1. e-ISSN 1881-4690
Revista Brasileira de Educação Física e Esporte
Brazilian Journal of Physical Education and Sport
São Paulo
v.27
Suplemento n.7
p.5-143
novembro 2013
XII Seminário de Educação Física Escolar
A prática docente da Educação Física Escolar:
da inspiração à ação
22 a 24 de novembro de 2013
Escola de Educação Física e Esporte - USP
São Paulo, SP - Brasil
Escola de Educação Física e Esporte
Universidade de São Paulo
2. Comissão Organizadora
Walter Roberto Correia (EEFE-USP) - Presidente
Luciano Basso (EEFE-USP) - Secretário Geral
Go Tani (EEFE-USP)
Andrea Michele Freudenheim (EEFE-USP)
Ana Cristina Zimmermann (EEFE-USP)
Comissão Científica
Ana Cristina Zimmermann (EEFE-USP) - Presidente
Andrea Michele Freudenheim (EEFE-USP)
Jorge Alberto de Oliveira (EEFE-USP)
Luciano Basso (EEFE-USP)
Marcos Garcia Neira (FE-USP)
Monica Caldas Ehrenberg (FE-USP)
Umberto Cesar Corrêa (EEFE-USP)
Soraia Shung Saura (EEFE-USP)
3. Objetivo
O evento tem por finalidade estabelecer o debate sobre os elementos que subsidiam a lógica da prática
docente da Educação Física Escolar, por meio da partilha das experiências pedagógicas vivenciadas por
professores e professoras em diferentes instâncias da escolarização básica. A escolha pelo tema expressa
a preocupação sempre presente nos seminários da EEFEUSP: valorizar os conhecimentos, os saberes e
a sapiência docente. Assim sendo, escutar as experiências dos professores e professoras, antiga em sua
sabedoria, mas atual na práxis escolar, são aspectos fundamentais para que se possa pensar, discutir e
propor pedagogias pertinentes aos diferentes contextos.
Público alvo
Pesquisadores, professores dos diferentes níveis e sistemas de ensino, pedagógicos, supervisores,
planejadores e administradores escolares.
Programação
22/11 (sexta-feira)
15h
16h
17h
19h
19h30
Recepção e entrega do material
Oficinas (Capoeira/Expressão Corporal)
Reunião Aberta: “Conversas com quem gosta de ensinar”
Abertura Oficial
Conferência I - “Educação Física Escolar: relações entre a prática docente e a qualidade da educação”
Prof. Dr. José Sérgio Fonseca de Carvalho - FE-USP
Moderadora: Profa. Dra. Soraia Chung Saura - EEFE-USP
23/11 (sábado)
8h30
10h30
12h
14h
15h30
16h
Apresentação de trabalhos
Conferência II - “Educação Física Escolar: a prática docente e o desenvolvimento da personalidade
adulta de professores e professoras”
Prof. Dr. Walter Roberto Correia - Universidade de São Paulo
Moderadora: Profa. Dra. Ana Cristina Zimmermann - EEFE-USP
Almoço
Conferência III - “Conteúdos de Ensino da Educação Física Escolar: realidade e práticas possíveis”
Prof. Dr. Sérgio Roberto Silveira - Secretaria da Educação do Estado de São Paulo
Moderador: Prof. Dr. Maurício Teodoro de Souza - EEFE-USP
Coffee break
Apresentação de trabalhos
24/11 (domingo)
16h
10h10
10h30
12h
Oficinas (Jogo/Dança/Ginástica)
Coffee break
Conferência IV - “Educação Física Escolar: a prática docente na perspectiva da formação permanente”
Prof. MS. Francisco Eduardo Caparroz - CEFD-UFES
Moderador: Prof. Dr. Luciano Basso - EEFE-USP
Premiação e Encerramento
4. Editorial
XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
XII SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR
A prática docente da Educação Física Escolar:
da inspiração à ação
O XII Seminário de Educação Física Escolar é um
empreendimento do Departamento de Pedagogia
do Movimento do Corpo Humano da Escola de
Educação Física e Esporte da Universidade de São
Paulo, com o apoio da Revista Brasileira de Educação
Física e Esporte (RBEFE). Para esse ano de 2013,
“A Prática Docente da Educação Física Escolar: da
inspiração à ação.” foi o tema escolhido para nortear
as discussões, apresentações e debates no evento, e
direcionar as contribuições para esse suplemento da
RBEFE. O evento tem por finalidade estabelecer o
debate sobre os elementos que subsidiam a lógica
da prática docente da Educação Física Escolar,
por meio da partilha das experiências pedagógicas
vivenciadas por professores e professoras em
diferentes instâncias da escolarização básica. A
escolha pelo tema expressa a preocupação sempre
presente nos seminários da EEFEUSP: valorizar os
conhecimentos, os saberes e a sapiência docente.
Assim sendo, escutar as experiências dos professores
e professoras, antiga em sua sabedoria, mas atual
na práxis escolar, são aspectos fundamentais para
que se possa pensar, discutir e propor pedagogias
pertinentes aos diferentes contextos. Nessa edição
da RBEFE,recebemos com grande satisfação
contribuições de professores e professoras dos
mais diferentes níveis de escolarização e sistemas
de ensino, abrangendo um universo de 11 Estados
brasileiros e de países como Portugal, Espanha e
Moçambique, num total de 300 participantes. Os
artigos e os 148 resumos publicados nessa edição,
expressam o interesse, a pluralidade e a abrangência
do tema. Sendo assim, desejamos uma ótima leitura,
e sejam bem vindos a arte, o ofício e a profissão
docente!
Prof. Dr. Alexandre Moreira
Prof. Dr. Luciano Basso
Blog da RBEFE - http://rbefe.blogspot.com.br
Facebook - http://www.facebook.com/reveefe
Twitter - https://twitter.com/RBEFE
Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013 Nov;27 Supl 7:5 • 5
5. A prática docente da Educação Física Escolar:
da inspiração à ação
Walter Roberto CORREIA
Ensaios
XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
Escola de Educação Física e Esporte, Universidade de São Paulo
Os Seminários de Educação Física Escolar representam um dos eventos mais tradicionais da Escola de
Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo,
sendo uma realização do Departamento de Pedagogia do
Movimento do Corpo Humano. Esse empreendimento
já ultrapassou duas décadas de existência, cuja história
contou com a presença de interlocutores provenientes das
mais diversas instâncias do quadro educacional brasileiro.
“A Prática Docente da Educação Física Escolar : da
inspiração à ação” expressa a atual proposição temática
para o momento, cujo fito é promover o debate sobre
os elementos que subsidiam as lógicas das práticas
pedagógicas da Educação Física Escolar por meio da
partilha das experiências pedagógicas vivenciadas por
professores e professoras em diferentes contextos e
níveis da escolarização básica. A partir dessa premissa,
a pretensão subjacente à realização do referido evento
é envidar esforços no sentido de uma aproximação
dialógica entre as esferas acadêmica e profissional,
especialmente, no que tange à prática docente relacionada
ao componente curricular Educação Física nos âmbitos
da Educação Básica e nos domínios dos processos de
formação de professores e professoras.
Como ideia norteadora, destacamos a relevância da
docência como portadora de múltiplos saberes que vão
desde os dilemas até as soluções profissionais. Nessa
perspectiva, parte-se do pressuposto que os educadores
e as educadoras possuem uma experiência investida de
conhecimentos de múltiplas naturezas, bem como, que
suas lógicas assentam-se sob o primado da ação. As ações
educativas (práticas docentes) que se manifestam como
movimentos nos “palcos escolares”, são resultantes do
manejo dinâmico e denso das situações desafiadoras
do cotidiano escolar, o quê, por sua vez, lhes conferem
importância e legitimidade.
A prática docente pode ser entendida como um
autêntico patrimônio que necessita de reconhecimento
e de apropriação crítica/inovadora por parte dos mais
diferentes protagonistas do processo de escolarização.
Aqui, entenda-se por protagonismo docente, a luta e a
força a favor da realização das intenções escolares que
pretendem ampliar os sentidos e os significados da vida
a partir dos saberes humanos.
Tomarmos a prática docente como objeto de análise e intervenção é considerá-la como tempo e lugar
onde as intenções educativas se consubstanciam. Aqui
consideramos tantos os limites, as possibilidades e as
transformações dos sujeitos. É admitir que as práticas
pedagógicas lideradas por professores e professores são
expressões globais de ações tácitas, onde se entrecruzam
as concepções de mundo, de sociedade, cidadão e de
conhecimento. A prática docente é a instância para a
qual as supra-determinações das políticas educacionais
são remetidas. Todavia, é nesse contexto das práticas
educativas, em contextos micros ou particulares, que os
professores e as professoras efetuam um controverso,
mais importante trabalho de conservação, de resistência,
de invenção, de transgressão, de subtração ou ampliação
dos horizontes pedagógicos. É inexorável a produção de
contingências educacionais nesse imenso universo das
unidades e realidades escolares. Portanto, a partir desse
pressuposto, é razoável admitirmos que o “chão” e a
“concretude” da escola se constituam em cenários de
produção de saberes.
Os saberes e práticas docentes são tomados pelos
pesquisadores, pelas esferas de gerenciamento das
políticas públicas de educação e, sobretudo, pelas escolas,
de forma muito parcial e contingencial, ignorando
toda a gama de conhecimentos relevantes para o
aperfeiçoamento dos projetos educacionais do que se
produz e do que precisa ser reavaliado pela rigorosidade
da crítica e da reflexão pertinente. Inclui-se nesse conceito
de conhecimento significativo e relevante os dilemas e as
soluções docentes e discentes. O saber da angústia e da
incerteza, do fracasso e do sucesso, bem como da ousadia
e da superação de problemas da convivência humana na
escola são indispensáveis para as aprendizagens e para o
desenvolvimento do projeto político e pedagógico. Como
vivências dotadas de significação, historicidade e energia
vital, convertem-se em experiências, representando uma
memória institucional que não seria prudente ignorar!
São efetivamente fontes e formas de saber.
A não observância dessas questões reforça dois sintomas relutantes no campo da educação, ou seja, o “pedagogismo” e o “pedagocídio”! Um pedagogismo que se
constitui num aparato discursivo fortemente apoiado em
Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013 Nov;27 Supl 7:7-10 • 7
6. Ensaios
XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
desenvoltura cognitiva e eloquência arrojadas sem, contudo, estabelecer vínculos evidentes com a perspectiva da
mudança e do compromisso com as condições materiais,
interativas e simbólicas mais prementes da escola. Algo
como a produção de discurso como forma de evitar o
embate e uma relação tácita e direta com as condicionantes
da realidade escolar. Dito de forma mais explícita, falar
e discursar sobre a escola, sem se comprometer, de fato,
em caminhar na direção dos contextos onde se dão as
relações escolares. Como atitude e linguagem recorrentes
temos as posições eruditas/academicistas”, ora de viés
cognitivo/mentalista, ora de tonalidades sociologizantes,
invariavelmente validados pelo aparato tecno/burocrata
dos departamentos normativos e legislativos das atuais
políticas de educação em parcerias com as universidades.
Essa forma de movimento e cultura tão presentes nos
meios educacionais alimenta a produção do fracasso escolar, a partir da separação entre a concepção das políticas
de educação e a execução do projeto pedagógico propriamente dito. Aqui, na desconsideração das condições
concretas de existência da docência e seu consequente
trabalho, os professores e professoras ficam submetidos à
função de executores de planos elaborados por instâncias
hierarquicamente superiores que, de forma presunçosa e
pretensiosa, desqualificam o saber docente. A título de
exemplificação, mesmo em âmbito internacional1, pudemos identificar a promoção de modelos de formação
continuada de educadores por meio das capacitações
técnicas de massa. A própria denominação capacitação
pressupõe uma incapacidade ou, até mesmo, já subentende
quem são os “incapacitados” para um tipo de trabalho ou
projeto. Cursos envolvendo um enorme contingente de
professores e professoras, por meio da noção de instrução proveniente de representantes da esfera acadêmica,
cuja tarefa é “atualizar” os “desatualizados”. Atualização
nesse contexto é referenciada pelo paradigma da educação
como capital indispensável para o primado do mercado e
do mundo do trabalho/consumo.
