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cujas manifestações são diferentes a cada tempo e

mutável, que pode ser diferentes coisas para

lugar. Não é uma questão de opinião pessoal, ele se

diferentes pessoas, em diferentes lugares na história,

reafirma no dia-a-dia pela linguagem comum, se

por isso desafia as explicações definitivas fora de

mantém e se alimenta pela tradição e pela cultura,

contextos específicos. No uso popular a expressão

influencia a vida, o funcionamento das instituições,

"raça" perdeu seu status de algo com características

das organizações e também as relações entre as

e traços estáveis. A questão dominante passou a ser

pessoas. Se o racismo se constitui numa

o discurso. A "raça" então passa a ser um modo de

programação social e submete a todos e todas,

entender e interpretar as diversidades por meio de

embora de modo distinto, a experiência do racismo da

marcadores inteligíveis. Enquanto significado "raça"

sentido e significado a noção de "raça", logo é

pode ser traduzida por grupo de pessoas socialmente

importante pensar neste conceito como o recurso

unificadas numa determinada sociedade em virtude

fundamental na organização dos princípios das

de marcadores físicos. Os rótulos raciais têm

sociedades.

significado em razão do teor específico ligado aos

A idéia de "raça" não é universal, mas emerge

termos raciais numa determinada época e lugar. As

de um ponto particular da história da Europa

raças sociais não são subespécies geneticamente

Ocidental, isso demonstra que "raça" não é um fato

ligadas entre si. Na verdade os membros de

biológico, mas uma construção social. Enquanto

diferentes raças sociais são, com freqüência,

classificação, "raça" é definida por grupo de pessoas

parentes próximos uns dos outros em muitas

conectadas por uma origem comum. Desde o início do

sociedades multirraciais, em especial naquelas com

século XIX a palavra foi usada em vários outros

um histórico de escravidão (Cashmore, 2000).

sentidos. A diversidade física atrai a atenção das

A noção de "raça" tem, nesse sentido, uma

pessoas tão prontamente que elas não percebem que

realidade social plena, e o combate aos

a validade do conceito depende do seu emprego

comportamentos negativos que ele enseja é

numa explicação, isto é, a questão principal não é o

impossível de ser travado sem que se lhe reconheça

que vem a ser "raça", mas o modo como o conceito é

a realidade que só o ato de nomear permite

empregado. Embora a designação de raça siga uma

(Guimarães, 1999). A plasticidade de um conceito

regra social e não de classificação biológica, o idioma

socialmente construído está na possibilidade dele se

da "raça" é importante para medidas de combate ao

(re) modelar cotidianamente seja no contato com seu

racismo e à discriminação racial (em detrimento ao

interior ou com o interior do mundo.

uso desejado do termo etnia). Enquanto significante

A indesejabilidade da discriminação racial e a

(expressão, som ou imagem cujos significados são

punição de práticas discriminatórias em termos da lei,

viabilizados somente por meio da aplicação de regras

corrobora para a elaboração de estratégias

84
saúde da população negra

individuais e coletivas, menos evidentes, de

A discriminação se opõe à solidariedade, ao

discriminação racial, como por exemplo o fato do

acolhimento, à humanização, à escuta. O racismo, o

branco brasileiro considerar o outro como "irmão"

preconceito, a discriminação e a intolerância ferem

permite-lhe estar de frente para suas especificidades

desequilibram, adoecem e podem ate matar.

ainda que não as veja (o estranho comum).
O racismo irresponsavelmente intitulado

Afinal, qual é a sua cor?

