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Conteúdos literários
SONETOS COMPLETOS,
de ANTERO DE QUENTAL
A ANGÚSTIA EXISTENCIAL
•	 		
Na	obra	poética	de	Antero,	é	visível	uma	pro-
funda	angústia	existencial.	Com	efeito,	como	
afirma	António	Sérgio	(Sérgio:	1984),	a	par	
de	uma	face	luminosa	do	eu,	temos	uma	face	
noturna,	sendo	esta	dualidade	geradora	de	
uma	grande	inquietação	interior.
•	 		
Na	sua	vertente	apolínea,	a	poesia	anteriana	
é	dominada	pela	racionalidade	de	um	pensa-
dor	que	exalta	o	papel	revolucionário	do	poeta	
e	que	aspira	à	justiça	social	e	ao	Bem.
•	 		
No	entanto,	na	obra	de	Antero	está	patente	
uma	busca	permanente	da	perfeição,	que	não	
se	compadece	com	a	dimensão	transitória	
e	imperfeita	da	realidade.	Desse	ponto	de	vista,	
todos	os	ideais	estarão,	à	partida,	condenados	
ao	malogro,	uma	vez	que	nunca	poderão	satis-
fazer	totalmente	a	ânsia	de	Absoluto	do	eu.
•	 		
É	por	este	motivo	que	deparamos	com	a	ver-
tente	mais	negra	da	obra	de	Antero,	marcada	
por	um	profundo	desalento	provocado	pelo	
desmoronar	de	todos	os	seus	sonhos.
•	 No	intuito	de	se	libertar	deste	sentimento	doloroso	de	derrota,	o	eu	busca	
desesperadamente	uma	forma	de	evasão	—	quer	através	da	aspiração	a	um	
estado	de	indiferença	próximo	do	«nirvana»	budista	(isto	é,	uma	condição	pró-
xima	do	não-ser)	quer	através	do	desejo	de	refúgio	no	sono	no	seio	de	uma	
figura	protetora,	que	tanto	pode	assumir	traços	maternais	(sendo,	por	vezes,	
identificada	com	Nossa	Senhora)	como	traços	paternais	(destacando-se	a	figura	
de	Deus).	No	entanto,	este	desejo	de	proteção	nem	sempre	é	investido	de	con-
tornos	positivos.	De	facto,	o	sujeito	poético	manifesta,	ao	longo	de	toda	a	obra,	
dúvidas	em	relação	à	existência	de	Deus.	Deste	modo,	mais	do	que	um	gesto	
voluntário	de	entrega	ao	divino,	o	comportamento	do	eu	é,	na	verdade,	uma	
atitude	de	desistência	resultante	de	um	sentimento	de	profundo	desencanto	em	
relação	a	todas	as	esperanças.
CONFIGURAÇÕES DO IDEAL
•	 A	obra	poética	de	Antero	é	marcada	pela	busca	de	um	ideal,	que	pode	assumir	
diferentes	configurações.
•	 Em	primeiro	lugar,	como	foi	anteriormente	referido,	o	eu	faz	a	apologia	da	
necessidade	de	transformação	da	sociedade	—	processo	em	que	o	poeta	teria	
um	papel	fundamental.	Esta	vertente	da	poesia	anteriana	é	influenciada	pelos	
ideais	socialistas,	que	inspiraram	as	iniciativas	políticas	do	poeta	ao	longo	
da vida.
Inês	Burguete,	Retrato de Antero (2014).
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S COMPLETOS, de ANTERO DE QUENTAL
63
•	 Em	segundo	lugar,	o	eu	manifesta	também	a	sua	aspiração	a	um	amor	que	
surge,	muitas	vezes,	com	contornos	idealizados	(e	que	é,	por	vezes,	associado	
a	uma	figura	feminina	também	ela	ideal).
•	 Finalmente,	é	de	destacar	a	busca	da	perfeição	a	nível	ético	—	que	está,	obvia-
mente,	também	associada	à	aspiração	à	justiça	social.	Este	processo	pauta-se	
por	uma	preocupação	constante	com	a	busca	do	Bem	e	da	própria	santidade.
LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA
1. O soneto anteriano e o discurso concetual
•	 Na	tradição	de	Sá	de	Miranda,	Camões	e	outros	poetas	portugueses,	Antero	de	
Quental	cultiva	o	soneto	com	grande	mestria.	No	entanto,	apropria	esta	tradição	
aos	temas	literários	e	filosóficos	que	trata	e	à	estética	que	adota	na	escrita	des-
tes	poemas.
•	 Assim,	apesar	de	ser	o	mentor	da	Questão	do	Bom	Senso	e	Bom	Gosto	(polé-
mica	em	que	atacou	a	literatura	do	Ultrarromantismo)	e	correligionário	dos	
escritores	realistas,	como	Eça,	Antero	exprime	as	suas	ideias	em	sonetos	
	
marcados	por	uma	linguagem recuperada do Romantismo,	cultivando	um	
vocabulário	e	motivos	literários	associados	à	noite,	à	morte,	às	ruínas,	etc.	
(Nada	aqui	há	de	contraditório	porque	as	ideias	estão	em	consonância	com	
o	ideário	realista	e	o	pensamento	moderno	da	segunda	metade	do	século	XIX.)
•	 Com	os	seus	catorze	versos	decassilábicos,	o	soneto	é	uma	forma	poética	que	
permite	desenvolver uma ideia,	um	raciocínio,	de	forma	sintética	e	concen-
trada.	Após	tratar	um	problema,	normalmente	de	natureza	filosófica,	o	eu	poé-
tico	dos	sonetos	de	Antero	chega	a	uma	conclusão	no	terceto	final	e	remata	
o	seu	pensamento	com	a	chamada	«chave de ouro»,	com	um	desfecho	enge-
nhoso.	Reconhece-se	a	este	poeta	o	virtuosismo	de	conseguir	tratar	temas	
de	natureza	filosófica,	religiosa	ou	social	na	curta	extensão	do	soneto.
•	 	
A	reflexão	é	desenvolvida	nestes	sonetos	em	termos	poéticos	e,	em	muitos	
casos,	em	tom	de	monólogo interior,	como	se	o	eu	poético	discorresse	mental-
mente	sobre	o	problema	que	está	a	tratar	(ver	soneto	«Desesperança»).	Noutros	
casos,	como	em	«Aparição»,	há	um	esboço	de	diálogo	entre	o	eu	lírico	e	outra	
entidade	que	anima	a	reflexão	que	está	em	curso.
•	 	
Os temas filosóficos	tratados	nos	sonetos	de	Antero	passam	pela	relação	entre	
o	Homem	e	Deus	(«Ignoto Deo»),	o	amor	(«Sonho	oriental»),	a	morte	(«Mors
liberatrix»),	a	angústia	existencial	(«O	palácio	da	Ventura»),	a	configuração	do	
ideal	(«Ideal»).	Mas	o	poeta	revela	também	preocupações	sociais,	cívicas	e	
políticas	—	ou	não	tivesse	tido	Antero	uma	participação	ativa	na	arena	pública	
portuguesa:	ver	poema	«Justitia mater».
•	 Como	na	grande	maioria	dos	sonetos	Antero	desenvolve	um	argumento	e	trata	
questões	filosóficas,	a	linguagem	tende	a	ser	abstrata	(«Tormento	do	ideal»).	
Daí	que	se	afirme	que	o	poeta	cultive	um	discurso concetual	nas	suas	compo-
sições	poéticas,	pois	com	esta	linguagem	debate	ideias	e	conceitos.
•	 No	entanto,	alguns	poemas	adotam	um	registo	narrativo	e,	nesse	modo	discur-
sivo,	apresentam	um	breve	episódio	que	retrata	uma	questão	ou	um	problema	
filosófico:	a	busca	da	felicidade	(«O	palácio	da	ventura»),	o	papel	do	amor	e	da	
morte	na	vida	dos	homens	(«Mors-amor»),	entre	outros.