Nesse sentido, a sobreposição do saber acadêmico ao
profissional, associado à lógica racionalista e utilitarista
do paradigma da escola da eficácia de cunho neoliberal,
compromete o significado do trabalho docente. Dessa
forma, produz-se um impacto contraditório e deletério
sobre as subjetividades desses atores educacionais. A
desistência e o enfraquecimento do magistério é uma das
faces mais desumanas e perversas do fracasso escolar, ou
seja, a “mortificação” e a expulsão docente do sistema
educativo. Eis aqui uma das faces do pedagocídio. A
partir de um processo de imposição de mecanismos alienantes ao significado das funções e papéis da e na escola,
o significado do trabalho e a alma dos sujeitos do ensino
8 • Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013 Nov;27 Supl 7:7-10
e da aprendizagem se fragmentam. O pedagocídio retira
a vitalidade dos sujeitos como alunos, professores, pais
e trabalhadores da educação, dadas as condições de indigência e precariedade do trabalho escolar que corroem
as esperanças e capacidade de resistência dos principais
atores e protagonistas da escola2. Entretanto, é imperioso
afirmar que contra esse processo temos a coragem e a
ousadia de múltiplos agentes que resistem à alienação
imposta por essa “onda”, que lutam com as ferramentas
de suas práticas e reflexões políticas e pedagógicas nos
domínios acadêmicos e profissionais!
CONTRERAS3 apoiado nas elaborações de APPLE4 analisa
o impacto das políticas educacionais de cunho neoliberal
sobre a autonomia e sobre as identidades docentes, destacando os seguintes aspectos:
A progressiva racionalização do ensino introduzia um
sistema de gestão do trabalho dos professores que
favorecia seu controle, ao torná-lo dependente de decisões que passavam ao âmbito dos especialistas e da
administração. A tecnologização do ensino significou
precisamente esse processo de separação das fases de
concepção da de execução, segundo o qual os docentes
foram relegados de sua missão de intervenção e decisão
no planejamento do ensino - ao menos da que entrava
no âmbito mais direto de sua competência: o que deveria ocorrer na aula - ficando sua função reduzida à de
aplicadores de programas e pacotes curriculares (p.36).
Ainda sob essa ótica, CONTRERAS3 desenvolve os desdobramentos da transposição da racionalidade científica
e da noção de controle técnico provenientes do mundo
da produção para o contexto educacional, discriminado
certos expedientes desse mesmo processo. O primeiro já
sinalizado, diz respeito à separação entre a concepção e
a execução no processo produtivo, onde o trabalhador e,
no caso, os professores e professoras, são meros executores e não mais protagonistas efetivos na configuração
e condução das tarefas propostas. Um segundo aspecto
refere-se à desqualificação com a perda dos conhecimentos necessários ao planejar, ao compreender e no agir do
processo educativo, tendo inclusive a subtração dos objetivos e finalidades essenciais que subsidiam sua prática.
Corroborando na direção dessa análise, SANTOMÉ5 adverte sobre a força e o arrojo do “novo conservadorismo”
que assalta o debate nas instituições públicas a partir da
premência da lógica de mercado e do primado da economia,
cujas extensões irão desde o debate público até a elaboração
das subjetividades humanas. No bojo dessa análise, destacase que as necessidades econômicas de mercado estão se
constituindo como significantes consolidados para efeito
de análise e intervenções sobre a realidade. Para as ações
individuais, coletivas e institucionais, o utilitarismo tem
sido a forma mais adequada e naturalizada de julgamento
7. comportamental e moral, com vistas, obviamente, em lograr
efeitos econômicos desejáveis. Os movimentos e nuances
desse processo chegam até os domínios da educação afetando professores e alunos na sua interação:
A tão comentada mundialização dos mercados pretende
impor como motor da vida uma racionalidade econômica
que valoriza todas as coisas em função dos seus benefícios econômicos, deixando de lado os benefícios sociais
e morais. Isto explica que a educação pública e, o que é
mais importante, a sua conceituação de serviço público
passe para um segundo plano. A educação, mesmo em
suas etapas obrigatórias, parece querer dotar cada vez mais
os argumentos da capacitação profissional, isto é, habilitar
apenas para encontrar empregos, preferencialmente bem
pagos. Essa progressiva mercantilização da vida cotidiana
justifica que, quando se lançam denúncias contra as instituições escolares a partir da esfera produtiva, alegando
que não se ensinam aquelas coisas que os proprietários
dos meios de produção consideram prioritárias, surja frequentemente na sociedade um clima de hostilidade contra
os professores e a escola (quase sempre, a pública) (p.30).
Pautados nesse paradigma, as mutações impostas
pelo pensamento conservador, modela relativamente
às formas de convivência e produção na escola. Ainda
que não de forma absoluta e definitiva, podemos testemunhar alguns efeitos desse processo em larga escala
na configuração das funções e papéis docentes, como
destaca CONTRERAS3 com as seguintes ponderações:
Ao aumentar os controles e a burocratização, ao não ser
um trabalho auto governado, mas planejado externamente, o ensino resulta ser cada vez mais um trabalho
completamente regulamentado e cheio de tarefas. Isto
provoca efeitos diversos nos professores. De um lado, favorece a rotinização do trabalho, já que impede o exercício
reflexivo, empurrado pela pressão do tempo. De outro,
facilita o isolamento dos colegas, privados de tempo para
encontros em que se discutem e se trocam experiências
profissionais, fomentando-se dessa forma o individualismo. A intensificação coloca-se assim em relação com o
processo de desqualificação intelectual, de degradação das
habilidades e competências profissionais dos docentes,
reduzindo seu trabalho à diária sobrevivência de dar conta
de todas as tarefas que deverão realizar (p.37).
Portanto, a pretensão do XII Seminário de Educação Física Escolar é a de conclamar a fala docente para
anunciar o que vem sido validado legitimamente nos diversos cotidianos escolares. Validação e reconhecimento
que incluem demandas, linguagens, lógicas, tentativas,
ensaios e contextos, nos quais se desenvolvem os trabalhos docentes. Que a proposição do seminário traga as
“sementes” que contenham a exemplaridade de como a
honradez e a coragem docente luta contra a rotinização
alienante e a desqualificação intelectual e laboral. Trazer
algum dado de como o novo vem sendo produzido em
contextos muitas vezes adversos. Também podemos
aventar a expectativa de observarmos como que as teorias
pedagógicas estão sendo traduzidas por esses legítimos
interlocutores educacionais. Talvez possamos ainda
perceber como a contradição e o limite de propósitos
aparecem na compostura docente. Que os atores (professores e professoras) possam ser reconhecidos como
integrantes da historicidade da Educação e da Educação
Física Escolar. Um fio condutor que perpassa as expectativas do XII Seminário de Educação Física Escolar é a de
que a viabilização docente e seus saberes são constituídos
em relação íntima com o trabalho. Nessa perspectiva,
TARDIFF6 nos apresenta as seguintes assunções:
Ensaios
XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
(....) o saber dos professores deve ser compreendido
em íntima relação com o trabalho deles na escola e na
sala de aula. Noutras palavras, embora os professores
utilizem diferentes saberes, essa utilização se dá em função do seu trabalho e das situações, condicionamentos
e recursos ligados a esse trabalho. Isso significa que
as relações dos professores com os saberes nunca são
relações estritamente cognitivas: são relações mediadas
pelo trabalho que lhes fornece princípios para enfrentar
e solucionar situações cotidianas (p.17).
Sendo assim, temos a expectativa de que as discussões
da prática docente da Educação Física Escolar possam
trazer à tona as múltiplas instâncias que compõem um percurso que vai da inspiração à ação pedagógica elaboradas
no âmbito do trabalho e assinada por sujeitos encarnados
em seus discursos. Do ponto de vista dos professores e
professoras, cabe nesse processo a manifestação tantos
dos seus dilemas como das suas soluções. Configuramos
um espaço de partilha onde os protagonismos docentes
pronunciem a sua força no sentido de elevação de si e da
sua obra! Consideramos que o trabalho docente implica
materialização e simbolização imperativa de resistência e
resiliência, perante os antagonismos da precarização e da
proletarização indecente da função educadora. Seja bem
vinda tanto a esperança quanto será o acolhimento solidário da desesperança transitória do professorado partícipe
do nosso evento. Que no presente seminário, seja possível
apresentar suas inovações, estratégias, predileções, dúvidas
e rejeições, bem como alguns resultados e indicadores
de avaliação dos trabalhos realizados. Permitir que sejam
expressadas as estratégias de superação dos seus entraves
em relação à alienação imposta por um sistema ideológico
alinhado aos valores já mencionados.
Assumimos que o posicionamento inicial desse
empreendimento acadêmico - XII Seminário de
Educação Física Escolar - não se furtará da rigorosidade
epistemológica, bem como, da dúvida pertinente, de
Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013 Nov;27 Supl 7:7-10 • 9
8. XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
modo a fecundar a ampliação da consciência necessária
ao desenvolvimento da prática docente. Entendemos que
a dialogicidade7 é uma prática inerente a condição humana
e indispensável entre os interlocutores da educação.
Entretanto, se faz necessário o reconhecimento de que a
perspectiva subjacente ao referido seminário está assentada
em um otimismo crítico. Otimista, por entendermos que
a realidade que está configurada não se estrutura de forma
imutável e absoluta. A realidade educacional está mais
para condicionamento do que para um determinismo
hermético e estático. A possibilidade da mudança está dada
pela possibilidade de tomarmos ciência dos limites e das
possibilidades pelo uso da razão e da sensibilidade humana
que dispomos. O por vir é condição necessária a prática
docente. O otimismo crítico2 enseja um posicionamento
esperançoso que ultrapassa o fatalismo pessimista, de fundo
conservador e reacionário, que crê que as adversidades da
vida e da educação são intransponíveis. Torna-se imperioso
para o momento, sublinharmos que não compartilhamos
de uma posição otimista ingênua. Otimismo ingênuo que
ignora ou naturaliza as desigualdades imersas nas relações
de poder na sociedade e na educação e, sobremaneira,
apostam na mudança com o simples passar do tempo, com
a benevolência alheia ou pelo acaso.
O que se quer colocar em evidência e reconhecimento
é a condição de legitimidade dos protagonistas docentes
que atuam na escolarização básica junto ao componente
curricular Educação Física. Trazer para o foco o plano
e a dimensão didática um tanto esquecida, tanto pelas
iniciativas estatais, como pelas análises teóricas da academia, como campo de integração de diversos saberes.
Nessa perspectiva, trazer a riqueza e a fecundidade de
questões importantes para a evolução da arte, ofício e
profissão docente, como as proferidas por TARDIF6:
Que saberes encontramos na base da profissão docente?
Quais são as fontes desses saberes e seus modos de
integração no trabalho dos professores? Quem os produz
e os legitima? Os professores são somente “transmissores
de saberes” ou produzem, no âmbito da profissão,
um ou saberes específicos? Se a segunda hipótese for
verdadeira, como esses saberes podem ser objetivados e
incorporados em programas de formação? Qual é o papel
dos saberes na estruturação da identidade profissional
dos professores? Como os saberes intervêm na divisão do
trabalho no interior da profissão e da instituição escolar?
