada ‘análise univariada’ pode-se verificar o efeito bruto de
cada uma das variáveis, que reflete não apenas a sua própria influência mas também o
efeito de características associadas a elas. A razão de chance de 0.60 para as mulheres
negras indica que elas têm uma 60% da chance das brancas de ter passado por uma
consulta ginecológica completa.
O primeiro modelo multivariado (Ajuste 1), por outro lado, indica que continua a
existir disparidade entre brancas e negras mesmo quando são controladas todas as outras
influências consideradas, com exceção da classe sócio-econômica. Ou seja, as mulheres
negras mesmo apresentando iguais características em relação à idade, o número de filhos, a
região e situação de residência e o nível educacional, teriam apenas 81% da chance de uma
branca de ter tido uma consulta completa. No entanto, a influência da variável cor
desaparece quando se introduz a variável classe sócio-econômica no modelo (Ajuste 2),
que como já discutido, é um indicador de poder aquisitivo.

10
Tabela 5
Brasil, 1996: Razões de chance de ter feito uma consulta ginecológica completa nos últimos 12 meses, para mulheres unidas de 15 a 49 anos, segundo a cor, a idade, número de
filhos tidos e características sócio-econômicas selecionadas
Análise univariada
Análise multivariada*
Variável
Ajuste 1
Ajuste 2
Razão de Chance
95% CI
Razão de Chance
95% CI
Razão de Chance
95% CI
Cor
Branca
1.00
1.00
1.00
Negra
0.60
(0.54-0.66)
0.81
(0.73-0.91)
0.95
(0.85-1.07)
Idade

15-24 anos
25-39 anos
40 e mais

1.00
1.42
1.04

(1.24-1.62)
(0.89-1.22)

1.00
1.34
1.18

(1.16-1.57)
(0.98-1.41)

1.00
1.23
0.96

(1.05-1.43)
(0.79-1.16)

0-2
3 e mais

1.00
0.54

(0.49-0.60)

1.00
0.79

(0.70-0.89)

1.00
0.84

(0.74-0.94)

Região de Residência Rio/São Paulo/Sul/Centro-leste
Norte/Nordeste/Centro-oeste

1.00
0.61

(0.56-0.67)

1.00
0.81

(0.72-0.90)

1.00
0.89

(0.80-1.00)

Situação
Residência

1.00

Filhos Tidos

de Capital/cidade

1.00

1.00

Vila/rural
Escolaridade

Classe social

0.37

(0.33-0.41)

0.52

(0.47-0.58)

0.57

(0.51-0.64)

Ginásio completo/superior
Ginásio incompleto/primário completo
sem instrução/primário incompleto

1.00
0.39
0.16

(0.34-0.43)
(0.14-0.18)

1.00
0.45
0.23

(0.40-0.51)
(0.20-0.27)

1.00
0.63
0.36

(0.55-0.71)
(0.30-0.43)

AeB
C
DeE

1.00
0.37
0.14

(0.31-0.43)
(0.12-0.16)

-

-

1.00
0.43
0.29

(0.40-0.56)
(0.24-0.35)

11.0
χ2
Fonte: Micro-dados da PNDS
* Ajuste 1 = modelo que incluiu todas as variáveis, exceto classe social, que foi incluída no Ajuste 2

10.7

12.5

11
Considerações finais
Os dados disponíveis da PNDS fornecem uma das raras oportunidades de
estudar a desigualdade existente entre as brasileiras brancas e negras. Adotando a
perspectiva de que a desigualdade racial é um problema que não se explica apenas pela
questão da estratificação social, este trabalho procurou investigar a