“cordial" por alguns e algumas, derivado das

A identificação racial pode ser opcional (de

características supracitadas, permite aos brasileiros

escolha) e contextual, depende da forma como a

(governo e sociedade) justificar a situação das

informação é solicitada e da repercussão social e

desigualdades raciais como um "problema do negro",

econômica (benefícios e prejuízos) que essa

como se estas não fossem decorrentes de uma

categorização pode implicar. No Brasil, há uma

relação estabelecida entre negros e brancos; como se

divergência evidente na autoclassificação de negros

as desigualdades não estivessem relacionadas ao

politicamente engajados e aquela adotada pelas

cotidiano; ou ainda como se fossem um legado inerte,

bases não mobilizadas, deixando nítida a ideologia

de um passado no qual os brancos parecem ter

do embranquecimento que marca significativamente

estado ausentes. Para Bento (1999) é como se a

o inconsciente e o imaginário coletivos. Logo, a cor

branquitude (conjunto de características que definem

ou pertencimento racial que alguém se atribui é

a identidade do branco) pudesse ser caracterizada

confirmada ou negada pelo olhar do outro, podendo

pelo reconhecimento da existência de uma carência

determinar uma dissonância entre o reconhecimento

negra sem, contudo, existir a percepção do privilégio

de si mesmo e o reconhecimento a partir do olhar do

branco; como se ela (a branquitude) fosse uma

outro (Munanga, 1986). A interferência do fator sócio-

guardiã silenciosa de privilégios concretos e

econômico também contribui para que as pessoas

simbólicos inexoráveis e incontestáveis.

mudem sua raça/cor/etnia: algumas pessoas, à

As vias pelas quais o social, econômico e o

medida que elevam seu nível sócio-econômico

cultural influem sobre a saúde de uma população são,

tendem a relatar, com menos freqüência, que são

com efeito, múltiplas e diferenciadas, segundo

pretas, podendo até se apresentar enquanto pardas

natureza das condições sócio-econômicas, tipo de

ou outras derivações semânticas (Berquó e col, 1986;

população e problemas de saúde enfrentados. No

Pinto, 1996); em outras situações a negação da

caso da população negra, Guimarães MA (2001)

identidade racial ou da “raça” se acentua entre os

afirma que o meio ambiente que exclui e nega o direito

negros pobres e entre os mestiços dos diversos

natural de pertencimento coloca o negro brasileiro em

extratos sociais (Oliveira, 1999). Dessa propriedade

condições de vulnerabilidade subjetiva, dado que a

é que derivam as conseqüências sobre a saúde que

presença constante de um estado defensivo pode

podem ser facilmente percebidas enquanto

provocar comportamentos inadequados, doenças

deletérias ou não.

psíquicas e psicossociais, além das doenças físicas.

Desde a década de 1980 pesquisadores e

As pessoas tornam-se impotentes diante de uma

pesquisadoras, técnicos do Instituto Brasileiro de

situação não explícita de discriminação. A sensação

Geografia e Estatística (IBGE) e militantes do

de impotência é igual ou maior do que aquela vivida

movimento negro apontaram para a necessidade de

diante da agressão física, porque as vítimas não

considerar o Quesito Cor no desenvolvimento de

encontram apoio para enfrentá-la (Pinto e col, 2000).

estudos e pesquisas, na elaboração e o informavam a

85
saúde da população negra

implementação das políticas públicas, para

dados sobre quem somos e como vivemos. A

além dos Censos Demográficos. Em 1996 o Quesito

informação é essencial para a tomada de decisões e

Cor passou a figurar os Sistemas de Informações

a falta dela impede a implementação de políticas de

sobre Mortalidade (SIM) e sobre Nascidos Vivos

promoção da igualdade racial, o combate à

(Sinasc) e, em 2000, foi incluído no Sistema Nacional

discriminação e ao racismo institucional, o

de Agravos Notificáveis (Sinan). A Secretaria de

desenvolvimento de estratégias e a fixação de metas

Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde destaca

diferenciadas para que essas políticas sejam

que, embora alguns Estados tenham um percentual

efetivamente equânimes (atendam a todos de acordo

elevado de não preenchimento do Quesito Cor nas

com suas necessidades). No caso específico da

declarações de óbitos, - o que remete à necessidade

saúde, a produção e disseminação de informações

de investimentos na formação dos profissionais -, em

baseadas nos dados desagregados por cor são de

2003, apenas 10,3% dos óbitos totais registrados no

suma importância para que sejam identificadas as

SIM não informavam a cor da pessoa falecida (MS,

prioridades e para que a rede de serviços que

2005).

compõem o Sistema Único de Saúde (SUS) possa

A maioria dos serviços que coleta a informação

ser reorganizada. Para garantir a efetivação do

sobre raça/cor/etnia o faz por meio da observação.

princípio de eqüidade, um dos pilares do SUS, é

Isso significa que um funcionário ou funcionária do

necessário saber qual é o perfil daqueles/daquelas

serviço preenche a ficha e define, por conta própria, a

que estão em situação de vulnerabilidade, o sexo, a

cor/etnia da usuária ou usuário do serviço, sem

faixa etária, a cor da pele, anos de estudo, onde

consultá-lo ou consultá-la (heteroclassificação).

