O documento trata de uma ação movida por um militar da reserva contra a União requerendo o pagamento de diferenças salariais por ter exercido funções de Primeiro Tenente enquanto ocupava o posto de Subtenente. A sentença julgou parcialmente prescrita a ação e procedente o pedido referente ao período não prescrito, uma vez que ficou comprovado que as funções exercidas pelo autor eram exclusivas do posto superior.
2. 30/04/2017 Evento 42 SENT1
https://eproc.jfrs.jus.br/eprocV2/controlador.php?acao=acessar_documento_publico&doc=711493306198276151304610084680&evento=7114933061982761… 2/7
O recurso não foi contraarrazoado (Evento 31).
A decisão proferida no Evento 14 foi mantida (Evento 33).
É o relatório. Decido.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Prescrição
Tratandose de pedido de recebimento das diferenças entre o posto
que ocupava o autor e as funções que ele afirma ter exercido, sob o fundamento de
que, ao utilizar o militar em funções incompatíveis com o seu posto, a
Administração Militar locupletase indevidamente, pois remunera o militar em
patamar que não corresponde à vantagem que aufere com seu trabalho, constatase
a natureza indenizatória da verba postulada.
Nessa hipótese, a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça determina a aplicação do prazo quinquenal previsto no artigo 1º, do
Decreto nº 20.910/32, conforme precedentes que seguem:
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO
REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO. DANO MORAL E MATERIAL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ART.
1º DO DECRETO N. 20.910/32. NORMA ESPECIAL QUE PREVALECE
SOBRE LEI GERAL. PRECEDENTES. ACÓRDÃO A QUO EM DISSONÂNCIA
COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. As ações por responsabilidade civil
contra o Estado prescrevem em cinco anos, nos termos do art. 1º do Decreto n.
20.910/32, porquanto é norma especial, que prevalece sobre lei geral. 2. Agravo
regimental não provido. (AgRg no REsp 1149621/PR, Rel. Ministro Benedito
Gonçalves, Primeira Seção, DJe 18/05/2010)
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO
REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR
PÚBLICO. INDENIZAÇÃO POR DESVIO DE FUNÇÃO. PRESCRIÇÃO.
PRAZO QUINQUENAL. DECRETO N. 20.910/1932. ART. 206, § 3º, DO
CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE. 1. Caso em que se discute se o prazo
prescricional para o pagamento da indenização por desvio de função seria o
trienal previsto no art. 206, § 3º, incisos IV e V, do Código Civil, ou o quinquenal
estabelecido no Decreto 20.910/1932. 2. A jurisprudência desta Corte Superior
de Justiça firmouse no sentido de que é quinquenal o prazo prescricional para
propositura da ação de qualquer natureza contra a Fazenda Pública, a teor do
art. 1° do Decreto n. 20.910/32, afastada a aplicação do Código Civil.
Precedentes: AgRg no REsp n. 969.681/AC, Ministro Arnaldo Esteves Lima,
Quinta Turma, DJe 17/11/2008; AgRg no REsp n. 1.073.796/RJ, Ministro
Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 1/7/2009; AgRg no Ag 1.230.668/RJ,
Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 24/5/2010. 3. Agravo
regimental não provido. (AgRg no AREsp 69696, Rel. Ministro Benedito
Gonçalves, Primeira Turma, DJe 21/08/2012)
No caso dos autos, a parte autora requer o pagamento da
indenização no período de 18/06/2010 a 10/12/2012.
Considerando que a presente ação foi ajuizada em
31/07/2015, encontramse prescritas as parcelas vencidas antes de 31/07/2010.
3. 30/04/2017 Evento 42 SENT1
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Mérito
A designação do autor para o exercício do Comando do Pelotão de
Comunicações do 2º Regimento de Cavalaria Mecanizado é questão
incontroversa.
O Boletim Interno juntado ao Evento 1, Out9, comprova a nomeação
do autor para o desempenho da referida função.
Por sua vez, a União não negou os fatos. Contudo, referiu que a
função exercida não é exclusiva de ocupante do posto de Primeiro Tenente, mas
sim ocupada preferencialmente por esses militares.
Além disso, defendeu não existir a hipótese de desvio de função no
serviço militar considerando que as Forças Armadas remuneram o seu pessoal
conforme o posto ou graduação ocupados, e não conforme a função
desempenhada.
Não procedem as alegações da União. Com efeito, de acordo com o
quadro de cargos vigente à época do alegado desvio de função, juntado aos autos
ao Evento 1, Out13, fl. 04, observase que o Comando do Pelotão de
Comunicações era função que devia ser exercida por ocupante do posto de
Primeiro Tenente.
Esse dado é confirmado pelo Comandante do 2º Regimento de
Cavalaria Mecanizado, nos esclarecimentos constantes do Evento 6, Ofic7.
Nas informações ali prestadas, temse que, na prática, também os
aspirantes a oficial e segundos tenentes exercem a função de Comandante
dependendo da disponibilidade humana existente no quartel.