influência das

características étnico-raciais - aqui representadas pela resposta ao quesito sobre a cor da
pele - sobre o acesso a algumas das ações de saúde consideradas prioritárias na agenda
da saúde reprodutiva.
Seus resultados não deixam dúvidas sobre o imenso abismo que separa as
mulheres negras da posição que – embora ainda precária em muitos sentidos - já foi
alcançada pela população branca.
A influência da variável cor sobre a probabilidade de acesso às ações de saúde
consideradas desaparece apenas quando controlada pela classe social que, como visto, é
um indicador do poder aquisitivo. Isto aparentemente sugere que o principal problema
não é ser negra mas ser pobre. Entretanto, este achado não permite afastar a existência
de discriminação racial no acesso à ações de saúde reprodutiva. Em primeiro lugar,
porque se pode argumentar que o poder aquisitivo,talvez mais que outras características
sócio-econômicas, como a residência e a escolaridade, estaria estaria captando esta
mesma discriminação. Em segundo lugar, porque estes dados (quantitativos) permitem
avaliar apenas o acesso a ações de saúde, existindo uma dimensão muito mais
importante quando se deseja discutir a questão da discriminação racial, qual seja, a
qualidade do atendimento à saúde disponível para brancas e negras.

Agradecimentos
Agradeço a minha cara colega Prof. Laura Rodríguez Wong pela cessão dos programas
para o cálculo da fecundidade desejada, o que em muito agilizou o meu trabalho.

Bibliografia
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PORCARO, R.M. Desigualdade racial e segmentação do mercado de trabalho. Estudos
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ROLNIK, R. Territórios negros nas cidades brasileiras. Estudos Afro-asiáticos, RJ, v. 17,
p. 19-41, setembro1989

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ROSEMBERG, F. Segregação espacial na escola paulista. Trabalho apresentado no
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SKIDMORE, T. Raça e classe no Brasil: perspectivas históricas. Trabalho apresentado no
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SOUZA, V.C. Mulher negra e miomas. Anais do IX Encontro Nacionail de Estudos
Populacionais, Caxambú, v. 1, p. 211-224, 1994.
TELLES, E. Racial e residencial segregation in Brazil. Trabalho apresentado no
Seminário Internacional sobre Desigualdade Racial no Brasil Contemporâneo,
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WENNEKER M., A. EPSTEIN. Racial inequalities in the use of procedures for patients
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Association, v. 261, p. 253-257, 1989