moram, no que trabalham. Para transformar a

Mesmo que esses funcionários e funcionárias sejam

realidade é preciso identificar e reconhecer a

orientados (as) e capacitados (as) para coletar a

existência de desigualdades para, em seguida,

informação da melhor maneira possível, o ideal é que

elaborar e implementar ações de superação das

o próprio usuário ou usuária diga qual é sua cor,

injustiças; monitorar e avaliar o impacto das políticas,

seguindo as categorias utilizadas pelo IBGE (preta,

ações, programas e projetos junto aos diferentes

parda, amarela, branca e indígena). Para os nascidos

segmentos populacionais.

vivos é importante que a pergunta seja feita à mãe.
Em caso de morte a informação deve ser solicitada ao

O que os dados revelam

declarante e, frente a outras impossibilidades, a

Dificuldades de acesso aos bens e serviços

pergunta deve ser feita à pessoa responsável. Para

•Em 1998 o percentual de negros (pretos ou

incentivar esta prática e para transformá-la em algo

pardos) e brancos que nunca tinham ido ao dentista

simples e rotineiro, é necessário realizar campanhas,

era de 24% e 14%, respectivamente (PNUD, 2004).

oficinas, seminários e outras atividades de formação,
elaborar materiais informativos dirigidos à população,
aos trabalhadores e trabalhadoras da saúde e
mobilizar a sociedade como um todo (Quintiliano e
Lopes, 2005).
Segundo as autoras, discutir as necessidades
da população negra no Brasil não é tarefa fácil,
sobretudo quando nos deparamos com a falta de ção

86

•Dados da pesquisa nacional MS/IBOPE com a
população sexualmente ativa indicou que, em 2003,
mulheres e homens negros justificavam o não uso do
preservativo, por motivos financeiros, com mais
freqüência que os brancos, e que negros e negras
apresentavam mais dificuldades de acesso à
informações precisas sobre DST-HIV/Aids e ao teste
anti-HIV (MS, 2003).
saúde da população negra

•De acordo com a pesquisa MS/Cebrap realizada
em 1998, mulheres e homens negros sexualmente
ativos apresentavam menor percepção de risco de
infecção por HIV. Na população jovem (de 16 a 24
anos de idade), o uso de preservativo nas relações
sexuais foi referido por metade dos meninos brancos
e negros, por 28% das meninas negras e 42% das
brancas (Pinho e col, 2002).

•crianças filhas de mulheres brancas (PNUD,
2004).

•Em 2003 o risco de morte por doenças
infecciosas e parasitarias foi 44% maior entre
crianças menores de 1 ano negras quando
comparadas às brancas. No caso das mortes
maternas, as mães negras tiveram 41% mais chance
de morrer que as mães brancas. (MS, 2005).

•De 1998 a 2000, a proporção de mortes por

Discriminação nos serviços de saúde
•Em pesquisa nacional realizada em 2003 pela
Fundação Perseu Abramo, das pessoas que
relataram ter sofrido discriminação em serviços de
saúde, 68% afirmaram que o agente foi um (a) médico
(a), 18% um(a) atendente de enfermagem, 12% um(a)

causas externas foi de 16% para os homens brancos
e 25,6% para os homens negros. Brancos foram vítimas de homicídio em 34,4% dos casos, entre os
negros o percentual foi de 48% (Paixao e col, 2005).

•Em 2003, dos 49.808 homicídios registrados no
Brasil, 49,9% ocorreram entre pessoas pardas

enfermeira e 11% outras pessoas (NOP/FPA, 2003).

•A cor da pele aparece como o principal marcador
da discriminação sofrida por mulheres vivendo com
HIV/aids atendidas nos hospitais universitários Pedro
Ernesto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e
Gaffré e Guinle da Universidade do Rio de Janeiro
(Guimarães CD, 2001).