Os saberes oriundos das ciências da educação e
da pesquisa dão origem a novas práticas? Como os
saberes transmitidos pela escola, que servem de alicerce
à formação escolar dos alunos através da organização das
matérias e da estruturação dos programas do primário
e do secundário, afetam a missão dos profissionais do
ensino? Essas questões, difíceis em si mesmas no tocante
a qualquer profissão, tornam-se ainda mais difíceis no caso
da profissão docente, pois esta mantém, com os saberes,
relações privilegiadas e ambíguas, ao mesmo tempo (p.295).
Enfim, fica evidente que os professores e professoras sabem algo e de forma relevante definem os saberes
a ensinar e produzem saberes para ensinar. Para além das
doutrinas pedagógicas produzidas nos departamentos
universitários, em que pese seu valor e importância, reconhecemos o protagonismo docente cunhado no seio
do cotidiano escolar como autêntico ateliê de propostas e
projetos pedagógicos. Portanto, com a palavra as Professoras e Professores de Educação Física! Sejam esses bem
aventurados nos seus saberes e seus poderes! Assim seja!
Referências
1. Imbernón F. Formação continuada de professores. Porto Alegre: Artmed; 2010.
2. Cortella MS. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. São Paulo: Cortez; 2008.
3. Contreras J. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez; 2002.
4. Apple MW. Educación y poder. Barcelona: Paidós; 1987.
5. Santomé JT. A educação em tempos de neoliberalismo. Porto Alegre: Artmed; 2003.
6. Tardiff M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes; 2011.
7. Freire P. Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: UNESP; 2011.
ENDEREÇO
Walter Roberto Correia
Escola de Educação Física e Esporte - USP
Av. Prof. Mello Moraes, 65
05508-030 - São Paulo - SP - BRASIL
e-mail: wr.correia@usp.br
10 • Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013 Nov;27 Supl 7:7-10
9. Dança, gênero e corpo: uma experiência na escola
Mildred Aparecida SOTERO
Escola de Aplicação, Universidade de São Paulo
Osvaldo Luiz FERRAZ
Ensaios
XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
Escola de Educação Física e Esporte, Universidade de São Paulo
Introdução
Falar em dança na escola é falar principalmente de
gênero e de corpo. Professores de educação física envolvidos com a dança na escola sabem dos desafios encontrados no ensino deste conteúdo nas aulas de educação
física. Isso pode ser decorrente, entre outros aspectos,
das questões relacionadas ao gênero e ao corpo. Com
base em SCOTT1, definimos o gênero como construção
cultural discursiva socialmente praticada, com vistas a
contestar a naturalização de papéis, funções e perfis sociais de indivíduos, grupos e coletividades, em diferentes
contextos e épocas. Por isso, o gênero afeta a participação
de alunos e alunas nas danças propostas na escola, tendo
implicações nas aprendizagens e nas relações sociais. No
que diz respeito a noção de corpo utilizada neste estudo,
pode-se afirmar que o corpo é visto como meio pelo qual
estamos no mundo e nos fazemos notar e reconhecer.
Importantes abordagens educacionais creem que o conhecimento emerge, em grande parte, através do corpo
e a partir de suas experiências vividas2.
Em relação à dança, o que se percebe acerca deste conteúdo nas escolas é, de modo geral, uma reprodução das
várias manifestações culturais relacionadas à dança enfocando, principalmente, os aspectos técnicos e habilidades
envolvidas no ato de dançar; deixando a dimensão política
e social, que é inerente a estas práticas, em segundo plano.
Contudo, o ensino e a aprendizagem da dança também deveriam ser mediados pelo entendimento e análise
crítica dos aspectos relacionados ao gênero na cultura
de movimento. Para tal, é fundamental que o professor
considere a visão dos alunos e alunas sobre masculinidades e feminilidades e discuta o que eles pensam sobre
o conteúdo de dança abordado e suas relações com o
corpo e o gênero. Todavia, na velocidade da informação
circulada nas novas mídias e considerando-se as mudanças socioculturais da contemporaneidade, é difícil
pressupor a posição dos alunos(as) sobre estes temas
sem um diagnóstico que possa ser utilizado como tema
de debate e que irá se constituir no próprio conteúdo
da dança no contexto escolar.
Com base nesse saber, o professor pode mediar uma
discussão em que as formas de preconceito que ditam
comportamentos e padrões sexuados na escola sejam
problematizadas3 e, por meio de um programa de ensino que considere a visão do aluno e as informações
veiculadas pelos meios de comunicação, fazer das aulas
de educação física um ambiente escolar que favoreça a
construção de um sujeito crítico e ativo no seu processo
de aprendizagem. Espera-se assim, possibilitar perspectivas de transformação social no exercício da cidadania.
O objetivo deste estudo foi identificar a compreensão
de masculinidades e/ou feminilidades construídas pelos
alunos e alunas em relação ao conteúdo da dança e seus
preconceitos em relação à participação nessas atividades
na educação física escolar.
Método
Trata-se de um estudo descritivo exploratório4. A escola
ambiente é pública, localizada na zona oeste do município de
São Paulo. Possui uma comunidade heterogênea em termos
socioeconômicos e culturais. Os participantes da pesquisa
foram 40 crianças, do 5° ano do ensino fundamental I.
O instrumento da pesquisa foi um questionário com
questões abertas. As respostas dos sujeitos foram transcritas e analisadas em função dos objetivos do estudo.
Roteiro do questionário:
1) Para você, quais são as diferenças entre meninos e
meninas?;
2) É legal ser menino(a)? Por quê? O que você faz que
a pessoa do outro sexo não faça?;
3) O que um menino faz para ser considerado ou
reconhecido como menino?;
4) O que uma menina faz para ser considerada ou
reconhecida como menina?;
5) Você acha que existe dança de homem ou de mulher? Por quê?;
6) Você participaria de uma dança considerada por
outras pessoas como pertencente ao sexo diferente do
seu? Por quê?
Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013 Nov;27 Supl 7:11-19 • 11
10. Ensaios
XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
Resultados e discussão
Diferentes categorias foram utilizadas para agrupar
dados referentes ao questionário, a saber: aspectos biológicos, socioculturais, motores, cognitivos e lúdicos. A
composição desta categorização teve como função facilitar a análise do modo como os sujeitos dessa pesquisa
organizaram suas concepções sobre gênero. Os sujeitos
foram identificados por letras seguidas de numeral ordinal.
As letras referem-se ao sexo dos sujeitos: “A” para o sexo
feminino e “H” para o sexo masculino.
No que tange a esse objetivo, constatamos que os
perfis de gênero encontram-se naturalizados em cada
sexo. Embora se admitam exceções, os alunos e alunas
tendem a não questionar os perfis que percebem nas
outras crianças, mesmo quando demonstram reconhecer
que, em alguns comportamentos, há indícios de construções socioculturais. São apresentados nas FIGURAS 1 e
2 as diferenças entre meninos e meninas atribuídas pelos
alunos(as). Considerou-se para a categorização das respostas as dimensões socioculturais, biológicas e motoras.
Dos aspectos aferidos, apesar da pequena diferença entre aspectos biológicos (corpo e aparência física) levantados por meninos e meninas, há diferenças na composição
dos aspectos de outras naturezas, tais como sociocultural
e motor. Estas diferenças estão detalhadas a seguir, nos
QUADROS 1 e 2. O número entre parênteses indica o
número de ocorrências da resposta.
FIGURA 1 - Diferenças entre meninos e meninas, na pinião
das meninas.
FIGURA 2 - Diferenças entre meninos e meninas, na opinião
dos meninos.
Concepções dos alunos
acerca de feminilidades e masculinidades
QUADRO 1 - Diferenciação entre meninos e meninas, segundo opinião feminina.
Corpo
Aparência física
Aspectos
socioculturais
Capacidades físicas e
Habilidades motoras
Práticas corporais
e Lazer
Órgãos genitais (3)
Cabelo (5)
Delicadeza (3)
Força (2)
Futebol (2)
Corpo todo (2)
Rosto
Meiguice
Habilidade
Videogame
Formato
Bigode
Posição para urinar
Brincadeiras
Tamanho
Pulseira
Jeito de ser (2)
Filmes
Maquiagem
Preferências (2)
Roupa (5)
Extroversão
Acessórios
Educação familiar
Organização
Emoções
Costumes
Afazeres
12 • Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013 Nov;27 Supl 7:11-19
11. QUADRO 2 - Diferenciação entre meninos e meninas, segundo opinião masculina.
Corpo
Aparência física
Aspectos
socioculturais
Capacidades físicas e
Habilidades motoras
Órgãos genitais (2)
Cabelo (3)
Malandragem
Força (3)
Tamanho
Rosto
Charme
Agilidade
Peso
Mãos
Delicadeza
Voz
Pés
Postura
Unha (2)
Jeito de ser (3)
Brinco
Práticas corporais
e Lazer
Preferências (2)
Pulseira
Comportamento
Batom
Brincadeiras
Ensaios
XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
Sensibilidade
Roupa (3)
Acessórios
Desleixo
A pequena incidência de aspectos relacionados aos
órgãos sexuais como diferenciação entre meninos e
meninas pode ser interpretada como uma característica óbvia e, portanto, pouco citada. Já, os elementos
relacionados à aparência física, mudança/composição
hormonal e vestimentas apareceram em larga escala e
denotam eventos que estes sujeitos, nesta faixa etária,
começam a viver, como por exemplo o fato das meninas
menstruarem e o uso de diferentes acessórios.
Capacidades físicas e habilidades motoras ocorreram
em quatro respostas. Sabe-se que a diferenciação da
performance física nesta fase da vida começa a ficar
mais evidente. Entretanto, um menino fez referência à
agilidade como fator de diferenciação, considerando a
possibilidade de que algumas meninas podem ser tão
habilidosas quanto os meninos.
Há algumas fusões entre o que é cultural e o que é
natural. Por exemplo, o sujeito A17 cita o rosto como
característico na diferenciação de meninos e meninas,
enquanto H10 cita as mãos, os pés, o rosto e as roupas.
Ambas as respostas foram classificadas dentro do aspecto
sociocultural nas FIGURAS 1 e 2. Mas, nos QUADROS
1 e 2 aparecem relacionadas à aparência física, pois as
respostas não se referiram à dimensão física da ossatura
facial, mas à maneira de apresentar o rosto para os demais,
ou seja, cortar franja, aparar sobrancelhas, pintar a unha.
Sabemos que práticas escolares preconceituosas e não
reflexivas polarizam comportamentos, criando abismos
entre possibilidades de convivência entre os diferentes.
Neste estudo, um aspecto que merece destaque é a lógica
da oposição na diferenciação de perfis de gênero. Neste
sentido, constatamos muitas respostas assim expressas:
“Meninas sempre andam com brinco, cabelo liso, bastante
arrumadas e os meninos não são bastante arrumados assim e não
se preocupam muito com isso” (H18), “Meninas são delicadas
e meninos não são tão cuidadosos” (A3), “Meninos fazem xixi
em pé e as meninas fazem xixi sentadas” (A6) e “A menina é
mais educada e envergonhada. O menino é mais macho e gosta
de bagunça” (A12).
Entretanto, encontramos também respostas que não
colocam meninos e meninas em oposição, tal como A11,
que cita características dos dois sexos: “Menino é mais duro
e mais forte. Menina é mais solta e mais brincalhona”, ou como
A15 que, apesar da lógica da oposição, admite outras
possibilidades, relativizando algo que outros alunos(as)
tendem a absolutizar em suas respostas. A15 assim respondeu: “Partes diferentes do corpo e gostam de coisas diferentes.
Eles gostam de futebol, videogame. Eu sei que algumas meninas
também gostam, mas eu nunca vi um menino brincar de Barbie”.