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  • 1. Raça e acesso às ações prioritárias na agenda da saúde reprodutiva Ignez Helena Oliva Perpétuo1 Junho 2000 1 UFMG/Departamento de Demografia/CEDEPLAR; Bolsista do CNPq (Pós-doutoramento na Maternal and Child Epidemiology Unit/London School of Hygiene and Tropical Medicine, London, UK)
  • 2. Raça e acesso às ações prioritárias na agenda da saúde reprodutiva Introdução Durante um longo período a questão racial no Brasil foi dominada pelo mito da democracia racial, segundo o qual o preconceito e discriminação contra o negro seriam um problema de estratificação social, ou seja, seriam decorrentes da posição sócioeconômica inferior da população negra, herança do nosso passado escravista. Uma perspectiva de análise mais recente, e menos otimista, assume que a inserção social de um indivíduo na sociedade é diretamente relacionada à sua cor, e que a persistência histórica da raça como princípio classificatório não deve ser encarada como herança do passado mas como um mecanismo social de reprodução da desigualdade racial, servindo aos interesses do grupo racialmente hegemônico2. Ou, em palavras mais simples, a posição sócio-econômica inferior da população negra seria decorrente de sua menor oportunidade de ascensão social e econômica em função do preconceito e discriminação raciais existentes na sociedade brasileira. Uma série de estudos tributários dessa segunda abordagem têm documentado a segregação da população negra em dimensões variadas, tais como a distribuição espacial, o acesso à educação, a inserção no mercado de trabalho3. Análises da dinâmica demográfica, por outro lado, indicam a existência de grandes diferenciais de mortalidade e de fecundidade entre brancos e negros (Berquó, Bercovich, Garcia 1986; Garcia 1987; Berquó 1988; Pinto da Cunha 1990). Trabalhos que abordam temas relativos à saúde reprodutiva são mais raros. Alguns deles sugerem que as mulheres negras estão mais expostas à infertilidade e à mortalidade materna, como resultado de 2 Para uma revisão da questão racial no Brasil ver, por exemplo, Haselberg (1991), Ianni (1991), Skimore (1991) ou a revisão apresentada por Porcaro 1988:172-4. 3 Ver, por exemplo, Hasenbalg, Vale Silva (1988), Hasenbalg (1990), Rosemberg (1990), Telles (1990), Batista, Galvão (1992), Castro, Guimarães (1993), entre inúmeros outros. 2
  • 3. sua predisposição biológica para algumas doenças - como a hipertensão arterial e a miomatose - vis a vis `a sua maior dificuldade de acesso a serviços de saúde, fruto da discriminação racial que determinaria sua maior concentração em áreas de periferia, onde a infraestrutura de serviços é ausente ou deficiente (Rolnik, 1989; Oliveira, 1993; Souza 1994; Oliveira 2000). Outros autores vão mais além, denunciando que a discriminação contra o negro no Brasil se traduziria em intervenções específicas, como a cirurgia de laqueadura tubária, que estaria sendo praticada por motivações eugênicas (Geledés, 1991). Entretanto, pesquisa em São Paulo que realizada especificamente para investigar esse tema não detectou diferenciais de prevalência do uso do método entre mulheres negras e não-negras (Berquó 1992). A literatura internacional, por outro lado, principalmente nos EUA, tem mostrado que a raça continua a impedir acesso a serviços de saúde, com os brancos os usando mais, e por mais tempo, mesmo quando todas as variáveis sócio-econômicas pertinentes são mantidas constantes (Falcone and Broyles 1994, Becker et al 1993, Wenneker and Epstein 1989). No Brasil a ausência da variável cor em muitas dos sistemas existentes de informação demográfica e de saúde tem dificultado a investigação do tema da desigualdade racial. Neste sentido, a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), de 1996, é uma fonte valiosa não apenas porque dispor desta variável mas também por conter informações sobre algumas dimensões essenciais da saúde e direitos reprodutivos: o contexto sócio-econômico, a experiência sexual e reprodutiva, a assistência à