(23.668); 39,7% brancas (18.840); 9,8% pretas
(4.654); 0,2% indígenas (80) e 0,4% (178) amarelas.
O risco de morrer por homicídio foi 1,8 vezes maior na
população negra quando comparada à branca.
Quando comparados às mulheres, os homens
apresentaram maior risco em todos os grupos de cor:
12,3 vezes entre os pretos; 14 vezes entre os pardos

•Independentemente da escolaridade, as
mulheres negras que tiveram o parto realizado no
período de 1999 a 2001 em maternidades do
município do Rio de Janeiro peregrinaram mais em
busca de vagas quando comparadas às brancas. A
situação de desvantagem também foi observada em

e 10,8 vezes entre os brancos (MS, 2005).

•Em 2004, os homicídios foram responsáveis por
38% dos óbitos por causa externas. Em todas as
regiões os negros apresentaram um risco 88% maior
que os brancos de morrer por homicídio (MS, 2005).

relação à possibilidade de receberem anestesia

O princípio da eqüidade constitui-se numa

durante o momento do parto, informações adequadas

operação de justiça social. Em termos de direitos

sobre sinais de parto e cuidados com o recém nato,

humanos - sistema de valores éticos, hierar-

incluindo amamentação (Leal e col, 2004).

quicamente organizados de acordo com o meio
social, que tem como fonte e medida a dignidade do

Mortalidade por causas definidas

ser humano, aqui definida pela concretização do

•Entre 1991 e 2000, a mortalidade infantil caiu

valor supremo da justiça (Comparato,1999), o direito

28,9% entre os filhos de mães brancas e 32,9% entre

à saúde é uma liberdade/potencialidade fundamental

os filhos de mães negras. Em 2000 a taxa de

e sua promoção é dependente e relacionada à

mortalidade infantil das crianças filhas de mulheres

efetivação de outros direitos. Pensar programas e

negras ainda era cerca de 70% maior que a das

ações de saúde pública que respeitem esse princípio,

87
saúde da população negra

sócio e economicamente destituídos ou historicamente discriminados, é aumentar suas habilida-

sociodemográficas e na assistência ao pré-natal e ao
parto. Município do Rio de Janeiro Brasil, 1999-2001.

des de proteção; é reduzir vulnerabilidades. De

Lopes F, Buchalla CM; ECI Brazilian Team. Vulnerability,

acordo com Santos (2000), nem todas as igualdades

racism, symbolic violence and women living with HIV/AIDS

são idênticas e nem todas as desigualdades são

(WLWA), in Sao Paulo State, Brazil. In: XIV International

injustas. O direito à diferença é, portanto, fundamental na superação das iniqüidades e na efetivação

Conference Aids Full Text CDRom. 2002 jul 7-12;
Barcelona, Espanha: Monduzzi Editore pp 274-278.
[MS]. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em

da igualdade.

Saúde. Departamento de Analise de Situação de Saúde.
Saúde Brasil: uma análise da situação de saúde no Brasil.

Correspondência para a autora:

Brasília: Ministério da Saúde, 2005.

lopesf@usp.br

[MS/IBOPE]. Ministério da Saúde. Instituto Brasileiro de
Opinião e Pesquisa. Pesquisa Nacional com a População

f-lopes@dfid.gov.uk

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(acesso em 10 dez 2003).
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negra no Brasil: contribuições para a promoção da

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A importância do quesito cor