Sobre outros motivos que fundamentam a satisfação
com o próprio sexo, os mesmos foram classificados a partir
de vários aspectos, conforme mostram as FIGURAS 3 e 4.
As atividades com a bola foram as habilidades motoras
grossas que revelam a eficiência nos movimentos
no controle dos objetos: batimento estático de uma
bola/rebater (“striking a stationary ball”), drible sem
deslocamento/quicar (“stationary dribble”), chute
(“kick”), lançamento por cima do ombro/arremessar
(“overhand throw”). A habilidade de chutar, foi realizada
individualmente com duas tentativas em forma de chute
ao gol seguindo os critérios da aula do professor. O
quicar estacionário, foi realizado individualmente com
seis tentativas de quicar a bola com a mão preferida
sem sair do lugar. No arremesso por cima, as crianças
realizaram duas vezes o arremesso da bola por cima da
cabeça com a mesma estratégia da habilidade de chutar.
Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013 Nov;27 Supl 7:11-19 • 13
12. XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
FIGURA 3 - Motivos de satisfação com o próprio sexo, na
opinião das meninas.
FIGURA 4 - Motivos de satisfação com o próprio sexo, na
opinião dos meninos.
Aspectos relacionados a dimensão biológica podem
ser identificados em respostas como “Porque eu não gostaria
de ter pouco cabelo ou ser careca” (A4) ou “Porque somos mais
fortes” (H12). Nesse sentido, a satisfação está determinada
por algo que independe da vontade dos próprios
sujeitos e aparece simbolizada por diferentes instâncias
de poder. Para as meninas, essa satisfação traduziu-se
fundamentalmente na beleza física e, para os meninos,
nas capacidades físicas. É importante lembrar que essa
instância de poder serve como elemento no processo
de sedução de parceiros afetivos. Constata-se que no
processo de valorização do próprio sexo, a vaidade e a
força são, respectivamente, referências hegemônicas de
masculinidades e feminilidades que os alunos(as) acabam
relacionando também às atividades de dança.
Ainda na relação de satisfação com o próprio sexo,
aspectos motores apareceram sob o domínio do universo
masculino, como por exemplo, na resposta “Porque é mais
fácil fazer esportes” (H11), ou repostas fundamentadas por
aspectos socioculturais, tais como: “Porque podemos nos sujar
e fazer outras coisas sem nos importar” (H8); “O menino pode ser
do jeito que quiser e a menina tem que ficar arrumadinha” (H20);
“Porque as mulheres e as meninas têm um dia só delas” (A15), fazendo referência ao Dia Internacional das Mulheres; “Porque
ela é graciosa, porque a maioria das pessoas olha para ela” (A14).
Nos aspectos socioculturais identificou-se a importância que se dá ao cuidado com a apresentação pessoal,
relacionado-a como característica de feminilidade. Para
os meninos, o fato de poderem se sujar e permanecerem
sujos é sinônimo de liberdade, como é orgulhoso para
as meninas poderem se divertir sem se sujar e permanecerem arrumadas. Esta relação com a limpeza apareceu
também em outras respostas ao questionário.
Ainda no campo da vaidade, o fato de serem olhadas
e de chamarem a atenção dos outros leva as meninas a
valorizarem adereços e cuidados com o cabelo, unhas e
roupas, fato que não significa o cerceamento de certas
práticas corporais, ao contrário do que pensam alguns
meninos. Na visão de 37,5% desses sujeitos, meninas são
acometidas pelo “complexo de princesa”, ou seja, gostam
de estar em evidência, de estar sempre bonitas e aparentar
fragilidade. Contudo, em relação à opinião alheia, meninos
pensam que meninas são pressionadas pela opinião das
amigas em relação ao que se deva ou não gostar e praticar.
A estereotipia da fragilidade feminina presente na
resposta “Porque ser menina as pessoas tem mais dó” (A16) é
combatida pelas meninas quando significa o cerceamento
de seus direitos. Além disso, é importante destacar que
nenhum menino se referiu à fragilidade de qualquer natureza
como característica de masculinidade, fato que, a nosso ver,
torna essa característica um aspecto de estereotipia na
representação dos meninos sobre a feminilidade.
14 • Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013 Nov;27 Supl 7:11-19
Feminilidades e masculinidades restritivas
As FIGURAS 5 e 6 apresentam as restrições referentes
ao sexo oposto segundo as opiniões dos meninos e meninas.
FIGURA 5 - Restrições ao sexo oposto na opinião das
meninas.
13. XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
FIGURA 7 - Restrições ao sexo oposto na opinião dos
meninos.
Para interpretação deste tema no estudo, analisou-se
as respostas dos alunos(as) que fundamentam as posições sobre as restrições sobre o sexo oposto a partir da
pergunta: É legal ser menino(a)? Por quê? O que você
faz que a pessoa do outro sexo não faz? Ao responder
“Porque a gente pode aprender muitas danças legais”, A20 revela
apreço pela dança e, assim, ela exclui os meninos da
possibilidade de dançar “danças legais” que os meninos
não podem dançar remetendo a dança a um suposto
domínio feminino. As respostas dos alunos e alunas nos
dão indícios de que algumas crianças classificam práticas
corporais e atividades lúdicas segundo perfis de gênero,
como por exemplo: “O menino não brinca de boneca como a
Barbie” (A19); “Eu tenho uma amiga que não consegue andar
muito bem de skate, e eu consigo” (H4); “Meninos podem fazer
umas coisas e meninas podem fazer outras” (H14); “A gente
gosta de se sujar” (H19).
Ao citarem o tipo de brincadeira tida como masculina,
H4 cita o skate como exemplo a partir da sua própria
vivência e, apesar de admitir a participação feminina, o
simples fato de ser homem o habilitaria, segundo ele,
como melhor praticante da modalidade em relação a
sua amiga. Nesta escola há um programa de skate como
atividade extra curricular e o fato de haver participação de
muitas meninas nestas aulas oferecidas pela escola pode
auxiliar no enfrentamento de estereótipos relacionados ao
gênero nas práticas corporais. Contudo, observa-se que
somente a prática sem uma reflexão sobre estes temas
pode ser insuficiente para uma educação mais crítica.
Um outro exemplo interessante é o de A19 que citou
o tipo de boneca com a qual meninos não brincam.
Assim, assume a possibilidade de a brincadeira entre
meninos contar com outros tipos de bonecas, no caso,
bonecos. O brincar de boneca não seria uma ação ligada
à feminilidade, mas sim o tipo de boneca que indicaria
característica de gênero, já que meninos têm bonecos
de super-heróis.
Além das brincadeiras, investigou-se outros fatores
que diferenciam as características consideradas masculinas e femininas e que expressam restrições para o sexo
oposto e que serão apresentadas e discutidas, a seguir.
As respostas tenderam a uma polarização, ou seja,
frequentemente a feminilidade foi contraposta à masculinidade ou vice-versa. vejamos alguns exemplos. Para
estes alunos(as), “O menino joga bola e não dança balé” (A13);
“As meninas gostam de balé, são carinhosas, tem o sentimento
mais fino” (A14). A resposta de H4 é também um exemplo disto, mas admite exceções pois, sobre meninos, ele
respondeu “O menino tem que ser mais forte do que a menina;
tem que ter um sexo diferente e tem que usar coisas de menino”;
sobre meninas, disse “Tem que ser bem frágil, algumas podem
ser ágeis e tem que usar coisas que o menino não usa”.
H17 classificou a conquista sentimental do sexo
oposto como obrigação masculina. Sua resposta, “O jeito
de xavecar a menina que esteja do seu lado”, ressalta o modo
como ele faz isso. Já para H16, o poder da sedução é
feminino, afirmando que a menina deve ser “Meiga, bonita, fala com aquela fala baixinha e essas qualidades atraem os
homens”. Nesses casos, percebemos, mais uma vez, que as
feminilidades levantadas não se encaixam em atividades
que pressupõem iniciativa e agressividade.
Somente H20 levantou aspectos cognitivos nas masculinidades e feminilidades. Ele afirma que meninos e
meninas são reconhecidos pela letra que produzem.
Entendemos que ele se refere à letra feia dos meninos
e à letra bonita das meninas, já que é esse um discurso
comum entre pedagogos. Já A20 disse que meninas têm
“interesse em livros”, mas não se referiu à aprendizagem
para exemplificar masculinidades. Para ela, meninos são
fortes e meninas são inteligentes.
Notamos também que os meninos se negam a participar
de propostas que aglutinam características consideradas
feminilizantes com mais frequência do que meninas se
negam a participar do que consideram próprio do universo
das masculinidades. É sabido que o esporte pode ser usado
pelos homens como exercício de sua masculinidade, tal
como a dança para mostrar características femininas que
“atraem os homens” (H16). Sendo assim, para ambos os sexos
as práticas corporais aparecem relacionadas ao sexo de
alguma forma. Seguem-se alguns exemplos.
Sobre capacidades físicas, a força é o elemento que
mais aparece no que tange à masculinidade, mas não de
forma naturalizada. H6 não diz que menino é mais forte
que menina, mas, segundo ele, menino tem a preocupação
de “se mostrar o fortão [...]”. H6 percebe que essa capacidade
física não nasce com meninos, pois, se assim fosse,
todos os meninos seriam mais fortes e a preocupação
Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013 Nov;27 Supl 7:11-19 • 15
14. XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
com a força não seria necessária. A6 concorda com
ele, ao afirmar que o fato de o menino “jogar futebol, se
mostrar forte e gostar de correr” é uma maneira de torná-lo
reconhecido enquanto tal. Novamente, a força não aparece
naturalizada, mas como construção sociocultural. Neste
grupo, muitas meninas são maiores e mais fortes do que
os meninos e as aulas de educação física são, desde o 1º
ano do ensino fundamental, realizadas com grupos mistos,
fato este que pode auxiliar na concepção apresentada
pelos alunos de que as meninas podem ser tão fortes
tanto quanto os meninos, mas que estes se preocupam
mais com este aspecto.
Um mapeamento importante para o professor de
educação física ter a perspectiva de qual conteúdo deve
ser discutido com os alunos, é a relação que eles(as)
fazem sobre as práticas corporais e as masculinidades e
feminilidades. Apresentamos alguns exemplos de respostas nos QUADROS 3 e 4, que serão analisadas a seguir.
QUADRO 3 - Relação entre práticas corporais e masculinidades.
Meninas
Meninos
A4: Não dançam danças apropriadas para meninas; eles se acham
muito para as meninas.
H3: Jogar bola.
A5: Se vestir de menino, jogar bola, ter quarto de bandas, personagens ou assistir futebol.
H7: Jogar futebol no barro e não se preocupar com a roupa suja.
A6: Jogar futebol, se mostrar forte e gostar de correr.
H8: Fazer coisas de menino tipo jogar futebol, videogames, carrinhos.
A7: Jogar bastante futebol.
H10: Jogar bola, vôlei, basquete, tênis, etc.
A8: Joga futebol, tem cabelo curto.
H13: Jogar futebol, brincar na rua.
A9: Fazer xixi em pé, brincar com carrinho, com bonecos, etc.
H15: Gosta de esportes, de computador, videogame e talvez
quando pequeno, de brinquedos de ação.
A10: Jogar futebol várias vezes.
H18: Pentear o cabelo para cima, jogar futebol, ser viciado em
videogame, etc.
A11: Ele joga futebol, faz coisas de menino.
A13: O menino joga bola e não dança balé.
A14: Jogam bola e brincam na aula.
A15: Eles têm os ombros mais largos e são mais violentos e radicais que as meninas.
A17: Ele brinca com coisas que os meninos gostam.
A20: Jogar futebol, brincar com brinquedos de meninos e usar
roupas de meninos.
QUADRO 4 - Relação entre práticas corporais e feminilidades.