Ocorre que justamente o que caracteriza o desvio de função é a
atribuição de função diversa àquela inerente ao cargo ou posto ocupado pelo
servidor civil ou militar sem a respectiva remuneração pelo trabalho exercido.
Logo, a existência de prática que destoa do Regulamento Interno
de Serviços Gerais não descaracteriza a hipótese de desvio de função; pelo
contrário, confirma a prática de desvio junto às Forças Armadas.
Já no que tange a alegação da União de que no serviço militar o
pessoal é remunerado conforme o posto ou graduação dos militares, e não
conforme a função por eles desempenhada, melhor sorte não assiste à requerida.
A regra acima descrita não é exclusiva do serviço militar, e sim
aplicável à Administração Pública e geral, que deve remunerar seus servidores de
acordo com os cargos por eles ocupados.
No entanto, o desvio de função exatamente ocorre quando ao
servidor são atribuídas funções distintas das atividades previstas para o seu cargo
específico.
4. 30/04/2017 Evento 42 SENT1
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Sendo assim, a argumentação da União não se sustenta pois a regra a
ser observada pelo administrador público, civil ou militar, é não atribuir
funções incompatíveis ao cargo ou posto ocupado pelo servidor.
Isso não sendo observado verificase o desvio de função.
Cabe referir que o Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento
no sentido de que o servidor público que laborou desempenhando funções diversas
das suas atribuições fixadas em lei, com habitualidade e continuidade, tem direito
à percepção do valor da remuneração devida ao cargo paradigma, como
indenização, sob pena de enriquecimento sem causa do Estado. O servidor público
desviado de suas funções, contudo, não pode ser reenquadrado, fazendo jus apenas
à indenização correspondente à diferença remuneratória entre os vencimentos do
cargo efetivo e os daquele exercido de fato (RE 486184 AgR / SP, Min.
RICARDO LEWANDOWSKI, DJ 1622007, Primeira Turma; AI 594942 AgR
/AP, Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 07122006, Primeira Turma; AI 516622
AgR / RJ, Min. ELLEN GRACIE, DJ 24022006, Segunda Turma; RE 275840 /
RS, Relator p/ Acórdão Min. MARCO AURÉLIO, DJ 01062001, Segunda
Turma).
Não se trata de conceder majoração de vencimentos, mas sim de,
constatada a vantagem auferida pela Administração, determinar a devida
contraprestação ao servidor, a fim de evitar que aquela enriqueça às custas deste.
Ademais, conforme bem referido na inicial, o artigo 9º, da Lei nº
5.787/72 ("Dispõe sobre a Remuneração dos Militares e dá outras providências"),
previa expressamente a hipótese de desvio função nos seguintes termos:
Art 9º O militar no exercício de cargo ou comissão, cujo desempenho seja
privativo do posto ou graduação superior ao seu, percebe o soldo daquele posto
ou graduação.
O referido diploma legal foi parcialmente revogado pela Lei nº
8.237/91, que, por sua vez, foi revogada pela Medida Provisória n.º 2.21510/01.
Os diplomas legais supervenientes não previam igual disposição.
Nada obstante isso, a pretensão do autor ainda encontra fundamento
no artigo 25 da Lei nº 6.880/80, Estatuto dos Militares, que assim estabelece:
Art. 25. O militar ocupante de cargo provido em caráter efetivo ou interino, de
acordo com o parágrafo único do artigo 21, faz jus aos direitos correspondentes
ao cargo, conforme previsto em dispositivo legal.
Já o artigo 21 do Estatuto dos Militares assim dispõe:
Art. 21. Os cargos militares são providos com pessoal que satisfaça aos
requisitos de grau hierárquico e de qualificação exigidos para o seu desempenho.
Parágrafo único. O provimento de cargo militar farseá por ato de nomeação ou
determinação expressa da autoridade competente.
5. 30/04/2017 Evento 42 SENT1
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Logo, estando comprovado que o autor cumpriu tarefas que deveriam
ser exercidas por militar ocupante do posto de Primeiro Tenente mesmo ocupando
posto distinto, deve ser acolhido o seu pedido.
Correção monetária e juros
Em relação à aplicabilidade das alterações introduzidas pela Lei nº
11.960/09, a utilização da TR como indexador da correção monetária foi afastada
pelo Supremo Tribunal Federal nas decisões de mérito das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade 4.357 e 4.425. Já os juros não foram abrangidos pela
declaração de inconstitucionalidade (cf. decidido pelo Ministro Teori Zavascki nos
autos da Medida Cautelar na Reclamação 16.745, em 18/11/2013, DJE de
20/11/2013).
Em 25 de março de 2015, o Supremo decidiu a questão relativa à
modulação dos efeitos das Ações Diretas de Inconstitucionalidade acima referidas,
considerando válido o índice básico da caderneta de poupança, a TR, para a
atualização monetária dos precatórios expedidos até o dia 25/03/2015; após essa
data, determinou a substituição da TR pelo Índice de Preços ao Consumidor
Amplo Especial (IPCAE).
Do que se depreende da leitura da decisão proferida pelo Supremo
(disponível no sítio eletrônico do STF), a modulação referiuse apenas às
alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 62/09, não tendo havido a
modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do artigo 5º, da Lei
nº 11.960/09, que alterou a redação do artigo 1ºF, da Lei nº 9.494/97, igualmente
considerado parcialmente inconstitucional, por arrastamento, no julgamento das
Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4.357 e 4.425.
Posteriormente, a Suprema Corte iniciou a análise da repercussão
geral, nos autos do RE n. 870.947/SE, da Relatoria do Ministro Luiz Fux, da
validade da correção monetária e dos juros moratórios incidentes sobre as
condenações impostas à Fazenda Pública, previstos no artigo 1ºF, da Lei nº
9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, assim ementado:
DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E
JUROS MORATÓRIOS INCIDENTE SOBRE CONDENAÇÕES JUDICIAIS DA
FAZENDA PÚBLICA. ART. 1ºF DA LEI Nº 9.494/97 COM A REDAÇÃO DADA
PELA LEI Nº 11.960/09. TEMA 810. REPERCUSSÃO GERAL
RECONHECIDA.
(RE 870947 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 16/04/2015,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe077 DIVULG 24042015 PUBLIC 27042015 )
Destaco trecho da manifestação do Ministro relator que explicita a
questão a ser dirimida no julgamento do referido recurso:
(...)
Na parte em que rege a atualização monetária das condenações impostas à
Fazenda Pública até a expedição do requisitório (i.e., entre o dano
efetivo/ajuizamento da demanda e a condenação), o art. 1ºF da Lei nº 9.494/97
ainda não foi objeto de pronunciamento expresso do Supremo Tribunal Federal
quanto à sua constitucionalidade e, portanto, continua em pleno vigor.
6. 30/04/2017 Evento 42 SENT1
https://eproc.jfrs.jus.br/eprocV2/controlador.php?acao=acessar_documento_publico&doc=711493306198276151304610084680&evento=7114933061982761… 6/7
Ressalto, por oportuno, que este debate não se colocou nas ADIs nº 4.357 e
4.425, uma vez que, naquelas demandas do controle concentrado, o art. 1ºF da
Lei nº 9.494/97 não foi impugnado originariamente e, assim, a decisão por
arrastamento foi limitada à pertinência lógica entre o art. 100, §12, da CRFB e o
aludido dispositivo infraconstitucional.
(...)
Ainda que haja coerência, sob a perspectiva material, em aplicar o mesmo
índice para corrigir precatórios e condenações judiciais da Fazenda Pública, é
certo que o julgamento das ADIs nº 4.357 e 4.425, sob a perspectiva formal, teve
escopo reduzido. Daí a necessidade e urgência em o Supremo Tribunal Federal
pronunciarse especificamente sobre a questão e pacificar, vez por todas, a
controvérsia judicial que vem movimentando os tribunais inferiores e
avolumando esta própria Corte com grande quantidade de processos.
(...)
Desse modo, temse que, segundo a interpretação do Supremo, as
decisões proferidas das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4.357 e 4.425 não
envolveram a discussão relativa aos critérios de atualização dos débitos da
Fazenda Pública na fase de condenação, permanecendo, como consequência, em
pleno vigor, neste ponto, o disposto no artigo 1ºF da Lei nº 9.494/97, na redação
que lhe deu a Lei nº 11.960/09, de modo que resta aplicável a TR como indexador
de correção monetária na fase do processo de conhecimento.
No que tange aos juros de mora, por não terem sido atingidos pelos
efeitos das decisões das ADIs 4.357 e 4.425, devem ser calculados com base nos
índices oficiais de remuneração básica da caderneta de poupança, em uma única
incidência (sem capitalização), contemplada a alteração promovida pela Medida
Provisória nº 567/2012, convertida na Lei nº 12.703/2012.
Os juros de mora devem ser calculados, desde a citação, com base
nos índices oficiais de remuneração básica da caderneta de poupança, em uma
única incidência (sem capitalização), contemplada a alteração promovida pela
Medida Provisória nº 567/2012, convertida na Lei nº 12.703/2012.
3. DISPOSITIVO
Ante o exposto, reconheço a prescrição das parcelas vencidas
antes de 31/07/2010 e julgo parcialmente procedente o pedido para condenar
a União a pagar à parte autora as diferenças remuneratórias entre os soldos
referentes aos postos de Subtenente e Primeiro Tenente.
Os valores devidos devem ser atualizados monetariamente pela TR, a
partir da data em que devida cada parcela, e acrescidos de juros de mora, a contar
da citação, à taxa de 0,5% ao mês, de forma simples.
Condeno a União ao pagamento de honorários advocatícios em favor
do autor, cujo percentual será arbitrado na fase de liquidação, a teor do que dispõe
o artigo 85, § 4º, inciso II, do NCPC.
Não é o caso de ressarcimento de custas.
Publiquese e registrese.