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EDNA RAQUEL HOGEMANN
PAULO ROBERTO SOARES MENDONÇA
FERNANDA RIVABEM SCHAFFEAR
ORGANIZAÇÃO
SOLANGE FERREIRA DE MOURA
1ª edição
rio de janeiro  2014
Livro Didático de
Introdução ao
Estudo do Direito
Comitê editorial externo  aurélio wander bastos e paulo roberto soares mendonça
Comitê editorial interno  edna raquel hogemann, fernanda rivabem schaffer e solange ferreira
de moura
Organizador do livro  solange ferreira de moura
Autores dos originais  edna raquel hogemann (capítulos 1, 3, 8 e 10), paulo roberto soares
mendonça (capítulos 2, 4, 5 e 9) e fernanda rivabem schaffear (capítulos 6 e 7)
Projeto editorial  roberto paes
Coordenação de produção  rodrigo azevedo de oliveira
Projeto gráfico  paulo vitor fernandes bastos
Diagramação  paulo vitor fernandes bastos e eduardo trindade de araújo
Supervisão de revisão  aderbal torres bezerra
Redação final e desenho didático  raphaela novaes de moraes e monica pinto da veiga
Revisão linguística  verônica bareicha e cláudia lins
Capa  thiago lopes amaral
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quais-
quer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou
banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2014.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
l784	Livro didático de introdução ao estudo do Direito
	 Solange Ferreira de Moura [organizador].
	 — Rio de Janeiro: Editora Universidade Estácio de Sá, 2013.
	 192 p
	 isbn: 978-85-60923-11-3
	 1. Direito. 2. Norma jurídica. 3. Ordenamento jurídico. 4. Hermenêutica jurídica.
	 5. Poder judiciário. I. Título.
cdd 340.01
Diretoria de Ensino – Fábrica de Conhecimento
Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido – Rio de Janeiro – rj – cep 20261-063
Sumário
Apresentação	 7
1.	Conceituação Básica	 9
Natureza, temática e caracterização da disciplina introdução ao Direito	 10
Noção elementar do direito	 12
Os diversos sentidos da palavra direito	 12
O Direito e as ciências afins	 14
Filosofia do Direito	 15
Sociologia Jurídica	 15
Ciência do Direito	 15
História do Direito	 16
Psicologia jurídica	 16
O Direito e a Moral: semelhanças, distinções e influências mútuas	 16
Distinções entre a Moral e o Direito	 17
Distinção quanto à forma	 18
Coercibilidade do Direito e incoercibilidade da Moral	 19
Distinção quanto ao conteúdo	 20
Ética e Moral em Kant	 20
A influência da Moral no Direito	 23
O Direito como instrumento de controle social	 23
A Interação e a Ordem Social	 24
O Estado e a ordem social 	 25
2.	A História do pensamento jurídico	 29
A ideia do Direito natural: o Jusnaturalismo	 30
Três concepções básicas sobre o Direito Natural
ao longo da História	 30
Aspectos comuns às diferentes concepções	 31
Origens do Direito Natural 	 32
Grécia antiga	 32
Os Estoicos	 32
Os romanos	 33
Direito Natural é igual ao Direito Divino	 34
Escola do Direito Natural (Séculos XVII e XVIII)	 36
O declínio do Direito Natural	 37
O positivismo jurídico	 39
Correntes do positivismo jurídico	 39
Escola da Exegese	 39
O Pandectismo Alemão e sua relação com a Escola Histórica	 40
A Escola Histórica do Direito	 41
O normativismo jurídico	 43
A crise do Positivismo Jurídico	 43
A Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen	 44
Pontos Principais da Teoria Pura do Direito 	 44
Teoria da Interpretação de Kelsen	 47
O pós-positivismo e a crítica à teoria pura do Direito de Kelsen 	 48
Culturalismo Jurídico	 50
Miguel Reale e a estrutura tridimensional do Direito 	 51
3.	O Direito como ciência e sua metodologia	 57
Conceitos jurídicos fundamentais	 58
Direito Natural e Direito Positivo	 58
Direito Natural 	 58
Direito Positivo	 60
Diferenças entre o Direito Natural e o Direito Positivo	 61
Quadro comparativo	 61
Direito Substantivo e Direito Adjetivo 	 62
Direito Objetivo e Direito Subjetivo 	 63
Relação entre Direito Positivo e Direito Objetivo	 64
Direito Público e Privado 	 64
Direito Público e Direito Privados e suas teorias	 66
A Superação da Dicotomia do Direito Público e do Direito Privado	 66
Direito Interno e Internacional	 67
Ramos do Direito	 68
Ramos do Direito Positivo interno	 69
Direito Privado 	 69
Direito Público 	 69
Novos Direitos 	 71
Ramos do Direito Positivo externo 	 72
4.	Teoria da norma jurídica	 75
Conceito de norma 	 76
Estrutura lógica e características da norma	 76
Normas de conduta	 76
Normas de organização	 77
As diversas classificações da norma	 78
Quanto ao tipo de comando 	 78
Quanto à amplitude	 79
Quanto ao elemento espacial	 80
Quanto ao elemento temporal	 81
Quanto aos efeitos sobre o fato	 81
Quanto às fontes	 82
Os planos da vigência, validade e eficácia da norma	 82
Da Vigência 	 83
Competência e legitimidade do órgão
responsável pela edição da norma 	 83
Da Validade	 83
Da Eficácia	 84
O desuso das leis e as leis anacrônicas 	 84
Direito costumeiro e validade normativa 	 85
5.	Teoria do ordenamento jurídico	 87
Ordenamento jurídico e seus elementos constitutivos 	 88
Ordenamento e sistema normativo	 88
Sistema Jurídico	 89
Sistema Estático	 89
Sistema Dinâmico	 89
Modelo do sistema jurídico na atualidade	 90
A validade do ordenamento jurídico	 90
Hierarquia e constitucionalidade das leis	 92
Relação de produção e execução entre as normas	 92
Limites do Poder Normativo	 93
Norma Fundamental e Poder Constituinte	 94
Sistema e ordenamento jurídico à luz da Constituição brasileira 	 95
A visão sistemática do Direito	 95
Preservação da completude do ordenamento jurídico	 96
Regras da Completude no Brasil	 97
6.	Sujeitos na relação jurídica	 101
Relação jurídica: conceito e distinções	 102
Elementos da relação jurídica	 104
Dos sujeitos da relação jurídica	 105
Do objeto da relação jurídica	 106
Fato gerador ou vínculo de atributividade da relação jurídica	 107
Fatos jurídicos	 108
Atos jurídicos	 108
Espécies de relações jurídicas	 109
Relação jurídica de Direito Material e de Direito Processual	 110
7.	Direito subjetivo, objetivo e potestativo	 117
Direito Objetivo 	 119
Direito Subjetivo	 119
Direito Potestativo	 120
Classificação dos Direitos Subjetivos	 121
Posições Jurídicas Ativas 	 126
Poder Jurídico, Faculdade Jurídica, Direito Subjetivo e
Direito Potestativo	 126
Posições Jurídicas Passivas	 127
Dever Jurídico, Sujeição, Obrigação, Ônus	 127
Dever jurídico	 127
Sujeição	 129
Ônus	 130
Relação entre Direito Subjetivo e Direito Adquirido	 130
Aquisição, modificação e extinção de direitos subjetivos	 133
Posição jurídica ativa	 133
Posição jurídica passiva	 133
Direito adquirido 	 133
8.	Conceitos de Fontes do Direito	 137
A Classificação das Fontes	 138
Fontes Materiais	 138
Fontes materiais diretas ou imediatas 	 139
Fontes Materiais Indiretas ou Mediatas 	 139
Fontes Históricas 	 140
Fontes Formais 	 140
A Lei e seu processo de produção.	 141
O processo de produção da lei.	 141
Atos do Processo Legislativo	 141
Técnica legislativa	 143
Parte preliminar	 144
Como é feita a parte normativa — arrumação do texto legal	 144
Parte final	 146
Os costumes	 147
Direito Consuetudinário ou Costumeiro.	 148
Como se prova a existência dos costumes?	 148
A jurisprudência 	 149
A jurisprudência cria Direito?	 149
Súmula Vinculante	 150
Jurisprudência x Precedentes Judiciais	 150
A doutrina jurídica	 151
Funções da Doutrina	 151
Procedimentos de integração	 152
Analogia	 152
Princípios gerais do Direito	 153
Equidade	 153
Direito Comparado	 155
Segurança jurídica	 155
9.	Hermenêutica Jurídica	 159
Hermenêutica e interpretação	 160
A Hermenêutica jurídica	 160
A Interpretação	 160
Sentido da norma jurídica 	 161
Teoria subjetiva 	 161
Teoria objetiva 	 162
Crítica à busca da vontade do legislador	 162
Métodos e processos de interpretação do Direito	 163
Processos com base na escola da exegese	 163
Processo gramatical, literal ou filológico	 163
Processo lógico 	 164
Processo sistemático 	 164
Interpretação lógico-sistemática 	 165
Processos com base na escola histórica	 165
Processo histórico-evolutivo 	 165
Concepção atual	 165
Espécies de interpretação	 166
Em função da amplitude 	 166
Em função da fonte da interpretação 	 166
Antinomias jurídicas	 168
Classificação das antinomias quanto aos critérios de solução	 168
Antinomias solúveis (Aparentes) 	 168
Antinomias insolúveis (Reais) 	 169
Insuficiência de critérios de solução 	 169
Parâmetros aplicáveis na falta de critérios de solução da antinomia	 170
Critério com respeito à forma 	 170
Critério com respeito ao caso concreto 	 170
Conflito de critérios de solução de antinomias	 171
Conflito entre o critério hierárquico e o critério cronológico	 171
Conflito entre o critério de especialidade e o critério cronológico	 171
Conflito entre o critério hierárquico e o critério de especialidade	 172
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)	 172
Princípio da obrigatoriedade e da continuidade das leis	 172
Vigência e conhecimento da lei	 173
Direito intertemporal no contexto do Sistema Jurídico Brasileiro.	 174
Revogação da lei	 174
Retroatividade, irretroatividade e ultratividade das leis	 176
Obstáculos constitucionais à retroatividade da lei nova 	 176
Princípio da Irretroatividade da Lei (art. 5º, XXXVI CF) 	 176
Direito adquirido e expectativa de direito	 177
Aplicação retroativa da lei	 178
Aplicação imediata da lei	 179
Leis temporárias e perpétuas, comuns e especiais	 180
10.	 O poder judiciário brasileiro e sua estrutura	 183
Jurisdição	 184
Princípios relacionados à Jurisdição	 184
Principais características da jurisdição:	 185
Estrutura e infraestrutura do poder judiciário brasileiro	 185
Em síntese, as principais funções dos órgãos jurisdicionais são: 	 186
Supremo Tribunal Federal 	 186
Superior Tribunal de Justiça 	 186
Justiça Federal 	 186
Justiça do Trabalho 	 186
Justiça Eleitoral 	 186
Justiça Militar 	 187
Justiças Estaduais 	 187
Organograma da estrutura do poder judiciário brasileiro	 187
As funções essenciais à Justiça	 188
9
Apresentação
O Projeto Livro Didático Estácio propicia a construção de obras coletivas que reúnem profes-
sores das instituições da Rede Estácio de Educação Superior e professores de outras institui-
ções de ensino, com o objetivo de fornecer aos estudantes da Estácio material didático ade-
quado aos Projetos Pedagógicos e Planos de Ensino das disciplinas dos cursos de graduação.