Meninas
Meninos
A5: Se vestir com vestido, saia, blusa, brincar de boneca, vir com
bolsa, se achar, no quarto ter como enfeite personagens como
as Super Poderosas.
H8: Fazer coisas de menina tipo brincar de casinha, Barbie, bonecas.
A7: Dançar, brincar de casinha, de Barbie e Polly.
H15: Ela gosta de boneca, maquiagem e fofoca.
A8: Brincar de boneca, ter cabelo comprido.
H18: Dança balé, demora para se arrumar, etc.
A9: Fazer xixi sentada, gostar de brincar de boneca, gostar de
flores, de desenhar, de corações, etc.
A10: Brincar de boneca.
A13: Brincar de boneca, usar vestido, saia.
A14: Gostam de balé, são carinhosas, tem o sentimento mais fino
e o comportamento é diferente.
A20: Dança, usa coisas de meninas, brinca com brinquedos de
meninas e tem interesse em livros.
16 • Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013 Nov;27 Supl 7:11-19
15. XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
Pode-se observar que aspectos biológicos e socioculturais são contemplados nas concepções dos alunos e alunas.
Mais do que o tipo de resposta deste grupo específico,
percebe-se que estas concepções precisam ser discutidas e
transformadas em conteúdo de aula. Há, entre os exemplos
citados, posições naturalizadas que precisam ser debatidas
e suas origens devem ser estudadas e confrontadas.
Em relação a existência de danças especificamente
masculinas ou femininas, as respostas foram: a) Meninas
- 2 sim e 18 não; b) Meninos - 3 sim e 17 não. Observa-se
uma perspectiva similar entre os alunos e alunas.
Além disso, no QUADRO 5 são apresentados os
resultados das respostas em relação a participação em
danças consideradas do sexo oposto.
Tudo indica que meninos têm mais dificuldade em
participar de atividades consideradas como pertencentes
ao universo feminino. Parece que eles atribuem mais
importância à tipificação sexual, ao passo que meninas
lidam melhor com esta questão. Esse é um fato curioso,
porque nos QUADROS 3 e 4 as meninas apresentaram
várias relações entre gênero e prática corporal.
QUADRO 5 - Participação em danças consideradas do sexo
oposto.
Meninas
Meninos
Sim
12
8
Não
5
11
Talvez
3
1
A seguir, são apresentados os QUADROS 6 e 7
que contém as transcrições das respostas sobre este
tema para melhor entendimento dos argumentos que
sustentam suas posições em relação a existência de
danças consideradas masculinas e femininas e sobre a
participação em danças consideradas do sexo oposto.
QUADRO 6 - “Você acha que existe dança de homem ou de mulher? Por quê?”.
Meninas
A1: Não, porque isso não existe.
A2: Não. Porque as danças são feitas para todos.
A3: Não, porque não existe nenhuma lei que fale “se você dançar
samba vai ser preso”.
A4: Sim, porque os meninos não gostam de dançar algumas danças tipo balé.
A5: Não, porque homem dança o que quiser e mulher também
tem que ter liberdade.
A6: Não, porque dança não tem uma afirmação sobre se pode
dançar homem ou mulher.
A7: Não. Porque todas as danças são iguais.
A8: Não, porque todo mundo pode dançar o que quiser.
Meninos
H1: Não respondeu.
H2: Não, porque somos todos iguais.
H3: Não. Porque eu acho que todas as danças são para meninos e
meninas.
H4: Sim. Porque cada dança tem um limite.
H5: Sim, pois também são feitas muitas músicas para menino e
menina.
H6: Não, para mim não existe dança que homem ou mulher não
dancem.
H7: Não, porque cada um pode dançar o que gostar.
H8: Não, porque os dois podem escolher o gênero da dança que
queiram dançar.
A9: Não. Porque a dança é para os dois, porque a mulher também H9: Não, porque não tem dança que seja só para mulher e dança
gosta das opções do homem.
só para homem. Todas servem para os dois.
A10: Não, eu acho que seria preconceito uma mulher não pode
H10: Não, porque qualquer homem pode dançar dança de mulher
dançar, por exemplo, rock.
como mulher também pode.
A11: Não. Porque todas as danças são abertas ao público feminino H11: Não. Porque cada um dança o tipo que quiser.
e masculino.
A12: Não. Porque eu acho que todas as danças servem para hoH12: Não, porque cada pessoa tem seu jeito.
mens e mulheres.
A13: Não, porque todas as danças servem tanto para homem
H13: Não. Porque qualquer música serve para mulher ou homem.
quanto para mulher.
A14: Sim. Porque eu já ouvi.
H14: Não, porque qualquer pessoa pode dançar qualquer dança.
A15: Não. Porque não tenho preconceito contra isso, acho que
H15: Não, porque cada um dança o que quer.
todos podem fazer a mesma coisa.
A16: Não. Porque são todos seres humanos.
H16: Não, porque senão o homem ia fazer uma só coreografia.
A17: Não.
H17: Não, porque cada um pensa e age do seu jeito.
A18: Não. Porque existe a liberdade de expressão e todos podem H18: Não; porque a dança foi feita para todos dançarem.
escolher que danças querem dançar, não importando a
característica dela!
A19: Não. Porque os dois podem dançar.
H19: Sim, porque os homens têm passos mais fortes e as mulheres
são mais cuidadosas.
A20: Não. Porque cada um tem seu gosto.
H20: Não, porque o homem pode dançar qualquer coisa e a
mulher também.
Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013 Nov;27 Supl 7:11-19 • 17
16. XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
QUADRO 7 - “Você participaria de uma dança considerada por outras pessoas como pertencente ao sexo diferente do
seu? Por quê?”.
Meninas
A1: Sim, porque eu acho que isso não existe.
A2: Sim, porque a dança foi feita para todos.
A3: Sim, porque não devemos levar a sério o que as pessoas dizem
nesse caso.
A4: Não, senão esta pessoa contaria para toda a escola e eu ficaria
muito chateada.
A5: Sim, porque é meu gosto.
A6: Não. Porque ninguém sabe do que o outro gosta e do que o
outro não gosta.
A7: Sim. Porque não tem importância.
A8: Talvez, porque eu tenho vergonha.
A9: Talvez, porque se eu gostar, eu possa ir.
A10: Sim, eu acho que essa pessoa seria preconceituosa.
A11: Sim, nunca tem uma hora certa para você praticar uma coisa
nova.
A12: Sim. Porque não tem nada a ver com o sexo.
A13: Sim, porque não há dança para mulher e para homem.
A14: Não. Porque eu tenho vergonha e eu acho que (por exemplo)
não fui feita para isso.
A15: Sim. Porque eu não teria vergonha nem preconceito.
Meninos
H1: Não respondeu.
H2: Não, porque todo mundo ia rir da minha cara.
H3: Sim, porque não tem músicas muito diferentes para mim.
H4: Não. Porque eu não sou gay.
H5: Não.
H6: Eu falaria: “Sem problemas.” Sem nenhum problema de ser
zoado.
H7: Sim, porque é a dança que eu gosto de dançar, no caso.
H8: Sim, porque os dois podem escolher o que querem dançar.
H9: Sim, porque eu não tenho preconceito.
H10: Sim, porque eu não ligo para o que as pessoas falam.
H11: Talvez, porque seria difícil para mim.
H12: Não. Porque é chato.
H13: Sim, porque se alguém me convidasse, eu não ia recusar.
H14: Não, porque me xingariam.
H15: Não, porque existem algumas danças que não tem ritmo para
garoto.
A16: Sim, porque não tem só dança para um sexo.
H16: Não, porque não é muito confiável.
A17: Sim, porque cada um tem sua opinião sobre a dança.
H17: Sim. Porque meu jeito de pensar é um, não sei o da outra
pessoa.
A18: Acho que sim. Depende da dança e se eu me interessasse por H18: Não; porque não faria muito bem.
ela.
A19: Não. Porque todos podem dançar.
H19: Não. Porque outras pessoas podem zoar a gente.
A20: Não. Porque odeio passar vergonha.
H20: Não, porque eles começariam a me zoar.
Como se observou, as meninas lidam com maior
autonomia em relação a participação em danças
tipificadas como masculinas ou femininas, pois a
maioria delas aceitaria participar das atividades de
dança consideradas do sexo oposto. Importante notar
que algumas das justificativas dos alunos e alunas para
a não participação dizem respeito a um sentimento
de vergonha oriundo da opinião e comportamento
do outro em relação à atividade (A4, A6, A14, A20,
H2, H14, H19, H20) que, sabidamente, seria capaz de
trazer consequências em seu relacionamento com outras
pessoas. isto demonstra a força do grupo na adoção
de comportamentos. Todavia, percebe-se que muitos
alunos e alunas já possuem uma noção da arbitrariedade
destas classificações (A1, A2, A5, A7, A10, A11, A12,
A13, A15, A16, H3, H7, H8, H9 E H13) e/ou tem um
comportamento menos regulado pela opinião dos outros
(A3, A8, A17, H6, H10 e H17).
Considerações finais
Uma das formas de confrontar a estereotipia sexual
nos conteúdos das aulas de educação física na escola é
o entendimento sobre como essa visão foi construída e
como se perpetua em nossa sociedade. Para tal, é importante mapear as representações que os alunos e alunas
tem sobre gênero, corpo e as práticas corporais das aulas
de educação física.
18 • Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013 Nov;27 Supl 7:11-19
Conhecer estas representações e problematizá-las mediante escolhas curriculares, desde o início da educação
infantil até o ensino médio, podem ser um caminho para
que os alunos e alunas possam construir, gradativamente,
seus próprios modelos e significados de masculinidades
e feminilidades, cruzando a própria vivência com conhecimentos adquiridos na escola.
17. XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
Deste modo, poder-se-ia evitar o aprisionamento de
crianças e adolescentes em culturas lúdicas sexuadas que
se apresentam como parâmetro para catalogar pessoas
e comportamentos de forma estanque, limitando a capacidade humana de viver e conviver com a diferença e
reproduzindo o que há de intolerante na sociedade.
Referências
1. Scott JW. Gênero uma categoria útil de análise histórica. Educ Real. 1999;20:71-99.
2. Gonçalves MAS. Sentir, pensar, agir: corporeidade e educação. Campinas: Papirus; 1994.
3. Brougère G. As culturas lúdicas têm sexo. In: Brougère G. Brinquedos e companhia. São Paulo: Cortez; 2004.
4. Minayo MCS, organizador. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 20a ed. Petrópolis: Vozes; 2002.
ENDEREÇO
Osvaldo Luiz Ferraz
Escola de Educação Física e Esporte - USP
Av. Prof. Mello Moraes, 65
05508-030 - São Paulo - SP - BRASIL
e-mail: olferraz@usp.br
Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013 Nov;27 Supl 7:11-19 • 19
18. Avaliação da preparação profissional em educação física:
evidências e reflexões
Ana Lúcia Padrão dos SANTOS
Ensaios
XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
Escola de Educação Física e Esporte, Universidade de São Paulo
Introdução
Na década de 80 vários países iniciaram um processo
de relevantes reformas educacionais que resultaram em
grande diversificação de instituições de ensino superior
e consequentemente diferentes características de funcionamento, o que ocasionou um grande desafio em
equilibrar o crescimento do ensino superior com a qualidade da educação oferecida. Como resultado da busca
por tal equilíbrio, muitos países desenvolveram sistemas
de avaliação, principalmente em virtude da importância
estratégica que o ensino superior tem para o desenvolvimento do mercado de trabalho, o desenvolvimento
econômico e a produção do conhecimento.