anticoncepção, a assistência pré-natal, o atendimento obstétrico e o atendimento ginecológico voltado para a prevenção do câncer cervical e de mama. O presente trabalho lança mão dessas informações para, em primeiro lugar, documentar diferenciais entre mulheres brancas e negras em relação à sua inserção sócio-econômica, seu risco reprodutivo e seu acesso a serviços de saúde e, em segundo lugar, para investigar se o diferencial no acesso a serviços de saúde estariam associadas à cor ou se seriam um reflexo do maior nível de pobreza das mulheres negras. O universo de análise é composto pelas 7541 mulheres entrevistadas pela PNDS que na data da pesquisa tinham de 15 a 49 anos, se encontravam em uma união estável (formal ou consensual) e se auto-declararam brancas (44%) ou negras (parda, mulata, 3
  • 4. morena, cabocla e pretas). O atendimento pré-natal e ao parto é investigado com base nas 3025 mulheres que tiveram filho(s) nos 5 anos antes da pesquisa, o que representa 42,7% das mulheres negras e 36,8% das brancas. Desigualdades entre mulheres brancas e negras Os dados sobre a distribuição das entrevistadas segundo região e situação de residência, nível educacional e classe social4 confirmam que um enorme abismo sócioeconômico separa as mulheres brancas e negras. Através do Gráfico 1 podemos verificar que a proporção das mulheres negras que residem nas regiões menos desenvolvidas e que se encontram nos estratos educacionais e sócio-econômicas inferiores é dobro que a das mulheres brancas. A diferença na sua distribuição por situação de residência é menor, mas ainda assim significativa, principalmente considerando que a população negra se concentra na periferia das cidades onde são o acesso a bens e serviços urbanos é muito mais precário. G rá fic o 1 B ras il, 1 99 6: D is trib u iç ão d e m u lh e res b ran c as e n e g ras , se g u n d o ca rac te ríistic as só c io ec o n ô m ica s s elecio na d as R esidentes no N orte, N ordeste e C entro-oeste N eg ras R esidentes na área rural N eg ras S em instruç ão ou p rim ário incom p leto N eg ras C lasse D e E N eg ras 0 .0 2 0 .0 4 0 .0 6 0 .0 8 0 .0 P ro p o rçã o (% ) F o n te : M icro d a d o s d a P N D S /9 6 4 É um indicador de renda ou de poder aquisitivo, calculado de acordo com metodologia desenvolvida pela Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado, a partir de dados sobre a posse de bens de consumo duraveis (e seu numero) e a educação do marido (detalhes desta metodologia pode ser encontrada na publicação Mercado Global, Jan/Feb 1984). . 4
  • 5. As informações apresentadas na Tabela 1, por outro lado, mostram que a população negra é muito maior risco reprodutivo pois é substancialmente mais alto o percentual de mulheres iniciam a vida sexual e tem o primeiro filho ainda adolescentes, bem como a proporção de mulheres com 3 ou mais filhos. Tabela 1 Brasil, 1996: Distribuição das Mulheres Brancas e Negras, segundo Algumas Características de sua Experiência Sexual e Reprodutiva Branca Negra p-value Idade na primeira relacao sexual < 15 anos 7.2 13.7 15-17 anos 28.3 33.8 18 e mais 64.5 52.6 <.0001 Idade em que teve o primeiro filho ate os 16 anos 17-19 anos 20 e + anos 25 e + anos Numero de filhos tidos 0-2 filhos 3 e mais filhos Fonte: Micro-dados da PNDS Nota: Mulheres unidas, de 15-49 anos 7.8 25.7 42.7 23.9 13.2 31.7 38.6 16.5 <.0001 61.9 38.1 48.9 51.1 <.0001 A Tabela 2 ajuda a entender porque é maior a fecundidade das negras ao mostrar que apenas 20% delas sabe localizar o período fértil da mulher (em contraste com 37% das brancas), que o percentual que nunca usou nenhum anticoncepcional ou começou a controlar a fecundidade através da esterilização é o dobro do percentual que se verifica no grupo das brancas; sendo também o dobro a proporção das que começaram a usar métodos depois de terem tido 2 ou mais filhos. O acesso mais precário das mulheres negras aos anticoncepcionais também se revela através da maior parcela que não usava nenhum método na data da pesquisa e na menor amplitude do mix anticoncepcional, no qual a pílula e esterilização respondem por 83% da regulação da fecundidade, em contraposição com os 76% no grupo das mulheres brancas. Além disso, uma menor parcela de negras usuárias da pílula passou por uma consulta médica antes de começar a tomá-la, sendo maiores as proporções de mulheres negras que se encontravam grávidas por falha do método usado e que tinham ‘necessidade insatisfeita por contracepção’, ou seja, não usavam nenhum método apesar de serem fecundas e não desejarem ficar grávidas. 5
