O romance retrata a vida nos cortiços cariocas no século XIX através de descrições detalhadas das personagens estereotipadas. A narrativa explora temas como a degradação moral causada pela pobreza, a luta pela sobrevivência e o desejo pelo progresso social.
2. "Desistindo de montar um enredo em funç ão de
pessoas, Aluísio atinou com a fó rmula que se
ajustava ao seu talento: ateve-se à sequência de
descriç ões muito precisas, onde CENAS
COLETIVAS e tipos psicologicamente
primários fazem, no conjunto do cortiç o, a
personagem mais convincente do nosso romance
naturalista.”
(Alfredo Bosi)
3. O Cortiç o
• A aç ão do romance: entre 1872 e 1880.
• O espaç o: bairro de Botafogo - Rio de Janeiro.
• Os cortiç os > habitaç ão da maior parte do
operariado carioca em fins do século XIX.
• A narrativa onisciente.
• As personagens estereotipadas.
4. • O homem concebido como síntese das
funç ões orgânicas.
• O ato sexual: desejo - ó dio - comicidade -
náusea.
• O tema central: a degradaç ão motivada pela
promiscuidade, álcool e violência.
• Descreve o mecanismo de formaç ão da
riqueza individual.
5. O Cortiç o
• O coletivismo tribal.
• O nivelamento por baixo.
• A sujeiç ão ao instinto (có digo sensorial).
• Os conflitos: a soluç ão pela eliminaç ão.
6. Cortiç o X Sobrado
Simples Complexo
Instinto Racional
Animal Cultural
Horizontal Vertical
Violência Troca
7. João Romão: o desejo capitalista.
Só tinha uma preocupaç ão: aumentar os bens.
Das suas hortas recolhia para si e para a
companheira os piores legumes, aqueles que, por
maus, ninguém compraria; as suas galinhas
produziam muito e ele não comia um ovo, do que
no entanto gostava imenso; vendia-os todos e
contentava-se com os restos da comida dos
trabalhadores. Aquilo já não era ambiç ão, era uma
molé stia nervosa, uma loucura, um desespero
de acumular; de reduzir tudo a moeda.
8. Bertoleza
“Ele propô s-lhe morarem juntos e ela
concordou de braç os abertos, feliz em meter-se
de novo com um português, porque, como toda a
cafuza, Bertoleza não queria sujeitar-se a negros e
procurava instintivamente o homem numa
raç a superior à sua.”
9. Bertoleza é que continuava na cepa torta,
sempre a mesma crioula suja, sempre atrapalhada
de serviç o, sem domingo nem dia santo; essa, em
nada, em nada absolutamente, participava das
novas regalias do amigo; pelo contrário, à medida
que ele galgava posiç ão social, a desgraç ada
fazia-se mais e mais escrava e rasteira.
10. Miranda: a relaç ão de conveniência e a
brutalidade verbal.
“— Uma mulher naquelas condiç ões, dizia ele
convicto, representa nada menos que o capital, e
um capital em caso nenhum a gente despreza!
Agora, você o que devia era nunca chegar-se para
ela...
— Ora! explicava o marido. Eu me sirvo dela
como quem se serve de uma escarradeira!”
11. Miranda:
• Ódio à esposa.
• Desgosto pela paternidade.
O atrito com João Romão:
• Negociaç ão do terreno.
• Construç ão do muro.
• O desejo de um título.
12. E ela também, ela também gozou, estimulada por
aquela circunstância picante do ressentimento que os
desunia; gozou a desonestidade daquele ato que a
ambos acanalhava aos olhos um do outro; estorceu-se
toda, rangendo os dentes, grunhindo, debaixo
daquele seu inimigo odiado, achando-o também
agora, como homem, melhor que nunca, sufocando-o
nos seus braç os nus, metendo-lhe pela boca a língua
úmida e em brasa. Depois, um arranco de corpo
inteiro, com um soluç o gutural e estrangulado,
arquejante e convulsa, estatelou-se num abandono de
pernas e braç os abertos, a cabeç a para o lado, os
olhos moribundos e chorosos, toda ela agonizante,
como se a tivessem crucificado na cama.