O Livro Didático de Introdução ao Estudo do Direito representou um grande desafio
para os autores, professores experientes, tendo em vista que, embora seja uma disciplina
fundamental do início do Curso de Direito, seu conteúdo é de grande complexidade.
Buscamos tornar o conteúdo da obra acessível ao aluno ingressante, sem simplifica-
ções conceituais. Este Livro Didático deve ser visto como uma ponte de acesso aos conhe-
cimentos introdutórios de Direito. Aqui você encontrará a base, o mínimo essencial para o
prosseguimento de seu Curso de Direito.
Esperamos que você, estudante, aproveite esta obra ao longo de seu curso e que os conheci-
mentosnelacontidossejamosfundamentosdaconstruçãodosseusconhecimentosjurídicos.
Bons estudos e sucesso!
solange ferreira de moura
Conceituação
Básica
edna raquel hogemann
1
12 • capítulo 1
Os alunos que ingressam no Curso de Direito, muitas vezes, ainda não
tiveram contato com expressões básicas como “normas jurídicas”, “or-
denamento jurídico” e talvez não tenham ouvido falar dos “princípios
fundamentais do Direito”, em “como dotar de segurança e equilíbrio as
relações sociais” e em “trânsito em julgado”.
Para esses estudantes o mundo do Direito é como uma nova região a
ser desbravada e compreendida em todas as suas especificidades.
ATENÇÃO
A disciplina Introdução ao Estudo do Direito funciona como a chave que os auxiliará
a abrir as portas para o mundo do Direito, ao trazer noções fundamentais para a com-
preensão do universo jurídico, referindo-se a diversos conceitos científicos utilizados
no Direito, com objetivos pedagógicos.
Uma resposta comum é que Direito é o jus-
to, o que está de acordo com a lei. É a capacida-
de que se tem de praticar ou não praticar um
ato. O benefício que se tem de exigir de quem
quer que seja, em proveito próprio, que prati-
que ou deixe de praticar algum ato. E, do mes-
mo modo, Direito é o conjunto de normas jurí-
dicas em vigor em um país.
ATENÇÃO
É importante saber que os conceitos básicos de Direito ao longo dos tempos vão
mudando. Eles mudam de acordo com os padrões individuais e sociais de cada épo-
ca vivida. Assim, hoje se considera que o Direito é uma ordem da conduta humana.
Natureza, temática e caracterização da
disciplina introdução ao Direito
É impossível conhecer a natureza do Direito se limitarmos nossa atenção
a uma regra isolada. As relações que unem as regras específicas de uma
ordem jurídica também são essenciais à natureza do Direito. Apenas com
base no claro entendimento das relações que compõem esta ordem jurí-
dica é que a natureza do Direito pode ser inteiramente conhecida.
1 Noções iniciais
CONCEITO
Ordem
Uma "ordem" é um conjunto de normas
e regras que possui o tipo de unidade
que se entende como um sistema.
CONCEITO
Direito
É uma ordem da conduta humana.
É um conjunto de normas e regras que
possui o tipo de unidade que se entende
como sistema.
O que é
Direito?
Qual a sua
importância
em nossa
sociedade?
capítulo 1 • 13
Os conceitos comuns aos diversos ramos do Direito são universalizados, institucionali-
zados, e independente do ramo a que se referem, serão os mesmos.
EXEMPLO
Exemplos desta universalização são os conceitos de lei, princípios, relação jurídica, dever jurídico,
entre outros.
A técnica jurídica, ou seja, a prática aplicada ao Direito, de modo geral, também é
objeto da Introdução ao Estudo do Direito. Assim, percebem-se os principais objetos
da Introdução ao Estudo do Direito, que conta com a dimensão de conceitos relativos
à área, visão global do grande sistema existente dentro do Direito e noções gerais da
prática jurídica.
ATENÇÃO
Além das diversas funções citadas, vale ressaltar que a Introdução ao Estudo do Direito permite uma
adaptação do estudante ao mundo jurídico, de forma a conciliar os conhecimentos por ele já acumulados,
com os que irá receber.
O estudo da Introdução ao Estudo do Direito é a base que possibilita a construção de
uma consciência jurídica e familiariza o estudante com a Ciência do Direito, introduzindo
a terminologia técnico-jurídica necessária para a longa e agradável caminhada, rumo à se-
dimentação de seu conhecimento jurídico.
Apresenta os conceitos jurídicos, do ponto de vista sistêmico da área
jurídica do saber.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
Leva a compreender a linguagem e o método próprios da Ciência Jurídica.
Analisa as funções sociais do Direito, sua interpretação e aplicação.
Ajuda a compreender o fenômeno jurídico como forma de expressão
normativa, social, cultural e histórica da sociedade ocidental.
Elenca as principais categorias jurídicas decorrentes das relações jurídicas.
Possibilita o estudo das diferentes disciplinas que compõem o Curso de Direito.
Sedimenta a construção de uma consciência jurídica e familiariza o estudante
com a Ciência do Direito.
14 • capítulo 1
Noção elementar do direito
Compreender o Direito não é questão das mais fáceis e estudá-lo requer a percepção de
que o Direito é um fenômeno, antes de tudo, social e de decisão, sem perder sua dimensão
histórica, porque se refere ao que deve ser feito por todos em uma determinada sociedade,
em um determinado espaço e tempo.
EXEMPLO
Quando se recebe uma multa por excesso de velocidade, quando se compra um produto e se tem que pa-
gar o imposto que está embutido no preço final dele, quando se tem que fazer a declaração de rendimentos
ao fisco a cada início de ano, e mesmo, quando se percebe que o que era obrigatório antigamente, hoje não
é mais, deparamo-nos com questões ligadas a direitos e deveres.
Os diversos sentidos da palavra direito
A palavra direito tem sua origem no latim directus, que significa aquele que segue regras
predeterminadas ou um dado preceito. A raiz intuitiva do conceito deriva de direção, liga-
ção, obrigatoriedade de um comportamento. Mas, a palavra direito pode receber variados
significados dependendo da frase em que se encontrar.
ATENÇÃO
O Direito é um fato ou fenômeno social que não existe senão na sociedade. O Direito estabelece os limites
de ação de cada um de seus membros.
Quando se diz que não é direito ao homem viver na miséria ou não é direito abusar da bo-
a-fé alheia, tais expressões revelam o sentimento do que não se acha justo, do que não há
justiça, ou não é justo.
Da mesma forma, é comum ouvir dizer que saúde é direito de todos, toda criança tem
direito a um lar e estas expressões trazem a ideia de que os bens saúde e lar são devidos, por
justiça, aos mencionados.
ATENÇÃO
Um primeiro significado, de extrema importância, da palavra direito é conforme a justiça ou devido por
justiça, expressão do justo.
O segundo significado se refere a quando se diz, por exemplo, que o direito brasileiro
proíbe o roubo ou que está escrito no direito que todos são iguais. Neste caso, o sentido da
palavra direito é o mesmo que legislação ou lei, ou seja, o conjunto de normas legais em
vigor do país.
capítulo 1 • 15
EXEMPLO
Da mesma forma pode-se dizer que o direito obriga ao pagamento da multa por
excesso de velocidade ou, ainda, o direito permite a remuneração do trabalho. Igual-
mente, nestes dois casos, a referência é a legislação, norma ou conjunto de normas
jurídicas. Nestes casos, a expressão deve ser utilizada com a primeira inicial maiús-
cula (Direito).
Outros significados da palavra direito são poder e faculdade. No caso,
direito é usado para sugerir o poder ou a faculdade que pertencem a uma
pessoa natural ou a uma empresa.