  • 6. Tabela 2 Brasil, 1996: Distribuição das Mulheres Brancas e Negras, segundo características de sua experiência anticoncepcional Branca Negra p-value Período fértil da mulher Meio do ciclo 36.7 20.8 Outras respostas 63.3 79.2 <.0001 Primeiro método usado Nunca usou Esterilização feminina Outro moderno Tradicional 4.1 4.0 79.0 12.9 8.3 8.0 73.8 9.9 < .0001 Número de filhos no 1º uso anticoncepcional 0-1 filho 2 + filhos Nunca usou 83.0 12.9 4.1 67.4 24.4 8.3 < .0001 Método usado na data da pesquisa Não usa Esterilização feminina Pílula Outro método moderno Método tradicional 19.6 37.7 23.1 12.0 7.7 26.1 42.1 19.0 7.3 5.5 < .0001 Consultou médico quando começou a usar a pílula Consultou Não consultou 26.0 74.0 31.4 68.6 <.018 93.0 7.0 88.4 11.6 < .0001 Necessidade anticonpecional insatisfeita Usa método ou não precisa usar Grávida por falha ou ‘unmet need’ Fonte: Micro-dados da PNDS Nota: Mulheres unidas, de 15-49 anos Em conseqüência deste precário conhecimento da fisiologia reprodutiva e acesso à contracepção, é alto o índice de falha na implementação da preferência reprodutiva. Ela se traduz, por exemplo, num elevado nível de fecundidade não-desejada que, no total, representa 27% da fecundidade na população branca e 40% na negra. Como pode ser visto no Gráfico 2, os diferenciais de insucesso na regulação da fecundidade são particularmente importantes nas idades extremas do período reprodutivo. As jovens mulheres negras que, como visto, iniciam sua vida sexual mais cedo, têm um maior desconhecimento da fisiologia reprodutiva e menor acesso a assistencia anticoncepcional, apresentam taxa especifica de fecundidade substancialmente maior que as jovens brancas (0,320 vs 0,259) e uma relação muito mais desfavorável em termos do componente não-desejado da fecundidade ( 39% vs 17%). Nas idades mais 6
  • 7. velhas, a proporção de fecundidade não desejada das mulheres negras atinge quase 77%, em contraste com 50% das brancas. Gráfico 2 Brasil, 1995/96: TFM desejada e não desejada: populacao branca e negra Negras Brancas 0.400 0.400 0.300 0.300 0.200 0.200 0.100 0.100 9 /4 9 Fec. Desejada 45 /3 35 /2 25 15 /1 9 45/49 35/39 25/29 15/19 9 0.000 0.000 NÃO Des. Brasil, 1995/96: Proporção de Fecundide não desejada das mulheres casadas brancas e negras por idade Proporção (%) 100.0 Brancas Negras 80.0 60.0 40.0 20.0 0.0 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40 e mais Idade Fonte: Micro dados da PNDS/96 Não bastassem estas diferenças, as mulheres negras têm também um menor acesso à assistência obstétrica, seja durante o pré-natal - que sabidamente é a melhor 7
  • 8. instrumento de combate à mortalidade materna, que no Brasil é maior entre elas 5 – seja durante o parto e o período puerperal . Como mostra a Tabela 3, o percentual de gestantes negras que recebeu o que Ministério da Saúde considerada como o ‘pacote mínimo de qualidade para assistência pré-natal’ - seis consultas ao longo da gestação, mais uma consulta no puerpério – foi de 61% e 31%, em contraste 77% e 46% das brancas. Quanto ao parto, 7% dos bebês de mães negras nasceram em casa, mais do triplo do que acontece no caso das mulheres brancas. Tabela 3 Brasil, 1996: Distribuicao das Mulheres Brancas e Negras, segundo características do atendimento pré-natal, local de realização do parto atendimento pós-parto, em relação ao último filho tido nos 5 anos anteriores à pesquisa Branca Negra p-value Mes primeira consulta pré-natal Ate 4º mês de gravidez 5 e mais mêses de gravidez Não fez 88.2 5.9 6.0 