Para realizar esta avaliação alguns países adotaram
modelos baseados em indicadores quantitativos enquanto outros fundamentaram seu sistema em parâmetros
qualitativos. No Brasil, a partir da Lei nº 9.131/19951 e
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional2 diferentes mecanismos de avaliação foram adotados, como
a avaliação dos concluintes dos cursos de graduação, que
atualmente é realizado através do Exame Nacional de
Desempenho de Estudantes - ENADE3, o questionário
sobre condições socioeconômicas do aluno e ainda a
avaliação destes alunos sobre a qualidade do curso que
frequentaram. As análises apropriadas dos resultados
de tais avaliações podem ser fundamentais em vários
aspectos, pois podem ajudar a definir políticas públicas
para educação, podem indicar potenciais geográficos de
expansão e também orientar a distribuição de recursos
econômicos de modo a produzir os melhores resultados
possíveis. Contudo, um dos aspectos essenciais dos dados
provenientes destas avaliações é informar a sociedade em
geral sobre a formação de seus profissionais e cidadãos3.
As informações obtidas nestas avaliações devem
ser exploradas no sentido de auxiliar a compreensão
dos fatos e dinâmicas sociais. Particularmente, no caso
da formação de professores, estes dados poderiam
agregar informações que facilitassem o entendimento
sobre os diversos aspectos que influenciam a prática
docente como, por exemplo, quais são suas inseguranças
e conflitos do professor recém-formado, em que
condições sociais e econômicas o docente teve sua
formação inicial, que tipo de amparo poderá necessitar,
qual sua disposição para de educação continuada e o
que pode motivar a continuação ou não sua carreira
na escola. Conhecer a formação inicial dos professores
e suas características pode ajudar a entender como ele
será inserido no contexto escolar, o que pode impactar
diretamente a qualidade da sua atuação nas escolas de
ensino básico e as consequências desta atuação para a
sociedade.
No caso da Educação Física a utilização destes
dados é ainda mais relevante, pois nos últimos 15
anos aconteceram mudanças significativas em vários
aspectos da formação e atuação profissional que incluem
desde a regulamentação profissional4 até as mudanças
nas diretrizes curriculares nacionais para cursos de
licenciatura e graduação em Educação Física5-6. Assim, o
acompanhamento da trajetória dos cursos de graduação
neste período e as informações sobre as características
dos futuros professores de educação física pode ser um
meio eficiente para detectar possíveis problemas e tentar
aprimorar a qualidade da formação inicial dos futuros
professores, o que consequentemente terá impacto na
prática profissional no ambiente escolar.
Conjuntura e tendências
As primeiras informações relevantes que os documentos provenientes do ENADE apresentam sobre a
área de Educação Física referem-se à oferta de cursos
oferecidos em todo país na última década, conforme
mostram a TABELA 1 e a TABELA 2.
Além dos dados em relação à oferta de cursos é
interessante observar também o número de ingressantes
e concluintes considerando-se estas categorias, como
apresentam as TABELAS 3 e 4.
Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013 Nov;27 Supl 7:21-25 • 21
19. Ensaios
XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
TABELA 1 - Número de cursos participantes do ENADE por ano, por categoria administrativa, em número absoluto e
porcentagem7-9.
Total de cursos ofertados no Brasil
Instituições privadas
Instituições públicas
2004
355 (100%)
256 (72,11%)
99 (27,89%)
2007
497 (100%)
388 (78,07%)
109 (21,93%)
2010
353 (100%)
289 (81,9%)
64 (18,1%)
TABELA 2 - Número de cursos participantes do ENADE por ano, por organização acadêmica, em número absoluto e
porcentagem7-9.
Total de cursos ofertados no Brasil
Universidades
Centros universitários
Faculdades
2004
355 (100%)
194 (54,64%)
52 (14,65%)
109 (30,71%)
2007
497 (100%)
249 (50,10%)
81 (16,29%)
167 (33,61%)
2010
353 (100%)
165 (46,74%)
75 (21,24%)
113 (32,02%)
TABELA 3 - Número de estudantes inscritos no ENADE por ano, por categoria administrativa7-9.
Total
Estudantes inscritos no ENADE/2004
Instituições privadas
Instituições públicas
Estudantes inscritos no ENADE/2007
Instituições privadas
Instituições públicas
Estudantes inscritos no ENADE/2010
Instituições privadas
Instituições públicas
N
53.346
42.534
10.812
74.337
62.662
11.675
25.389
20.637
4.752
%
100
80
20
100
84
16
100
81
19
Ingressantes
N
%
35.772
100
30.201
84
5.571
16
42.517
100
36.589
86
5.928
14
12.129
100
9.520
78
2.609
22
Concluintes
N
%
17.574
100
12.333
70
5.241
30
31.820
100
26.073
82
5.747
18
13.260
100
11.117
84
2.143
16
TABELA 4 - Número de estudantes inscritos no ENADE por ano, por categoria administrativa7-9.
Total
Estudantes inscritos no ENADE/2004
Universidades
Centros universitários
Faculdades
Estudantes inscritos no ENADE/2007
Universidades
Centros universitários
Faculdades
Estudantes inscritos no ENADE/2010
Universidades
Centros universitários
Faculdades
N
53.346
30.346
10.364
12.636
74.337
39.845
16.282
18.210
25.389
13.130
5.410
6.849
%
100
57
19
24
100
54
22
24
100
52
21
27
22 • Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013 Nov;27 Supl 7:21-25
Ingressantes
N
%
35.772
100
19.509
55
7.343
21
8.920
25
42.517
100
22.122
52
9.451
22
10.944
26
12.129
100
6.404
53
2.479
20
3.246
27
Concluintes
N
%
17.574
100
10.837
62
3.021
17
3.716
21
31.820
100
17.723
56
6.831
21
7.266
23
13.260
100
6.726
51
2.931
22
3.603
27
20. A análise destes dados remete a constatação de que
há a diminuição no número de cursos oferecidos e do
número de alunos de Educação Física entre 2007 e
2010 no país, ou seja, há uma tendência de retração da
área. Outra informação que se destaca é a participação
marcante das instituições particulares na formação dos
profissionais de Educação Física, que correspondeu a
84% dos concluintes em 2010. No que se refere à organização acadêmica vale ressaltar ainda que, apesar das
universidades ainda serem responsáveis pela formação
da maioria dos alunos, esta participação vem caindo,
sendo 57% em 2004, 54% em 2007 e 52% em 20107-9.
O diagnóstico deste cenário é importante em virtude
da existência de diferenças na lógica de funcionamento
entre instituições públicas e instituições privadas, e devese considerar também que por definição, universidades,
centros universitários e faculdades são instituições com
características distintas, como esclarece CAVALCANTE10,
• Universidades - São instituições pluridisciplinares de
formação de quadros profissionais de nível superior e
caracterizam-se pela indissociabilidade das atividades de
ensino, pesquisa e extensão. As universidades mantidas
pelo poder público gozarão de estatuto jurídico especial.
• Centros Universitários - São instituições pluricurriculares,
abrangendo uma ou mais áreas de conhecimento, que devem oferecer ensino de excelência, oportunidade de qualificação do corpo docente e condições de trabalho acadêmico.
• Faculdades - São instituições especializadas de educação profissional, públicas ou privadas, com finalidade de
qualificar profissionais, nos vários níveis e modalidades
do ensino, para os diversos setores da economia e realizar pesquisa e desenvolvimento tecnológico de novos
processos, produtos e serviços, em estreita articulação
com os setores produtivos e a sociedade, oferecendo
mecanismos para a educação continuada (p.20).
Tais diferenças podem impactar de maneira significativa
a formação dos profissionais e deste modo, é importante
considerar qual a parcela de professores de Educação Física efetivamente exposta a um ambiente pluridisciplinar, e
que contemplam atividades de pesquisa e extensão durante
sua formação. Principalmente é preciso acompanhar qual
será essa parcela em um futuro próximo, pois os dados
apresentados significam uma tendência de diminuição na
formação de profissionais em Educação Física.
Identificado os locais de formação, cabe conhecer quem
são as pessoas que escolheram a Educação Física como
profissão. De acordo questionário do estudante, respondido
pelos alunos que realizaram a prova do ENADE 2010, é
possível verificar que 55,6% dos alunos é do gênero masculino e 44,% do gênero feminino, a média de idade é de 25,2
para os homens e 24,1 para as mulheres. No que se refere à
renda total a maioria dos alunos relata que a família recebe
até 4,5 salários mínimos, sendo 9,2% até 1,5 salário mínimo,
29,5% entre 1,5 e 3 salários mínimos e 24,1% entre 3 e 4,5%
salários mínimos. Os dados relatam ainda que 73% deste
grupo dependem de alguma forma do suporte financeiro
de outras pessoas. Este aspecto é particularmente relevante
quando se considera a significativa presença do ensino particular na área, o que na grande maioria dos casos implica
no pagamento de mensalidades e custos com o estudo9.
Em relação à escolaridade familiar, os dados revelam
que 80,8% dos pais e 75,6% das mães haviam estudado
até o ensino médio, ou seja, estes alunos superam a
escolaridade dos pais. No que concerne aos próprios
estudantes de Educação Física 86,1% afirmam que estudaram no ensino médio tradicional e 72,8% cursou no
mínimo a metade do ensino médio em escola pública9.
Outra abordagem interessante do levantamento de
dados feita pelo INEP em função do ENADE 2010 tem
como intuito levantar os hábitos dos estudantes, que no
caso inclui os futuros professores. Conforme as respostas apresentadas 10,2% dos alunos não dedica nenhuma
hora de estudo fora do horário de aula e 59,4% dedica de
uma a três horas de estudo semanal. Os dados relatam
ainda que 63,3% dos concluintes pesquisados em 2010
fizeram a maior parte do curso em horário noturno9.
Dentre as atividades oferecidas pelas Instituições de
Ensino Superior - IES, 48,8% dos concluintes relata
que não participou de atividades de iniciação científica,
59,0% indicou que não participou de programas de
monitoria e 47,4% respondeu que não participou de programas de extensão. A única resposta em que a maioria
dos concluintes respondeu ter participado regularmente
está relacionada ao componente curricular de atividades
complementares, totalizando 59,0% das respostas. Vale
lembrar que este é um componente obrigatório dos
cursos previsto nas diretrizes curriculares nacionais5.
O grupo foi perguntado ainda se a Instituição de Ensino
Superior oferece apoio financeiro para participação dos
estudantes em eventos como congressos, seminários e
similares e a maior frequência, ou seja, 40,5% responderam
que a IES não oferece apoio de modo algum e 39,4% respondeu que o curso oferece, mas apenas eventualmente.
Destaca-se ainda o fato de que 47,4% dos concluintes
indica que o curso foi exigente na medida certa, enquanto
34,7% dos concluintes disseram que o curso deveria exigir
um pouco mais e 13,3% dos concluintes considerar que o
curso deveria exigir muito mais do aluno. Em contrapartida, 35,2% dos concluintes relataram que o curso superior
contribui parcialmente para a preparação do exercício
profissional e 60,6% indicaram que o curso contribui
amplamente para o exercício profissional. Por último, 54%
dos concluintes avaliam a contribuição do curso para sua
formação como muito boa e 38,1% avaliam como boa9.
Ensaios
XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013 Nov;27 Supl 7:21-25 • 23
21. XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
Avaliação: conhecimentos gerais e específicos
Considerando-se que a maioria dos concluintes
considera sua formação inicial como boa ou muito boa,
o resultado da prova que avalia o conhecimento obtido
durante a formação deveria refletir a aquisição destes
conhecimentos. O Exame Nacional de Desempenho
dos Estudantes pretende justamente avaliar os alunos
nesta perspectiva e para isso a prova é composta por dois
componentes, o primeiro refere-se à formação geral e o
segundo a formação específica9.