  • 1. saúde da população negra Vamos fazer um teste: qual é a sua cor? A importância do Quesito Cor na saúde Fernanda Lopes Núcleo de Estudos para Prevenção da Aids - Nepaids/USP Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - Cebrap Programa de Combate ao Racismo Institucional - DFID/UK O racismo no Brasil é um fenômeno complexo, e códigos), "raça" apresenta um caráter cujas manifestações são diferentes a cada tempo e mutável, que pode ser diferentes coisas para lugar. Não é uma questão de opinião pessoal, ele se diferentes pessoas, em diferentes lugares na história, reafirma no dia-a-dia pela linguagem comum, se por isso desafia as explicações definitivas fora de mantém e se alimenta pela tradição e pela cultura, contextos específicos. No uso popular a expressão influencia a vida, o funcionamento das instituições, "raça" perdeu seu status de algo com características das organizações e também as relações entre as e traços estáveis. A questão dominante passou a ser pessoas. Se o racismo se constitui numa o discurso. A "raça" então passa a ser um modo de programação social e submete a todos e todas, entender e interpretar as diversidades por meio de embora de modo distinto, a experiência do racismo da marcadores inteligíveis. Enquanto significado "raça" sentido e significado a noção de "raça", logo é pode ser traduzida por grupo de pessoas socialmente importante pensar neste conceito como o recurso unificadas numa determinada sociedade em virtude fundamental na organização dos princípios das de marcadores físicos. Os rótulos raciais têm sociedades. significado em razão do teor específico ligado aos A idéia de "raça" não é universal, mas emerge termos raciais numa determinada época e lugar. As de um ponto particular da história da Europa raças sociais não são subespécies geneticamente Ocidental, isso demonstra que "raça" não é um fato ligadas entre si. Na verdade os membros de biológico, mas uma construção social. Enquanto diferentes raças sociais são, com freqüência, classificação, "raça" é definida por grupo de pessoas parentes próximos uns dos outros em muitas conectadas por uma origem comum. Desde o início do sociedades multirraciais, em especial naquelas com século XIX a palavra foi usada em vários outros um histórico de escravidão (Cashmore, 2000). sentidos. A diversidade física atrai a atenção das A noção de "raça" tem, nesse sentido, uma pessoas tão prontamente que elas não percebem que realidade social plena, e o combate aos a validade do conceito depende do seu emprego comportamentos negativos que ele enseja é numa explicação, isto é, a questão principal não é o impossível de ser travado sem que se lhe reconheça que vem a ser "raça", mas o modo como o conceito é a realidade que só o ato de nomear permite empregado. Embora a designação de raça siga uma (Guimarães, 1999). A plasticidade de um conceito regra social e não de classificação biológica, o idioma socialmente construído está na possibilidade dele se da "raça" é importante para medidas de combate ao (re) modelar cotidianamente seja no contato com seu racismo e à discriminação racial (em detrimento ao interior ou com o interior do mundo. uso desejado do termo etnia). Enquanto significante A indesejabilidade da discriminação racial e a (expressão, som ou imagem cujos significados são punição de práticas discriminatórias em termos da lei, viabilizados somente por meio da aplicação de regras corrobora para a elaboração de estratégias 84
  • 2. saúde da população negra individuais e coletivas, menos evidentes, de A discriminação se opõe à solidariedade, ao discriminação racial, como por exemplo o fato do acolhimento, à humanização, à escuta. O racismo, o branco brasileiro considerar o outro como "irmão" preconceito, a discriminação e a intolerância ferem permite-lhe estar de frente para suas especificidades desequilibram, adoecem e podem ate matar. ainda que não as veja (o estranho comum). O racismo irresponsavelmente intitulado Afinal, qual é a sua cor? “cordial" por alguns e algumas, derivado das A identificação racial pode ser opcional (de características supracitadas, permite aos brasileiros escolha) e contextual, depende da forma como a (governo e sociedade) justificar a situação das informação é solicitada e da repercussão social e desigualdades raciais como um "problema do negro", econômica (benefícios e prejuízos) que essa como se estas não fossem decorrentes de uma categorização pode implicar. No Brasil, há uma relação estabelecida entre negros e brancos; como se divergência evidente na autoclassificação de negros