78.2 8.9 12.8 < .0001 Numero de consultas pré-natal Menos de 3 consultas 3 a 5 consultas 6 e mais consultas 8.1 15.3 76.6 16.7 22.0 61.3 < .0001 Consulta com médico no pré-natal Não Sim 8.0 92.0 17.5 82.5 < .0001 Onde teve o parto Domicílio Serviço Publico Serviço Privado 1.9 76.2 21.9 7.1 80.0 12.8 < .0001 54.1 45.9 69.1 30.9 < .0001 Fez exame ginecológico pós-parto Não Sim Fonte: Micro-dados da PNDS Nota: Mulheres unidas, de 15-49 anos Finalmente, também é menor o acesso das negras ao exame ginecológico, um instrumento importante no controle das doenças de transmissão sexual e de prevenção do câncer ginecológico. Isto pode ser visto na Tabela 4, que apresenta a distribuição 5 Conforme dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade-DataSUS, as síndromes hipertensivas, que atingem mais as mulheres negras, são responsáveis por um terço das mortes maternas. As outras causas obstétricas diretas - síndromes hemorrágicas, complicações do aborto e infecções puerperais - são causas intimamente vinculadas à qualidade da assistência obstétrica e respondem por 89% das mortes maternas no país. O restante 11% das mortes maternas são devidas a causas obstétricas indiretas, ou seja, complicações de doenças não específicas da gravidez, parto e puerpério, que também podem ser prevenidas por um pré-natal de qualidade. 8
  • 9. percentual de mulheres brancas e negras que alguma vez na vida fizeram passaram por uma destas consultas e daquelas que tiveram uma consulta nos últimos 12 meses câncer do colo uterino, pelo tipo de exame realizado. Em suma, todos estas informações atestam, de maneira muito contundente, a enorme desigualdade social, econômica, de risco reprodutivo e de acesso aos serviços de saúde, existente entre a população branca e negra. Mostram também que é longo o percurso a ser percorrido para que as mulheres brasileiras – brancas e negras - tenham acesso pleno à saúde e direito reprodutivos. Tabela 4 Brasil, 1996: Distribuicao das Mulheres Brancas e Negras, segundo atendimento ginecológico Branca Negra p-value Fez exame ginecologico alguma vez (15-34 anos) Nunca fez 22.3 35.0 Sim 77.7 65.0 < .0001 Fez exame ginecológico no ultimo ano (15-34 anos) Não ao fez exame no ultimo ano Exame ginecológico apenas Exame ginecológico incluiu esfreg. vaginal 46.5 7.6 45.9 59.6 7.5 32.9 < .0001 Fez exame ginecológico alguma vez (35 e + anos) Nunca fez Sim 13.0 87.0 23.7 76.3 < .0001 45.0 3.2 3.2 11.6 37.1 56.0 3.5 2.4 13.5 24.7 < .0001 Ex. Ginecológico no grupo com 35 anos e mais Não fez exame no ultimo ano Exame ginecológico apenas Exame ginecológico incluiu mamografia Exame ginecológico incluiu esfreg. vaginal Exame ginecológico incluiu ambos Fonte: Micro-dados da PNDS Nota: Mulheres unidas, de 15-49 anos O que estas informações não permitem dizer é se o menor acesso das negras à atenção à saúde estaria associado de forma independente à cor de sua pele ou seria um reflexo de sua pobreza, isto é, estaria associado ao fato de morarem em áreas onde a cobertura dos serviços de saúde é mais baixa e de terem menores nível educacional e poder aquisitivo, o que implica em maior dificuldade de acesso a estes serviços. Assim, para avançar no conhecimento deste tema, se procedeu a uma análise multivariada, na qual se incluem as características sócio-econômicas, a idade e número de filhos tidos, como variáveis de controle de modo a testar o papel independente da variável cor sobre a probabilidade de acesso aos serviços de saúde. 9