Na avaliação da formação geral procura-se identificar
aspectos éticos profissionais, a relação do indivíduo com
a sociedade contemporânea e seu posicionamento sobre diversos temas atuais como, por exemplo, ecologia,
políticas públicas, sociodiversidade, multiculturalismo e
avanços tecnológicos. A prova composta por questões
objetivas e discursivas tem como intuito verificar capacidades básicas como ler e analisar textos, estabelecer
relações e comparações, argumentar com coerência,
solucionar problemas entre outras capacidades.
No que se refere ao componente de formação específica, a referência para elaboração da prova foi a
Resolução CNE/CES Nº 7 5 e teve como propósito
verificar competências e habilidades como dominar
conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudinais
específicos da área, manifestar a capacidade de analisar
criticamente a realidade social e demonstrar capacidade
de intervenção, explicitar conhecimentos científicos
atualizados, dominar leitura e escrita, ser capaz de identificar interesses, expectativas e necessidades das pessoas
envolvidas com sua atuação profissional entre outras
demandas próprias da área. Vale destacar que os conteúdos adotados na prova contemplavam as dimensões
social, antropológica, comportamental, ética, científica
e pedagógica entre outras.
Os resultados apresentados na TABELA 5 mostram
que a porcentagem de acerto das respostas foi de 38,2%
para questões de formação geral, 41,1% para as questões
de formação específica, ou seja, contrariando o que os
alunos alegam sobre sua formação no ensino superior,
os resultados mostram que em 2010 os alunos não chegaram a acertar nem 50% da prova.
Ao observar os resultados de outros exames realizados, é possível verificar que estes resultados não são
uma exceção. Em 2007, a média de acerto no ENADE
foi de 46,3% no que se refere à formação geral, 51,8%
no que se refere à formação específica e 50,4% no total
da prova8. No ENADE-2004 a média de acerto total
foi de 34,1% da prova7.
TABELA 5 - Estatística básica expressa em porcentagem de acerto dos componentes do ENADE- 2010, em relação ao grupo
de concluintes9.
Média
Desvio Padrão
Mediana
Nota Mínima
Nota Máxima
Formação geral
38,2
17,4
37,5
0
95,5
Formação específica
41,1
14,3
41,7
0
84,5
Resultado geral
40,4
13,5
40,9
0
80,9
Análise e implicações
Os dados apresentados anteriormente demonstram que
ainda é necessário um grande avanço nas condições de formação profissional, na qualidade dos cursos superiores, e na
oferta de experiências acadêmicas que efetivamente possam
preparar o aluno para se tornar um professor de Educação
Física com recursos suficientes para atuar com qualidade.
Esta constatação se relaciona a dois aspectos fundamentais do panorama educacional. O primeiro diz respeito às condições da prática docente atual e o segundo
se refere à autonomia dos professores nas escolas.
Segundo CORREIA11 existem grandes desafios a serem
superados pelos professores, como a deterioração das
24 • Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013 Nov;27 Supl 7:21-25
condições do trabalho, o viés econômico e mercadológico das atividades de ensino, o suporte precário oferecido aos professores entre tantas outras dificuldades.
Para superar tais obstáculos o professor necessita de
um preparo consistente que lhe permita uma vivência
escolar que viabilize um compartilhamento crítico e propositivo, transformando-o em um personagem proativo
e transformador dentro da escola.
O outro elemento crucial, a autonomia docente,
também requer um arcabouço de conhecimentos bem
estruturado que permita ao professor fazer escolhas e
usar esta autonomia em prol da qualidade do ensino.
22. XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
FERRAZ e CORREIA12 lembram que ao fazer escolhas
referentes à estruturação de um currículo é sempre
necessário determinar quais saberes e conhecimentos
são considerados prioritários para a educação do aluno.
Consequentemente as escolhas para elaboração de um
currículo de Educação Física Escolar exigem discussões
sobre cultura, sociedade, a natureza humana e a natureza do conhecimento, justamente o conhecimento que
aparece tão incipiente nos resultados do ENADE. Um
professor que não conhece as alternativas possíveis, não
terá condições de fazer escolhas adequadas, principalmente em um contexto problemático. CORREIA11 reitera
este pressuposto, ao afirmar que “os saberes docentes
representam condição indispensável para que a finalidade fundamental da educação possa ser viável, ou seja, a
autonomia”(p.16). No que tange a autonomia docente
é importante esclarecer que não se trata de limitar as
alternativas de escolhas dos professores, mas solicitar
do professor uma fundamentação que dê suporte para
suas expectativas, escolhas, ações, resultados e que sua
atuação tenha significado para o ambiente educativo em
que ele está inserido.
Diante destas questões, é plausível ponderar que
o pior cenário possível para a educação é aquele que
combina condições precárias de ensino, professores
mal preparados e uma autonomia absoluta que possa
servir de pretexto para a ausência de resultados e baixa
qualidade do ensino. Esta combinação é perversa na
medida em que reproduz justamente a oferta de boa
educação para quem já tem boas condições de aprendizagem e reforça uma educação de baixa qualidade para
quem tem poucas oportunidades educativas. É preciso
valorizar a Educação Física apresentando resultados qualitativos que possam justificar sua importância perante
a sociedade e isto passa definitivamente pela prática do
professor de Educação Física na escola.
Consequentemente, os resultados do ENADE na
última década devem provocar preocupação e servir de
alerta, não somente pelos resultados atuais, mas principalmente pela tendência de diminuição na oferta de
cursos, na diminuição de estudantes de Educação Física
e pelo declínio das notas obtidas na última avaliação.
Tais fatos provavelmente terão um impacto direto na
qualidade da prática docente da Educação Física escolar.
Referências
1. Brasil. Ministério da Educação. Lei Federal nº 9131/95. Brasília: MEC; 2005.
2. Brasil. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei Federal nº 9.394/96. Brasília: MEC; 1996.
3. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. SINAES. Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Superior: da concepção à regulamentação. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira; 2009.
4. Brasil. Regulamentação da Profissão de Educação Física. Lei Federal nº9696/98. Brasília: DOU; 1998.
5. Brasil. Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física, em nível superior de graduação plena.
Resolução nº 7 de 31 de março de 2004. Brasília: Conselho Nacional de Educação; 2004.
6. Brasil. Esclarecimentos acerca de cursos de Educação Física nos graus Bacharelado e Licenciatura. Nota técnica n. 003/2010 CGOC/DESUP/SESu/MEC. Brasília: MEC; 2010.
7. Brasil. ENADE. Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes 2004: Relatório Síntese - Educação Física. Brasília: MEC, 2005.
8. Brasil. ENADE. Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes 2007: Relatório Síntese - Educação Física. Brasília: MEC, 2008.
9. Brasil. ENADE. Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes 2010: Relatório Síntese - Educação Física. Brasília: MEC, 2011.
10. Cavalcante JF. Educação Superior: conceitos, definições e classificações. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira; 2000.
11. Correia WR. Educação física escolar: saberes docentes. Rev Bras Educ Fís Esporte. 2011;25:13-17.
12. Ferraz OL, Correia WR. Teorias curriculares, perspectivas teóricas em Educação Física Escolar e implicações para a formação
docente. Rev Bras Educ Fís Esporte. 2012;26:531-440.
ENDEREÇO
Ana Lúcia Padrão dos Santos
Escola de Educação Física e Esporte - USP
Av. Prof. Mello Moraes, 65
05508-030 - São Paulo - SP - BRASIL
e-mail: ana.padrao@usp.br
Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013 Nov;27 Supl 7:21-25 • 25
23. Manifestações populares e práticas educativas,
dentro e fora da escola
Soraia Chung SAURA
Ensaios
XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
Escola de Educação Física e Esporte, Universidade de São Paulo
Vovó vinha todo o sábado. A gente ficava esperando,
o animal dela era branco e ela mesma usava um lenço
branco. Lá de longe a gente via ela e já se alegrava.
Ficávamos conversando no fogão à lenha, o cheiro do
pão assando, o lampião e a luz da lua (Depoimento de
um senhor Pomerano).
Encontramos a nós mesmos nos outros, essa é
a premissa do deslocamento sugerido pelo trabalho
antropológico. Aplicada sobretudo na educação1 sugere
desdobramentos e reflexões sobre os modelos educativos fornecidos pela educação formal e informal e o
trânsito entre eles, limites e possibilidades. O objetivo
deste ensaio é o de lançar luzes em práticas da educação
centenária que ocorrem nas manifestações populares
espalhadas por todo o território nacional e dialogar com
a prática docente. Discorremos sobre um saber corpóreo
estruturante onde quem educa não é apenas o professor,
mas a vivência na estrutura comunitária conduzida pela
figura do mestre. Conclue-se que na ausência desta nas
sociedades complexas, a escola poderia realizar esse papel
de transmissão de valores intrínsecos, de encontro com
a potência individual, de ritmo e organizidade temporal
e espacial. Onde se leve em consideração que o desenvolvimento do corpo diz respeito ao desenvolvimento
da pessoa humana como um todo, onde as crianças são
parte do mundo e não destituídas dele, onde a repetição
é aprofundamento e o tema da transformação da criança
em adulto é de responsabilidade do todo.
O olhar, ação de ver pelo órgão da visão, é
essencial para a percepção das qualidades
plásticas do mundo exterior. Embora o olhar
interior, ação de ver por força do imaginário,
ultrapasse a superfície desta plasticidade,
penetrando em suas sucessivas camadas de
realidades criadas pelo indivíduo, vendo o
que está além do alcance do olho2 (p.128).
Em contato com meus pares, os professores e suas
diferentes realidades, muitos dos quais moradores de um
Brasil que não é sudeste mas a maioria esquecida por
ele, dá-se esse encontro. Penso que para nós do sudeste,
quase que o resto do Brasil todo é remoto. Avião e muita
estrada, ônibus, carroceria e barcos, curvas e mais curvas
de serras enigmáticas, cerrados exuberantes, campinas
escaldantes, florestas em pé, tons de verdes nunca vistos,
pássaros exóticos, insetos improváveis, rios negros com
peixes azuis. Parece que o Brasil é muito mais campo que
cidade. E onde parece que não vou encontrar ninguém,
me encontro nos sorrisos caboclos: tem gente, tem escola
e tem criança. Em frente a uma escola rural, me pergunto
quanto tempo foi necessário para se dar tanta importância à escola, à sala de aula, aos livros e ao estar sentado
diante do professor como atitude máxima de aprendizado.
Temos um discurso já absorvido pelos pais: frequentar a
escola para ser “alguém” na vida. Este alguém está normalmente relacionado aos recursos que se pode obter, a
um melhor posicionamento de vida com melhores condições de trabalho e salário, a um não mais ser enganado
pelas letras ou por falsos contratos. A escola representa,
no imaginário dos que vivem na zona rural, a possibilidade de que suas futuras gerações se sobreponham a uma
história familiar que se repete recorrentemente. Pergunto
sempre se nós professores nos imbuímos da missão de
educar para quê, toda vez que entramos no espaço da sala
de aula, canetão ou giz na mão.
Não há hotéis ou pousadas neste trabalho. Assim
que nos hospedamos na casa das pessoas, o que muito
me agrada a gentileza. Aproveito a oportunidade para
apreender a matéria de um cotidiano diverso, essa das
tantas comunidades rurais. A história desses povos da roça
nos é revelada devagar, com poucas palavras, já que não
falam muito. São os gestos que nos contam. Arranchamos
em casas frescas de pau a pique, com telhado de sapé,
mesa de madeira, redes emparelhadas, café na caneca,
lata dágua na cabeça, porta de duas bandas e o mundão
lá fora. De noite uma vaca branca, bichão imenso passa
prá lá e prá cá balançando a sineta que traz no pescoço,
belém, belém. Galo ainda não canta e D. Maria se levanta
para preparar o café. Acende o fogão à lenha e em pouco
Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013 Nov;27 Supl 7:27-36 • 27
24. Ensaios
XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
tempo o cheiro que dali exala conforta as crianças para que
acordem no escuro. Apressam-se nas vestes, no lavar o
rosto na água fresca da cuia, suspendem suas redes e saem
em silêncio na noite. Estão indo à escola. Andam mais de
três quilômetros, a mãe e os dois meninos pequenos, o
menor brinca com um pedaço de pau. Por fim, chegam
à beira de uma estrada maior, onde esperam o transporte
escolar. Este passa por volta das 4h30, raramente é
pontual, ou vem mais cedo ou mais tarde, a espera é longa.