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64
Conteúdos literários
2. Recursos expressivos
•	 Se	atentarmos	nos	principais	recursos	expressivos	cultivados	por	Antero	de	
Quental	nos	seus	sonetos,	constatamos	que	a	metáfora	é	usada	para	represen-
tar	de	forma	eloquente	e	reveladora	conceitos,	fenómenos	e	situações	que	são	
centrais	no	desenvolvimento	do	raciocínio	do	eu	poético.	Nas	metáforas,	o	eu
poético	ganha	um	olhar	novo	e	revelador	sobre	uma	ideia	ou	um	conceito:	
«Estreita	é	do	prazer	na	vida	a	taça»	(a	taça	do	prazer);	«O	cálix	amargoso	da	
desgraça».
•	 Próxima	da	metáfora,	a	imagem	é	um	recurso	expressivo	que	consiste	numa	
representação	(de	natureza	metafórica)	com	um	forte	apelo	visual.	Antero	usa-a,	
em	alguns	casos,	associada	à	alegoria:	observe-se	como	em	«O	palácio	da	
Ventura»	a	busca	da	felicidade	é	representada	pela	demanda	de	um	cavaleiro	
ou	como	a	ação	da	morte	e	do	amor	na	vida	dos	homens	é	figurada	na	imagem	
de	um	cavaleiro	negro	que	avança	na	noite	escura	em	«Mors-amor».
•	 Antero	recorre	à	personificação	de	elementos	físicos	e	de	conceitos	abstratos,	
que	surgem	como	personagens	nos	poemas:	o	meu	coração,	a	minha	alma,	o	
vento,	o	sonho,	mas	também	a	Justiça,	a	Razão,	o	Amor	(«Mors-amor»)	e	a	
Morte	(«Mors liberatrix»).	Desta	forma,	o	eu	lírico	dirige-se	a	estas	entidades,	
questiona-as,	lamenta-se,	exige-lhes	explicações	como	se	estivesse	a	falar	com	
outra	pessoa.	Frequentemente,	estes	nomes	surgem	com	inicial	maiúscula.
•	 Assim,	em	alguns	sonetos,	o	eu	poético	estabelece	diálogo	com	esses	elemen-
tos	e	conceitos	personificados	a	fim	de	desenvolver	o	seu	raciocínio	ou	de	expor	
o	seu	argumento.	É	nesse	momento	que	se	socorre	das	apóstrofes	para	inter-
pelar	estas	entidades:	«Razão,	[…]	/	Mais	uma	vez	escuta	a	minha	prece»	
(«Hino	à	Razão»);	«e	tu,	Morte,	bem-vinda!»	(«Em	viagem»).
•	 As	interrogações,	as	frases exclamativas	e	as	reticências	servem	para	conferir	
o	tom	inquiridor,	mas	também	coloquial,	à	discussão	de	ideias	que	o	eu	lírico	
está	a	desenvolver	interiormente.
•	 Por	fim,	registe-se	a	presença	de	um	vocabulário	associado	à	escuridão	mas	
também	um	léxico	relativo	à	luz	e	à	claridade:	estes	dois	campos	lexicais	tradu-
zem	a	dimensão	luminosa	e	a	negra	dos	sonetos	de	Antero.	Como	antes	vimos,	
se	o	primeiro	campo	lexical	alude	à	racionalidade,	à	justiça	ou	à	ideia	de	bem,	
o	segundo	reúne	palavras	associadas	ao	pessimismo,	ao	desespero	ou	à	morte.