as desigualdades não estivessem relacionadas ao politicamente engajados e aquela adotada pelas cotidiano; ou ainda como se fossem um legado inerte, bases não mobilizadas, deixando nítida a ideologia de um passado no qual os brancos parecem ter do embranquecimento que marca significativamente estado ausentes. Para Bento (1999) é como se a o inconsciente e o imaginário coletivos. Logo, a cor branquitude (conjunto de características que definem ou pertencimento racial que alguém se atribui é a identidade do branco) pudesse ser caracterizada confirmada ou negada pelo olhar do outro, podendo pelo reconhecimento da existência de uma carência determinar uma dissonância entre o reconhecimento negra sem, contudo, existir a percepção do privilégio de si mesmo e o reconhecimento a partir do olhar do branco; como se ela (a branquitude) fosse uma outro (Munanga, 1986). A interferência do fator sócio- guardiã silenciosa de privilégios concretos e econômico também contribui para que as pessoas simbólicos inexoráveis e incontestáveis. mudem sua raça/cor/etnia: algumas pessoas, à As vias pelas quais o social, econômico e o medida que elevam seu nível sócio-econômico cultural influem sobre a saúde de uma população são, tendem a relatar, com menos freqüência, que são com efeito, múltiplas e diferenciadas, segundo pretas, podendo até se apresentar enquanto pardas natureza das condições sócio-econômicas, tipo de ou outras derivações semânticas (Berquó e col, 1986; população e problemas de saúde enfrentados. No Pinto, 1996); em outras situações a negação da caso da população negra, Guimarães MA (2001) identidade racial ou da “raça” se acentua entre os afirma que o meio ambiente que exclui e nega o direito negros pobres e entre os mestiços dos diversos natural de pertencimento coloca o negro brasileiro em extratos sociais (Oliveira, 1999). Dessa propriedade condições de vulnerabilidade subjetiva, dado que a é que derivam as conseqüências sobre a saúde que presença constante de um estado defensivo pode podem ser facilmente percebidas enquanto provocar comportamentos inadequados, doenças deletérias ou não. psíquicas e psicossociais, além das doenças físicas. Desde a década de 1980 pesquisadores e As pessoas tornam-se impotentes diante de uma pesquisadoras, técnicos do Instituto Brasileiro de situação não explícita de discriminação. A sensação Geografia e Estatística (IBGE) e militantes do de impotência é igual ou maior do que aquela vivida movimento negro apontaram para a necessidade de diante da agressão física, porque as vítimas não considerar o Quesito Cor no desenvolvimento de encontram apoio para enfrentá-la (Pinto e col, 2000). estudos e pesquisas, na elaboração e o informavam a 85
  • 3. saúde da população negra implementação das políticas públicas, para dados sobre quem somos e como vivemos. A além dos Censos Demográficos. Em 1996 o Quesito informação é essencial para a tomada de decisões e Cor passou a figurar os Sistemas de Informações a falta dela impede a implementação de políticas de sobre Mortalidade (SIM) e sobre Nascidos Vivos promoção da igualdade racial, o combate à (Sinasc) e, em 2000, foi incluído no Sistema Nacional discriminação e ao racismo institucional, o de Agravos Notificáveis (Sinan). A Secretaria de desenvolvimento de estratégias e a fixação de metas Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde destaca diferenciadas para que essas políticas sejam que, embora alguns Estados tenham um percentual efetivamente equânimes (atendam a todos de acordo elevado de não preenchimento do Quesito Cor nas com suas necessidades). No caso específico da declarações de óbitos, - o que remete à necessidade saúde, a produção e disseminação de informações de investimentos na formação dos profissionais -, em baseadas nos dados desagregados por cor são de 2003, apenas 10,3% dos óbitos totais registrados no suma importância para que sejam identificadas as SIM não informavam a cor da pessoa falecida (MS, prioridades e para que a rede de serviços que 2005). compõem o Sistema Único de Saúde (SUS) possa A maioria dos serviços que coleta a informação ser reorganizada. Para garantir a efetivação do sobre raça/cor/etnia o faz por meio da observação. princípio de eqüidade, um dos pilares do SUS, é Isso significa que um funcionário ou funcionária do necessário saber qual é o perfil daqueles/daquelas serviço preenche a ficha e define, por conta própria, a que estão em situação de vulnerabilidade, o sexo, a cor/etnia da usuária ou usuário do serviço, sem faixa etária, a cor da pele, anos de estudo, onde consultá-lo