Quando chega, nota-se que não é nem um pouco seguro,
a caçamba do caminhão a céu aberto, veloz, sem proteção
em uma estrada de buracos. Já ocorreram graves acidentes
com estas crianças. O governo local sempre promete
melhorar. D. Maria diz que é agradecida “porque antes,
nem transporte tinha”. D. Maria os embarca, cadernos e
livros reutilizados nas mãos, acena para as crianças em
uma nuvem de poeira no escuro. Fazendo vista grossa
aos perigos evidentes a que seus filhos estão expostos
diariamente, ela tem a certeza de que esta é a coisa certa
a fazer, uma obrigação de mãe, o mínimo para que sejam
“alguém” na vida: mandá-los para a escola.
São mais de 50 minutos de viagem, com paradas em
todos os lados da estrada, recolhendo crianças de todos os
tamanhos e vindas de distâncias variadas, caçamba lotada.
Chega-se à distante escola, que no entanto é a mais próxima de suas casas. Esta consiste em apenas duas salas, a
primeira é pequena e acolhedora: a cozinha, com panelas
penduradas, pratos e canecas de plástico desgastados
pelo uso, uma mesa, uma pia e um fogão de duas bocas.
A merendeira é sempre sorridente, um arquétipo de mulher que encontro em muitos interiores: boca larga, seios
fartos, conhece os meninos todos pelos nomes e ralha
com eles por suas muitas traquinagens. Sabe da vida e da
personalidade das crianças todas. Alimenta e ama, assim
são as cozinheiras. Faz pequenos milagres diários com os
parcos recursos culinários a que tem acesso. A segunda
sala é maior, é a sala de aula. Está dividida ao meio por
um madeiritea que não chega até o teto. Crianças de 1a e 2a
séries do ensino fundamental estudam de um lado, de 3a
e 4a no outro. A divisória é simbólica, uma vez que tudo
se escuta dos professores e das crianças, tanto de um lado
como de outro e a equação de se lecionar em tais condições me parece quase insolúvel. No entanto, ela acontece.
Estes professores são heróis anônimos brasileiros,
em uma luta diária. Estão isolados do mundo e muitas
vezes, com falta de material básico de trabalho como giz
e papel. Às vezes o salário. Dessa maneira entende-se sua
vocação e comprometimento com os alunos. Referências
em suas comunidades, não é à toa que D. Maria deposita
neles e na escola a esperança do futuro de seus filhos.
Houve um problema no transporte escolar que levaria
as crianças de volta, no final do dia. Disponibilizo-me
a esperar para ver o desfecho da chegada em casa. Um
senhor da comunidade me aborda e pergunta: “Você é
professora?” Respondo que sim, como sabe? “Sei por
que só as professoras não vão embora enquanto seus
alunos não têm como chegar em casa”.
Assim é o comprometimento que se espera do professor. Heróico, voz e crença, é todo ele determinação e
empenho embora muitas vezes resignado, sem oferecer
resistências a um ensino ineficiente. Há um esforço sobrehumano para ensinarem as letras, muito porque muitas
vezes são vítimas de má formação e estão sujeitos a um
sem fim de dificuldades, esquecidos em cantos de mundo
sem acesso a informação, formação, livros e menos ainda,
conexões. O livro e a cartilha são materiais estranhos.
Pedaços de cartolina são guardados como ouro nas prateleiras. Em muitos dos locais que estive, membros da Secretaria Municipal de Educação, responsáveis pela escola,
nunca chegaram a colocar os pés. “Lá é muito longe”.
Um professor de educação física, sediado em uma
comunidade rural pomerana no Espírito Santo me conta
destes corpos altos e fortes, do índice de obesidade zero na
comunidade, da boa estrutura corporal de seus alunos por
conta dos trabalhos realizados pelas crianças no campo
junto às famílias. A impressionante força física dos corpos
das mulheres e dos homens. O respeito que os pequenos
têm pelo professor, diferentemente das crianças da cidade.
Não usam sapatos para facilitar os serviços no campo,
tem pés muito fortes, bastante resistência muscular, muita
força. “Correm daqui até o posto e voltam sem se cansar.”
Seu aluno confirma: “Só usei meu primeiro par de sapatos
no dia da confirmação, aos 14 anos”. Fico impressionada.
Visitei uma escola indígena Xavante no Mato Grosso.
A escola é um modelo novo de educação dentro daquela
estrutura comunitária centenária. Montaram uma sala
de aula adequada à realidade onde estavam inseridos:
os moradores a construíram circular, com meia parede,
de modo que de dentro, avistávamos toda a aldeia e o
vento do cerrado circulava livremente. O teto coberto
de sapé e o chão de terra batida, regados constantemente
com água, mantinha o frescor que permeava o ambiente.
Nem 50 km dali sediava-se uma escola rural. Seguindo
o modelo de educação formal importado ao Brasil, as
salas de aula eram quadradas, com telhas de amianto,
janelas pequenas de alumínio. O calor era suportável para
poucos e o ventilador um inútil e dispendioso objeto.
Talvez por causa deste modelo de educação, estes professores encontrem ainda muita dificuldade em executar
tarefas ao ar livre com as crianças, as querem sentadas
em cadeiras antigas, na frente de mesas bambas. Primam
pela imobilidade e ignoram as mangueiras de sombras
generosas ao lado de fora. Nas aulas de atividade física,
sempre a quadra - muitas vezes um campo de terra sem
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25. sombra, com as traves do gol. Suspiro porque daria uma
vida para ter proximidade com a matéria ambiental que
avistamos da janela. E os meus professores, nos livros e
no pátio cimentado. São paradoxos. Outra cena emblemática: vi as crianças olharem o desenho da uva (com um U
bem grande ao lado) na cartilha enviada pelo governo e
a nomearem “Açaí”. Nunca viram a tal da uvab. O valor
é assim depositado em algo externo, em um modelo que
não pertence àquele lugar, não combina nem mesmo com
o próprio professor, muitas vezes caboclo de sabedoria
da terra e das águas. Vi Seu Humberto, professor da 3a e
4a séries, jeito de índio, pés esparramados na terra, com
dificuldade de folhear um livro. Também o vi pescar
com eximínia vocação e talento, manuseando materiais
e técnicas variadas em movimentos deslumbrantes.
As comunidades rurais em todos os Estados que tive
o prazer de conhecer não são uniformes, claro. Variam
em diversidade e riquesa, suas pessoas dialogam com o
ambiente onde estão inseridas, homens cultos e mulheres
belas, algumas vezes falam até outra língua. Mas sempre há
as principais referências comunitárias, a quem devemos bem
dialogar antes de abrir os trabalhos nas escolas. Um padre,
uma senhora parteira. Senhores e senhoras com uma espécie de ligação com o sagrado, também institucional, com
reconhecida liderança, primeiro pelos comunitários, depois
pelos governos locais. Sempre idosos, “sabem mais porque
viveram mais” - e essa é uma das premissas do conhecimento tradicional. Antes de qualquer trabalho, a licença,
a justificativa, o pedido e o acordo. Café e aperto de mão.
Não raro essas lideranças são os organizadores de
manifestações populares, que resistem à revelia de muitas
e muitas intempéries, geração após geração. Salvaguardando generalizações e guardadas as particularidades
de cada uma das comunidades e das festas populares
que encontramos em muitos destes locais, tomo como
exemplo para discorrer sobre a relação formativa que
estabelecem com os seus o Bumba-meu-boic, uma festa
considerada uma das mais belas do Brasil e que acontece
de forma amplificada no Estado do Maranhão onde
reúne enorme contingente de pessoas.
É uma brincadeira poética, musical, cômica, plástica,
dançante, festiva e dramática, formada por vários grupos,
todos ricamente ornamentados. A narrativa é carregada
de cenas críticas e filosóficas e há formatos variados
dentro dessa estrutura, com personagens míticos e emblemáticosd. O Bumba-meu-boi desenvolve-se em ciclos
anuais, tendo início nos festejos juninos, quando se batiza
o boneco boi, se brinca ao longo de alguns meses até a
data da próxima festa, que culmina na morte simbólica
do animal. No início do ano seguinte, os conjuntos iniciam os preparativos de um novo boi. A festa repete-se
assim incansavelmente há mais de 100 anos.
O melhor mestre não é aquele que se impõe,
que se afirma como dominador do espaço mental, mas, ao contrário, o que se torna aluno de
seu aluno, aquele que se esforça para acordar
uma consciência ainda ignorante de si mesma
e de guiar seu desenvolvimento no sentido que
melhor lhe convém3 (p.6).
Ensaios
XII Seminário de Educação Física Escolar - A prática docente da Educação Física Escolar: da inspiração à ação
O primeiro personagem que salta aos olhos conduzindo o grupo paramentado em festa é o Amo, garboso e
muito vaidoso de seu Batalhãof. É o dono da Festa e seu
personagem é o dono da fazenda e do Boi mais importante. Comanda e forma o grupo, o folguedo e as apresentações. É dele a responsabilidade de todos os momentos de
ordem dos festejos. Sua figura carismática e envolvente em
sua representação traz a nós, meros cidadãos, imagens de
tempos imemoriais, vozes de outras gerações. Com ferramentas sem segredo, organiza rituais significativos para
os seus. Maracág pesado e prateado levantado ao ar, “em
expectativa da união divina”, no impulsionado constante que
está, para o alto, conduzindo grandes grupos4 (p.129). Seu
apito na boca fornece comandos para o ritual e organiza
diligentemente todo o folguedo.
Este senhor belamente vestido, com pose de rei, passanos a segurança de quem sabe a que veio ao mundo.
Nas Festas, sua roupa é sempre muito bonita, ricamente
ornamentada, brilhante, trabalhada à mão, miçanga por
miçanga graças à persistência de bordadeirash cheias de fé.
Encanta na noite escura de tambores, faiscando “pedras
preciosas” que brilham na luz do fogo. É o líder destes
encontros, para os quais dá o tom. O primeiro a chegar, o
último a sair, como um professor dedicado, garantindo a
segurança e boa ordem dos festejos. Elemento unificador
dentro da brincadeira, para qual olhos e ouvidos se voltam,
referência central, congregador de elementos. Seus olhos
perspicazes representam sabedoria, calmaria, atenção.
Ser amo é uma responsabilidade. Não é só dizer: eu
vou cantar. Precisa sacudir o maracá... Com firmeza.
Tem que saber pegar o maracá, sabe? Não é só pegar e
ir sacudindo... São poucas pessoas que eu vejo que tem.
Tem que ter firmeza, tem que cativar, ter espírito de
liderança também. Ele impõe respeito porque faz a coisa
assim com a alma, canta com o coração, contagia todo
mundo que está ao redor. Não existia outro assim igual
a Coxinho. Todo mundo idolatrava ele. Bem velhinho,
chegava em um lugar e todo mundo parava. Ele abria
a voz assim, quando ele se encarava cantando o Boi,
sacudia aquele maracá, sabe, as pessoas até choravam...
Inclusive eu (Depoimento do brincante Celso França).
Senhor de toda celebração, dentro da narrativai da
brincadeira tem o papel de dono da fazenda, encarna a
figura do grande pai, mas caracteriza o mestre. A posição
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