Sir	Frank	Dicksee,	
A bela dama sem
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Antero de Quental's Sonnets

  • 1. 62 Conteúdos literários SONETOS COMPLETOS, de ANTERO DE QUENTAL A ANGÚSTIA EXISTENCIAL • Na obra poética de Antero, é visível uma pro- funda angústia existencial. Com efeito, como afirma António Sérgio (Sérgio: 1984), a par de uma face luminosa do eu, temos uma face noturna, sendo esta dualidade geradora de uma grande inquietação interior. • Na sua vertente apolínea, a poesia anteriana é dominada pela racionalidade de um pensa- dor que exalta o papel revolucionário do poeta e que aspira à justiça social e ao Bem. • No entanto, na obra de Antero está patente uma busca permanente da perfeição, que não se compadece com a dimensão transitória e imperfeita da realidade. Desse ponto de vista, todos os ideais estarão, à partida, condenados ao malogro, uma vez que nunca poderão satis- fazer totalmente a ânsia de Absoluto do eu. • É por este motivo que deparamos com a ver- tente mais negra da obra de Antero, marcada por um profundo desalento provocado pelo desmoronar de todos os seus sonhos. • No intuito de se libertar deste sentimento doloroso de derrota, o eu busca desesperadamente uma forma de evasão — quer através da aspiração a um estado de indiferença próximo do «nirvana» budista (isto é, uma condição pró- xima do não-ser) quer através do desejo de refúgio no sono no seio de uma figura protetora, que tanto pode assumir traços maternais (sendo, por vezes, identificada com Nossa Senhora) como traços paternais (destacando-se a figura de Deus). No entanto, este desejo de proteção nem sempre é investido de con- tornos positivos. De facto, o sujeito poético manifesta, ao longo de toda a obra, dúvidas em relação à existência de Deus. Deste modo, mais do que um gesto voluntário de entrega ao divino, o comportamento do eu é, na verdade, uma atitude de desistência resultante de um sentimento de profundo desencanto em relação a todas as esperanças. CONFIGURAÇÕES DO IDEAL • A obra poética de Antero é marcada pela busca de um ideal, que pode assumir diferentes configurações. • Em primeiro lugar, como foi anteriormente referido, o eu faz a apologia da necessidade de transformação da sociedade — processo em que o poeta teria um papel fundamental. Esta vertente da poesia anteriana é influenciada pelos ideais socialistas, que inspiraram as iniciativas políticas do poeta ao longo da vida. Inês Burguete, Retrato de Antero (2014). 000998 024-071.indd 62 04/03/16 16:33
  • 2. S COMPLETOS, de ANTERO DE QUENTAL 63 • Em segundo lugar, o eu manifesta também a sua aspiração a um amor que surge, muitas vezes, com contornos idealizados (e que é, por vezes, associado a uma figura feminina também ela ideal). • Finalmente, é de destacar a busca da perfeição a nível ético — que está, obvia- mente, também associada à aspiração à justiça social. Este processo pauta-se por uma preocupação constante com a busca do Bem e da própria santidade. LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA 1. O soneto anteriano e o discurso concetual • Na tradição de Sá de Miranda, Camões e outros poetas portugueses, Antero de Quental cultiva o soneto com grande mestria. No entanto, apropria esta tradição aos temas literários e filosóficos que trata e à estética que adota na escrita des- tes poemas. • Assim, apesar de ser o mentor da Questão do Bom Senso e Bom Gosto (polé- mica em que atacou a literatura do Ultrarromantismo) e correligionário dos escritores realistas, como Eça, Antero exprime as suas ideias em sonetos marcados por uma linguagem recuperada do Romantismo, cultivando um vocabulário e motivos literários associados à noite, à morte, às ruínas, etc. (Nada aqui há de contraditório porque as ideias estão em consonância com o ideário realista e o pensamento moderno da segunda metade do século XIX.) • Com os seus catorze versos decassilábicos, o soneto é uma forma poética que permite desenvolver uma ideia, um raciocínio, de forma sintética e concen- trada. Após tratar um problema, normalmente de natureza filosófica, o eu poé- tico dos sonetos de Antero chega a