  • 10. Raça ou pobreza? A análise multivariada foi realizada através do ajuste de um modelo de regressão logística, no qual o acesso à atenção à saúde, ou seja, a variável dependente, foi representada por uma variável dicotômica que define se a mulher teve uma consulta ginecológica completa nos 12 meses anteriores a pesquisa. Foram consideradas como tendo consulta completa, as mulheres de 15 a 39 anos que passaram por um exame ginecológico que incluiu um exame de esfregaço vaginal. No caso de mulheres com 40 anos e mais, foram consideradas como completas, as consultadas que incluíram, adicionalmente, uma mamografia. A Tabela 5 apresenta as razões de chance de ter feito uma consulta ginecológica completa nos últimos 12 meses, para mulheres unidas de 15 a 49 anos, segundo a cor, a idade, número de filhos tidos e características sócio-econômicas selecionadas. Através da coluna intitulada ‘análise univariada’ pode-se verificar o efeito bruto de cada uma das variáveis, que reflete não apenas a sua própria influência mas também o efeito de características associadas a elas. A razão de chance de 0.60 para as mulheres negras indica que elas têm uma 60% da chance das brancas de ter passado por uma consulta ginecológica completa. O primeiro modelo multivariado (Ajuste 1), por outro lado, indica que continua a existir disparidade entre brancas e negras mesmo quando são controladas todas as outras influências consideradas, com exceção da classe sócio-econômica. Ou seja, as mulheres negras mesmo apresentando iguais características em relação à idade, o número de filhos, a região e situação de residência e o nível educacional, teriam apenas 81% da chance de uma branca de ter tido uma consulta completa. No entanto, a influência da variável cor desaparece quando se introduz a variável classe sócio-econômica no modelo (Ajuste 2), que como já discutido, é um indicador de poder aquisitivo. 10
  • 11. Tabela 5 Brasil, 1996: Razões de chance de ter feito uma consulta ginecológica completa nos últimos 12 meses, para mulheres unidas de 15 a 49 anos, segundo a cor, a idade, número de filhos tidos e características sócio-econômicas selecionadas Análise univariada Análise multivariada* Variável Ajuste 1 Ajuste 2 Razão de Chance 95% CI Razão de Chance 95% CI Razão de Chance 95% CI Cor Branca 1.00 1.00 1.00 Negra 0.60 (0.54-0.66) 0.81 (0.73-0.91) 0.95 (0.85-1.07) Idade 15-24 anos 25-39 anos 40 e mais 1.00 1.42 1.04 (1.24-1.62) (0.89-1.22) 1.00 1.34 1.18 (1.16-1.57) (0.98-1.41) 1.00 1.23 0.96 (1.05-1.43) (0.79-1.16) 0-2 3 e mais 1.00 0.54 (0.49-0.60) 1.00 0.79 (0.70-0.89) 1.00 0.84 (0.74-0.94) Região de Residência Rio/São Paulo/Sul/Centro-leste Norte/Nordeste/Centro-oeste 1.00 0.61 (0.56-0.67) 1.00 0.81 (0.72-0.90) 1.00 0.89 (0.80-1.00) Situação Residência 1.00 Filhos Tidos de Capital/cidade 1.00 1.00 Vila/rural Escolaridade Classe social 0.37 (0.33-0.41) 0.52 (0.47-0.58) 0.57 (0.51-0.64) Ginásio completo/superior Ginásio incompleto/primário completo sem instrução/primário incompleto 1.00 0.39 0.16 (0.34-0.43) (0.14-0.18) 1.00 0.45 0.23 (0.40-0.51) (0.20-0.27) 1.00 0.63 0.36 (0.55-0.71) (0.30-0.43) AeB C DeE 1.00 0.37 0.14 (0.31-0.43) (0.12-0.16) - - 1.00 0.43 0.29 (0.40-0.56) (0.24-0.35) 11.0 χ2 Fonte: Micro-dados da PNDS * Ajuste 1 = modelo que incluiu todas as variáveis, exceto classe social, que foi incluída no Ajuste 2 10.7 12.5 11
  • 12. Considerações finais Os dados disponíveis da PNDS fornecem uma das raras oportunidades de estudar a desigualdade existente entre as brasileiras brancas e negras. Adotando a perspectiva de que a desigualdade racial é um problema que não se explica apenas pela questão da estratificação social, este trabalho procurou investigar a influência das características étnico-raciais - aqui representadas pela resposta ao quesito sobre a cor da pele - sobre o acesso a algumas das ações de saúde consideradas prioritárias na agenda da saúde reprodutiva. Seus resultados não deixam dúvidas sobre o imenso abismo que separa as mulheres negras da posição que – embora ainda precária em muitos sentidos - já foi alcançada pela população branca. A influência da variável cor sobre a probabilidade de acesso às ações de saúde consideradas desaparece apenas quando controlada pela classe social que, como visto, é um indicador do poder aquisitivo. Isto aparentemente sugere que o principal problema não é ser negra mas ser pobre. Entretanto, este achado não permite afastar a existência de discriminação racial no acesso à ações de saúde reprodutiva. Em primeiro lugar, porque se pode argumentar que o poder aquisitivo,talvez mais que