SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 16
O Protestantismo e os Valores
Éticos
Gabriele Greggersen*
Introdução
O título desta palestra sugere dois temas de difícil definição. Para tratarmos
deles, estaremos nos valendo, particularmente para a definição de ética, de
dois filósofos-teólogos, o católico alemão Josef Pieper (1904-1997) e o
professor e crítico literário anglicano de Oxford C.S. Lewis (1898-1963). Para
surpresa de alguns, encontramos uma sintonia fina antropológico-filosófica,
quanto a este e outros temas. Para ambos a ética é, por princípio, indissociável
da moral. As duas coisas reúnem-se sob o conceito clássico de “virtude”.
Tanto a areté de Aristóteles quanto a virtus de Aquino estão intimamente
relacionados ao caráter ou realização plena do ser e, portanto, da felicidade
humana. Só mais recentemente é que ela é mais vista como “qualidade”
positiva individual.
De acordo com Keenan (1998) a chamada “ética das virtudes” se destaca pelo
tipo de pergunta que faz. Ao invés de levantar e discutir diretamente temas
controvertidos como a guerra, a manipulação genética, o aborto e outros, ela
pergunta pelo ser, a começar da questão fundamental: “quem sou eu”? Quão
virtuoso sou eu”? E “quão virtuoso eu devo me tornar?” Esta ética nos ajuda a
traçar objetivos e fins pessoais, que visam ao máximo de cada um, sua
excelência moral, que jamais é idêntica à do outro. Assim, a ética das virtudes
pressupõe que toda ação humana é moral, manifestando-se mais nas pequenas
ações e decisões cotidianas do homem comum, do que nos grandes feitos. É a
ação moral assim orientada que permite a convivência humana e a “comunhão
dos santos”, pois cada membro deste “corpo” tem a liberdade de ser
“infinitamente outro”, ao mesmo tempo em que é um com eles. De acordo
com o autor, aprudência ou sabedoria, uma das quatro virtudes cardeais, que
é bastante mal interpretada e ignorada hoje, é a virtude máxima, como o texto
de Pieper explicita tão bem. [1]
1. O máximo de si
Das diversas vertentes e formas de abordagem da ética existentes estaremos
aqui privilegiando a da ética clássica, que visa à máxima realização do ser
humano, ou o ultimum potentiae. Como esclarece Lauand, esta é “... uma
constante na grande tradição sapiencial do Ocidente e nas dos Orientes” [2] A
grande questão que ela coloca é: Qual a areté do homem?
Esta é a pergunta central da ética das virtudes, que se revela, assim com
grande potencial unificador e ladeador de diferenças culturais e também
religiosas, como pretendemos destacar aqui. C.S. Lewis (1997), da mesma
forma que Pieper, procurou formulá-la em Cristianismo Puro e
Simples (CPS) [3] . Esta obra que resultou de uma série de palestras
difundidas pela BBC de Londres na época da guerra para trazer esperança e
orientação moral à população. Ao invés de falar em “ética”, no sentido
teórico, Lewis discute, de forma prática, o que chama de “Lei da natureza
humana”, “Lei Moral” ou “regra do comportamento humano”: o conjunto de
valores que nos faz decidir sobre o certo e o errado. O pressuposto básico da
reflexão sobre “Deus e o mundo” pretendida por Lewis é que todos sabem que
devem ou não agir de determinadas formas e evitar outras, mas
desgraçadamente não conseguem seguir estes princípios básicos plenamente.
De uma maneira geral, o livro discute os pontos comuns e imprescindíveis,
comuns a todos os cristãos. Lewis procura, assim, destacar a obra redentora de
Deus em Cristo, reconhecido como Deus e homem, a um só tempo. Esta busca
pelo núcleo comum ou duro da fé cristã, com o qual todos os cristãos de todos
os tempos concordam, procurando manter distância de controvérsias
especulativas, é um traço característico de toda a obra lewisiana. Daí o “puro e
simples” ou “mero” do título desta obra. Não se trata de um ecumenismo
reducionista, idealista ou superficial, mas da busca pelas verdades mais
simples e universais que fundamentam a perspectiva e estilo de vida do
cristão.
Lewis lembra que o que distingue a visão cristã está muito relacionado à
imagem que se tem de Deus. É ela que nos dá o grau de liberdade que temos
para falar de religião:
Se você é um cristão, você não precisa crer que tudo nas demais religiões é
simplesmente errado. Se você é ateu, então sim, você tem de crer que o ponto
central de todas as religiões do mundo não passa de um enorme engano. Se
você é um cristão, você é livre para pensar que todas as demais religiões,
mesmo as mais excêntricas, contêm ao menos alguma alusão à verdade. [4]
Valendo-se muito dos clássicos da Idade Média, particularmente de Agostinho
e São Tomás, Lewis concebe Deus como alguém a um tempo inteligível, e
inescrutável ou indefinível. Não, por não ser definido, mas, pelo contrário, por
ser definitivo demais. Diz a Bíblia que Ele é o que é, e ponto. Enquanto a
razão humana se limita a assimilar as realidades inteligíveis e sistematizáveis,
a imaginação é o “órgão” que se encarrega do sentido mais profundo da
totalidade deste real, que transcende a razão. Sua função é, assim, a de
unificar os aspectos espirituais, racionais, emocionais e até materiais do
homem. Após explicitar os dogmas básicos do cristianismo, da criação, queda,
redenção e transcendência do bem em relação ao mal (o mundo é um
“território ocupado pelo inimigo”), Lewis compara os valores éticos a uma
orquestra ou frota de navios bem alinhada. Ou seja, a moral é a harmonização
das diferenças, visando algo de bom para todos.
A primeira das “virtudes cardeais”, a prudência, é definida como o bom
senso, a capacidade de pensar sobre a ação; de refletir e considerar as coisas.
Em suma, trata-se da inteligência ou sabedoria exigida de todo cristão - não
que ele necessitasse de algum “diploma” para tornar-se cristão. A segunda
virtude, a temperança não é a mera capacidade de abstenção dos “prazeres da
carne”. Trata-se antes da abstenção de qualquer prazer que possa escravizar e
homem, por mais aparentemente “inocente” que possa parecer. Também
a justiça é muitas vezes reduzida a um conceito simplista, no caso, do direito
ou da observância das leis, quando na verdade ela envolve uma série de outras
qualidades: “honestidade, reciprocidade, veracidade, fidelidade aos
compromissos, todo esse lado da vida”. [5] Finalmente, a fortaleza diz
respeito à coragem, ou disposição para encarar os desafios, mas também para
suportar a dor.
Por outro lado, nem todo aquele que pratica alguma destas virtudes pode ser
considerado já virtuoso ou pode ter certeza da sua salvação, pois:
A questão não é que Deus recusará a admissão em seu reino eterno de quem
não tenha certas qualidades de caráter; a questão é que, para quem não tiver
pelo menos os primórdios dessas qualidades no seu íntimo, não haverá então
condições externas possíveis que lhe façam um “Céu”, isto é, que lhe façam
feliz com a profunda, forte e inabalável espécie de felicidade que Deus quer
proporcionar. [6]
As outras duas partes da moral, a social e a sexual [7] consideradas pelo autor
estão ambas relacionadas com o amor, que é uma das três virtudes teologais,
junto com a fé e a esperança, analisados em capítulos separados. O tema do
amor merece especial destaque na obra de Lewis. Sua dissertação de
mestrado, A Alegoria do Amor (The Allegory of Love), foi dedicada
precisamente ao conceito de “amor cortês”, presente na literatura inglesa
medieval e renascentista. A outra obra, Os Quatro Amores, mais destinada a
cristãos leigos, é muito citada também no mundo secular, principalmente pela
discussão sobre a amizade. Este tema é igualmente discutido por Aristóteles,
como lembram alguns revisores. [8]
Em CPS, depois de tocar em assuntos delicados e difíceis como o perdão, o
casamento, o tempo e a trindade, Lewis conclui que os valores cristãos se
destacam de outros conjuntos de valores, porque não se reduzem a fórmulas
de como “ser bonzinho”. Eles nos remetem a um processo dialético de
transformação da vida; de realização efetiva da busca do bem; de perseguição
deste élan vital, que move todos os seres humanos rumo à felicidade eterna. O
que está em jogo é nada menos, do que a nossa rendição e regeneração total,
nossa metamorfose em “pequenos Cristos”.
Outro livro importante para compreendermos a ética de Lewis é A Abolição
do Homem (The Abolition of Man). Ele a inicia, fazendo uma crítica à
ao Green Book ou “Livro Verde” das virtudes, usado no passado para
“ensinar” ética para as crianças. Na verdade ele promovia um relativismo
moral velado. Usando argumentos e exemplos do mundo tecnológico de hoje
e da literatura de ficção, ele defende que querer “reinventar” os valores
morais, principalmente do passado, considerados “superados” ou criar valores
absolutamente novos seria fomentar a destruição da humanidade. [9] Ao final
ele traz um interessante quadro comparativo de máximas e provérbios das
mais variadas culturas e épocas, que se mostram perfeitamente compatíveis e
equivalentes, formando uma espécie de “Tao” re-significado pelo
cristianismo. Em que medida uma ética assim universal pode ser considerada
“protestante”?
2. A Ética da Reforma
Sem entrarmos no mérito das classificações mais recentes e detalhadas do
protestantismo, que incluem movimentos pós-Reforma, e apesar da
diversidade entre as vertentes do protestantismo, há uma unidade doutrinal
essencial muitas vezes desprezada entre eles. Para evidenciar isto, basta
destacar alguns dos “reformadores”, fundadores respectivamente da igreja
luterana e das reformadas, sem desmerecer as outras.
Como a palavra mesmo diz, “protestante” é alguém que se manifesta
efusivamente contra algo. Na verdade, entretanto, a palavra surgiu mais de
uma década depois dos famosos argumentos de Lutero contra a doutrina
praticada na época pela Igreja católica, que protestava contra a supremacia dos
direitos dos que se chamavam evangélicos e procurava distingui-los dos
“protestantes”.
Mas foi inevitável a associação posterior dos cristãos reformados aos
“protestantes”. Neste sentido de protesto, quem talvez tivesse mais bem
expressado o lado “protestante” da reforma, fosse Martinho Lutero (1483-
1546), que usava e abusava de recursos dramáticos e retóricos para dar vazão
ao seu protesto contra os equívocos teológicos do clero. Como se sabe, depois
de ingressar no nível superior, ele teve uma visão e decidiu-se pela vida
monástica, para a qual parecia ter nascido. Ele costumava dizer que, se a
dedicação à batina e à igreja salvasse, ele, sem dúvida, teria se salvado.
Acontece que ele tinha plena consciência da incapacidade do homem de
salvar-se a si mesmo, através de boas obras ou qualquer outra medida. Assim,
a justificação pela fé tornou-se a base da sua ética e um dos pilares da
Reforma. Para Lutero não há nada que seja válido ou existente em si mesmo.
Tudo depende da graça divina e a ela responde. O agir ético é precisamente
esta resposta livre e espontânea ao amor de Deus, símbolo da gratidão a ele
devida. Com isto ele refutava a ética do dever e da obrigação presente em
muitos seguimentos da Igreja, bem como a vida monástica, que se isola da
vida e do homem comum. Para Lutero, é preciso perder a sua ética em-si-
mesmada para conquistar a verdadeira.
Foi numa sessão de auto-flagelamento, muito comum na época para
purificação dos pecados, que ele se conscientizou do absurdo do que estava
cometendo. Após aprofundar-se nas Escrituras, por recomendação do seu
superior, coisa que não era muito comum ou simples de se fazer na época,
Lutero deu-se conta da falta de fundamento bíblico de outros dogmas
católicos também não coincidiam com elas. Então ele resolveu arrolar todas
estas discordâncias e torná-las públicas, pregando-as na porta do templo da
cidade. [10] Seus famosos 95 artigos de protesto denunciavam basicamente a
venda de indulgências e outros aspectos, relacionados ao “sistema penitencial”
como o purgatório e o perdão de pecados mediado pelo padre; entre outros.
Ele também chegou à conclusão, de que a hierarquia eclesiástica praticada
estava equivocada, manifestando-se efusivamente contra ela.
Longe de querermos entrar no mérito destas controvérsias, importa-nos
lembrar a forte influência tanto da Bíblia, quanto dos clássicos no pensamento
dos reformadores. Ao contrário da crítica usual de individualismo e
subjetivismo em Lutero, Reardon (1995) argumenta que os clássicos não lhe
permitiram entrar nesta “onda”, de fato existente na época, mas que era mais
associável aos humanistas. Lutero pode ser considerado antes personalista, ou
seja, acreditava em um Deus pessoal e na experiência religiosa interior. Ele se
encontrava bastante distante do humanismo de sua época e muito mais
próximo do pensamento patrístico, do que outros reformadores. Como se sabe,
os primeiros pensadores do cristianismo buscavam uma visão unificada,
extraindo do pensamento grego e romano, o que fosse compatível com a
Bíblia.
Lutero é considerado por muitos estudiosos quem melhor conseguiu
aproximar a doutrina católica dos ideais da Reforma, reconhecendo alguns
pontos em comum, principalmente nos seus pressupostos:
O cristianismo católico da mesma forma que o protestante sempre foram
inequivocamente supranaturalistas. Nenhum deles poderia ter interpretado o
evangelho em termos de um humanismo ativista, já que para ambos trata-se da
revelação do poder e propósito divinos. Sem Deus o homem na verdade não
teria como ter conhecimento da sua própria salvação, nem aqui, nem no por
vir. [11]
Embora não concordemos com a visão da maioria dos historiadores
protestantes, de Lutero como “revolucionário”, no sentido de mudança
deliberada, na verdade ele acabou provocando uma “revolução” na história.
Além das mencionadas teses, seu questionamento da visão monolítica da
Igreja Católica da época provocou uma abertura e valorização da diferença, da
liberdade de pensamento e da língua vernácula. Neste sentido ele pode de fato
ser considerado o fundador do protestantismo, um profeta e o mais
empenhado em convencer Roma dos princípios da Reforma. Sua intenção era
a de contribuir com a Igreja Católica e não a de a destruir. Ele costumava
dizer que se Roma não o tivesse impedido de cumprir a sua missão e, se não
fosse a Providência Divina, a Reforma não teria acontecido. De acordo com o
autor ainda, Lutero não foi um reformador político, mas um gênio da vida
religiosa, que preferia deixar a teologia sistemática para os outros. Ele apelava
para o homem comum e seus limites, numa linguagem clara e didática, que
chegava às vezes a ser considerada grotesca e rudimentar. Daí que ele já tenha
sido considerado o primeiro jornalista da história. “Meus professores”,
costumava dizer ele, “são a dona de casa e seu lar”. Ele era crítico também em
relação a certos humanistas do seu tempo, como Erasmo e Zwinglio, por sua
tentativa de desvendar todos os mistérios acerca de Deus e da religião.
Suas doutrinas mais caras, a da justificação, da trindade e da predestinação,
permaneceram atreladas a Agostinho e ao pensamento medieval por toda a sua
vida. A santificação é o processo de transformação do cristão em santo, em
um pequeno Cristo, o que só pode ser produzido pelas virtudes teologais,
conceito presente também em São Tomás.
Além da mencionada perspectiva sobrenaturalista, que subordina o natural ao
divino e não, ao controle humano, católicos e protestantes têm em comum, a
centralização na soberania de um Deus triuno e pessoal, que se revela,
principalmente através da Bíblia, na igreja e nos sacramentos, embora com
prioridades diferentes. Estes pontos em comum pesaram muito no diálogo
posterior entre católicos e protestantes.
Com ajuda de seu amigo Melancton, educador assumido, ele ajudou a
organizar o sistema educacional alemão, que forma a sua base até hoje,
naquelas cidades que adotaram o protestantismo oficialmente. Desta maneira,
ele introduziu um modelo de ensinoconfessional e ao mesmo tempo, público e
gratuito, pelo menos naqueles Estados que abraçaram o protestantismo
oficialmente. Não é para menos que este país também se tornou o berço de
pensadores fundamentais para a educação como Froebel (1782-1852), Herbart
(1776-1841) e Francke (1663-1727), entre outros. Se abrirmos o leque para a
Europa toda, não poderemos deixar de mencionar o mal compreendido João
Amos Comênius, que foi pastor protestante, Pestalozzi, e tantos outros
educadores protestantes fundamentais.
Outro traço comum a católicos e protestantes em geral é a autocrítica, a partir
da literatura “pagã” e do legado da igreja primitiva. João Calvino (1509-
1564) é um exemplo disso. Ele iniciou os seus estudos clássicos em Paris, mas
acabou se formando em direito, por imposição do pai, em Orleans e Burges.
Nunca chegou a exercer oficialmente a profissão, que resolveu abandonar para
voltar a dedicar-se aos clássicos, após a morte dele. Depois da uma
“conversão súbita”, passou a estudar teologia na Universidade de Paris. Mas
acabou sendo expulso da cidade, voltando bem mais tarde.
Tudo leva a crer, porém que ara Calvino, “reformar” significa em última
instância, “repensar”, “reavaliar”, “atualizar” aqueles aspectos da teologia que
tendiam ao esquecimento e embotamento em sua época. Embora esta intenção
possa parecer “denunciatória”, “pessimista” ou escandalosa para alguns, seu
fim último era a “reconstrução” ou “resgate” de valores ameaçados já de
extinção. Assim, a visão de mundo protestante é motivada, antes de tudo, pelo
sentimento de gratidão e vontade de servir a Deus e ao próximo como resposta
ao dom da graça. Trata-se, então, muito mais de um corretivo, do que de uma
“revolução” religiosa.
Além de Lutero, outra influência forte sobre Calvino foi Martinho Bucer,
conhecido por suas idéias ecumênicas, moderação, equilíbrio e espírito
pacífico. Suas idéias inspiraram alguns conflitos de Calvino com as
autoridades civis, como em relação aos assuntos morais e religiosos, que para
Calvino deviam ser tratados exclusivamente pela Igreja. Ele defendia ainda
que o Estado não deveria mais ser obrigado a prestar contas à Igreja. Esta por
sua vez, deveria gozar de liberdade total. À semelhança de Agostinho, para
Calvino a Igreja diz respeito à Cidade de Deus, enquanto o Estado não passa
de um representante temporal do poder, que, em última instância, também
procede de Deus. No caso extremo do poder ultrapassa os limites da liberdade
humana, é dever dos cristãos reagir, para não se tornarem coniventes. Estas e
outras idéias fizeram com que Calvino fosse expulso da cidade de Genebra.
Em Estrasburgo onde ficou exilado, escreveu várias obras importantes. Nesta
época ele participou como consultor de encontros teológicos na Alemanha,
que visavam reaproximar protestantes e católicos. Depois de alguns convites
dos líderes de Genebra, ele acabou voltando para a cidade, que já era
oficialmente protestante, graças, em parte, ao incentivo dos seus amigos, que
o consideravam missionário para aquela cidade.
Uma das suas primeiras medidas foi elaborar as “ordenanças eclesiásticas”,
pelas quais eram estabelecidos quatro ofícios na igreja: pastor, mestre ou
doutor, presbítero e diácono. Sua ética “concreta” ou prática, considerava os
aspectos sociais e econômicos da época, fomentando a articulação entre teoria
bíblica e prática. [12]
Calvino também influenciou a cidade no aspecto civil, introduzindo leis que
não versassem somente sobre deveres, mas também falassem de direitos, além
de instituir o ensino público obrigatório e leis de higiene e ética profissional,
trazendo certo civismo para a cidade. Com sua diplomacia ele acabou se
tornando a pessoa mais procurada para resolver todo o tipo de problemas
civis. Ele também lutava pela abertura de uma escola ao lado de cada igreja
protestante, articulando fortemente a formação de valores éticos à educação
cristã, mas também à formação cultural. Por este e outros motivos, Genebra
passou assim a ser conhecida como a “cidade de Calvino”.
Na famosa Academia de Genebra fundada por ele em 1559, desenvolveu um
programa de ensino unificado de nível primário, secundário e universitário.
Com isto ele provava o “óbvio não dito” [13] que para ele representava a
educação.Em 25 de dezembro do mesmo ano, ele recebeu o título de cidadão
da cidade. No ano da sua morte (1564), a Academia contava com 1200 alunos
universitários, além de 300 alunos de outros cursos.
Assim, ele alcançou muito mais do que o seu objetivo quase impossível de
reformar toda a cidade. Suas idéias contagiaram também franceses, e ingleses
residentes em Genebra, que por sua vez as levaram para os seus respectivos
países.
Há sem dúvida elementos capitalistas neste “espírito protestante”, como
destacava Weber, referindo-se à Europa da época, mas que valeriam
perfeitamente para os Estados Unidos e outros países “protestantes” de hoje:
pragmatismo, simplicidade, acúmulo de riquezas, devoção metódica ao
trabalho, racionalismo, individualismo, visão do lucro como bênção divina.
Mas isto não invalida as contribuições deste “espírito” para a época.
A história de Calvino revela, assim, implícita no seu pensamento, uma
proposta educacional holística que visava à formação de bons cidadãos,
capacitados intelectual e profissionalmente, além de bons ministros da Igreja.
Embora o seu objetivo maior tivesse sido a formação de pastores e líderes
para servir melhor à igreja e à sociedade. A Academia de Genebra admitia
alunos interessados em se aperfeiçoar nos estudos clássicos, que Calvino
sempre apreciou. Para ele “a formação mental e a religião, a cultura e a
moralidade andavam de mão dadas”. [14] Quem sabe seja por este motivo que
o calvinismo tenha sido mais bem compreendido pela Igreja Católica, do que
por qualquer outro movimento reformado, tornando-se o seu “melhor
oponente”.
Daí que a escola tenha procurado sempre seguir um currículo das “artes
liberais”, muito semelhante ao praticado pelas escolas antigas e universidades
medievais. Os níveis eram divididos em básico (Escola Privada) e superior
(Escola Pública).
Segundo a visão de Calvino, todo homem, criado à imagem e semelhança de
Deus tem embutido em si, a “semente da religião” [15] , muito ligada à
aquisição do conhecimento. De acordo com as Institutas, em princípio, todos
são capazes de aprender qualquer coisa, religiosa ou não, independente das
diferenças econômicas, sociais, religiosas, etc. Acontece que o homem só
chega ao conhecimento, se antes se confrontar com o conhecimento de Deus,
que o conscientiza da sua limitação e necessidade de estudo. A tarefa do
educador é desenvolver as faculdades humanas de forma equilibrada [16] ,
com vistas à restauração da imagem de Deus através da obra redentora de
Cristo e regeneradora do Espírito Santo. Assim, a teologia é considerada
a Rainha das Ciências. Mas este privilegiado posto, que vinha mantendo
desde a Antigüidade, viria a ser totalmente perdido, com a declaração da
independência da razão humana pelo movimento iluminista, positivista e
naturalista. Para Calvino, a ciência, que resulta da revelação geral de Deus,
não é antagônica à fé, mas até meio auxiliar para um melhor conhecimento
dEle, de si e do próximo.
Ele levava tão a sério os valores reformados que provocou uma verdadeira
revolução no sistema de ensino da época e na cidade como um todo. Seus
alunos de Genebra chegaram a ser comparados aos “doutores da
Sorbonne” [17] . “Eles aprendiam a avaliar criticamente as idéias lidas e
expostas nas aulas” [18] , o que servia de alimento a novos debates teológicos,
lembrando muito asquaestio disputata da Escolástica. A única restrição à
liberdade de idéias era a finalidade última de glorificar a Deus, do contrário
todo e qualquer conhecimento humano poderia tornar-se vão.
A Academia de Genebra foi se tornando, assim, além de centro de excelência
acadêmica, como a própria cidade vinha sendo, lugar de refúgio dos
perseguidos e de fomento da democracia e da representatividade do governo.
Para ele, embora Lutero e Calvino tenham trilhado caminhos diferentes,
chegaram ao mesmo lugar: somente a graça, a fé e as Escrituras podem levar a
Deus. Ambos tinham toda a liberdade de se valer dos recursos seculares para o
estudo da Bíblia, ainda que não de forma acrítica. Ambos desprezavam um
excessivo apego a provas racionais, valorizando o papel do Espírito Santo
como “confirmador” interno da verdade e da salvação. Calvino chegou a ser
chamado de “teólogo do Espírito Santo”, pois segundo ele, sua função era a de
renovar, alimentar, proteger e unificar a Igreja com vistas à glória de Deus,
que a todos quer salvar.
Além de suas confissões doutrinárias, os “calvinistas” de todo o mundo
passaram a defender o governo constitucional e representativo, o direito do
povo à mudança de governo e a separação entre poder civil e Igreja,
inicialmente limitados à aristocracia, mas posteriormente universalizados.
Calvino entrou para a história como o reformador mais preocupado e
empenhado em defender a ética cristã e social e evangelizar o mundo, pois
acreditava, como Agostinho, que ninguém sabe quem são os
“eleitos”. [19] Temos assim, mais um ponto em comum na ética católica e
protestante.
Muito bem, pode estar pensando meu interlocutor, tudo isto é história lá para
os Europeus, mas o que nós temos a ver com isto, que somos um país
majoritariamente católico?
Talvez fosse interessante notar, neste sentido, que até os protestantes já se
fizeram esta pergunta no passado: para quê enviar missionários para os países
latino-americanos, que são notadamente católicos? Tanto católicos quanto
protestantes Europeus falam de condições muito diferentes das nossas. Na
verdade nós nunca vivemos o que foi a Reforma no seu sentido original.
Assim, grande parte do que nos ficou legado do protestantismo foi
devidamente “filtrado” pelo messianismo e moralismo das igrejas eletrônicas
americanas.
Por outro lado, consciente ou inconscientemente, educadores respeitados
como Euclides da Cunha, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, mostravam
claras influências deste pensamento, via Dewey e contatos feitos na Europa.
Estes pensadores perceberam que não é nada saudável e até perigoso fechar-se
para as outras culturas, quer sejam americanas, européias, africanas, não
importa. Eles notaram que era preciso dar voz a diferentes visões de mundo e
culturas, inclusive para melhor nos identificarmos com a nossa. Não temos
razões para preconceito contra as fábulas e lendas indígenas, da mesma forma
como não devemos nos fechar para a mitologia grega e para os contos-de-fada
e mitos europeus e nem mesmo para as versões “comportadas” de Disney.
Então, por que não considerar o pensamento da Reforma, o que não significa
já nos tornar Reformados.
Longe de termos pretendido aqui reduzir a questão da ética protestante aos
aspectos culturais e de querer dar conta de sua extensão religiosa e teológica,
sobre a qual já existe literatura suficiente e competente, gostaríamos de apelar
para um recurso que consideramos o melhor que há para enfrentar questões
aparentemente inesgotáveis: a imaginação.
Imaginemos um mundo em que todas as igrejas cristãs fossem iguais. Mesma
liturgia, mesma tradição histórica, virtudes idênticas e problemas idênticos.
Não seriam extremamente monótonas e mortas? Os cristãos não acabariam
tornando-se seres exatamente contrários ao que Cristo propôs: massificados,
sem criatividade ou liberdade? Não me refiro ao corpo de Cristo vivo reunido,
previsto e prometido na Bíblia, e também chamado de “noiva” de Cristo. Há,
no senso comum, uma freqüente confusão entre “identidade” e “unidade” ou
harmonia, sem negação das diferenças. Confusão esta que devemos à
dificuldade do homem moderno de ponderar e harmonizar as diferenças e à
visão fragmentária, viciosa ou viciante, criadora de infinitos “ciclos viciosos”.
Felizmente Deus foi tão feliz e perfeito em imprimir a sua imagem no homem,
que nenhum diabo tem o poder de exterminá-la totalmente. Por que existem
tantas igrejas e tendências religiosas? Por causa de Deus é que não!
Em suma, a ética protestante, considerada como parte da ética cristã mais
ampla é a dos valores do não-conformismo-re(con)formante; da crítica
reflexiva, mas também da re-construção de pontes ladeadoras de diferenças.
Ela é muito bem conceituada por outro reformado, Paul Ricoeur, que propõe
com seu “círculo hermenêutico”, a “desmitificação” as coisas, com vistas ao
retorno às suas de raízes mais profundas, comuns a todos os cristãos.
Considerações Finais
A própria conversão de Lewis ao protestantismo é um exemplo da cooperação
possível entre católicos e protestantes. Por ironia ou não, um católico romano
teve um papel fundamental neste processo. Este seu colega de Oxford, J.R.R.
Tolkien (1892-1973) havia se “convertido” anos antes de um lar protestante
para o catolicismo, seguindo os passos da sua falecida mãe. Este “papista”,
como Lewis o chamava no seu diário, quando o conheceu, viria a tornar-se o
seu maior amigo. Quem sabe não foram estas “coincidências” que o levaram a
dedicar grande parte de sua vida e obra ao que os cristãos têm em comum.
Apesar das convincentes razões pessoais e culturais que apresentava
ocasionalmente para a sua adesão à Reforma, um dos posicionamentos mais
característicos do pensamento de Lewis, quanto a tais assuntos era o de não
perder tempo ou deixar-se distrair por detalhes e questões inescrutáveis. Não é
para menos que é esta precisamente a estratégia de Screwtape em Cartas de
um Diabo a seu Aprendiz: distrair o “paciente” humano do que realmente
importa: as coisas que unificam as diferentes histórias, gostos e missões de
cristão individual. Daí que Lewis descrevesse a experiência de conversão,
como a de quem se vê em uma espécie de “ante-sala” ou sala de espera das
denominações. Somente a vocação divina mostrará a que vertente do
cristianismo cada um acabará aderindo, ou em qual cômodo se instalará.
Por outro lado, este foco no comum, não impedia que Lewis, à semelhança de
Lutero ou Agostinho, pudesse ser igualmente firme na sua crítica contra as
heresias que andavam soltas na sua época. Eles também reconheciam a
literatura e a educação como as melhores vias para manifestação do seu
protesto. Não é para menos ou por acaso certamente que grande parte das
sentenças de Lutero comecem por “é preciso ensinar aos cristãos que...”.
Longe de querermos denegrir católicos praticantes e honestos ou protestantes
brasileiros, especialmente o que procuram ser fiéis aos princípios da Reforma,
preocupam-nos aqueles que se afastam perigosamente do “mero cristianismo”
proposto por Lewis e seu fundamento claramente bíblico, tanto para o lado do
fundamentalismo, quanto do fanatismo religioso.
Mas o que mais precisamente significa ser protestante, além de ser um “eterno
aprendiz" dos princípios da Bíblia, como fonte de autoridade doutrinal e
libertação para a glorificação de Cristo?
Como destacado acima, infelizmente, o chamado “fanatismo” [20] é um
fenômeno individual ou coletivo que pode ocorrer em qualquer religião, mais
ou menos facilmente, e em qualquer momento da vida. Na “cidade dos
homens” vive-se numa verdadeira “miscelânea” de tendências, pensamentos,
etc. Somos convidados, assim, ao discernimento, sabedoria ou prudência,
como já mencionado anteriormente, ao invés de nos deixar intimidar e invadir
pelo medo, que leva ao fanatismo ou ao agnosticismo.
Não foi certamente o medo que moveu o movimento e a visão protestante,
visto muitos mártires provaram sua fé com sangue, à semelhança dos
primeiros cristãos da história, em que se inspiravam.
Os que os inspirou, antes, foi a necessidade de repensar certas práticas e
doutrinas predominantes na Igreja, voltando a harmonizá-las com as
Escrituras. Não é certamente por acaso que desde o início de CPS, Lewis
deixa bem clara esta sua visão dos valores unificadores do cristianismo,
também fomentados pelos Reformadores, embora ou precisamente porque
estivessem já bastante esquecidos:
Quero advertir o leitor de que não é o meu objetivo oferecer ajuda a quem
esteja hesitando entre duas “denominações” cristãs. Não lhe direi se deve ser
anglicano, batista, católico-romano, metodista ou presbiteriano... A omissão é
intencional... Não há mistério sobre a minha própria posição. Sou um leigo
comum da Igreja da Inglaterra, nem particularmente da ala da `alta´, nem da
`baixa´, nem de qualquer outra. [21]
Esta é igualmente a nossa advertência neste artigo, focado nos valores éticos
do protestantismo, que, a nosso ver, buscou a atualização dos valores comuns
às várias vertentes do cristianismo. Quem sabe, o protestantismo não necessite
hoje de uma revisão crítica semelhante. Como bem lembra Mehl (1968), não
há modelos de comportamento prontos na Bíblia. Para além das diferenças de
ênfase, a busca por uma visão de homem e seu destino, ou seja, por um
a antropologia filosófica, unifica todos os cristãos em torno dos grandes
valores fraternalmente compartilhados. É esta pergunta pela arete do homem
que, a nosso ver, dá sentido aos valores cristãos, que mobilizam cristãos de
todas as vertentes para o cumprimento de sua missão transcultural e
transcendente neste mundo.
Referências Bibliográficas
CALVINO, João, As Institutas da Fé Cristã, São Paulo: Publicações
Evangélicas Selecionadas, 1984.
Campos, Heber Carlos de. “A filosofia educacional de Calvino e a fundação
da Academia de Genebra”, Fides Reformata, V, n1, 2000.
GREGGERSEN, Gabriele, “Perspectivas Educacionais de João Calvino”,
em Fides Reformata, São Paulo: Editora Mackenzie, V, VII, n. 2, 2002.
HUERTA, Daniel Mansuy, “La Amistad”, disponível
em http://www.duoc.cl/etica/mat_apoyo/general/amistad.html, acesso em
30.06.2003.
KEENAN, James F. “Virtue Ethics”, em HOOSE, Bernard (ed.) Christian
Ethics, Collegeville (Minnesota): Liturgical Press, 1998.
LAUAND, Luiz Jean, “A Unidade da Idéia de Homem em Diferentes
Culturas” , disponível em http://www.hottopos.com/seminario/sem2/jean.htm,
atualizado em 18.04.2002, acesso em 01.07.2003.
___, “Religião e Liberdade – a `Revanche de Deus´, Neo-Maniqueísmo e
Fanatismo Religioso”, disponível
emhttp://www.hottopos.com/mirand14/jean.htm, acesso em 01.07.2003.
LEWIS, C.S., Cristianismo Puro e Simples, 5a ed., São Paulo: ABU, 1997.
___, Till we have Faces, A Myth Retold London: Bles, 1956; rpt. Grand
Rapids, MI: Eerdmans, 1966.
___, The Allegory of Love, Oxford: Clarendon Press, 1936.
____, Os Quatro Amores, 2a. ed., São Paulo: Mundo Cristão, 1986.
____, The Abolition of Men, New York: Mac Millan, 1955.
____, Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, trad. Mateus S. S. Azevedo,
Petrópolis: Vozes, 1996.
MEHL, Roger, Catholic Ethics and Protestant Ethics, Philadelphia:
Westminster Press, 1968.
PIEPER, Josef, “Estar certo como Homem – as virtudes cardeais”, disponível
em http://www.hottopos.com.br/videtur11/estcert.htm, atualizado em
24.02.2001, acesso em 01.09.2003.
REARDON, Bernard M.G. Religious Thought in the Reformation, 2ª ed., New
York: Longman, 1995.
RICOEUR, Paul, O Conflito das Interpretações, Rio de Janeiro: Imago, 1978.
SILVESTRE, Armando Araújo, “Calvino e o Direito de Resistir ao
Estado”, Fides Reformata, São Paulo: Editora Mackenzie, V, VII, n. 2, 2002.
SKINNER, B.F., Beyond Freedom and Dignity New York : Alfred A. Knopf ,
1972.
* Docente do Programa de Mestrado em Teologia do Centro de Pós-
Graduação Andrew Jumper (CPAJ) e do curso de filosofia da Universidade
Presbiteriana Mackenzie e pós-doutoranda do Instituto de Pesquisas
Avançadas da USP (IEA). Autora de Antropologia Filosófica de C.S. Lewis,
São Paulo: Editora Mackenzie, 2001.
[1] Pieper, Josef, “Estar certo como Homem – as virtudes cardeais”,
disponível em http://www.hottopos.com.br/videtur11/estcert.htm, atualizado
em 24.02.2001, acesso em 01.09.2003.
[2] Lauand, Luiz Jean, “A Unidade da Idéia de Homem em Diferentes
Culturas” , disponível em http://www.hottopos.com/seminario/sem2/jean.htm
, atualizado em 18.04.2002, acesso em 01.07.2003.
[3] Lewis, C.S., Cristianismo Puro e Simples, 5a ed., São Paulo: ABU, 1997,
19. Esta obra foi traduzida por Mero Cristianismo, posteriormente pela editora
Quadrante.
[4] Ibidem, p. 19. Interessante notar que Lutero disse algo muito semelhante,
como veremos, e que estas alusões foram traduzidas como “inklings” para o
inglês, nome dado ao clube fundado por Lewis e seu amigo e colega de
Oxford J.R.R. Tolkien.
[5] Ibidem, p. 44.
[6] Ibidem, p. 44.
[7] O amor erótico e o amor a si mesmo são temas claramente visíveis em Até
que tenhamos Faces (Till we have Faces), que Lewis escreveu em
homenagem à esposa. Trata-se do mito de Eros, recontado, sob outra
perspectiva.
[8] Ver quanto a isto interessante artigo de Huerta, Daniel Mansuy, “La
Amistad”, disponível
emhttp://www.duoc.cl/etica/mat_apoyo/general/amistad.html, acesso em
30.06.2003.
[9] Não é por coincidência então que Skinner faz uma crítica contundente a
este livro de Lewis em Muito Além da Liberdade e Dignidade (Beyond
Freedom and Dignity), em que ele defende que o homem não tem
necessidade desta tal “liberdade” e “dignidade” que o cristianismo lhe atribui.
Todas estas coisas seriam obsoletas no mundo por vir, controlado pela ciência,
em que o homem declararia a sua independência definitiva da religião.
[10] Há controvérsias, se foi na porta, na parede ou se elas foram distribuídas
por escrito.
[11] Reardon, Bernard M.G. Religious Thought in the Reformation, 2ª ed.,
New York: Longman, 1995, xii, (traduzido pela autora).
[12] De acordo com Mehl (1968) e tantos outros autores posteriores a ele, é a
ética social que une católicos e protestantes até hoje. De nossa parte,
acreditamos que Lewis descobriu um veio mais profundo, com sua “Lei
moral”, que para o autor é precisamente o pomo da discórdia entre a moral
católica e a protestante.
[13] Vide quanto a isto Greggersen, Gabriele, “Perspectivas Educacionais de
João Calvino”, em Fides Reformata, São Paulo: Editora Mackenzie, V, VII, n.
2, 2002.
[14] Reardon, 1995, 152.
[15] Calvino, apud Heber Carlos de Campos, “A filosofia educacional de
Calvino e a fundação da Academia de Genebra”, Fides Reformata, V, n1,
2000, 46.
[16] Campos, idem, 46.
[17] Macneill, John T., apud Campos, idem., 49.
[18] Ibid.
[19] Como se sabe, esta idéia é muito forte também em A Cidade de Deus:
nem os anjos, diz Agostinho, sabem quem é cidadão da Cidade de Deus.
[20] Ver quanto a isto, artigo extremamente esclarecedor de Lauand, Jean ,
“Religião e Liberdade – a `Revanche de Deus´, Neo-Maniqueísmo e
Fanatismo Religioso”, disponível
em http://www.hottopos.com/mirand14/jean.htm, acesso em 01.07.2003.
[21] Lewis, C.S., op cit, 1997, i.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Espiritualidade fundamental / [Aldir Crocoli]
Espiritualidade fundamental / [Aldir Crocoli]Espiritualidade fundamental / [Aldir Crocoli]
Espiritualidade fundamental / [Aldir Crocoli]Eugenio Hansen, OFS
 
Filosofia e religião 31.07.14
Filosofia e religião   31.07.14Filosofia e religião   31.07.14
Filosofia e religião 31.07.14Ev Lourival Santos
 
Resenha fundamentos da teologia prática
Resenha fundamentos da teologia práticaResenha fundamentos da teologia prática
Resenha fundamentos da teologia práticaJean Francesco
 
Ética na religião
Ética na religiãoÉtica na religião
Ética na religiãoThais_Sccp
 
A Relação entre o Homem e a Religião
A Relação entre o Homem e a ReligiãoA Relação entre o Homem e a Religião
A Relação entre o Homem e a Religiãocomplementoindirecto
 
A religião. Trabalho realizado pelos alunos António Fernandes, Diogo Mendonça...
A religião. Trabalho realizado pelos alunos António Fernandes, Diogo Mendonça...A religião. Trabalho realizado pelos alunos António Fernandes, Diogo Mendonça...
A religião. Trabalho realizado pelos alunos António Fernandes, Diogo Mendonça...Helena Serrão
 
RICHARD DAWKINS: Neodarwinismo, Ateísmo e Religião, 1976-2006 (Ricardo Olivei...
RICHARD DAWKINS: Neodarwinismo, Ateísmo e Religião, 1976-2006 (Ricardo Olivei...RICHARD DAWKINS: Neodarwinismo, Ateísmo e Religião, 1976-2006 (Ricardo Olivei...
RICHARD DAWKINS: Neodarwinismo, Ateísmo e Religião, 1976-2006 (Ricardo Olivei...Jerbialdo
 
História da teologia
História da teologiaHistória da teologia
História da teologiaugleybson
 
Aulas de Disciplina: "História do Ateísmo"
Aulas de Disciplina: "História do Ateísmo"Aulas de Disciplina: "História do Ateísmo"
Aulas de Disciplina: "História do Ateísmo"Jerbialdo
 
Arminianismo e metodismo josé goncalves salvador
Arminianismo e metodismo   josé goncalves salvadorArminianismo e metodismo   josé goncalves salvador
Arminianismo e metodismo josé goncalves salvadorDouglas Martins
 
Introdução à Filosofia da Religião
Introdução à Filosofia da ReligiãoIntrodução à Filosofia da Religião
Introdução à Filosofia da ReligiãoCursoDeFerias
 

Mais procurados (20)

Espiritualidade fundamental / [Aldir Crocoli]
Espiritualidade fundamental / [Aldir Crocoli]Espiritualidade fundamental / [Aldir Crocoli]
Espiritualidade fundamental / [Aldir Crocoli]
 
Filosofia e religião 31.07.14
Filosofia e religião   31.07.14Filosofia e religião   31.07.14
Filosofia e religião 31.07.14
 
Resenha fundamentos da teologia prática
Resenha fundamentos da teologia práticaResenha fundamentos da teologia prática
Resenha fundamentos da teologia prática
 
éTica cristã 2010.2 puc-rio
éTica cristã 2010.2 puc-rioéTica cristã 2010.2 puc-rio
éTica cristã 2010.2 puc-rio
 
Liberalismo Teológico
Liberalismo TeológicoLiberalismo Teológico
Liberalismo Teológico
 
Introdução
IntroduçãoIntrodução
Introdução
 
Ética e Teologia
Ética e TeologiaÉtica e Teologia
Ética e Teologia
 
Ética na religião
Ética na religiãoÉtica na religião
Ética na religião
 
A Relação entre o Homem e a Religião
A Relação entre o Homem e a ReligiãoA Relação entre o Homem e a Religião
A Relação entre o Homem e a Religião
 
Teologia contemporanea
Teologia contemporaneaTeologia contemporanea
Teologia contemporanea
 
A religião. Trabalho realizado pelos alunos António Fernandes, Diogo Mendonça...
A religião. Trabalho realizado pelos alunos António Fernandes, Diogo Mendonça...A religião. Trabalho realizado pelos alunos António Fernandes, Diogo Mendonça...
A religião. Trabalho realizado pelos alunos António Fernandes, Diogo Mendonça...
 
ÉTica cristã aula 01
ÉTica cristã aula 01ÉTica cristã aula 01
ÉTica cristã aula 01
 
RICHARD DAWKINS: Neodarwinismo, Ateísmo e Religião, 1976-2006 (Ricardo Olivei...
RICHARD DAWKINS: Neodarwinismo, Ateísmo e Religião, 1976-2006 (Ricardo Olivei...RICHARD DAWKINS: Neodarwinismo, Ateísmo e Religião, 1976-2006 (Ricardo Olivei...
RICHARD DAWKINS: Neodarwinismo, Ateísmo e Religião, 1976-2006 (Ricardo Olivei...
 
História da teologia
História da teologiaHistória da teologia
História da teologia
 
FILOSOFIA DA RELIGIÃO - [PAINE, Scott Randall]
FILOSOFIA DA RELIGIÃO - [PAINE, Scott Randall]FILOSOFIA DA RELIGIÃO - [PAINE, Scott Randall]
FILOSOFIA DA RELIGIÃO - [PAINE, Scott Randall]
 
Aulas de Disciplina: "História do Ateísmo"
Aulas de Disciplina: "História do Ateísmo"Aulas de Disciplina: "História do Ateísmo"
Aulas de Disciplina: "História do Ateísmo"
 
25
2525
25
 
Intro a teo(td_l e mi)
Intro a teo(td_l e mi)Intro a teo(td_l e mi)
Intro a teo(td_l e mi)
 
Arminianismo e metodismo josé goncalves salvador
Arminianismo e metodismo   josé goncalves salvadorArminianismo e metodismo   josé goncalves salvador
Arminianismo e metodismo josé goncalves salvador
 
Introdução à Filosofia da Religião
Introdução à Filosofia da ReligiãoIntrodução à Filosofia da Religião
Introdução à Filosofia da Religião
 

Destaque

Texto27 P7
Texto27 P7Texto27 P7
Texto27 P7renatotf
 
Reuniao etica
Reuniao eticaReuniao etica
Reuniao eticaheliane
 
090603 união da alma ao corpo-fac morais e intelectuais–livro ii, cap 7
090603 união da alma ao corpo-fac morais e intelectuais–livro ii, cap 7090603 união da alma ao corpo-fac morais e intelectuais–livro ii, cap 7
090603 união da alma ao corpo-fac morais e intelectuais–livro ii, cap 7Carlos Alberto Freire De Souza
 
Apoio cp5 a_b
Apoio cp5 a_bApoio cp5 a_b
Apoio cp5 a_bprofisa70
 
Lição 10 - Deveres Civis, Morais e Espirituais
Lição 10 - Deveres Civis, Morais e EspirituaisLição 10 - Deveres Civis, Morais e Espirituais
Lição 10 - Deveres Civis, Morais e EspirituaisErberson Pinheiro
 
Romanos lição 2 - Desvios morais - ontem e hoje
Romanos lição 2 - Desvios morais - ontem e hojeRomanos lição 2 - Desvios morais - ontem e hoje
Romanos lição 2 - Desvios morais - ontem e hojeCleide Corrêa
 
A ética da finalidade
A ética da finalidadeA ética da finalidade
A ética da finalidadeKarol Lima
 
Leis morais (geral e trabalho, reprodução)
Leis morais  (geral e trabalho, reprodução)Leis morais  (geral e trabalho, reprodução)
Leis morais (geral e trabalho, reprodução)grupodepaisceb
 
Serão os valores morais relativos?
Serão os valores morais relativos?Serão os valores morais relativos?
Serão os valores morais relativos?Helena Serrão
 
Espiritualidade e saúde (fatima)
Espiritualidade e saúde (fatima)Espiritualidade e saúde (fatima)
Espiritualidade e saúde (fatima)Fatima Carvalho
 

Destaque (15)

Texto27 P7
Texto27 P7Texto27 P7
Texto27 P7
 
éTica
éTicaéTica
éTica
 
Perguntas Essenciais
Perguntas EssenciaisPerguntas Essenciais
Perguntas Essenciais
 
Aprendi
AprendiAprendi
Aprendi
 
Reuniao etica
Reuniao eticaReuniao etica
Reuniao etica
 
090603 união da alma ao corpo-fac morais e intelectuais–livro ii, cap 7
090603 união da alma ao corpo-fac morais e intelectuais–livro ii, cap 7090603 união da alma ao corpo-fac morais e intelectuais–livro ii, cap 7
090603 união da alma ao corpo-fac morais e intelectuais–livro ii, cap 7
 
Inclusão
InclusãoInclusão
Inclusão
 
Apoio cp5 a_b
Apoio cp5 a_bApoio cp5 a_b
Apoio cp5 a_b
 
Lição 10 - Deveres Civis, Morais e Espirituais
Lição 10 - Deveres Civis, Morais e EspirituaisLição 10 - Deveres Civis, Morais e Espirituais
Lição 10 - Deveres Civis, Morais e Espirituais
 
Romanos lição 2 - Desvios morais - ontem e hoje
Romanos lição 2 - Desvios morais - ontem e hojeRomanos lição 2 - Desvios morais - ontem e hoje
Romanos lição 2 - Desvios morais - ontem e hoje
 
A ética da finalidade
A ética da finalidadeA ética da finalidade
A ética da finalidade
 
Leis morais (geral e trabalho, reprodução)
Leis morais  (geral e trabalho, reprodução)Leis morais  (geral e trabalho, reprodução)
Leis morais (geral e trabalho, reprodução)
 
Serão os valores morais relativos?
Serão os valores morais relativos?Serão os valores morais relativos?
Serão os valores morais relativos?
 
Espiritualidade e saúde (fatima)
Espiritualidade e saúde (fatima)Espiritualidade e saúde (fatima)
Espiritualidade e saúde (fatima)
 
ETICA
ETICAETICA
ETICA
 

Semelhante a O protestantismo e os valores éticos

Hermenêutica dos textos religiosos
Hermenêutica dos textos religiososHermenêutica dos textos religiosos
Hermenêutica dos textos religiososJoão Pereira
 
Artigo Romanos e Teologia de Paulo - N.T. Wright
Artigo   Romanos e Teologia de Paulo - N.T. WrightArtigo   Romanos e Teologia de Paulo - N.T. Wright
Artigo Romanos e Teologia de Paulo - N.T. WrightDouglas Martins
 
Artigo romanos teologia de paulo - n.t. wright
Artigo   romanos teologia de paulo - n.t. wrightArtigo   romanos teologia de paulo - n.t. wright
Artigo romanos teologia de paulo - n.t. wrightDouglas Martins
 
TRABALHO DE FILOSOFIA 3º A
TRABALHO DE FILOSOFIA 3º A TRABALHO DE FILOSOFIA 3º A
TRABALHO DE FILOSOFIA 3º A Josilene Braga
 
Filosofiamedieval 130322112129-phpapp02
Filosofiamedieval 130322112129-phpapp02Filosofiamedieval 130322112129-phpapp02
Filosofiamedieval 130322112129-phpapp02Thais Madureira
 
Artigo: modelo conflitual
Artigo: modelo conflitualArtigo: modelo conflitual
Artigo: modelo conflitualIsrael serique
 
A visão transformadora walsh e middleton
A visão transformadora walsh e middletonA visão transformadora walsh e middleton
A visão transformadora walsh e middletonJean Francesco
 
Filosofia e fé cristã - trecho
Filosofia e fé cristã - trechoFilosofia e fé cristã - trecho
Filosofia e fé cristã - trechoPublica Livros
 
éTica cristã slides
éTica cristã   slideséTica cristã   slides
éTica cristã slidesJose Ventura
 
Cosmovisão cristã ( As Lentes da Fé )
Cosmovisão cristã ( As Lentes da Fé )Cosmovisão cristã ( As Lentes da Fé )
Cosmovisão cristã ( As Lentes da Fé )Carlos Silva
 

Semelhante a O protestantismo e os valores éticos (20)

1 filosofia e ética
1 filosofia e ética1 filosofia e ética
1 filosofia e ética
 
Hermenêutica dos textos religiosos
Hermenêutica dos textos religiososHermenêutica dos textos religiosos
Hermenêutica dos textos religiosos
 
14-Principios_Basicos_da_Etica_Crista.pdf
14-Principios_Basicos_da_Etica_Crista.pdf14-Principios_Basicos_da_Etica_Crista.pdf
14-Principios_Basicos_da_Etica_Crista.pdf
 
Filosofia medieval slide
Filosofia medieval slideFilosofia medieval slide
Filosofia medieval slide
 
Vida cristã 2
Vida cristã 2Vida cristã 2
Vida cristã 2
 
Artigo Romanos e Teologia de Paulo - N.T. Wright
Artigo   Romanos e Teologia de Paulo - N.T. WrightArtigo   Romanos e Teologia de Paulo - N.T. Wright
Artigo Romanos e Teologia de Paulo - N.T. Wright
 
Artigo romanos teologia de paulo - n.t. wright
Artigo   romanos teologia de paulo - n.t. wrightArtigo   romanos teologia de paulo - n.t. wright
Artigo romanos teologia de paulo - n.t. wright
 
TRABALHO DE FILOSOFIA 3º A
TRABALHO DE FILOSOFIA 3º A TRABALHO DE FILOSOFIA 3º A
TRABALHO DE FILOSOFIA 3º A
 
Filosofiamedieval 130322112129-phpapp02
Filosofiamedieval 130322112129-phpapp02Filosofiamedieval 130322112129-phpapp02
Filosofiamedieval 130322112129-phpapp02
 
Capítulo 1
Capítulo 1Capítulo 1
Capítulo 1
 
Artigo: modelo conflitual
Artigo: modelo conflitualArtigo: modelo conflitual
Artigo: modelo conflitual
 
A visão transformadora walsh e middleton
A visão transformadora walsh e middletonA visão transformadora walsh e middleton
A visão transformadora walsh e middleton
 
Apostila 08
Apostila 08Apostila 08
Apostila 08
 
Apostila 08
Apostila 08Apostila 08
Apostila 08
 
Teologia 08
Teologia 08Teologia 08
Teologia 08
 
Filosofia e fé cristã - trecho
Filosofia e fé cristã - trechoFilosofia e fé cristã - trecho
Filosofia e fé cristã - trecho
 
Etica e religiao
Etica e religiaoEtica e religiao
Etica e religiao
 
Filosofia medieval
Filosofia medievalFilosofia medieval
Filosofia medieval
 
éTica cristã slides
éTica cristã   slideséTica cristã   slides
éTica cristã slides
 
Cosmovisão cristã ( As Lentes da Fé )
Cosmovisão cristã ( As Lentes da Fé )Cosmovisão cristã ( As Lentes da Fé )
Cosmovisão cristã ( As Lentes da Fé )
 

Mais de Hospital Dr. Hevio Auto (11)

Juspositivismo versus jusnaturalismo
Juspositivismo versus jusnaturalismoJuspositivismo versus jusnaturalismo
Juspositivismo versus jusnaturalismo
 
Valores morais
Valores moraisValores morais
Valores morais
 
Amercantilizacaodacultura
AmercantilizacaodaculturaAmercantilizacaodacultura
Amercantilizacaodacultura
 
A felicidade e as escolhas
A felicidade e as escolhasA felicidade e as escolhas
A felicidade e as escolhas
 
27 04 etica
27 04 etica27 04 etica
27 04 etica
 
16519 72936-1-pb
16519 72936-1-pb16519 72936-1-pb
16519 72936-1-pb
 
Arquivamento e noções de procedimentos administrativos
Arquivamento e noções de procedimentos administrativosArquivamento e noções de procedimentos administrativos
Arquivamento e noções de procedimentos administrativos
 
Feuerbach ludwig principios_filosofia_futuro
Feuerbach ludwig principios_filosofia_futuroFeuerbach ludwig principios_filosofia_futuro
Feuerbach ludwig principios_filosofia_futuro
 
Leandro konder o que é dialética
Leandro konder   o que é dialéticaLeandro konder   o que é dialética
Leandro konder o que é dialética
 
A etica do cuidado84201706
A etica do cuidado84201706A etica do cuidado84201706
A etica do cuidado84201706
 
Agenda da felicidade
Agenda da felicidadeAgenda da felicidade
Agenda da felicidade
 

Último

Aula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdf
Aula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdfAula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdf
Aula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdfFernandaMota99
 
Bullying - Atividade com caça- palavras
Bullying   - Atividade com  caça- palavrasBullying   - Atividade com  caça- palavras
Bullying - Atividade com caça- palavrasMary Alvarenga
 
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riquezaRotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riquezaronaldojacademico
 
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...azulassessoria9
 
PLANOS E EIXOS DO CORPO HUMANO.educacao física pptx
PLANOS E EIXOS DO CORPO HUMANO.educacao física pptxPLANOS E EIXOS DO CORPO HUMANO.educacao física pptx
PLANOS E EIXOS DO CORPO HUMANO.educacao física pptxSamiraMiresVieiradeM
 
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumGÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumAugusto Costa
 
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADOactivIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADOcarolinacespedes23
 
interfaces entre psicologia e neurologia.pdf
interfaces entre psicologia e neurologia.pdfinterfaces entre psicologia e neurologia.pdf
interfaces entre psicologia e neurologia.pdfIvoneSantos45
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...azulassessoria9
 
Bullying - Texto e cruzadinha
Bullying        -     Texto e cruzadinhaBullying        -     Texto e cruzadinha
Bullying - Texto e cruzadinhaMary Alvarenga
 
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdfNoções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdflucassilva721057
 
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASBCRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASBAline Santana
 
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.Vitor Mineiro
 
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdf
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdfPortfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdf
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdfjanainadfsilva
 
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptx
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptxSlide língua portuguesa português 8 ano.pptx
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptxssuserf54fa01
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...azulassessoria9
 
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptxAULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptxLaurindo6
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...azulassessoria9
 
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdf
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdfÁcidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdf
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdfJonathasAureliano1
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...azulassessoria9
 

Último (20)

Aula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdf
Aula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdfAula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdf
Aula de História Ensino Médio Mesopotâmia.pdf
 
Bullying - Atividade com caça- palavras
Bullying   - Atividade com  caça- palavrasBullying   - Atividade com  caça- palavras
Bullying - Atividade com caça- palavras
 
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riquezaRotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
 
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
 
PLANOS E EIXOS DO CORPO HUMANO.educacao física pptx
PLANOS E EIXOS DO CORPO HUMANO.educacao física pptxPLANOS E EIXOS DO CORPO HUMANO.educacao física pptx
PLANOS E EIXOS DO CORPO HUMANO.educacao física pptx
 
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumGÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
 
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADOactivIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
 
interfaces entre psicologia e neurologia.pdf
interfaces entre psicologia e neurologia.pdfinterfaces entre psicologia e neurologia.pdf
interfaces entre psicologia e neurologia.pdf
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
 
Bullying - Texto e cruzadinha
Bullying        -     Texto e cruzadinhaBullying        -     Texto e cruzadinha
Bullying - Texto e cruzadinha
 
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdfNoções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
 
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASBCRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
 
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
 
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdf
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdfPortfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdf
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdf
 
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptx
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptxSlide língua portuguesa português 8 ano.pptx
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptx
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
 
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptxAULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
 
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdf
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdfÁcidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdf
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdf
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
 

O protestantismo e os valores éticos

  • 1. O Protestantismo e os Valores Éticos Gabriele Greggersen* Introdução O título desta palestra sugere dois temas de difícil definição. Para tratarmos deles, estaremos nos valendo, particularmente para a definição de ética, de dois filósofos-teólogos, o católico alemão Josef Pieper (1904-1997) e o professor e crítico literário anglicano de Oxford C.S. Lewis (1898-1963). Para surpresa de alguns, encontramos uma sintonia fina antropológico-filosófica, quanto a este e outros temas. Para ambos a ética é, por princípio, indissociável da moral. As duas coisas reúnem-se sob o conceito clássico de “virtude”. Tanto a areté de Aristóteles quanto a virtus de Aquino estão intimamente relacionados ao caráter ou realização plena do ser e, portanto, da felicidade humana. Só mais recentemente é que ela é mais vista como “qualidade” positiva individual. De acordo com Keenan (1998) a chamada “ética das virtudes” se destaca pelo tipo de pergunta que faz. Ao invés de levantar e discutir diretamente temas controvertidos como a guerra, a manipulação genética, o aborto e outros, ela pergunta pelo ser, a começar da questão fundamental: “quem sou eu”? Quão virtuoso sou eu”? E “quão virtuoso eu devo me tornar?” Esta ética nos ajuda a traçar objetivos e fins pessoais, que visam ao máximo de cada um, sua excelência moral, que jamais é idêntica à do outro. Assim, a ética das virtudes pressupõe que toda ação humana é moral, manifestando-se mais nas pequenas ações e decisões cotidianas do homem comum, do que nos grandes feitos. É a ação moral assim orientada que permite a convivência humana e a “comunhão dos santos”, pois cada membro deste “corpo” tem a liberdade de ser “infinitamente outro”, ao mesmo tempo em que é um com eles. De acordo com o autor, aprudência ou sabedoria, uma das quatro virtudes cardeais, que é bastante mal interpretada e ignorada hoje, é a virtude máxima, como o texto de Pieper explicita tão bem. [1] 1. O máximo de si Das diversas vertentes e formas de abordagem da ética existentes estaremos aqui privilegiando a da ética clássica, que visa à máxima realização do ser humano, ou o ultimum potentiae. Como esclarece Lauand, esta é “... uma
  • 2. constante na grande tradição sapiencial do Ocidente e nas dos Orientes” [2] A grande questão que ela coloca é: Qual a areté do homem? Esta é a pergunta central da ética das virtudes, que se revela, assim com grande potencial unificador e ladeador de diferenças culturais e também religiosas, como pretendemos destacar aqui. C.S. Lewis (1997), da mesma forma que Pieper, procurou formulá-la em Cristianismo Puro e Simples (CPS) [3] . Esta obra que resultou de uma série de palestras difundidas pela BBC de Londres na época da guerra para trazer esperança e orientação moral à população. Ao invés de falar em “ética”, no sentido teórico, Lewis discute, de forma prática, o que chama de “Lei da natureza humana”, “Lei Moral” ou “regra do comportamento humano”: o conjunto de valores que nos faz decidir sobre o certo e o errado. O pressuposto básico da reflexão sobre “Deus e o mundo” pretendida por Lewis é que todos sabem que devem ou não agir de determinadas formas e evitar outras, mas desgraçadamente não conseguem seguir estes princípios básicos plenamente. De uma maneira geral, o livro discute os pontos comuns e imprescindíveis, comuns a todos os cristãos. Lewis procura, assim, destacar a obra redentora de Deus em Cristo, reconhecido como Deus e homem, a um só tempo. Esta busca pelo núcleo comum ou duro da fé cristã, com o qual todos os cristãos de todos os tempos concordam, procurando manter distância de controvérsias especulativas, é um traço característico de toda a obra lewisiana. Daí o “puro e simples” ou “mero” do título desta obra. Não se trata de um ecumenismo reducionista, idealista ou superficial, mas da busca pelas verdades mais simples e universais que fundamentam a perspectiva e estilo de vida do cristão. Lewis lembra que o que distingue a visão cristã está muito relacionado à imagem que se tem de Deus. É ela que nos dá o grau de liberdade que temos para falar de religião: Se você é um cristão, você não precisa crer que tudo nas demais religiões é simplesmente errado. Se você é ateu, então sim, você tem de crer que o ponto central de todas as religiões do mundo não passa de um enorme engano. Se você é um cristão, você é livre para pensar que todas as demais religiões, mesmo as mais excêntricas, contêm ao menos alguma alusão à verdade. [4] Valendo-se muito dos clássicos da Idade Média, particularmente de Agostinho e São Tomás, Lewis concebe Deus como alguém a um tempo inteligível, e inescrutável ou indefinível. Não, por não ser definido, mas, pelo contrário, por ser definitivo demais. Diz a Bíblia que Ele é o que é, e ponto. Enquanto a razão humana se limita a assimilar as realidades inteligíveis e sistematizáveis, a imaginação é o “órgão” que se encarrega do sentido mais profundo da totalidade deste real, que transcende a razão. Sua função é, assim, a de
  • 3. unificar os aspectos espirituais, racionais, emocionais e até materiais do homem. Após explicitar os dogmas básicos do cristianismo, da criação, queda, redenção e transcendência do bem em relação ao mal (o mundo é um “território ocupado pelo inimigo”), Lewis compara os valores éticos a uma orquestra ou frota de navios bem alinhada. Ou seja, a moral é a harmonização das diferenças, visando algo de bom para todos. A primeira das “virtudes cardeais”, a prudência, é definida como o bom senso, a capacidade de pensar sobre a ação; de refletir e considerar as coisas. Em suma, trata-se da inteligência ou sabedoria exigida de todo cristão - não que ele necessitasse de algum “diploma” para tornar-se cristão. A segunda virtude, a temperança não é a mera capacidade de abstenção dos “prazeres da carne”. Trata-se antes da abstenção de qualquer prazer que possa escravizar e homem, por mais aparentemente “inocente” que possa parecer. Também a justiça é muitas vezes reduzida a um conceito simplista, no caso, do direito ou da observância das leis, quando na verdade ela envolve uma série de outras qualidades: “honestidade, reciprocidade, veracidade, fidelidade aos compromissos, todo esse lado da vida”. [5] Finalmente, a fortaleza diz respeito à coragem, ou disposição para encarar os desafios, mas também para suportar a dor. Por outro lado, nem todo aquele que pratica alguma destas virtudes pode ser considerado já virtuoso ou pode ter certeza da sua salvação, pois: A questão não é que Deus recusará a admissão em seu reino eterno de quem não tenha certas qualidades de caráter; a questão é que, para quem não tiver pelo menos os primórdios dessas qualidades no seu íntimo, não haverá então condições externas possíveis que lhe façam um “Céu”, isto é, que lhe façam feliz com a profunda, forte e inabalável espécie de felicidade que Deus quer proporcionar. [6] As outras duas partes da moral, a social e a sexual [7] consideradas pelo autor estão ambas relacionadas com o amor, que é uma das três virtudes teologais, junto com a fé e a esperança, analisados em capítulos separados. O tema do amor merece especial destaque na obra de Lewis. Sua dissertação de mestrado, A Alegoria do Amor (The Allegory of Love), foi dedicada precisamente ao conceito de “amor cortês”, presente na literatura inglesa medieval e renascentista. A outra obra, Os Quatro Amores, mais destinada a cristãos leigos, é muito citada também no mundo secular, principalmente pela discussão sobre a amizade. Este tema é igualmente discutido por Aristóteles, como lembram alguns revisores. [8] Em CPS, depois de tocar em assuntos delicados e difíceis como o perdão, o casamento, o tempo e a trindade, Lewis conclui que os valores cristãos se destacam de outros conjuntos de valores, porque não se reduzem a fórmulas
  • 4. de como “ser bonzinho”. Eles nos remetem a um processo dialético de transformação da vida; de realização efetiva da busca do bem; de perseguição deste élan vital, que move todos os seres humanos rumo à felicidade eterna. O que está em jogo é nada menos, do que a nossa rendição e regeneração total, nossa metamorfose em “pequenos Cristos”. Outro livro importante para compreendermos a ética de Lewis é A Abolição do Homem (The Abolition of Man). Ele a inicia, fazendo uma crítica à ao Green Book ou “Livro Verde” das virtudes, usado no passado para “ensinar” ética para as crianças. Na verdade ele promovia um relativismo moral velado. Usando argumentos e exemplos do mundo tecnológico de hoje e da literatura de ficção, ele defende que querer “reinventar” os valores morais, principalmente do passado, considerados “superados” ou criar valores absolutamente novos seria fomentar a destruição da humanidade. [9] Ao final ele traz um interessante quadro comparativo de máximas e provérbios das mais variadas culturas e épocas, que se mostram perfeitamente compatíveis e equivalentes, formando uma espécie de “Tao” re-significado pelo cristianismo. Em que medida uma ética assim universal pode ser considerada “protestante”? 2. A Ética da Reforma Sem entrarmos no mérito das classificações mais recentes e detalhadas do protestantismo, que incluem movimentos pós-Reforma, e apesar da diversidade entre as vertentes do protestantismo, há uma unidade doutrinal essencial muitas vezes desprezada entre eles. Para evidenciar isto, basta destacar alguns dos “reformadores”, fundadores respectivamente da igreja luterana e das reformadas, sem desmerecer as outras. Como a palavra mesmo diz, “protestante” é alguém que se manifesta efusivamente contra algo. Na verdade, entretanto, a palavra surgiu mais de uma década depois dos famosos argumentos de Lutero contra a doutrina praticada na época pela Igreja católica, que protestava contra a supremacia dos direitos dos que se chamavam evangélicos e procurava distingui-los dos “protestantes”. Mas foi inevitável a associação posterior dos cristãos reformados aos “protestantes”. Neste sentido de protesto, quem talvez tivesse mais bem expressado o lado “protestante” da reforma, fosse Martinho Lutero (1483- 1546), que usava e abusava de recursos dramáticos e retóricos para dar vazão ao seu protesto contra os equívocos teológicos do clero. Como se sabe, depois de ingressar no nível superior, ele teve uma visão e decidiu-se pela vida monástica, para a qual parecia ter nascido. Ele costumava dizer que, se a dedicação à batina e à igreja salvasse, ele, sem dúvida, teria se salvado. Acontece que ele tinha plena consciência da incapacidade do homem de
  • 5. salvar-se a si mesmo, através de boas obras ou qualquer outra medida. Assim, a justificação pela fé tornou-se a base da sua ética e um dos pilares da Reforma. Para Lutero não há nada que seja válido ou existente em si mesmo. Tudo depende da graça divina e a ela responde. O agir ético é precisamente esta resposta livre e espontânea ao amor de Deus, símbolo da gratidão a ele devida. Com isto ele refutava a ética do dever e da obrigação presente em muitos seguimentos da Igreja, bem como a vida monástica, que se isola da vida e do homem comum. Para Lutero, é preciso perder a sua ética em-si- mesmada para conquistar a verdadeira. Foi numa sessão de auto-flagelamento, muito comum na época para purificação dos pecados, que ele se conscientizou do absurdo do que estava cometendo. Após aprofundar-se nas Escrituras, por recomendação do seu superior, coisa que não era muito comum ou simples de se fazer na época, Lutero deu-se conta da falta de fundamento bíblico de outros dogmas católicos também não coincidiam com elas. Então ele resolveu arrolar todas estas discordâncias e torná-las públicas, pregando-as na porta do templo da cidade. [10] Seus famosos 95 artigos de protesto denunciavam basicamente a venda de indulgências e outros aspectos, relacionados ao “sistema penitencial” como o purgatório e o perdão de pecados mediado pelo padre; entre outros. Ele também chegou à conclusão, de que a hierarquia eclesiástica praticada estava equivocada, manifestando-se efusivamente contra ela. Longe de querermos entrar no mérito destas controvérsias, importa-nos lembrar a forte influência tanto da Bíblia, quanto dos clássicos no pensamento dos reformadores. Ao contrário da crítica usual de individualismo e subjetivismo em Lutero, Reardon (1995) argumenta que os clássicos não lhe permitiram entrar nesta “onda”, de fato existente na época, mas que era mais associável aos humanistas. Lutero pode ser considerado antes personalista, ou seja, acreditava em um Deus pessoal e na experiência religiosa interior. Ele se encontrava bastante distante do humanismo de sua época e muito mais próximo do pensamento patrístico, do que outros reformadores. Como se sabe, os primeiros pensadores do cristianismo buscavam uma visão unificada, extraindo do pensamento grego e romano, o que fosse compatível com a Bíblia. Lutero é considerado por muitos estudiosos quem melhor conseguiu aproximar a doutrina católica dos ideais da Reforma, reconhecendo alguns pontos em comum, principalmente nos seus pressupostos: O cristianismo católico da mesma forma que o protestante sempre foram inequivocamente supranaturalistas. Nenhum deles poderia ter interpretado o evangelho em termos de um humanismo ativista, já que para ambos trata-se da revelação do poder e propósito divinos. Sem Deus o homem na verdade não
  • 6. teria como ter conhecimento da sua própria salvação, nem aqui, nem no por vir. [11] Embora não concordemos com a visão da maioria dos historiadores protestantes, de Lutero como “revolucionário”, no sentido de mudança deliberada, na verdade ele acabou provocando uma “revolução” na história. Além das mencionadas teses, seu questionamento da visão monolítica da Igreja Católica da época provocou uma abertura e valorização da diferença, da liberdade de pensamento e da língua vernácula. Neste sentido ele pode de fato ser considerado o fundador do protestantismo, um profeta e o mais empenhado em convencer Roma dos princípios da Reforma. Sua intenção era a de contribuir com a Igreja Católica e não a de a destruir. Ele costumava dizer que se Roma não o tivesse impedido de cumprir a sua missão e, se não fosse a Providência Divina, a Reforma não teria acontecido. De acordo com o autor ainda, Lutero não foi um reformador político, mas um gênio da vida religiosa, que preferia deixar a teologia sistemática para os outros. Ele apelava para o homem comum e seus limites, numa linguagem clara e didática, que chegava às vezes a ser considerada grotesca e rudimentar. Daí que ele já tenha sido considerado o primeiro jornalista da história. “Meus professores”, costumava dizer ele, “são a dona de casa e seu lar”. Ele era crítico também em relação a certos humanistas do seu tempo, como Erasmo e Zwinglio, por sua tentativa de desvendar todos os mistérios acerca de Deus e da religião. Suas doutrinas mais caras, a da justificação, da trindade e da predestinação, permaneceram atreladas a Agostinho e ao pensamento medieval por toda a sua vida. A santificação é o processo de transformação do cristão em santo, em um pequeno Cristo, o que só pode ser produzido pelas virtudes teologais, conceito presente também em São Tomás. Além da mencionada perspectiva sobrenaturalista, que subordina o natural ao divino e não, ao controle humano, católicos e protestantes têm em comum, a centralização na soberania de um Deus triuno e pessoal, que se revela, principalmente através da Bíblia, na igreja e nos sacramentos, embora com prioridades diferentes. Estes pontos em comum pesaram muito no diálogo posterior entre católicos e protestantes. Com ajuda de seu amigo Melancton, educador assumido, ele ajudou a organizar o sistema educacional alemão, que forma a sua base até hoje, naquelas cidades que adotaram o protestantismo oficialmente. Desta maneira, ele introduziu um modelo de ensinoconfessional e ao mesmo tempo, público e gratuito, pelo menos naqueles Estados que abraçaram o protestantismo oficialmente. Não é para menos que este país também se tornou o berço de pensadores fundamentais para a educação como Froebel (1782-1852), Herbart (1776-1841) e Francke (1663-1727), entre outros. Se abrirmos o leque para a Europa toda, não poderemos deixar de mencionar o mal compreendido João
  • 7. Amos Comênius, que foi pastor protestante, Pestalozzi, e tantos outros educadores protestantes fundamentais. Outro traço comum a católicos e protestantes em geral é a autocrítica, a partir da literatura “pagã” e do legado da igreja primitiva. João Calvino (1509- 1564) é um exemplo disso. Ele iniciou os seus estudos clássicos em Paris, mas acabou se formando em direito, por imposição do pai, em Orleans e Burges. Nunca chegou a exercer oficialmente a profissão, que resolveu abandonar para voltar a dedicar-se aos clássicos, após a morte dele. Depois da uma “conversão súbita”, passou a estudar teologia na Universidade de Paris. Mas acabou sendo expulso da cidade, voltando bem mais tarde. Tudo leva a crer, porém que ara Calvino, “reformar” significa em última instância, “repensar”, “reavaliar”, “atualizar” aqueles aspectos da teologia que tendiam ao esquecimento e embotamento em sua época. Embora esta intenção possa parecer “denunciatória”, “pessimista” ou escandalosa para alguns, seu fim último era a “reconstrução” ou “resgate” de valores ameaçados já de extinção. Assim, a visão de mundo protestante é motivada, antes de tudo, pelo sentimento de gratidão e vontade de servir a Deus e ao próximo como resposta ao dom da graça. Trata-se, então, muito mais de um corretivo, do que de uma “revolução” religiosa. Além de Lutero, outra influência forte sobre Calvino foi Martinho Bucer, conhecido por suas idéias ecumênicas, moderação, equilíbrio e espírito pacífico. Suas idéias inspiraram alguns conflitos de Calvino com as autoridades civis, como em relação aos assuntos morais e religiosos, que para Calvino deviam ser tratados exclusivamente pela Igreja. Ele defendia ainda que o Estado não deveria mais ser obrigado a prestar contas à Igreja. Esta por sua vez, deveria gozar de liberdade total. À semelhança de Agostinho, para Calvino a Igreja diz respeito à Cidade de Deus, enquanto o Estado não passa de um representante temporal do poder, que, em última instância, também procede de Deus. No caso extremo do poder ultrapassa os limites da liberdade humana, é dever dos cristãos reagir, para não se tornarem coniventes. Estas e outras idéias fizeram com que Calvino fosse expulso da cidade de Genebra. Em Estrasburgo onde ficou exilado, escreveu várias obras importantes. Nesta época ele participou como consultor de encontros teológicos na Alemanha, que visavam reaproximar protestantes e católicos. Depois de alguns convites dos líderes de Genebra, ele acabou voltando para a cidade, que já era oficialmente protestante, graças, em parte, ao incentivo dos seus amigos, que o consideravam missionário para aquela cidade. Uma das suas primeiras medidas foi elaborar as “ordenanças eclesiásticas”, pelas quais eram estabelecidos quatro ofícios na igreja: pastor, mestre ou doutor, presbítero e diácono. Sua ética “concreta” ou prática, considerava os
  • 8. aspectos sociais e econômicos da época, fomentando a articulação entre teoria bíblica e prática. [12] Calvino também influenciou a cidade no aspecto civil, introduzindo leis que não versassem somente sobre deveres, mas também falassem de direitos, além de instituir o ensino público obrigatório e leis de higiene e ética profissional, trazendo certo civismo para a cidade. Com sua diplomacia ele acabou se tornando a pessoa mais procurada para resolver todo o tipo de problemas civis. Ele também lutava pela abertura de uma escola ao lado de cada igreja protestante, articulando fortemente a formação de valores éticos à educação cristã, mas também à formação cultural. Por este e outros motivos, Genebra passou assim a ser conhecida como a “cidade de Calvino”. Na famosa Academia de Genebra fundada por ele em 1559, desenvolveu um programa de ensino unificado de nível primário, secundário e universitário. Com isto ele provava o “óbvio não dito” [13] que para ele representava a educação.Em 25 de dezembro do mesmo ano, ele recebeu o título de cidadão da cidade. No ano da sua morte (1564), a Academia contava com 1200 alunos universitários, além de 300 alunos de outros cursos. Assim, ele alcançou muito mais do que o seu objetivo quase impossível de reformar toda a cidade. Suas idéias contagiaram também franceses, e ingleses residentes em Genebra, que por sua vez as levaram para os seus respectivos países. Há sem dúvida elementos capitalistas neste “espírito protestante”, como destacava Weber, referindo-se à Europa da época, mas que valeriam perfeitamente para os Estados Unidos e outros países “protestantes” de hoje: pragmatismo, simplicidade, acúmulo de riquezas, devoção metódica ao trabalho, racionalismo, individualismo, visão do lucro como bênção divina. Mas isto não invalida as contribuições deste “espírito” para a época. A história de Calvino revela, assim, implícita no seu pensamento, uma proposta educacional holística que visava à formação de bons cidadãos, capacitados intelectual e profissionalmente, além de bons ministros da Igreja. Embora o seu objetivo maior tivesse sido a formação de pastores e líderes para servir melhor à igreja e à sociedade. A Academia de Genebra admitia alunos interessados em se aperfeiçoar nos estudos clássicos, que Calvino sempre apreciou. Para ele “a formação mental e a religião, a cultura e a moralidade andavam de mão dadas”. [14] Quem sabe seja por este motivo que o calvinismo tenha sido mais bem compreendido pela Igreja Católica, do que por qualquer outro movimento reformado, tornando-se o seu “melhor oponente”.
  • 9. Daí que a escola tenha procurado sempre seguir um currículo das “artes liberais”, muito semelhante ao praticado pelas escolas antigas e universidades medievais. Os níveis eram divididos em básico (Escola Privada) e superior (Escola Pública). Segundo a visão de Calvino, todo homem, criado à imagem e semelhança de Deus tem embutido em si, a “semente da religião” [15] , muito ligada à aquisição do conhecimento. De acordo com as Institutas, em princípio, todos são capazes de aprender qualquer coisa, religiosa ou não, independente das diferenças econômicas, sociais, religiosas, etc. Acontece que o homem só chega ao conhecimento, se antes se confrontar com o conhecimento de Deus, que o conscientiza da sua limitação e necessidade de estudo. A tarefa do educador é desenvolver as faculdades humanas de forma equilibrada [16] , com vistas à restauração da imagem de Deus através da obra redentora de Cristo e regeneradora do Espírito Santo. Assim, a teologia é considerada a Rainha das Ciências. Mas este privilegiado posto, que vinha mantendo desde a Antigüidade, viria a ser totalmente perdido, com a declaração da independência da razão humana pelo movimento iluminista, positivista e naturalista. Para Calvino, a ciência, que resulta da revelação geral de Deus, não é antagônica à fé, mas até meio auxiliar para um melhor conhecimento dEle, de si e do próximo. Ele levava tão a sério os valores reformados que provocou uma verdadeira revolução no sistema de ensino da época e na cidade como um todo. Seus alunos de Genebra chegaram a ser comparados aos “doutores da Sorbonne” [17] . “Eles aprendiam a avaliar criticamente as idéias lidas e expostas nas aulas” [18] , o que servia de alimento a novos debates teológicos, lembrando muito asquaestio disputata da Escolástica. A única restrição à liberdade de idéias era a finalidade última de glorificar a Deus, do contrário todo e qualquer conhecimento humano poderia tornar-se vão. A Academia de Genebra foi se tornando, assim, além de centro de excelência acadêmica, como a própria cidade vinha sendo, lugar de refúgio dos perseguidos e de fomento da democracia e da representatividade do governo. Para ele, embora Lutero e Calvino tenham trilhado caminhos diferentes, chegaram ao mesmo lugar: somente a graça, a fé e as Escrituras podem levar a Deus. Ambos tinham toda a liberdade de se valer dos recursos seculares para o estudo da Bíblia, ainda que não de forma acrítica. Ambos desprezavam um excessivo apego a provas racionais, valorizando o papel do Espírito Santo como “confirmador” interno da verdade e da salvação. Calvino chegou a ser chamado de “teólogo do Espírito Santo”, pois segundo ele, sua função era a de renovar, alimentar, proteger e unificar a Igreja com vistas à glória de Deus, que a todos quer salvar.
  • 10. Além de suas confissões doutrinárias, os “calvinistas” de todo o mundo passaram a defender o governo constitucional e representativo, o direito do povo à mudança de governo e a separação entre poder civil e Igreja, inicialmente limitados à aristocracia, mas posteriormente universalizados. Calvino entrou para a história como o reformador mais preocupado e empenhado em defender a ética cristã e social e evangelizar o mundo, pois acreditava, como Agostinho, que ninguém sabe quem são os “eleitos”. [19] Temos assim, mais um ponto em comum na ética católica e protestante. Muito bem, pode estar pensando meu interlocutor, tudo isto é história lá para os Europeus, mas o que nós temos a ver com isto, que somos um país majoritariamente católico? Talvez fosse interessante notar, neste sentido, que até os protestantes já se fizeram esta pergunta no passado: para quê enviar missionários para os países latino-americanos, que são notadamente católicos? Tanto católicos quanto protestantes Europeus falam de condições muito diferentes das nossas. Na verdade nós nunca vivemos o que foi a Reforma no seu sentido original. Assim, grande parte do que nos ficou legado do protestantismo foi devidamente “filtrado” pelo messianismo e moralismo das igrejas eletrônicas americanas. Por outro lado, consciente ou inconscientemente, educadores respeitados como Euclides da Cunha, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, mostravam claras influências deste pensamento, via Dewey e contatos feitos na Europa. Estes pensadores perceberam que não é nada saudável e até perigoso fechar-se para as outras culturas, quer sejam americanas, européias, africanas, não importa. Eles notaram que era preciso dar voz a diferentes visões de mundo e culturas, inclusive para melhor nos identificarmos com a nossa. Não temos razões para preconceito contra as fábulas e lendas indígenas, da mesma forma como não devemos nos fechar para a mitologia grega e para os contos-de-fada e mitos europeus e nem mesmo para as versões “comportadas” de Disney. Então, por que não considerar o pensamento da Reforma, o que não significa já nos tornar Reformados. Longe de termos pretendido aqui reduzir a questão da ética protestante aos aspectos culturais e de querer dar conta de sua extensão religiosa e teológica, sobre a qual já existe literatura suficiente e competente, gostaríamos de apelar para um recurso que consideramos o melhor que há para enfrentar questões aparentemente inesgotáveis: a imaginação. Imaginemos um mundo em que todas as igrejas cristãs fossem iguais. Mesma liturgia, mesma tradição histórica, virtudes idênticas e problemas idênticos. Não seriam extremamente monótonas e mortas? Os cristãos não acabariam
  • 11. tornando-se seres exatamente contrários ao que Cristo propôs: massificados, sem criatividade ou liberdade? Não me refiro ao corpo de Cristo vivo reunido, previsto e prometido na Bíblia, e também chamado de “noiva” de Cristo. Há, no senso comum, uma freqüente confusão entre “identidade” e “unidade” ou harmonia, sem negação das diferenças. Confusão esta que devemos à dificuldade do homem moderno de ponderar e harmonizar as diferenças e à visão fragmentária, viciosa ou viciante, criadora de infinitos “ciclos viciosos”. Felizmente Deus foi tão feliz e perfeito em imprimir a sua imagem no homem, que nenhum diabo tem o poder de exterminá-la totalmente. Por que existem tantas igrejas e tendências religiosas? Por causa de Deus é que não! Em suma, a ética protestante, considerada como parte da ética cristã mais ampla é a dos valores do não-conformismo-re(con)formante; da crítica reflexiva, mas também da re-construção de pontes ladeadoras de diferenças. Ela é muito bem conceituada por outro reformado, Paul Ricoeur, que propõe com seu “círculo hermenêutico”, a “desmitificação” as coisas, com vistas ao retorno às suas de raízes mais profundas, comuns a todos os cristãos. Considerações Finais A própria conversão de Lewis ao protestantismo é um exemplo da cooperação possível entre católicos e protestantes. Por ironia ou não, um católico romano teve um papel fundamental neste processo. Este seu colega de Oxford, J.R.R. Tolkien (1892-1973) havia se “convertido” anos antes de um lar protestante para o catolicismo, seguindo os passos da sua falecida mãe. Este “papista”, como Lewis o chamava no seu diário, quando o conheceu, viria a tornar-se o seu maior amigo. Quem sabe não foram estas “coincidências” que o levaram a dedicar grande parte de sua vida e obra ao que os cristãos têm em comum. Apesar das convincentes razões pessoais e culturais que apresentava ocasionalmente para a sua adesão à Reforma, um dos posicionamentos mais característicos do pensamento de Lewis, quanto a tais assuntos era o de não perder tempo ou deixar-se distrair por detalhes e questões inescrutáveis. Não é para menos que é esta precisamente a estratégia de Screwtape em Cartas de um Diabo a seu Aprendiz: distrair o “paciente” humano do que realmente importa: as coisas que unificam as diferentes histórias, gostos e missões de cristão individual. Daí que Lewis descrevesse a experiência de conversão, como a de quem se vê em uma espécie de “ante-sala” ou sala de espera das denominações. Somente a vocação divina mostrará a que vertente do cristianismo cada um acabará aderindo, ou em qual cômodo se instalará. Por outro lado, este foco no comum, não impedia que Lewis, à semelhança de Lutero ou Agostinho, pudesse ser igualmente firme na sua crítica contra as heresias que andavam soltas na sua época. Eles também reconheciam a
  • 12. literatura e a educação como as melhores vias para manifestação do seu protesto. Não é para menos ou por acaso certamente que grande parte das sentenças de Lutero comecem por “é preciso ensinar aos cristãos que...”. Longe de querermos denegrir católicos praticantes e honestos ou protestantes brasileiros, especialmente o que procuram ser fiéis aos princípios da Reforma, preocupam-nos aqueles que se afastam perigosamente do “mero cristianismo” proposto por Lewis e seu fundamento claramente bíblico, tanto para o lado do fundamentalismo, quanto do fanatismo religioso. Mas o que mais precisamente significa ser protestante, além de ser um “eterno aprendiz" dos princípios da Bíblia, como fonte de autoridade doutrinal e libertação para a glorificação de Cristo? Como destacado acima, infelizmente, o chamado “fanatismo” [20] é um fenômeno individual ou coletivo que pode ocorrer em qualquer religião, mais ou menos facilmente, e em qualquer momento da vida. Na “cidade dos homens” vive-se numa verdadeira “miscelânea” de tendências, pensamentos, etc. Somos convidados, assim, ao discernimento, sabedoria ou prudência, como já mencionado anteriormente, ao invés de nos deixar intimidar e invadir pelo medo, que leva ao fanatismo ou ao agnosticismo. Não foi certamente o medo que moveu o movimento e a visão protestante, visto muitos mártires provaram sua fé com sangue, à semelhança dos primeiros cristãos da história, em que se inspiravam. Os que os inspirou, antes, foi a necessidade de repensar certas práticas e doutrinas predominantes na Igreja, voltando a harmonizá-las com as Escrituras. Não é certamente por acaso que desde o início de CPS, Lewis deixa bem clara esta sua visão dos valores unificadores do cristianismo, também fomentados pelos Reformadores, embora ou precisamente porque estivessem já bastante esquecidos: Quero advertir o leitor de que não é o meu objetivo oferecer ajuda a quem esteja hesitando entre duas “denominações” cristãs. Não lhe direi se deve ser anglicano, batista, católico-romano, metodista ou presbiteriano... A omissão é intencional... Não há mistério sobre a minha própria posição. Sou um leigo comum da Igreja da Inglaterra, nem particularmente da ala da `alta´, nem da `baixa´, nem de qualquer outra. [21] Esta é igualmente a nossa advertência neste artigo, focado nos valores éticos do protestantismo, que, a nosso ver, buscou a atualização dos valores comuns às várias vertentes do cristianismo. Quem sabe, o protestantismo não necessite hoje de uma revisão crítica semelhante. Como bem lembra Mehl (1968), não há modelos de comportamento prontos na Bíblia. Para além das diferenças de
  • 13. ênfase, a busca por uma visão de homem e seu destino, ou seja, por um a antropologia filosófica, unifica todos os cristãos em torno dos grandes valores fraternalmente compartilhados. É esta pergunta pela arete do homem que, a nosso ver, dá sentido aos valores cristãos, que mobilizam cristãos de todas as vertentes para o cumprimento de sua missão transcultural e transcendente neste mundo. Referências Bibliográficas CALVINO, João, As Institutas da Fé Cristã, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1984. Campos, Heber Carlos de. “A filosofia educacional de Calvino e a fundação da Academia de Genebra”, Fides Reformata, V, n1, 2000. GREGGERSEN, Gabriele, “Perspectivas Educacionais de João Calvino”, em Fides Reformata, São Paulo: Editora Mackenzie, V, VII, n. 2, 2002. HUERTA, Daniel Mansuy, “La Amistad”, disponível em http://www.duoc.cl/etica/mat_apoyo/general/amistad.html, acesso em 30.06.2003. KEENAN, James F. “Virtue Ethics”, em HOOSE, Bernard (ed.) Christian Ethics, Collegeville (Minnesota): Liturgical Press, 1998. LAUAND, Luiz Jean, “A Unidade da Idéia de Homem em Diferentes Culturas” , disponível em http://www.hottopos.com/seminario/sem2/jean.htm, atualizado em 18.04.2002, acesso em 01.07.2003. ___, “Religião e Liberdade – a `Revanche de Deus´, Neo-Maniqueísmo e Fanatismo Religioso”, disponível emhttp://www.hottopos.com/mirand14/jean.htm, acesso em 01.07.2003. LEWIS, C.S., Cristianismo Puro e Simples, 5a ed., São Paulo: ABU, 1997. ___, Till we have Faces, A Myth Retold London: Bles, 1956; rpt. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1966. ___, The Allegory of Love, Oxford: Clarendon Press, 1936. ____, Os Quatro Amores, 2a. ed., São Paulo: Mundo Cristão, 1986. ____, The Abolition of Men, New York: Mac Millan, 1955.
  • 14. ____, Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, trad. Mateus S. S. Azevedo, Petrópolis: Vozes, 1996. MEHL, Roger, Catholic Ethics and Protestant Ethics, Philadelphia: Westminster Press, 1968. PIEPER, Josef, “Estar certo como Homem – as virtudes cardeais”, disponível em http://www.hottopos.com.br/videtur11/estcert.htm, atualizado em 24.02.2001, acesso em 01.09.2003. REARDON, Bernard M.G. Religious Thought in the Reformation, 2ª ed., New York: Longman, 1995. RICOEUR, Paul, O Conflito das Interpretações, Rio de Janeiro: Imago, 1978. SILVESTRE, Armando Araújo, “Calvino e o Direito de Resistir ao Estado”, Fides Reformata, São Paulo: Editora Mackenzie, V, VII, n. 2, 2002. SKINNER, B.F., Beyond Freedom and Dignity New York : Alfred A. Knopf , 1972. * Docente do Programa de Mestrado em Teologia do Centro de Pós- Graduação Andrew Jumper (CPAJ) e do curso de filosofia da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-doutoranda do Instituto de Pesquisas Avançadas da USP (IEA). Autora de Antropologia Filosófica de C.S. Lewis, São Paulo: Editora Mackenzie, 2001. [1] Pieper, Josef, “Estar certo como Homem – as virtudes cardeais”, disponível em http://www.hottopos.com.br/videtur11/estcert.htm, atualizado em 24.02.2001, acesso em 01.09.2003. [2] Lauand, Luiz Jean, “A Unidade da Idéia de Homem em Diferentes Culturas” , disponível em http://www.hottopos.com/seminario/sem2/jean.htm , atualizado em 18.04.2002, acesso em 01.07.2003. [3] Lewis, C.S., Cristianismo Puro e Simples, 5a ed., São Paulo: ABU, 1997, 19. Esta obra foi traduzida por Mero Cristianismo, posteriormente pela editora Quadrante. [4] Ibidem, p. 19. Interessante notar que Lutero disse algo muito semelhante, como veremos, e que estas alusões foram traduzidas como “inklings” para o
  • 15. inglês, nome dado ao clube fundado por Lewis e seu amigo e colega de Oxford J.R.R. Tolkien. [5] Ibidem, p. 44. [6] Ibidem, p. 44. [7] O amor erótico e o amor a si mesmo são temas claramente visíveis em Até que tenhamos Faces (Till we have Faces), que Lewis escreveu em homenagem à esposa. Trata-se do mito de Eros, recontado, sob outra perspectiva. [8] Ver quanto a isto interessante artigo de Huerta, Daniel Mansuy, “La Amistad”, disponível emhttp://www.duoc.cl/etica/mat_apoyo/general/amistad.html, acesso em 30.06.2003. [9] Não é por coincidência então que Skinner faz uma crítica contundente a este livro de Lewis em Muito Além da Liberdade e Dignidade (Beyond Freedom and Dignity), em que ele defende que o homem não tem necessidade desta tal “liberdade” e “dignidade” que o cristianismo lhe atribui. Todas estas coisas seriam obsoletas no mundo por vir, controlado pela ciência, em que o homem declararia a sua independência definitiva da religião. [10] Há controvérsias, se foi na porta, na parede ou se elas foram distribuídas por escrito. [11] Reardon, Bernard M.G. Religious Thought in the Reformation, 2ª ed., New York: Longman, 1995, xii, (traduzido pela autora). [12] De acordo com Mehl (1968) e tantos outros autores posteriores a ele, é a ética social que une católicos e protestantes até hoje. De nossa parte, acreditamos que Lewis descobriu um veio mais profundo, com sua “Lei moral”, que para o autor é precisamente o pomo da discórdia entre a moral católica e a protestante. [13] Vide quanto a isto Greggersen, Gabriele, “Perspectivas Educacionais de João Calvino”, em Fides Reformata, São Paulo: Editora Mackenzie, V, VII, n. 2, 2002. [14] Reardon, 1995, 152. [15] Calvino, apud Heber Carlos de Campos, “A filosofia educacional de Calvino e a fundação da Academia de Genebra”, Fides Reformata, V, n1, 2000, 46.
  • 16. [16] Campos, idem, 46. [17] Macneill, John T., apud Campos, idem., 49. [18] Ibid. [19] Como se sabe, esta idéia é muito forte também em A Cidade de Deus: nem os anjos, diz Agostinho, sabem quem é cidadão da Cidade de Deus. [20] Ver quanto a isto, artigo extremamente esclarecedor de Lauand, Jean , “Religião e Liberdade – a `Revanche de Deus´, Neo-Maniqueísmo e Fanatismo Religioso”, disponível em http://www.hottopos.com/mirand14/jean.htm, acesso em 01.07.2003. [21] Lewis, C.S., op cit, 1997, i.