uma conclusão no terceto final e remata o seu pensamento com a chamada «chave de ouro», com um desfecho enge- nhoso. Reconhece-se a este poeta o virtuosismo de conseguir tratar temas de natureza filosófica, religiosa ou social na curta extensão do soneto. • A reflexão é desenvolvida nestes sonetos em termos poéticos e, em muitos casos, em tom de monólogo interior, como se o eu poético discorresse mental- mente sobre o problema que está a tratar (ver soneto «Desesperança»). Noutros casos, como em «Aparição», há um esboço de diálogo entre o eu lírico e outra entidade que anima a reflexão que está em curso. • Os temas filosóficos tratados nos sonetos de Antero passam pela relação entre o Homem e Deus («Ignoto Deo»), o amor («Sonho oriental»), a morte («Mors liberatrix»), a angústia existencial («O palácio da Ventura»), a configuração do ideal («Ideal»). Mas o poeta revela também preocupações sociais, cívicas e políticas — ou não tivesse tido Antero uma participação ativa na arena pública portuguesa: ver poema «Justitia mater». • Como na grande maioria dos sonetos Antero desenvolve um argumento e trata questões filosóficas, a linguagem tende a ser abstrata («Tormento do ideal»). Daí que se afirme que o poeta cultive um discurso concetual nas suas compo- sições poéticas, pois com esta linguagem debate ideias e conceitos. • No entanto, alguns poemas adotam um registo narrativo e, nesse modo discur- sivo, apresentam um breve episódio que retrata uma questão ou um problema filosófico: a busca da felicidade («O palácio da ventura»), o papel do amor e da morte na vida dos homens («Mors-amor»), entre outros. 000998 024-071.indd 63 04/03/16 16:33
  • 3. 64 Conteúdos literários 2. Recursos expressivos • Se atentarmos nos principais recursos expressivos cultivados por Antero de Quental nos seus sonetos, constatamos que a metáfora é usada para represen- tar de forma eloquente e reveladora conceitos, fenómenos e situações que são centrais no desenvolvimento do raciocínio do eu poético. Nas metáforas, o eu poético ganha um olhar novo e revelador sobre uma ideia ou um conceito: «Estreita é do prazer na vida a taça» (a taça do prazer); «O cálix amargoso da desgraça». • Próxima da metáfora, a imagem é um recurso expressivo que consiste numa representação (de natureza metafórica) com um forte apelo visual. Antero usa-a, em alguns casos, associada à alegoria: observe-se como em «O palácio da Ventura» a busca da felicidade é representada pela demanda de um cavaleiro ou como a ação da morte e do amor na vida dos homens é figurada na imagem de um cavaleiro negro que avança na noite escura em «Mors-amor». • Antero recorre à personificação de elementos físicos e de conceitos abstratos, que surgem como personagens nos poemas: o meu coração, a minha alma, o vento, o sonho, mas também a Justiça, a Razão, o Amor («Mors-amor») e a Morte («Mors liberatrix»). Desta forma, o eu lírico dirige-se a estas entidades, questiona-as, lamenta-se, exige-lhes explicações como se estivesse a falar com outra pessoa. Frequentemente, estes nomes surgem com inicial maiúscula. • Assim, em alguns sonetos, o eu poético estabelece diálogo com esses elemen- tos e conceitos personificados a fim de desenvolver o seu raciocínio ou de expor o seu argumento. É nesse momento que se socorre das apóstrofes para inter- pelar estas entidades: «Razão, […] / Mais uma vez escuta a minha prece» («Hino à Razão»); «e tu, Morte, bem-vinda!» («Em viagem»). • As interrogações, as frases exclamativas e as reticências servem para conferir o tom inquiridor, mas também coloquial, à discussão de ideias que o eu lírico está a desenvolver interiormente. • Por fim, registe-se a presença de um vocabulário associado à escuridão mas também um léxico relativo à luz e à claridade: estes dois campos lexicais tradu- zem a dimensão luminosa e a negra dos sonetos de Antero. Como antes vimos, se o primeiro campo lexical alude à racionalidade, à justiça ou à ideia de bem, o segundo reúne palavras associadas ao pessimismo, ao desespero ou à morte. Sir Frank Dicksee, A bela dama sem piedade (c. 1902). 000998 024-071.indd 64 04/03/16 16:33