EXEMPLO
Direito, neste sentido, é utilizado, por exemplo, nas seguintes frases: o eleitor tem o direi-
to de votar, o locador tem o direito de cobrar o aluguel, o herdeiro tem o direito a receber
a herança, o contratante tem o direito de cobrar a realização do serviço ao contratado.
Não há como apontar com precisão, dentre os significados até aqui
apresentados, qual seja o mais importante. Isto porque, ao mesmo tem-
po em que o direito é norma, o direito também significa poder, dever,
bem como tem o significado de justiça.
Outro significado importante para a palavra direito é o científico. É
muito comum os estudantes afirmarem e até estamparem em suas ca-
misetas que fazem direito. O direito feito pelos alunos não é a norma ou
a justiça, mas a ciência jurídica e nestes casos, a expressão também deve
ser utilizada com a primeira inicial maiúscula (Direito).
ATENÇÃO
Existe, então, o Direito como uma ciência cujo objeto de estudo é o fenômeno jurí-
dico. Esta ciência busca sistematizar o conhecimento sobre o direito como um fenô-
meno jurídico, para que se possa compreendê-lo e utilizá-lo.
Em um sentido figurado, o direito passou a designar o que estava de
acordo com a lei. As leis físicas indicam aquilo que na natureza necessaria-
mente é. As leis jurídicas, ao contrário, indicam apenas aquilo que na so-
ciedade deve ser. Por essa razão diz-se que o Direito é a ciência do dever ser.
Além disso, há que se apontar a existência de um significado socioló-
gico da palavra direito. Entre os fatos sociais que o sociólogo estuda, há
fatos culturais, históricos, econômicos, religiosos, políticos e, ainda, os
jurídicos. Pois que o direito é, em si, um setor da vida social, com carac-
terísticas próprias, ou seja, um fato social.
Os sentidos aqui expostos não acabam com as possibilidades de defini-
çõesdapalavradireito,senãovejamos:podesignificarreto(segmentodirei-
COMENTÁRIO
Ao longo de seu processo de evolução
histórica o Direito se apresenta como
um conjunto de normas que tem por ob-
jetivo a disciplina e a organização da
vida em sociedade, solucionando os
conflitos de interesses e promovendo à
justiça..
16 • capítulo 1
to),certezaaritmética(cálculodireito),correçãomoral(homemdireito)ou,então,umdoslados
de qualquer objeto (lado direito, oposto ao esquerdo).
RESUMO
SIGNIFICADOS DA PALAVRA DIREITO
NORMA Normas elaboradas pela sociedade ou pelo Estado
FACULDADE Possibilidade de agir
OUTRAS POSSIBILIDADES
TRIBUTO Direitos alfandegários
RETO Geométrico – segmento reto
CERTO Cálculo direito
CORRETO Homem direito – moral
OPOSTO A ESQUERDO Lado direito
EXPRESSÃO DO JUSTO Justiça
CIÊNCIA Ramo do conhecimento científico
FATO SOCIAL O direito é um setor da vida social.
O Direito e as ciências afins
Várias ciências auxiliam o Direito em sua interpretação e aplicação na prática do dia a dia
forense, como a Economia, a História, a Antropologia, a Psicologia, a Psiquiatria, a Infor-
mática, a Assistência Social, sem contar com outras áreas cujos profissionais são requisita-
dos como peritos (engenheiros, contadores, médicos legistas, entre outros). De modo que,
na prática, elas influenciam e auxiliam no aprimoramento e aplicação das normas.
No entanto, há outras ciências sem as quais o Direito não pode ser estudado, na medida
em que são facilitadoras da origem, da aplicação e de sua criação. São elas: filosofia do di-
reito, sociologia jurídica, ciência do direito, história do direito e psicologia jurídica.
capítulo 1 • 17
Filosofia do Direito
A Filosofia do Direito investiga os princípios fundamentais do
direito, como norma, poder, realidade, valor ou conhecimento
e proporciona condições para que o direito seja analisado de
forma diversa da apresentada pelos Códigos e doutrinas, não se
restringindo à ordem lógica ou técnica do Direito, mas também
aos valores éticos, históricos e sociais.
O filósofo se preocupa com a valoração jurídica dos bens
da vida, existentes na sociedade, tais como a justiça, o bem co-
mum, o interesse social, a liberdade, preocupando-se com as
correntes filosóficas e ideológicas. O que interessa à Filosofia
são os fundamentos, a razão de ser das leis.
Sociologia Jurídica
Existe um ramo da Sociologia Geral, chamado Sociologia Jurídica que estuda o direito do
ponto de vista sociológico como um fato social.
A Sociologia Jurídica estuda o fato social em sua estrutura e funcionalidade, procuran-
do saber como os grupos humanos se organizam, se relacio-
nam e desenvolvem, em razão dos inúmeros fatores que atu-
am sobre as formas de convivência.
A preocupação da Sociologia Jurídica é saber até que ponto
as normas jurídicas se tornam realmente válidas, se na prática
correspondem aos objetivos dos legisladores e seus destina-
tários, posto que seja fundamental para o legislador produzir
normas dotadas de eficácia social. O sociólogo estuda e anali-
sa os múltiplos aspectos do fato jurídico e sua interação com
demais fatores sociais. O que interessa é a eficácia das leis.
Ciência do Direito
A Ciência do Direito, também chamada de Dogmática Jurídica
estuda a norma jurídica e sua aplicação aos casos particulares,
como foi concebida e equacionada pelo legislador, em determi-
nada sociedade, e as questões referentes à sua interpretação e
aplicação, tal como ela está historicamente realizada.
O cientista do Direito (jurista) interpreta e aplica a norma
jurídica, excluindo qualquer elemento não jurídico. O que in-
teressa é a vigência das leis.
A Filosofia do
Direito procura
identificar
a essência
do Direito
para defini-lo
visando sua
aplicação – o
PODER SER.
A Sociologia
Jurídica se
preocupa com
o direito vivo,
que se passa
segundo a
vontade do
homem, o SER.
A Ciência do
Direito se
preocupa com a
normatividade
do direito
positivo — o
DEVER SER.
18 • capítulo 1
História do Direito
O Direito vive impregnado de fatos históricos, que comandam seu rumo
e sua compreensão exige, muitas vezes, o conhecimento das condições
sociais existentes à época em que foi elaborado.
A História do Direito é uma disciplina jurídica que tem por finali-
dade a pesquisa e a análise dos institutos jurídicos do passado. Busca
compreender o pensamento jurídico e o ordenamento jurídico vigentes,
como produtos de progressivas construções no tempo, tendo como re-
ferência o encontro de visões de mundo que se constroem a partir das
realidades política, social, mental, cultural e econômica das sociedades
que, em cada tempo, colaboraram para sua produção.
A História apresenta o Direito que se consolida como fruto de seu
tempo, evidenciando que sua legitimidade busca raízes mais profundas
na tradição histórica e mental da sociedade que o determina.
Psicologia jurídica
	 A Psicologia Jurídica estuda os fenômenos mentais que são ju-
ridicamente relevantes, estabelecendo um ligamento facilitador do tra-
balho do legislador e dos intérpretes do Direito.
	 É um ramo do conhecimento científico que auxilia as mais di-
versas disciplinas jurídicas, principalmente no que diz respeito ao Direi-
to Penal e ao Direito Civil.
EXEMPLO
A psicologia jurídica atua nas questões que envolvem capacidade ci-
vil, imputabilidade, guarda, tutela de crianças e adolescentes, alienação
parental e curatela de interditos, por exemplo.
O Direito e a Moral: semelhanças, distin-
ções e influências mútuas
O Direito, apesar de acolher alguns preceitos morais fundamentais, ga-
rantidos com sanções eficazes, aplicáveis por órgãos institucionais, tem
campo mais específico que a moral, pois disciplina também matéria téc-
nica e econômica indiferente à moral, muitas vezes com ela incompatí-
veis. Vejamos como exemplo:
COMENTÁRIO
História do Direito
A História do Direito permite que o es-
tudante considere as transformações,
rupturas e permanências dos institutos
do direito ao longo da história, tendo
como modelo o direito vigente. Por outro
lado, contribui no processo pelo qual o
estudante se reconhece como um ator
social, um sujeito da história (da sua
própria e de sua sociedade), potencial
transformador da realidade sociopolítica
e jurídica do mundo em que vive.
capítulo 1 • 19
EXEMPLO
Alguns princípios orientadores do direito contratual, com fundamento no individualismo
e no liberalismo, inconciliáveis com a moral cristã e, portanto, com a moral ocidental.
Apesar disso, o jurídico não está excluído de julgamentos éticos.
ATENÇÃO
Ponto de partida→ Direito e Moral = instrumentos de controle social
Moral identifica-se com a noção de bem.
A moral varia no tempo e no espaço. Assim sendo, cada povo pos-
sui sua moral, que evolui no curso da história, consagrando novos
modos de agir e pensar.
O dever moral não é exigível em juí-
zo, reduzindo-se a dever de consciência,
enquanto o dever jurídico deve ser obser-
vado sob pena de o transgressor sofrer os
efeitos da sanção organizada, aplicável
pelos órgãos especializados da sociedade.
Existe, mesmo no Direito das altas civilizações, infiltração, constatá-
vel facilmente, da Moral no Direito.
Regrasmoraissãoimpostaspelanormapenal,vejamoscomoexemplo:
EXEMPLO
Não matar, não furtar, respeitar os mortos, os túmulos, o culto e os símbolos
sagrados. No Direito Privado, é no Direito de Família que os deveres e regras
morais estão mais presentes.