13. A transformaç ão bioló gica:
“E naquela terra encharcada e fumegante,
naquela umidade quente e lodosa, começ ou a
minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo,
uma coisa viva, uma geraç ão, que parecia brotar
espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e
multiplicar-se como larvas no esterco.”
14. • O uso da caricatura na construç ão das
personagens.
• O zoomorfismo (animalizaç ão).
“Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum
crescente; uma aglomeraç ão tumultuosa de
machos e fêmeas.”
“A primeira que se pô s a lavar foi a Leandra,
por alcunha a “Machona”, portuguesa feroz,
berradora, pulsos cabeludos e grossos, anca
de animal do campo.”
15. “Junto dela pô s-se a trabalhar a Leocádia,
mulher de um ferreiro chamado Bruno,
portuguesa pequena e socada, de carnes duras,
com uma fama terrível de leviana entre as suas
vizinhas.”
16. “Seguia-se a Paula, uma cabocla velha, meio
idiota, a quem respeitavam todos pelas virtudes
de que só ela dispunha para benzer erisipelas e
cortar febres por meio de rezas e feitiç arias. Era
extremamente feia, grossa, triste, com olhos
desvairados, dentes cortados à navalha,
formando ponta, como dentes de cão, cabelos
lisos, escorridos e ainda retintos apesar da idade.
Chamavam-lhe ‘Bruxa’.”
17. “Depois seguiam-se a Marciana e mais a sua
filha Florinda. A primeira, mulata antiga, muito
seria e asseada em exagero (...). A filha tinha
quinze anos, a pele de um moreno quente,
beiç os sensuais, bonitos dentes, olhos luxuriosos
de macaca. Toda ela estava a pedir homem, mas
sustentava ainda a sua virgindade e não cedia.”
18. “Dona Isabel (...) tinha uma cara macilenta de
velha portuguesa devota, que já foi gorda,
bochechas moles de pelancas rechupadas, que
lhe pendiam dos cantos da boca como saquinhos
vazios; fios negros no queixo, olhos castanhos,
sempre chorosos engolidos pelas pálpebras.
Puxava em bandos sobre as fontes o escasso
cabelo grisalho untado de ó leo de amêndoas
doces.”
19. “A filha era a flor do cortiç o. Chamavam-lhe
Pombinha. Bonita, posto que enfermiç a e
nervosa ao último ponto; loura, muito pálida, com
uns modos de menina de boa família. A mãe não
lhe permitia lavar, nem engomar, mesmo porque
o médico a proibira expressamente.”
20. Jerô nimo
“Era um português de seus trinta e cinco a
quarenta anos, alto, espadaúdo, barbas ásperas,
cabelos pretos e maltratados caindo-lhe sobre a
testa, por debaixo de um chapéu de feltro
ordinário: pescoç o de touro e cara de Hércules, na
qual os olhos todavia, humildes como os olhos de
um boi de canga, exprimiam tranquila bondade.”
21. A mulher chamava-se Piedade de Jesus;
teria trinta anos, boa estatura, carne ampla e rija,
cabelos fortes de um castanho fulvo, dentes pouco
alvos, mas só lidos e perfeitos, cara cheia,
fisionomia aberta; um todo de bonomia toleirona,
desabotoando-lhe pelos olhos e pela boca numa
simpática expressão de honestidade simples e
natural.
22. Jerô nimo doente
“A portuguesa não dizia nada, sorria contrafeita, no
intimo, ressentida contra aquela invasão de uma
estranha nos cuidados pelo seu homem. Não era
a inteligência nem a razão o que lhe apontava o
perigo, mas o instinto, o faro sutil e desconfiado de
toda a fêmea pelas outras, quando sente o seu
ninho exposto.”
23. Rita Baiana
“(...) No seu farto cabelo, crespo e reluzente,
puxado sobre a nuca, havia um molho de
manjericão e um pedaç o de baunilha espetado por
um gancho. E toda ela respirava o asseio das
brasileiras e um odor sensual de trevos e plantas
aromáticas.