ou consultá-la (heteroclassificação). moram, no que trabalham. Para transformar a Mesmo que esses funcionários e funcionárias sejam realidade é preciso identificar e reconhecer a orientados (as) e capacitados (as) para coletar a existência de desigualdades para, em seguida, informação da melhor maneira possível, o ideal é que elaborar e implementar ações de superação das o próprio usuário ou usuária diga qual é sua cor, injustiças; monitorar e avaliar o impacto das políticas, seguindo as categorias utilizadas pelo IBGE (preta, ações, programas e projetos junto aos diferentes parda, amarela, branca e indígena). Para os nascidos segmentos populacionais. vivos é importante que a pergunta seja feita à mãe. Em caso de morte a informação deve ser solicitada ao O que os dados revelam declarante e, frente a outras impossibilidades, a Dificuldades de acesso aos bens e serviços pergunta deve ser feita à pessoa responsável. Para •Em 1998 o percentual de negros (pretos ou incentivar esta prática e para transformá-la em algo pardos) e brancos que nunca tinham ido ao dentista simples e rotineiro, é necessário realizar campanhas, era de 24% e 14%, respectivamente (PNUD, 2004). oficinas, seminários e outras atividades de formação, elaborar materiais informativos dirigidos à população, aos trabalhadores e trabalhadoras da saúde e mobilizar a sociedade como um todo (Quintiliano e Lopes, 2005). Segundo as autoras, discutir as necessidades da população negra no Brasil não é tarefa fácil, sobretudo quando nos deparamos com a falta de ção 86 •Dados da pesquisa nacional MS/IBOPE com a população sexualmente ativa indicou que, em 2003, mulheres e homens negros justificavam o não uso do preservativo, por motivos financeiros, com mais freqüência que os brancos, e que negros e negras apresentavam mais dificuldades de acesso à informações precisas sobre DST-HIV/Aids e ao teste anti-HIV (MS, 2003).
  • 4. saúde da população negra •De acordo com a pesquisa MS/Cebrap realizada em 1998, mulheres e homens negros sexualmente ativos apresentavam menor percepção de risco de infecção por HIV. Na população jovem (de 16 a 24 anos de idade), o uso de preservativo nas relações sexuais foi referido por metade dos meninos brancos e negros, por 28% das meninas negras e 42% das brancas (Pinho e col, 2002). •crianças filhas de mulheres brancas (PNUD, 2004). •Em 2003 o risco de morte por doenças infecciosas e parasitarias foi 44% maior entre crianças menores de 1 ano negras quando comparadas às brancas. No caso das mortes maternas, as mães negras tiveram 41% mais chance de morrer que as mães brancas. (MS, 2005). •De 1998 a 2000, a proporção de mortes por Discriminação nos serviços de saúde •Em pesquisa nacional realizada em 2003 pela Fundação Perseu Abramo, das pessoas que relataram ter sofrido discriminação em serviços de saúde, 68% afirmaram que o agente foi um (a) médico (a), 18% um(a) atendente de enfermagem, 12% um(a) causas externas foi de 16% para os homens brancos e 25,6% para os homens negros. Brancos foram vítimas de homicídio em 34,4% dos casos, entre os negros o percentual foi de 48% (Paixao e col, 2005). •Em 2003, dos 49.808 homicídios registrados no Brasil, 49,9% ocorreram entre pessoas pardas enfermeira e 11% outras pessoas (NOP/FPA, 2003). •A cor da pele aparece como o principal marcador da discriminação sofrida por mulheres vivendo com HIV/aids atendidas nos hospitais universitários Pedro Ernesto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e Gaffré e Guinle da Universidade do Rio de Janeiro (Guimarães CD, 2001). (23.668); 39,7% brancas (18.840); 9,8% pretas (4.654); 0,2% indígenas (80) e 0,4% (178) amarelas. O risco de morrer por homicídio foi 1,8 vezes maior na população negra quando comparada à branca. Quando comparados às mulheres, os homens apresentaram maior risco em todos os grupos de cor: 12,3 vezes entre os pretos; 14 vezes entre os pardos •Independentemente da escolaridade, as mulheres negras que tiveram o parto realizado no período de 1999 a 2001 em maternidades do município do Rio de Janeiro peregrinaram mais em busca de vagas quando comparadas às brancas. A situação de desvantagem também foi observada em e 10,8 vezes entre os brancos (MS, 2005). •Em 2004, os homicídios foram responsáveis por 38% dos óbitos por causa externas. Em todas as regiões os negros apresentaram um risco 88% maior que os brancos de morrer por homicídio (MS, 2005). relação à possibilidade de receberem anestesia O princípio da eqüidade constitui-se numa durante o momento do parto, informações adequadas operação de justiça