No entanto, nem todas as determinações morais são tuteladas pelo
Direito, pois se o fossem, o Direito seria a imposição, pelo poder social,
da moral de uma época, civilização ou sociedade. Muitas determinações
morais, que não são essenciais à paz, à segurança e ao convívio social,
não se encontram no Direito.
Distinções entre a Moral e o Direito
Várias tentativas teóricas têm sido feitas no sentido de estabelecer crité-
rios formais de distinção entre a Moral e o Direito. As distinções podem
ser enfocadas sob dois aspectos: quanto à forma e quanto ao conteúdo
do Direito e da Moral.
CONCEITO
Moral
A moral pode ser conceituada como o
conjunto de práticas, costumes e pa-
drões de conduta, formadores da ambi-
ência ética.
No Direito, o
dever é exigível,
enquanto na
Moral, não.
20 • capítulo 1
Distinção quanto à forma
As normas de Direito são postas pelo legislador, pelos juízes, pelos usos
e costumes, sempre por terceiros, podendo os seus mandamentos coin-
cidir ou não com as convicções que temos sobre o assunto. Podemos cri-
ticar as leis, das quais dissentimos, mas devemos agir em conformidade
com elas, mesmo sem lhes dar adesão de nosso espírito. Isso significa
que elas valem objetivamente, independentemente, a despeito da opi-
nião e do querer dos obrigados.
Essa validade objetiva está além
das pessoas, das normas jurídicas,
as quais se põem, por assim dizer,
acima das pretensões dos sujeitos
de uma relação, superando-as na es-
trutura de um querer irredutível ao
querer dos destinatários, é o que se
denomina heteronomia.
COMENTÁRIO
Nem todos pagam imposto de boa vontade. No entanto, o Estado não pretende que,
ao ser pago um tributo, se faça com um sorriso nos lábios; a ele, basta que o paga-
mento seja feito nas épocas previstas. Por outro lado, a adesão espontânea às leis
não descaracteriza a heteronomia do Direito.
DETERMINAÇÃO DO DIREITO E A FORMA NÃO CONCRETA DA MORAL
DIREITO
Manifesta-se mediante um conjunto de normas que definem a
dimensão da conduta humana exigida, que especificam a
fórmula do agir.
MORAL Estabelece uma diretiva mais geral, sem particularizações.
A BILATERALIDADE DO DIREITO
As normas jurídicas possuem uma
estrutura imperativo-atributiva, isto é, ao
mesmo tempo em que impõem um
dever jurídico a alguém, conferem um
poder ou direito subjetivo a outro
alguém (outrem). Daí se dizer que a
cada direito corresponde um dever.
A UNILATERALIDADE DA MORAL
Já a Moral possui uma estrutura mais
simples, pois impõe deveres apenas.
Diante dela, ninguém tem o poder de
exigir uma conduta de outrem. Fica-se
apenas na expectativa de o próximo
aderir às normas.
Diz-se que o Direito
é heterônomo,
porque aquilo
que juridicamente
somos obrigados
a cumprir é posto
por um terceiro, o
Estado.
CONCEITO
Heteronomia
A heteronomia vem do grego hetero —
diversos e nomos — norma.
Ela é a característica do Direito que es-
tabelece que este se impõe à vontade
do indivíduo — ou seja, a lei é imposta
ao indivíduo, e exterior a ele.
Já a autonomia vem do grego auto —
própria e nomos — norma.
A Moral é autônoma, é de foro íntimo,
cada um tem seus próprios valores mo-
rais e que, não necessariamente, são
iguais aos dos demais indivíduos.
capítulo 1 • 21
Enquanto o Direito é bilateral, a Moral é
unilateral.
ATENÇÃO
Chama-se a atenção para o fato de que este critério diferenciador não se baseia na
existência ou não de vínculo social. Se assim o fosse, seria um critério ineficaz, pois
tanto a Moral quanto o Direito dispõem sobre a convivência.
A esta qualidade vinculativa, que ambos possuem, utiliza-se a denominação alterida-
de, de alter, que significa o outro.
Não é correto estabelecer uma “muralha” entre Direito e Moral,
pois o Direito não se preocupa só com a exteriorização e a Moral com
os aspectos interiores. A Moral também necessita da prática exterior da
intenção. O Direito, por sua vez, em determinadas ocasiões, questiona
as intenções de quem comete certos crimes, notadamente os dolosos e
culposos.
De maneira idêntica, pode-se dizer que o Direito Civil não prescinde
do elemento intencional.
Foi a garantia da liberdade religiosa que levou pela primeira vez a
diferenciar-se o Direito da Moral; embora a teoria da exterioridade fosse
errônea, teve grande valor histórico.
O Direito se caracteriza pela exterioridade, enquanto que a Moral,
pela interioridade. Com isto se quer dizer, modernamente, que os dois
campos seguem linhas diferentes.
Coercibilidade do Direito e incoercibilidade da Moral
Uma das notas fundamentais do Direito é a coercibilidade.
Entre os processos que regem a conduta social, apenas o Direito é
coercível.
A via normal de cumprimento da norma jurídica é a voluntariedade
do destinatário, a adesão espontânea. Ou seja, o certo é que todos cum-
pram a lei espontaneamente. Mas, se isso não acontece, a coação se faz
necessária, essencial à efetividade da norma.
A Moral, por seu lado,
não possui este elemento
coativo. É incoercível. Nem
por isso as normas da Moral
social deixam de exercer cer-
ta intimidação. Consistindo
em uma ordem valiosa para a sociedade, é natural que o descumprimen-
to de seus princípios provoque uma reação por parte dos membros que
COMENTÁRIO
Direito Civil
Há um dispositivo expresso do Código
Civil (art. 112, CC) que declara que os
contratos devem ser interpretados se-
gundo a intenção das partes contratan-
tes. No mesmo Código Civil, verifica-se
que os atos jurídicos podem ser anu-
lados por dolo, erro, coação ou fraude
(arts. 138 e ss., CC).
COMENTÁRIO
Linhas Diferentes
Enquanto a Moral se preocupa pela vida
interior das pessoas, como a consciên-
cia, julgando os atos exteriores apenas
como meio de aferir a intencionalidade,
o Direito cuida das ações humanas em
primeiro plano e, em função destas,
quando necessário, investiga o animus
(intenção) do agente.
CONCEITO
Coercível
Capaz de acionar a força organizada
do Estado, para garantir o respeito aos
seus preceitos.
A coerção somente se
manifesta na hipótese
de não observância dos
preceitos legais.
22 • capítulo 1
integram o corpo social.
ATENÇÃO
Esta reação, que se manifesta de forma variada e com intensidade rela-
tiva, assume caráter não apenas punitivo, mas exerce também uma fun-
ção intimidativa, desestimulante da violação das normas morais.
Distinção quanto ao conteúdo
De início, percebemos que a matéria do Direito e da Moral é comum a
ação humana. Contudo, o assunto foi colocado das mais diversas ma-
neiras pelos juristas através da História.
Ao dispor sobre o convívio social, o Direito elege valores de convivên-
cia. O seu objetivo limita-se a estabelecer e a garantir um ambiente de
ordem, a partir do qual possam atuar as forças sociais.
O sistema de legalidade oferece
consistência ao edifício social. A
realização individual, o progresso
científico e tecnológico, o avanço
da humanidade passam a depen-
der do trabalho e do discernimento do homem.
DIFERENÇA ENTRE MORAL E ÉTICA
A Moral visa o aperfeiçoamento do ser humano e por isso é absorvente, estabe-
lecendo deveres do homem em relação ao próximo, a si mesmo e segundo a Ética.
O bem deve ser vivido em todas as direções.
Ética é teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade, ou
seja, é ciência de uma forma específica de comportamento humano.
Ética e Moral em Kant
Kant, na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, reconheceu, pela
primeira vez em uma ética filosófica, que todo ser racional possui um
valor absoluto.
Mesmo considerando-o como um ser finito e limitado, Kant ressal-
vou que o ser humano possui o privilégio de reger-se por leis assumidas
livremente por sua própria razão.
A isso, Kant denomina racionalidade moral. Estar livre para esco-
lher e agir é o que caracteriza o ser humano, o que o filósofo denomina
de autonomia moral.
A ação humana, para Kant, não está submetida às leis da natureza,
A função primordial
do Direito é de
caráter estrutural.
CONCEITO
Moral
Moral é o conjunto de normas ou regras
destinadas a regular as relações dos in-
divíduos em uma determinada sociedade,
em um determinado momento histórico.
capítulo 1 • 23
mas às leis que o próprio ser humano escolhe seguir, por isso, é um ser
moral e não simplesmente um ser da natureza. Para Kant, a racionali-
dade moral é o argumento definitivo para entender o ser humano como
absolutamente valioso.
Para o autor, somente é moral uma ação que seja praticada em função
dela mesma, independente de qualquer outra motivação externa a ela.
ATENÇÃO
Para o filósofo alemão, imperativo categórico é o dever de toda pessoa agir confor-
me os princípios que ela quer que todos os seres humanos sigam, que ela quer que
sejam lei da natureza humana.
O imperativo é categórico se a ação determinada por ele possui va-
lidade em si mesma, não depende de outro objetivo que seria atingido
pela ação.
O imperativo categórico é enunciado por Kant com três diferentes
fórmulas:
IMPERATIVO UNIVERSAL
"A máxima do meu agir deve ser por mim entendida
como uma lei universal, para que todos a sigam.”
IMPERATIVO CATEGÓRICO
“Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se,
por tua vontade, lei universal da natureza.”
IMPERATIVO PRÁTICO
“Age de tal modo que possas usar a humanidade, tanto
em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro,
sempre como um fim ao mesmo tempo e nunca
apenas como um meio.”
A moral é histórica e acompanha o devir no mundo da vida, enquan-
to modo de comportar-se específico do homem em determinada épo-
ca. Ao longo da história, Direito e Moral se aproximaram e se afastaram
conceitualmente, em razão de diferentes correntes de pensamento.
É inegável a existência de diversas questões sociais que ao mesmo
tempo são jurídicas e de ordem moral, ou o contrário.
EXEMPLO
O amparo material que os filhos devem dar aos seus pais quando são necessitados
é um exemplo de questão social que é ao mesmo tempo jurídica e moral. Esta é uma
questão regulada pelo Direito (Direito de Família) e com fundamento na Moral.
Por outro lado, existem temas relativos exclusivamente à Moral.
AUTOR
Immanuel Kant(1724-1804)
Filósofo alemão. Fundador da filosofia
crítica.
Kant nasceu, viveu e morreu em Konis-
berg, uma cidade da Prússia Oriental
(Alemanha).
Sua obra é dividida em dois períodos
fundamentais: o pré-crítico e o crítico.
O primeiro (até 1770) corresponde à
filosofia dogmática.
O segundo período corresponde ao
que ele mesmo denomina despertar do
"sono dogmático" provocado pelo im-
pacto que nele teve a filosofia de Da-
vid Hume. Escreve então obras como a
Crítica da Razão Pura, Crítica da Razão
Prática e Critica da Faculdade de Julgar,
em que demonstra ser impossível cons-
truir um sistema filosófico metafísico
antes de ter previamente investigado as
formas e os limites das nossas faculda-
des cognitivas (do conhecimento).
24 • capítulo 1
EXEMPLO
Um ato de gratidão feito a um benfeitor.
Assim também, há problemas tão somente jurídicos que não pos-
suem qualquer relevância moral (amorais), como por exemplo, os pra-
zos processuais.
Pela força do ordenamento jurídico, para todos os efeitos, considera-
se justa aquela norma que seja ao mesmo tempo jurídica e moral.
Direito
Moral
A principal diferença entre a Moral e o Direito está objetivamente na
sanção (punição).
A moral, em razão do fim a que se destina, só permite sanções de foro
íntimo (remorso, arrependimento, desgosto íntimo, sentimento de re-
provação geral). Mas, sob o aspecto social, essa sanção não é eficaz, por-
que não se submetem a ela aqueles que não tenham consciência ética.
O Direito, ao contrário, tem na sanção um mecanismo eficaz para
coagir os indivíduos. Sem esse elemento coercitivo, não existiria segu-
rança nem justiça eficazes para a humanidade.
É certo que o campo da Moral, por sua vez, inclui os deveres do indi-
víduo para com o seu Deus (seja qual for sua crença), para consigo mes-
mo e para com seus semelhantes, enquanto o Direito é mais limitado,
compreendendo apenas os deveres da pessoa para com os semelhantes
e a sociedade como um todo (por exemplo, o meio ambiente).
ATENÇÃO
É importante esclarecer que a Moral tem em vista que o indivíduo se afaste da prá-
tica do mal e pratique o bem, enquanto o objetivo do Direito é evitar que se lese ou
prejudique a outrem.
A moral dirige-se ao momento interno, psíquico, volitivo, à intenção
que determina o ato, ao passo que o direito se dirige ao momento exter-
no, físico, isto é, ao ato exterior.
CURIOSIDADE
As leis que permitiam a escravidão no
Brasil eram normas jurídicas imorais. A
norma que aceite a segregação racial
também é uma norma imoral.
CURIOSIDADE
Qual a diferença entre imoral e amoral?
Imoral — O que vai contra a moral.
Amoral — Aquilo que não possui um
senso moral, que não contém aspecto
moral.
capítulo 1 • 25
EXEMPLO
Norma jurídica somente.
O contribuinte deve comunicar à Receita Federal a
mudança de endereço
Norma moral somente.
Deves praticar a caridade
Norma moral somente.
Deves ser grato ao benfeitor
Norma moral somente.
Deves respeitar os mais velhos
Norma moral e jurídica - além de religiosa e de
trato social.
Norma que proíbe matar
A influência da Moral no Direito
Os campos da Moral e do Direito entrelaçam-se e interpenetram-se de diversas maneiras.
As normas morais tendem a converter-se em normas jurídicas.
EXEMPLO
Isso acontece, por exemplo, com o dever do pai de cuidar do filho, e com a indenização por acidente de
trabalho. Mas não há uma norma jurídica específica que prescreva que o pai deve ter afeto pelo filho, ainda.
Direito e Moral são instrumentos de
controle social que pertencem ao cam-
po da ética e que não se excluem. Ao
contrário, se completam e se influen-
ciam reciprocamente.
O Direito como instrumento de controle social
Oserhumanoéumsergregárioepolítico,vivendoemgrupos,emsociedade.Énaturalqueentre
tais grupos surjam conflitos, discórdias e interesses distintos entre si. Mas, outras características
doserhumanosãosuanecessidadedesegurançaeabuscapelaharmoniasocial.
Para que a sociedade sobreviva é necessário que os conflitos sejam resolvidos (compostos) e
paratanto,osmembrosdosgrupossociaisdispuseramdeváriosmeioscomoobjetivodeestabe-
lecerlimitesàsaçõeshumanasepromoveroequilíbrioàsociedade.Vejamosdoisdessesmeios:
Por meio dela o indivíduo aprende os papéis que
assumirá na sociedade. Tais papéis implicam no
desempenho de várias obrigações que necessitam
de um controle social.
Socialização
Visa cuidar que não se deixe de cumprir o
necessário para a manutenção do equilíbrio da
organização social. O Direito é o modo mais formal
do controle social.
Controle social
Direito e Moral são conceitos
próprios e distintos, mas são
inseparáveis.
26 • capítulo 1
Dessaforma,foramsurgindoosinstrumentosdecontroleemanutençãodaordemsocial.
ATENÇÃO
O Direito é um desses instrumentos, cujo principal objetivo é o estabelecimento de normas de conduta
visando prevenir o conflito e viabilizar a existência em sociedade, trazendo paz, segurança e justiça.
A Interação e a Ordem Social
Chamaremos de ordenamento social o fenômeno do regramento do convívio entre os ho-
mens, em um permanente processo de socialização do ser humano, por meio de métodos
e preceitos que vão sendo criados pelo grupo para padronizar a conduta individual, ade-
quando-a ao convívio.
A tarefa ou o conjunto de tarefas que o Direito desempenha, ou pode desempenhar na
sociedade constitui sua função que inclui promover a ordem, a certeza, a segurança, a paz
e a justiça.
O Direito aparece, desse modo, ao longo de um processo histórico, dialético e cultural,
como uma técnica, um procedimento de solução de conflitos de interesses e, simultanea-
mente, como um conjunto sistematizado de normas de aplicação mais ou menos contínua
aos problemas da vida social, fundamentado e legitimado por determinados valores sociais.
O conflito gera litígio e este, por sua vez, quebra o equilíbrio e a paz social. A sociedade
não tolera o estado litigioso porque necessita de ordem, tranquilidade, equilíbrio em suas
relações. Por isso, tudo faz para evitar e prevenir o conflito, e aí está uma das principais fina-
lidades sociais do Direito – evitar tanto quanto possível à colisão de interesses.
ATENÇÃO
Nesse sentido, as principais funções do Direito seriam solucionar conflitos e regulamentar e orientar a vida
em sociedade assim como, legitimar o poder político e jurídico.
O Direito atua para solucionar conflitos de interesses ou restaurar o estado anterior,
sendo, então, um instrumento de integração e de equilíbrio, oferecendo ou impondo re-
gras de comportamento para decisão que o caso sugere. O exercício de tal função não leva-
ria, contudo, ao desaparecimento dos conflitos, que são inerentes à sociedade.
O Direito também orienta o comportamento social, objetivando evitar conflitos. O cará-
ter persuasivo das normas jurídicas leva-nos a atuar no sentido dos esquemas ou modelos
normativos do sistema jurídico. O Direito observado desse modo surge como organizador
da vida social e instrumento de prevenção de conflitos.
O Direito apresenta ainda, a tarefa de organizar o poder da autoridade que decide os
conflitos, legitimando os órgãos e as pessoas com o poder de decisão e estabelecendo nor-
mas de competência e de procedimento.
capítulo 1 • 27
CONCEITO
FUNÇÃO SOCIAL DO DIREITO
FUNÇÃO PREVENTIVA
Disciplinamento social, estabelecendo regras de conduta, direitos e
deveres.
FUNÇÃO DE CONTROLE SOCIAL
Socializador em última instância. Só é necessário quando a conduta
humana já se apartou da tradição cultural aprendida pela educação,
pela moral e religião e alcançou o nível do ilícito, ou do crime.
FUNÇÃO COMPOSITIVA
O conflito por vezes é inevitável e necessário se faz solucioná-lo. E
aí está outra função social do direito: compor conflitos.
O Estado e a ordem social
O Direito existe, em tese, muito mais para prevenir do que para corrigir, muito mais para
evitar que os conflitos ocorram, do que para compô-los.
FUNÇÕES E FINALIDADES ESPECÍFICAS QUE COMPETEM AO DIREITO
Controle social.
Prevenção e composição de conflitos de interesses.
Promoção de ordem e segurança.
Resolução dos conflitos de interesse.
Repressão e penalização dos comportamentos socialmente inadequados.
Organização da produção e uma justa distribuição de bens e serviços.
Institucionalização dos poderes do Estado e da Administração Pública.
Realização da justiça e do respeito aos direitos humanos.
A sociedade humana tem uma estrutura natural sem a qual falhariam as tentativas de
organizá-la: as instituições.
As instituições são vigas estabelecidas pelo costume, pela razão e pelos sentimentos,
que alicerçam a sociedade, estruturando-a. A mais antiga das instituições seria a família e
a mais relevante de todas seria o Estado.
Cumpre ao Estado a tarefa de estabelecer o ordenamento jurídico, que é o conjunto de
normas de conduta juridicamente relevantes para o conjunto da sociedade, realizado por
meio de procedimentos próprios, no processo legislativo.
28 • capítulo 1
RESUMO
Vejamos um breve resumo do que foi apresentado neste capítulo:
A palavra direito traz em si uma infinidade de significados.
O Direito é uma instituição fundamental para a manutenção da sociedade e do ser
humano em seu convívio social.
O direito é um fenômeno que afeta todos os aspectos da vida humana.
Há uma relação entre Direito e Moral que se modificou ao longo da história.
O Direito é um instrumento de controle social e de realização da justiça e do
respeito aos direitos humanos.
ATIVIDADE
1. Analise o significado da palavra direito colocada entre parênteses em cada uma
das frases a seguir e, depois, aponte a opção CORRETA:
I - O direito brasileiro não permite a pena de trabalhos forçados. (lei)
II - O Estado tem o direito de julgar os criminosos. (faculdade/poder)
III- É direito que todos sejam iguais perante a lei. (justo)
IV- Ananias é especialista em direito. (ciência)
(A) Todas as opções estão erradas.
(B) Todas as opções estão corretas.
(C) Somente a primeira opção está correta.
(D) Somente duas opções estão corretas.
(E) Somente uma opção está correta.
2. Não existe vida em sociedade sem direito. Nesta afirmativa o vocábulo DIREITO significa:
(A) Ciência
(B) Poder
(C) Norma
(D) Faculdade de agir
(E) Fato social
3. Marque, dentre as opções que se seguem, a única proposição verdadeira, tendo
como referência os conceitos de Direito e Moral.
(A) O Direito tem um campo de ação mais amplo que a moral.
(B) O Direito se interessa apenas pela ação exterior do ser humano, enquanto a
Moral está relacionada com o foro íntimo do indivíduo.
(C) A Moral, geralmente, estabelece sanções mais concretas e imediatas.
(D) A Moral sempre influenciou a criação das normas de Direito.
(E) Ambos, Moral e Direito são autônomos.
CONCEITO
O Ordenamento Jurídico
Ordenamento Jurídico pode ser consi-
derado como a organização e o disci-
plinamento da sociedade realizada por
intermédio do Direito, ou seja, concre-
tizados por meio de normas exclusiva-
mente jurídicas.
capítulo 1 • 29
4. Leia as assertivas:
I - “O Direito não é o único instrumento responsável pela harmonia da vida social”. (Paulo Nader)
II - O conflito por vezes é inevitável, e necessário se faz solucioná-lo. E aí está outra função social do direito:
compor conflitos.
III - A Filosofia do Direito estuda o direito, o fenômeno jurídico, como um fato social, decorrente das rela-
ções sociais.
IV - A Ciência do Direito se preocupa com a normatividade do direito positivo – o dever ser.
Agora, assinale a alternativa CORRETA:
(A) Todas as opções estão corretas.
(B) Somente a primeira opção está correta.
(C) Somente as opções I, II e IV estão corretas.
(D) Somente as opções III e IV estão corretas.
(E) Todas as opções estão erradas.
5. Verifique no dicionário jurídico, quais são os conceitos de direito encontrados. Transcreva-os, indicando as
fontes consultadas. Exemplifique a diferença entre o senso comum e um conceito científico sobre o Direito.
6. Agora, com base nas experiências e conhecimentos até aqui adquiridos, para você, o que é o direito?
2
A História do
pensamento
jurídico
paulo mendonça
32 • capítulo 2
A ideia do Direito natural: o Jusnaturalismo
Chama-se jusnaturalismo a corrente de pensamento que reúne todas as
ideiasquesurgiram,nocorrerdahistória,emtornodoDireitoNatural,sob
diferentes orientações. Nele, há a convicção de que, além do Direito escrito,
há outra ordem, superior àquela e que é a expressão do Direito justo.
O pensamento predominante na atualidade é o de que o Direito Na-
tural se fundamenta na natureza humana, derivando de um conjunto
de concepções de ordem moral, que se sucedem e se modificam ao lon-
go dos séculos.
O Direito Natural forma um sistema superior de normas, preexisten-
te à normatividade estatal, que apresenta uma leitura moral impositiva
a respeito do Direito.
A partir do momento
em que o legislador se
desvincular da ordem
natural, estará criando
uma ordem jurídica ile-
gítima. O divórcio entre
o Direito Positivo e o Na-
tural gera as chamadas
leis injustas, que negam ao homem o que lhe é devido.
Três concepções básicas sobre o Direito
Natural ao longo da História
A existência de um Direito Natural superior, que condiciona o próprio
direito positivo perpassa a história das ideias jurídicas como um todo,
de modo ininterrupto desde a Antiguidade grega até o final do Século
XVIII. Porém, seu conteúdo irá variar de acordo com o tempo e com os
parâmetros morais que são consagrados nas diferentes sociedades.
2CONCEITO
Direito Natural
Considera-se o Direito Natural como di-
reito justo por natureza, que independe
da vontade do legislador, sendo deriva-
do da natureza humana (jusnaturalismo)
ou dos princípios da razão (jusraciona-
lismo) e sempre presente na consciên-
cia dos homens.
De acordo com a visão
jusnaturalista, o legislador
deve ser, ao mesmo tempo,
um observador dos fatos
sociais e um analista da
natureza humana.
A História do
pensamento jurídico
capítulo 2 • 33
A partir de uma análise das diferentes experiências históricas, é possível identificar três
vertentes básicas acerca do direito natural, a saber:
LEI ESTABELECIDA PELA
VONTADE DIVINA
Concepção teológica do Direito Natural: própria de agrupamen-
tos sociais orientados por uma cultura mítica, na qual as normas
de conduta refletem os padrões morais preservados pela religião
dominante. Esta concepção parte do pressuposto de que existe
uma ordem sobrenatural ou transcendente que condiciona o
mundo físico e o próprio agir das pessoas, sendo em realidade os
deuses os responsáveis pela criação das regras de conduta, que
irão disciplinar a vida em sociedade, sendo as autoridades
humanas meras porta-vozes desta vontade superior.
LEI NATURAL, APLICÁVEL
UNIVERSALMENTE, EM
TODAS AS ÉPOCAS E LOCAIS
Concepção cosmológica do Direito Natural: esse caráter
universal deriva da noção de que existe uma ordem natural das
coisas, decorrente de parâmetros de valor atemporais, alcançan-
do a todos os locais, pessoas e épocas. Trata-se de uma
decorrência da transição das culturas míticas, para as visões
laicas sobre a realidade, segundo as quais uma ordem moral
superior deve orientar as ações humanas. A realidade não é mais
vista como uma mera emanação da vontade divina e sim como
um resultado de uma racionalidade observada no funcionamento
da própria natureza, cujos fenômenos podem ser explicados
racionalmente. Da mesma forma, as regras que condicionam as
ações humanas em sociedade devem observar certos parâmetros
gerais, extraídos de uma ordem universal.
LEI RACIONAL OU
INDIVIDUALISTA
Concepção racionalista do Direito Natural: parte da existência de
uma lei natural associada à própria existência humana. Como ser
dotado de racionalidade, o homem lança mão de seu intelecto e
da experiência na organização da sociedade política e na
produção do direito positivo, que deve obedecer a parâmetros
gerais ditados pela razão humana.
Aspectos comuns às diferentes concepções
Embora as diversas concepções sobre o Direito Natural, surgidas ao longo do tempo, sejam
bastante diferentes entre si no que tange ao conteúdo, em alguns casos até incompatíveis,
há alguns trações fundamentais, a seguir descritas, que contribuem para que todas sejam
genericamente referidas como jusnaturalistas:
Todas conduzem a juízos de valor, ou seja, diversas concepções sobre o Direito: isto corresponde a
dizer que toda a visão jusnaturalista, independentemente de sua essência, tem como pressuposto
uma leitura moral a respeito do direito, com base em valores previamente estabelecidos.
Tais juízos têm uma fonte universal e imutável na revelação, na natureza, ou na razão, de acordo com
o tipo de concepção que se adote: diante de tal fato, pode-se concluir que todas as correntes de
pensamento associadas ao jusnaturalismo partem do princípio da existência de apenas um Direito
Natural, que confirma os valores por ele preservado.
34 • capítulo 2
Seja na visão teológica, na universalista propriamente dita ou na racional-indi-
vidualista, em todas elas o Direito Natural é orientado por um conjunto de
princípios, expressos por valores supremos, que darão sistematicidade e
coesão ao conjunto das regras e diretrizes de ordem moral estabelecidas pelo
modelo de Direito Natural respectivo.
Os juízos de valor prevalecem sobre a lei positiva: é uma premissa essencial do
Direito Natural a crença na existência de uma hierarquia entre a lei natural e a
lei positiva, sendo a primeira determinante da validade da segunda. Para o
jusnaturalista, a lei que contraria preceitos do Direito Natural não é válida.
Qualquer relativização desta premissa implicará no enquadramento da corrente
de pensamento respectiva em outra vertente do pensamento jurídico, que não
a do Direito Natural.
Origens do Direito Natural
Uma vez estabelecidos os marcos conceituais básicos a respeito do
Direito Natural, cabe realizar uma breve contextualização histórica
das diferentes concepções sobre o Direito Natural, anteriormente
descritas, a fim de situá-las de forma mais precisa no tempo e identi-
ficar as suas motivações.
Antiguidade clássica
Grécia antiga
Os gregos foram os primeiros preocupados em estabelecer uma correla-
ção entre o direito que vigorava na cidade e uma razão presente na natu-
reza, associada ao princípio de Justiça.
Os Estoicos
Foram os responsáveis pela
associação no mundo gre-
go entre a natureza e uma
ordem racional.
Dentro deste equilíbrio
de uma ordem cósmica de-
verá se inserir a lei da cidade, que deve ser voltada não apenas a manter a
ordem social, mas também a fazê-lo de modo racional. Da mesma forma
que os elementos da natureza interagem de forma equilibrada, as leis
criadas pelos homens para regular a vida na cidade devem contar com
uma racionalidade extraída da ordem natural.
CURIOSIDADE
Antiguidade
Período histórico compreendido, aproxi-
madamente, entre o século XXX A.C. e
o século V da Era Cristã.
EXEMPLO
A Antígona de Sófocles (494-406 a.C.):
na tragédia grega já é possível identifi-
car uma preocupação com a correlação
existente entre a ideia de justiça e as
leis da cidade. Na Antígona, Sófocles
relata o julgamento da personagem de
mesmo nome, que teria violado as leis
da cidade de Tebas, ao sepultar clan-
destinamente seu irmão Polinice, que
fora morto durante uma insurreição
contra o rei Creonte. De acordo com as
leis da cidade, aquele que fosse morto
em traição ao governo da cidade não
teria direito a um sepultamento segun-
do os ritos, então consagrados, e seu
corpo deveria ser atirado aos cães. Em
sua defesa, Antígona justifica o seu ato
com base em valores superiores, pois
todo homem, por pior que tenha sido a
sua conduta em vida tem direito a um
sepultamento digno: “tuas ordens não
valem mais do que as leis não escritas
e imutáveis dos deuses, que não são de
hoje e nem de ontem e ninguém sabe
quando nasceram”.
Segundo a filosofia
estoica, existiria uma
ordem natural das coisas,
imutável, igual em todas
as épocas e locais.
capítulo 2 • 35
Os romanos
Por inspiração de Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.), que é tido como o último dos estoicos ou o
estoico romano, os juristas romanos da Antiguidade foram capazes de converter em Institui-
ções de Direito o conjunto das ideias dos gregos, o que fez com que aquele vínculo constante
entreosvaloressuperioresdaordemnaturalservissemdeparâmetroparaoprocessotécnico
de produção do direito e para a definição do próprio conteúdo de suas normas.
ATENÇÃO
Esses valores são à base do processo de construção do Direito Romano na Antiguidade desde a Repú-
blica até o Império.
O próprio conceito de Ius Gentium (“Direito das Gentes”) tem como fundamento uma
suposta universalidade do Direito. Com a expansão dos domínios territoriais dos Roma-
nos, surgiu uma dificuldade de ordem prática, uma vez que o Ius Civile arcaico era aplicável
somente aos cidadãos romanos, que eram os filhos de pai e mãe romanos.
Da necessidade de aplicar o direito às novas regiões que passaram a estar submetidas
ao poder dos romanos decorreu a institucionalização da figura do Pretor Peregrino, que era
exatamente o magistrado judicial, cuja competência compreendia a aplicação do direito
àqueles que não eram cidadãos romanos.
Ocorre que, em não sendo a eles aplicável o direito civil romano, os pretores peregrinos
passaram a criar um direito próprio, expresso por novas ações incluídas anualmente em
seus Editos, além das chamadas actiones in facto, que eram criadas a partir da resolução de
casos concretos, com base em princípios de equidade.
REFLEXÃO
Segundo Cícero, na República, Livro III, 17: “Existe uma verdadeira lei, conforme à natureza, gravada em
todos os corações, imutável, eterna; sua voz ensina e preserva o bem; suas proibições afastam o mal. Ora
com seus mandatos, ora com suas proibições, jamais se dirige inutilmente aos bons, nem fica impotente
ante os maus. [...] Essa lei não pode ser contestada, nem anulada, nem alterada em parte. Nem o povo,
nem o senado podem dispensar-nos de seu cumprimento; não há que procurar para ela outro comentador
nem intérprete, não é uma a lei em Roma, e outra em Atenas, uma agora, e outra depois, senão uma lei
única, eterna e imutável, que obriga entre todas os povos e em todos os tempos; um só será sempre o seu
imperador e mestre, Deus, seu inventor, sancionador e publicador, não podendo o homem desconhecê-lo
sem renegar-se a si mesmo, sem despojar-se de seu caráter humano e sem deixar de atrair sobre si as
penas máximas, ainda que tenha conseguido evitar os demais suplícios”.
A correlação entre este novo direito, chamado de Ius Gentium e o universalismo da ideia
de direito natural reside no fato de que este era um direito que surgia sem qualquer baliza-
mento anterior, que não os juízos de valor e a concepção de justiça preservados pelo magis-
trado romano, no momento em que se deparava com alguma situação inédita.
Tal procedimento sofreu uma massificação, até mesmo porque os destinatários do Ius
Gentium passaram a compreender a maior parte das pessoas submetidas à autoridade ro-
36 • capítulo 2
mana, chegando a um ponto em que este direito se mostrou mais dinâ-
mico e moderno do que o direito civil romano tradicional, suplantando
ao final este último.
Fato é que, mesmo com o declínio da República Romana, com a con-
centração dos poderes nas mãos dos Imperadores, esta forma de apli-
cação do direito permaneceu viva, não mais sob a responsabilidade dos
Pretores, uma vez que houve um enfraquecimento das magistraturas,
e sim a partir da atuação dos jurisconsultos. Estes eram grandes estu-
diosos do Direito, que emitiam pareceres a pedido das partes nos pro-
cessos judiciais, a respeito de questões jurídicas inéditas, surgidas no
curso dos litígios (conflitos).
Embora eles não fossem integrantes das magistraturas romanas,
os pareceres dos prudentes passaram a ser a base para as Instituições
do Direito Privado Romano, que são o berço do Direito Civil ocidental,
sendo o processo de produção de tais ideias jurídicas essencialmente
fundado na utilização de princípios superiores de Direito de inspiração
jusnaturalista, na resolução de casos concretos.
A partir do Século IV, com a conversão dos imperadores romanos ao
cristianismo, teve início uma importante mudança em termos culturais
na Europa, principalmente no que se refere à passagem da cultura laica
que se afirmou com o mundo grego para uma leitura teológica da reali-
dade, que será base de todas as ideias no período medieval.
Com a queda do Império Romano do Ocidente, no Século V, há um
gradativo processo de perda dos vínculos com a cultura da Antiguidade,
notadamente a filosofia grega e o direito romano. Ambos serão suplan-
tados por um padrão cultural na Alta Idade Média, orientado por um
monoteísmo cristão e pela afirmação do poder temporal da Igreja.
Direito Natural é igual ao Direito Divino
Em meio a tais mudanças, o perfil do Direito Natural também se al-
tera, passando a noção de lei natural estar diretamente associada
à providência divina, sob a inspiração da denominada Patrística. O
pressuposto da onipotência e onipresença de Deus servirá de base
para todo um conjunto de procedimentos de inquérito da Alta Idade
Média, que tem como pressuposto a atuação de Deus como juiz. São
práticas como as do ordálio e das provas, em que o acusado é subme-
tido a sortilégios físicos e provas irracionais, nas quais Deus deter-
minará a sua culpa ou inocência (“Juízos de Deus”).
COMENTÁRIO
Direito
A leitura histórica sobre as origens do
Direito constata que o seu nascedouro
está intimamente associado à existência
de um parâmetro geral de Justiça orien-
tador do processo de criação do Direito.
CURIOSIDADE
Idade Média
Período histórico compreendido, apro-
ximadamente, entre os séculos V e XV.
capítulo 2 • 37
ATIVIDADE
Para saber mais:
Leia o livro O NOME DA ROSA, de Humberto Eco, ou assista ao filme de mesmo
nome, do diretor Jean-Jacques Annaud, produção Alemanha, Itália e França,
1986, 130 min., son., color.
Fonte: IMDb
Com o advento do que se convencionou chamar de Baixa Idade
Média, expressivas mudanças ocorreram na Europa medieval, sendo
importante se destacar o processo de formação dos primeiros núcle-
os urbanos, a partir das corporações mercantis nascentes. Esse mo-
mento marca o renascimento cultural da Idade Média, com o surgi-
mento das primeiras universidades europeias e, com elas, a criação
de um ambiente de debate acadêmico orientado pela retomada dos
estudos da cultura da Antiguidade, notadamente da filosofia grega e
do direito romano.
Obviamente, a Igreja era e ainda será por um longo tempo uma força
poderosa em termos políticos e cultu-
rais na Europa medieval. Sendo assim,
é compreensível que o refinamento do
ambiente intelectual da Europa con-
tasse com o protagonismo dos mem-
bros do clero. Primeiramente, porque
os textos da Antiguidade se encon-
travam depositados nas bibliotecas
clericais. Em segundo lugar, porque a
intelectualidade medieval era formada
basicamente pelos integrantes da Igre-
ja, que, inclusive, eram uns dos poucos a terem acesso às letras.
Grande referência da chamada escolástica medieval, que representa-
va basicamente uma espécie de releitura filosofia da Antiguidade, à luz
da teologia cristã, São Tomás de Aquino reafirma a existência de uma lei
natural primária, que corresponderia à concepção da Patrística, de uma
lei de Deus imutável e eterna, inacessível aos homens.