24. Naquela mulata estava o grande mistério, a
síntese das impressões que ele recebeu chegando
aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o
calor vermelho das sestas da fazenda; era o
aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o
atordoara nas matas brasileiras; (...) era o veneno
e era o aç úcar gostoso;
25. ela era a cobra verde e traiç oeira, a lagarta
viscosa, a muriç oca doida, que esvoaç ava havia
muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe
os desejos, acordando-lhe as fibras
embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe
as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma
centelha daquele amor setentrional, uma nota
daquela música feita de gemidos de prazer, uma
larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam
em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar
numa fosforescência afrodisíaca.
26. A có lera de João Romão
(o choque das vontades)
• Guardar ou gastar.
• O vislumbre da vida abastada e a escassez da
linguagem.
• A reclamaç ão sobre Jerô nimo.
• O convite de Miranda.
27. Pombinha e a descoberta do corpo
• Indisposiç ão – lembranç a do dia anterior.
• A visita a Léonie: seduç ão.
• O passeio pelo capinzal > sonho (o sol e a
borboleta) > a chegada da menstruaç ão.
• O vestido manchado > a celebraç ão no
cortiç o.
• Enxoval de casamento.
28. “Agora, espolinhava-se toda, cerrando os
dentes, fremindo-lhe a carne em crispaç ões de
espasmo; ao passo que a outra, por cima, doida
de luxúria, irracional, feroz, revoluteava, em
corcovos de égua, bufando e relinchando.“
29. A reflexão de Pombinha
• A carta de Bruno à Leocádia: saudade e
submissão.
• A atitude dos homens.
• A AVERSÃO ao casamento.
• O desenvolvimento intelectual supera o
florescer físico.
30. A consciência do poder feminino
“E continuou a sorrir, desvanecida na sua
superioridade sobre esse outro sexo, vaidoso
e fanfarrão, que se julgava senhor e que no
entanto fora posto no mundo simplesmente
para servir ao feminino”
31. Cabeç a de Gato X Carapicus
(rivalidade)
A transformaç ão de João Romão: vestuário –
leitura – entretenimento – investimento.
• O convite de Miranda: aniversário de Estela.
• As conversas entre Botelho e João Romão
•A reflexão de João Romão sobre a mudanç a de
vida
32. “(...) desde que Jerô nimo propendeu para ela,
fascinando-a com a sua tranquila seriedade de
animal bom e forte, o sangue da mestiç a
reclamou os seus direitos de apuraç ão, e Rita
preferiu no europeu o macho de raç a superior.
O cavouqueiro, pelo seu lado, cedendo às
imposiç ões mesoló gicas, enfarava a esposa,
sua congênere, e queria a mulata, porque a
mulata era o prazer, era a volúpia, era o fruto
dourado e acre destes sertões americanos, onde
a alma de Jerô nimo aprendeu lascívias de
macaco e onde seu corpo porejou o cheiro
sensual dos bodes.”
33. O reflexo romântico
“(...) arriscar espontaneamente a vida por
alguém é aceitar um compromisso de ternura,
em que empenhamos alma e coraç ão; a mulher
por quem fazemos tamanho sacrifício, seja ela
quem for assume de um só voo em nossa
fantasia as proporç ões de um ideal.”
34. Agora, as duas cocotes, amigas inseparáveis,
terríveis naquela inquebrantável solidariedade,
que fazia delas uma só cobra de duas cabeç as,
dominavam o alto e o baixo Rio de Janeiro.
35. E a mísera, sem chorar, foi refugiar-se, junto
com a filha, no "Cabeç a-de-Gato" que, à
proporç ão que o São Romão se engrandecia,
mais e mais ia-se rebaixando acanalhado,
fazendo-se cada vez mais torpe, mais abjeto,
mais cortiç o, vivendo satisfeito do lixo e da
salsugem que o outro rejeitava, como se todo o
seu ideal fosse conservar inalterável, para
sempre, o verdadeiro tipo da estalagem
fluminense, a legitima, a legendária:
36. aquela em que há um samba e um rolo por noite;
aquela em que se matam homens sem a polícia
descobrir os assassinos; viveiro de larvas
sensuais em que irmãos dormem misturados
com as irmãs na mesma lama; paraíso de
vermes, brejo de lodo quente e fumegante,
donde brota a vida brutalmente, como de uma
podridão.