outras características sócio-econômicas, como a residência e a escolaridade, estaria estaria captando esta mesma discriminação. Em segundo lugar, porque estes dados (quantitativos) permitem avaliar apenas o acesso a ações de saúde, existindo uma dimensão muito mais importante quando se deseja discutir a questão da discriminação racial, qual seja, a qualidade do atendimento à saúde disponível para brancas e negras. Agradecimentos Agradeço a minha cara colega Prof. Laura Rodríguez Wong pela cessão dos programas para o cálculo da fecundidade desejada, o que em muito agilizou o meu trabalho. Bibliografia ABIPEME (Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado). Mercado Global, Jan/Feb 1984. 12
  • 13. BATISTA, M. A. R., GALVÃO, O. M. R. Desigualdades raciais no mercado de trabalho brasileiro. Estudos Afro-Asiáticos, v. 23, p.71-95, 1992. BECKER L., HAM B. and MEYER P. Racial differences in the incidence of cardiac arrest and subsequent survival. New England Journal of Medicine, v. 329, p. 600606. BERQUÓ, E., BERCOVICH, A. & GARCIA, H.E. Estudo da dinâmica demográfica da população negra no Brasil. Campinas, NEPO/UNICAMP, 1986. BERQUÓ, E. Demografia da desigualdade. Algumas considerações sobre os negros no Brasil. Anais do VI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Olinda, v. 3, p. 89-103, 1988 BERQUÓ, E. Esterilização e Raça. Trabalho apresentado no VIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Brasília, D.F., 1992. CASTRO, N. A., GUIMARÃES, A. S. A. Desigualdades raciais no mercado e nos locais de trabalho. Estudos Afro-Asiáticos, n. 24, 1993. FOLCONE, D., BROYLES, R. Access to long-term care: race as a barrier. Journal of Health Politics, Policy and Law, v. 19, n. 3, p.581-595, fall 1994. GARCIA, E.M. Mortalidade infantil da população negra no Brasil. Textos NEPO 11, Campinas, NEPO/UNICAMP, 1987. GELEDÉS-Instituto da Mulher Negra. Esterilização: impunidade ou regulamentação. São Paulo, 1991 HASENBALG, C.A., VALE SILVA, N. Estrutura social, mobilidade e raça. Rio de Janeiro, Editora Vértice, Cap. 4, 5 e 6, 1988. HASENBALG, C.A. Raça e oportunidades educacionais no Brasil. Trabalho apresentado no Seminário Internacional sobre Desigualdade Racial no Brasil Contemporâneo, CEDEPLAR, Belo Horizonte, março 1990. IANNI, O. A questão racial no Brasil. Desigualdade Racial no Brasil Contemporâneo, UFMG/CEDEPLAR, Belo Horizonte, p.15-34, 1991. OLIVEIRA, F. Os múltiplos significados e implicações do fatalismo genético. Trabalho apresentado no Seminário Alcances e Limites da Predisposição Biológica, SP, CEBRAP, dezembro 1993. OLIVEIRA, F.. Cúmplices da mortalidade materna! O Tempo. Opinião, p 12. Belo Horizonte, Minas Gerais, 27 de maio de 2.000. PINTO da CUNHA, E.M.G. O quadro da discriminação racial na mortalidade adulta feminina no Brasil. Anais do VII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Caxambú, v. 3, p. 387-406, 1990 PORCARO, R.M. Desigualdade racial e segmentação do mercado de trabalho. Estudos Afro-asiáticos, 15:71-107, 1988. ROLNIK, R. Territórios negros nas cidades brasileiras. Estudos Afro-asiáticos, RJ, v. 17, p. 19-41, setembro1989 13
  • 14. ROSEMBERG, F. Segregação espacial na escola paulista. Trabalho apresentado no Seminário Internacional sobre Desigualdade Racial no Brasil Contemporâneo, CEDEPLAR, Belo Horizonte, março 1990. SKIDMORE, T. Raça e classe no Brasil: perspectivas históricas. Trabalho apresentado no Seminário Internacional sobre Desigualdade Racial no Brasil Contemporâneo, CEDEPLAR, Belo Horizonte, março 1990. SOUZA, V.C. Mulher negra e miomas. Anais do IX Encontro Nacionail de Estudos Populacionais, Caxambú, v. 1, p. 211-224, 1994. TELLES, E. Racial e residencial segregation in Brazil. Trabalho apresentado no Seminário Internacional sobre Desigualdade Racial no Brasil Contemporâneo, CEDEPLAR, Belo Horizonte, março 1990. WENNEKER M., A. EPSTEIN. Racial inequalities in the use of procedures for patients with ischemic disease in Massechusetts. Journal of the American Medical Association, v. 261, p. 253-257, 1989 14