social. Em termos de direitos sobre sinais de parto e cuidados com o recém nato, humanos - sistema de valores éticos, hierar- incluindo amamentação (Leal e col, 2004). quicamente organizados de acordo com o meio social, que tem como fonte e medida a dignidade do Mortalidade por causas definidas ser humano, aqui definida pela concretização do •Entre 1991 e 2000, a mortalidade infantil caiu valor supremo da justiça (Comparato,1999), o direito 28,9% entre os filhos de mães brancas e 32,9% entre à saúde é uma liberdade/potencialidade fundamental os filhos de mães negras. Em 2000 a taxa de e sua promoção é dependente e relacionada à mortalidade infantil das crianças filhas de mulheres efetivação de outros direitos. Pensar programas e negras ainda era cerca de 70% maior que a das ações de saúde pública que respeitem esse princípio, 87
  • 5. saúde da população negra sócio e economicamente destituídos ou historicamente discriminados, é aumentar suas habilida- sociodemográficas e na assistência ao pré-natal e ao parto. Município do Rio de Janeiro Brasil, 1999-2001. des de proteção; é reduzir vulnerabilidades. De Lopes F, Buchalla CM; ECI Brazilian Team. Vulnerability, acordo com Santos (2000), nem todas as igualdades racism, symbolic violence and women living with HIV/AIDS são idênticas e nem todas as desigualdades são (WLWA), in Sao Paulo State, Brazil. In: XIV International injustas. O direito à diferença é, portanto, fundamental na superação das iniqüidades e na efetivação Conference Aids Full Text CDRom. 2002 jul 7-12; Barcelona, Espanha: Monduzzi Editore pp 274-278. [MS]. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em da igualdade. Saúde. Departamento de Analise de Situação de Saúde. Saúde Brasil: uma análise da situação de saúde no Brasil. Correspondência para a autora: Brasília: Ministério da Saúde, 2005. lopesf@usp.br [MS/IBOPE]. Ministério da Saúde. Instituto Brasileiro de Opinião e Pesquisa. Pesquisa Nacional com a População f-lopes@dfid.gov.uk Sexualmente Ativa. Disponível em http://www.aids.gov.br (acesso em 10 dez 2003). Referências Bibliográficas Munanga K. Negritude: usos e sentidos. São Paulo: Ática Batista LE. A epidemiologia e as relações raciais: o estudo Editora, 1986. da mortalidade. In: Livro de Resumos do II Congresso Oliveira I. Desigualdades raciais: construções da infância e Brasileiro de Pesquisadores Negros. São Carlos:UFSCar, da juventude. Niterói: Intertexto, 1999b. 2002. pp. 49. Paixão M, Carvano LM, Oliveira J, Ervatti L. Contando Bento MA. Institucionalização da luta anti-racismo e vencidos. In: Lopes F, organizador. Saúde da população branquitude. In: Heringer H. (org) A cor da desigualdade: negra no Brasil: contribuições para a promoção da desigualdades raciais no mercado de trabalho e ação eqüidade. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, afirmativa no Brasil. Rio de Janeiro: IERÊ (Instituto de Ministério da Saúde; 2005. pp.49-200. Estudos Raciais Étnicos), 1999. pp. 11-30. Pinho MD, Berquó E, Lopes F, Oliveira KA, Lima LCA, Berquó E, Bercovichi AM e Garcia EM. Estudo da dinâmica Pereira N. Juventudes, raça e vulnerabilidades. Rev demográfica da população negra no Brasil. Textos NEPO 9. Brasileira de Estudos de População 2002 jul/dez; 19(2): Campinas: NEPO/UNICAMP, 1986. 277-294. Cashmore E. Dicionário de relações étnicas e raciais. São Pinto E, Boulos SR, Assis M. A saúde mental da população Paulo:Summus; 2000. negra: uma breve reflexão a partir da experiência com Comparato FK. A afirmação histórica dos direitos humanos. grupos de auto-ajuda. In: Werneck J, Mendonça M e White São Paulo: Saraiva, 1999. pp. 1-55. EC (orgs). Guimarães A. Racismo e anti-racismo no Brasil. São Paulo: Editora 34; 1999. Guimarães CD. Aids no feminino: por que a cada dia mais mulheres contraem aids no Brasil? Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001. Guimarães MA. Vulnerabilidade Subjetiva. In: Anais do Seminário “A Vulnerabilidade da População Afro-brasileira à Epidemia de HIV/AIDS; 2001 dez 10-11; Rio de Janeiro, Brasil. nossos passos vêm de longe. Rio de Janeiro: Pallas, 2000. pp. 171-178. Pinto RP. Classifying the Brazilian population by color: underlying problems. In: Brazilian issues on education, gender and race. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1996. pp. 189-213. Santos BS. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. In: Feldman BB e Capinha (org). Identidades: estudos de cultura e poder. São Paulo: Hucitec, 2000. Pp.19-39. Leal MC, Gama SGN, Cunha CB. Desigualdades raciais, 88 O Livro da Saúde das Mulheres Negras: