1. O documento discute as mudanças necessárias no ensino de engenharia no Brasil no século XXI, incluindo o perfil exigido para engenheiros e novas metodologias de ensino.
2. É necessário reestruturar os programas de ensino de engenharia para focar no "como ensinar" e "onde ensinar", além do conteúdo. As salas de aula devem se tornar oficinas para aprendizado prático.
3. As novas metodologias devem incluir aprendizado personalizado,
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O ENSINO DE ENGENHARIA NO BRASIL NO SÉCULO XXI
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O ENSINO DE ENGENHARIA NO BRASIL NO SÉCULO XXI
Fernando Alcoforado*
Este artigo tem como objetivo caracterizar o perfil exigido para o engenheiro e as
mudanças requeridas na sua formação e no sistema de educação do Brasil em geral no
século XXI. Um dos objetivos do sistema de educação é o de planejar a preparação e a
reciclagem das pessoas para o mercado de trabalho. Compete aos planejadores dos
sistemas de educação identificar o futuro papel dos engenheiros para contribuir na
promoção do desenvolvimento do Brasil, bem como para lidar em um mundo do trabalho
com a presença de máquinas inteligentes. Os programas de ensino de Engenharia devem
ser profundamente reestruturados para atingirem esses objetivos.
Esta reestruturação é absolutamente necessária porque o ensino tradicional da engenharia
tem sido desenvolvido em um único eixo – o conteúdo. A educação sob a ótica do ensino
tradicional é vista como transmissão de conhecimento. Dentro do contexto que se desenha
para o século XXI, não se justifica limitar a educação à mera transmissão de
conhecimentos, seja porque o conteúdo pode ser acessado por outros meios que não a
exposição do professor em sala de aula, seja porque os conteúdos têm validade limitada
pela rapidez com que novos conhecimentos são gerados. Conclui-se que novos eixos
devem ser adicionados ao enfoque pedagógico. Além da questão de “o que ensinar”
(conteúdo), deve-se enfatizar o “ como ensinar” ( metodologia), e “onde ensinar” ( espaço
de aprendizagem).
1. As mudanças necessárias no ensino da Engenharia do Brasil
Na questão do conteúdo é preciso reconhecer que não é possível ensinar tudo. Então,
ensinar os alunos a aprenderem novos temas por conta própria parece ser mais razoável
do que simplesmente tentar depositar conhecimentos em suas mentes. Desenvolver
habilidades de comunicação, expressão oral e escrita, trabalho em grupo, aprendizado de
línguas estrangeiras, parece ser uma tendência crescente na estruturação dos novos
currículos de engenharia no mundo. No tocante à metodologia, por outro lado, é preciso
romper com a ideia de se ensinar ciência básica antes das disciplinas técnicas. Tal atitude
já se mostrou ineficaz, pois os conceitos matemáticos e físicos, por exemplo, são
abordados, via de regra, sem conexão com a prática da engenharia. A ideia é focar o
conteúdo relacionando-o com problemas do mundo real e desenvolver o conhecimento
teórico, a partir de um problema prático, no qual os alunos possam aprender fazendo e
participando ativamente do processo.
A escola tradicional de engenharia criou uma aberração. Separou o ensino em teoria e
prática, ao criar salas de aula para teoria e laboratórios, para a prática. Não é de se espantar
que os alunos tenham tanta dificuldade para relacioná-las, já que se aos seus olhos tudo
se passa sem relação tempo-espacial. É preciso transformar as salas de aula em um atelier
renascentista, isto é, um espaço de convivência, onde o fazer e a reflexão sobre o fazer
podem acontecer ao mesmo tempo. O espaço de aprendizagem deve ser um ambiente
onde a prática e a teoria possam ser desenvolvidas de maneira paralela, complementar,
em forma de uma praxis. Em um ambiente assim, o trabalho em grupo, o desenvolvimento
das habilidades de relacionamento interpessoal poderão acontecer e a
interdisciplinaridade deixa de ser discurso teórico para se tornar realidade concreta. A
proposta colocada aqui trata de transformar a sala de aula em uma oficina de trabalho,
dotada de recursos para que os alunos possam investigar e construir o seu próprio
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entendimento. O papel do professor neste contexto é o de um orientador do processo de
construção do saber.
2. Proposta de mudanças no ensino da Engenharia no Brasil
2.1- O perfil do engenheiro no século XXI
No Século XXI, as competências dos engenheiros deveriam ser as seguintes:
I) Possuir boa base de fundamentos de ciência da engenharia;
II) Ter visão do conjunto da profissão;
III) Ter curiosidade e desejo de aprender por toda a vida;
IV) Possuir o entendimento do contexto social, econômico, político e ambiental no qual
é praticada a engenharia;
V) Considerar os aspectos globais, políticos, econômicos, sociais, ambientais, culturais;
VI) Atuar com isenção de qualquer tipo de discriminação e comprometido com a
responsabilidade social e o desenvolvimento sustentável;
VII) Escolher as melhores soluções do ponto de vista de custos, prazos, qualidade e
segurança dos projetos e obras de engenharia levando em conta suas repercussões sociais
e ambientais;
VIII) Possuir a capacidade de reconhecer as necessidades dos usuários, analisando
problemas e formulando questões a partir dessas necessidades e de oportunidades de
melhorias para projetar soluções criativas de Engenharia;
IX) Possuir a capacidade de criar algo novo, utilizando as demais inteligências e
aplicando-as de forma inovadora;
X) Ser generalista, humanista, crítico, reflexivo, criativo, cooperativo, ético;
XI) Adotar perspectivas multidisciplinar e transdisciplinar em sua prática;
XII) Possuir habilidade para conduzir seres humanos;
XIII) Ter sensibilidade em relações interpessoais;
XIV) Estar apto a pesquisar, desenvolver, adaptar e utilizar novas tecnologias, com
atuação inovadora e empreendedora;
XV) Possuir habilidade de compreender o impacto da tecnologia, como a Inteligência
Artificial e a robótica, e utilizar esses recursos como ferramentas para ampliar seu
potencial;
XVI) Possuir capacidade de síntese, de formulação, análise e solução de problemas;
XVII) Ter compreensão de sistemas complexos e incertezas;
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XVIII) Possuir habilidade de pensar de forma criativa e crítica, de forma independente e
cooperativa;
XIX) Ter iniciativa, capacidade para gerir, planejar, tomar decisões, dominar tecnologias
inteligentes e criar oportunidades;
XX) Possuir o entendimento de processos e projetos;
XXI) Analisar técnica e economicamente projetos e seus impactos ambientais;
XXII) Preocupar-se com a segurança no trabalho;
XXIII) Possuir habilidade para economizar recursos;
XXIV) Possuir flexibilidade, habilidade e autoconfiança para adaptação a mudanças
grandes e rápidas;
XXV) Possuir a capacidade de se relacionar consigo mesmo, destacando-se o
autoconhecimento, autocontrole e domínio de emoções;
XXVI) Ter capacidade de trabalhar em equipe;
XXVII) Possuir capacidade no uso de ferramentas básicas de informática;
XXVIII) Ter visão das necessidades do mercado;
XXIX) Possuir comprometimento com a qualidade no que faz;
XXX) Possuir o domínio de línguas;
XXXI) Possuir capacidade de comunicação;
XXXII) Ter comprometimento com a ética profissional.
2.2- As novas metodologias inovadoras no século XXI
A melhoria do ensino de engenharia requer que: 1) as salas de aula, ao invés de serem
destinadas à teoria, tenham como objetivo a prática (o aluno aprende a teoria em casa e
pratica nas salas de aula com auxílio de um professor/mentor); 2) haja o aprendizado
personalizado no qual os estudantes irão aprender com ferramentas que se adaptam a
suas próprias capacidades, isso significando que alunos acima da média serão desafiados
com exercícios mais difíceis e os com mais dificuldade terão a oportunidade de praticar
mais até que atinjam o nível desejado; 3) haja livre escolha com os estudantes tendo a
liberdade de modificar seu processo de aprendizagem, escolhendo as matérias que
desejam aprender com base em suas próprias preferências e podendo utilizar diferentes
programas e técnicas que julgarem necessários para o próprio aprendizado; 4) haja
aplicabilidade prática do conhecimento que não ficará apenas na teoria sendo posto em
prática através de projetos para que os alunos adquiram o domínio da técnica e também
pratiquem organização, trabalho em equipe e liderança; 5) haja o desenvolvimento de
habilidades essencialmente humanas que são aquelas não substituídas por máquinas
inteligentes na atividade produtiva; 6) haja mudanças no sistema de avaliações
substituindo o ineficaz sistema atual de perguntas e respostas das provas, que não avalia
adequadamente o que realmente o aluno é capaz de fazer com aquele conteúdo na prática,
por outro em que as avaliações passem a ocorrer na realização de projetos reais, com os
alunos colocando a mão na massa.
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A melhoria do ensino de engenharia requer que ele se realize com o professor ensinando
com base em problemas e projetos em modelos sem disciplinas isoladas. Os estudantes
de engenharia precisam ter menos dependência das aulas expositivas formais e deve ter
certeza de que a pesquisa faz parte do processo de sua própria educação, assim como os
professores devem ter consciência de que quem não faz pesquisa, ou quem não se integra
ao processo de construção de novos conhecimentos, não educa para o Século XXI. Alguns
componentes são fundamentais para o sucesso da aprendizagem: a criação de desafios,
atividades, jogos que realmente trazem as competências necessárias para cada etapa, que
solicitam informações pertinentes, que oferecem recompensas estimulantes, que
combinam percursos pessoais com participação significativa em grupos, que se inserem
em plataformas adaptativas, que reconhecem cada aluno e ao mesmo tempo aprendem
com a interação, tudo isso utilizando as tecnologias adequadas. O articulador das etapas
individuais e grupais é o docente, com sua capacidade de acompanhar, mediar, de analisar
os processos, resultados, lacunas e necessidades, a partir dos percursos realizados pelos
alunos individual e grupalmente. Esse novo papel do professor é mais complexo do que
o anterior de transmitir informações.
O novo professor precisa de uma preparação em competências mais amplas, além do
conhecimento do conteúdo, como saber adaptar-se ao grupo e a cada aluno; planejar,
acompanhar e avaliar atividades significativas e diferentes. Ensinar e aprender podem ser
feitos de forma muito mais flexível, ativa e focada no ritmo de cada aluno. O modelo mais
interessante e promissor de utilização de tecnologias é o de concentrar no ambiente virtual
o que é informação básica e na sala de aula as atividades mais criativas e supervisionadas.
3. Conclusões
Os desafios de mudanças na educação brasileira são estruturais. É preciso aumentar o
número de escolas de qualidade, de escolas com bons gestores, docentes e infraestrutura,
que consigam motivar os alunos e que realmente promovam uma aprendizagem
significativa, complexa e abrangente. Precisa haver plano de carreira, formação e
valorização de gestores educacionais e professores. É preciso políticas consistentes de
formação, para atrair os melhores professores, remunerá-los bem e qualificá-los melhor,
de políticas inovadoras de gestão que levem os modelos de sucesso de gestão para a
educação básica e superior. Os educadores precisam se transformar em inspiradores e
motivadores.
Não se forma um bom engenheiro apenas com quadro branco e giz. É preciso que os
egressos dos cursos de engenharia tenham as competências ajustadas aos novos tempos,
os métodos de ensino sejam radicalmente modificados, os professores sejam capazes de
realizar suas novas responsabilidades e haja um conjunto de laboratórios bem equipados
para que as atividades didáticas e de pesquisa possam ser desenvolvidas de maneira
adequada. Estes laboratórios deveriam, ainda, contar com um quadro de técnicos e
bolsistas para fazê-los funcionar bem. A biblioteca tem que ter um acervo atualizado e
em quantidade suficiente. Também precisa disponibilizar o acesso online aos periódicos
científicos de primeira linha. Os cursos de engenharia de qualidade devem envolver seus
alunos em programas de iniciação científica, projetos de pesquisa, períodos de estudo no
exterior e no desenvolvimento de novos produtos. O sistema de avaliações deve substituir
o ineficaz sistema atual de perguntas e respostas das provas, que não avalia
adequadamente o que realmente o aluno é capaz de fazer com aquele conteúdo na prática,
por outro em que as avaliações passem a ocorrer na realização de projetos reais, com os
alunos colocando a mão na massa.
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Como ocorre nos melhores sistemas de educação do mundo, o pilar que sustenta a
educação diz respeito à seleção e formação de professores de ponta, com reconhecimento
profissional e boas condições de trabalho. As fragilidades do ensino superior no Brasil
acontecem, entre outros fatores, devido às fraquezas existentes no ensino fundamental e
no ensino médio que não preparam os estudantes com capacitação suficiente para
frequentarem os cursos universitários. Esta é a principal razão pela qual ocorre grande
evasão de alunos em vários cursos oferecidos pela Universidade brasileira. O ensino
superior só terá grande desenvolvimento no Brasil se a educação básica for bem
estruturada e lhe dê sustentação.
* Fernando Alcoforado, 80, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema
CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento
Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor
nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de
sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC-
O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil
(Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de
doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003),
Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI
ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary
Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr.
Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe
Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável-
Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio
Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora
CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no
Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que
Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba,
2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-
autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019).