Todavia, Tomás de Aquino lança a ideia inovadora de uma lei na-
tural secundária, social e humana, que deve ser orientada pelos de-
sígnios do Criador, mas que pode não ser, uma vez que é produto do
intelecto do próprio homem.
O ideal é que a lei humana seja um instrumento para a concretização
do Reino de Deus na Terra, buscando o alcance do bem comum, expres-
so pela fraternidade cristã.
A importância do pensamento tomista (conjunto das ideias de S. To-
más de Aquino) para o campo do Direito Natural reside no fato de que a
repartição da lei natural por ele promovida lança as bases de uma nova
CURIOSIDADE
A Baixa Idade Média é o período compre-
endido, aproximadamente, entre a segun-
da metade do Século XI e o Século XV.
AUTOR
São Tomás de Aquino (1225-1274)
Teólogo e filósofo medieval, cuja princi-
pal obra é a chamada Suma Teológica,
representa um dos principais nomes da
escolástica da Baixa Idade Média, tendo
sido responsável pelo retorno ao estudo
dos filósofos da Antiguidade, principal-
mente de Aristóteles, desenvolvendo os
fundamentos da concepção racional da
Lei Natural, que será posteriormente a
base do Direito Natural Moderno.
São Tomás de
Aquino promoveu
uma cisão da lei
natural divina,
inspirada pelo
pensamento de
Aristóteles.
38 • capítulo 2
concepção sobre o Direito Natural, que irá ganhar corpo a partir da Idade
Moderna, que é exatamente aquela associada à Razão Humana.
Não obstante se mostrarem conectadas no pensamento de Tomás
de Aquino, as leis naturais primária e secundária são, na prática, in-
dependentes:
LEI NATURAL PRIMÁRIA
Decorre da providência divina e escapa do
controle dos homens.
LEI NATURAL SECUNDÁRIA
É resultado direto da vontade dos seres
humanos, devendo estar em concordância com a
vontade de Deus, mas podendo na prática dela
se afastar, por ser uma criação da sociedade.
A leitura tomista lança os fundamentos da noção de livre arbítrio,
que representa a capacidade de escolha de cada pessoa sobre o caminho
a seguir, que será uma das bases da noção moderna de razão, que servi-
rá de inspiração para uma das concepções sobre o Direito Natural.
A Modernidade (Idade Moderna) marca o fim do extenso período de
hegemonia (predominância) intelectual da Igreja medieval e o surgi-
mento da concepção racional sobre o Direito Natural, sendo importante
se destacar alguns fatos e mudanças no campo das ideias, que foram
fundamentais para a virada ocorrida no pensamento jurídico moderno.
A Reforma Protestante, marco da cisão da doutrina cristã do Oci-
dente, representa o rompimento com o monopólio da interpretação das
Sagradas Escrituras pela Igreja e a busca de uma nova teologia. Capita-
neada inicialmente por Martinho Lutero, a Reforma trouxe importantes
modificações na compreensão do relacionamento entre Deus e os ho-
mens, fator que irá influenciar substancialmente as mudanças no pen-
samento ocidental como um todo.
Lutero deslocou o eixo da responsabilidade para o próprio Ho-
mem, que deveria ser o verdadeiro responsável por suas escolhas e
assumir individualmente as consequências de seus erros, com base
na doutrina do livre arbítrio. Com isso, foram lançadas as bases de
toda uma visão individualista fundada na Razão humana, que irá
nortear o pensamento moderno, com claros reflexos na filosofia, nas
ciências, nas artes e no próprio Direito.
Escola do Direito Natural (Séculos XVII e XVIII)
Expressãogenéricaquereúnediferentestendênciaseautoresdopensamento
moderno, que associaram a noção de Direito Natural à ideia de Razão, como
atributodoserhumano,queécapazdefazersuasprópriasescolhas,indepen-
dentementedavontadedivina.Conceitosemcomumsobreaexistência:
CURIOSIDADE
Idade Moderna
Período histórico posterior ao século
XVI — criação dos Estados Nacionais.
AUTOR
Martinho Lutero (1483-1546)
Em linhas gerais, Lutero era crítico do
papel desempenhado pela Igreja du-
rante a Idade Média, como única inter-
mediária entre Deus e os homens, ao
determinar a verdadeira interpretação
dos Evangelhos, promover a remissão
dos pecados e lançar mão da venda de
indulgências, a fim de assegurar aos
pecadores o acesso ao Paraíso. Em re-
alidade, Lutero defendia que a relação
entre os homens e o Criador não passa-
va pela intermediação de qualquer ins-
tituição humana, havendo uma relação
direta, na qual cada um assumia perante
Deus o risco da danação eterna por sua
conduta pecaminosa. Não sendo possí-
vel a cura do pecado, a postura das pes-
soas deveria ser preventiva em relação
às condutas contrárias à vontade divina.
capítulo 2 • 39
DE DIREITOS
NATURAIS INATOS
Cada um nasce com determinados direitos que
preexistem e independem da vontade do Estado,
cabendo a este apenas declará-los.
DE UM ESTADO
DE NATUREZA
Um momento hipotético antecedente à formação
da sociedade política, em que não havia limites à
atuação dos indivíduos na satisfação de seus
interesses.
DE CONTRATO SOCIAL
Representa o pacto fundacional da sociedade
política, segundo o qual os indivíduos abririam
mão de parte de sua liberdade plena no estado
natural em prol de um Poder Soberano, que lhes
garantiria a vida e a segurança contra a possível
ameaça perpetrada por seus semelhantes, na
busca da satisfação de seus apetites individuais.
Sob esta ótica, o Estado e o próprio direito seriam produto de opções
racionais de cada um dos indivíduos, que renunciariam à liberdade ple-
na no estado natural, em troca da preservação de sua integridade e de
seu patrimônio.
AUTOR
Hugo Grócio (1583-1645)
Tido como o precursor do Direito Interna-
cional, por haver escrito obras relativas à
liberdade de navegação em pleno período
de monopólio das rotas marítimas e sobre
os limites éticos das guerras, o holandês
Grócio defendia a existência de uma lei
natural humana de cunho laico e racional.
Nas palavras do autor: “O Direito Natural
existiria mesmo que Deus não existisse
ou que, existindo, não cuidasse dos assun-
tos humanos”.
O declínio do Direito Natural
No Século XIX ocorreu, pela primeira vez, uma separação rigorosa entre
o Direito e a Moral. Com as revoluções burguesas da segunda metade do
Século XVIII, principalmente a Revolução Francesa de 1789, afirmaram-
se princípios jurídicos como legalidade, separação de poderes e isono-
mia, que investiram em uma valorização do direito positivo criado pelo
Estado, em detrimento de fontes históricas tradicionais, como o Direito
AUTOR
Thomas Hobbes (1588-1679)
Pensador inglês do Século XVI, que em
sua principal obra – O Leviatã – discutiu
o conceito de Poder Soberano e o surgi-
mento da sociedade política, a partir de
um pacto inicial, em que os indivíduos re-
nunciam à sua liberdade plena no estado
de natureza em favor do Soberano, que
não experimenta limites à sua atuação
na garantia da ordem e da segurança
das pessoas.
A mudança relevante trazida pelo pen-
samento hobbesiano reside no fato de
que ele busca nos próprios indivíduos a
base para a existência do poder político,
em substituição às doutrinas da delega-
ção divina de poder, que dominaram o
pensamento político da Baixa Idade Mé-
dia. Com a laicização cultural ocorrida a
partir do Século XVI era preciso buscar
um fundamento para autoridade real em
outra fonte que não mais a vontade de
Deus. Com isso Hobbes constrói um
fundamento racional para a existência
da autoridade do Estado, a partir de uma
escolha feita pelos próprios membros
da sociedade política.
40 • capítulo 2
Canônico, o Direito Costumeiro e o próprio Direito Natural, tidas como irracionais, casuís-
ticas e contrárias aos ditames do Estado Liberal.
Investiu-se, então, na racionalização e sistematização do Direito, expressos na França
pelo movimento das codificações de direito, cujo documento referencial foi o Código Civil
francês de 1804, o chamado “Código de Napoleão”, que foi a base do positivismo jurídico
francês, expresso pela Escola da Exegese, que será estudada a seguir.
O jusnaturalismo experimentará um eclipse de aproximadamente um século, período
em que o debate jurídico gravita basicamente em torno do formalismo e do legalismo de
correntes do Positivismo Jurídico e da defesa do Direito como fato social promovida por
correntes de viés sociológico e realista.
CURIOSIDADE
Retorno ao Direito Natural após 1945
As atrocidades e perseguições praticadas em diversos países com base em regras de direito e os próprios
horrores da Segunda Guerra Mundial, que culminaram no Holocausto do povo judeu na Alemanha Nazis-
ta, no genocídio Estalinista na antiga União Soviética e no lançamento da bomba atômica em Hiroshima
e Nagasaki, levaram os juristas a um repensar do papel do próprio direito e a admitirem a existência de
um conjunto de direitos, de caráter universal, inerentes à pessoa humana, que devem ser respeitados em
qualquer sociedade, independente do regime político, como a vida, a liberdade, a dignidade, entre outros.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem da Organização das Nações Unidas, de 1948, é um
documento representativo desta nova concepção universalista sobre o direito, fundada em valores supe-
riores, decorrentes da condição humana, representando, em realidade uma retomada da discussão ética
no campo do Direito, reabilitando a questão dos valores na reflexão jurídica, o que remete de certa forma,
à leitura axiológica do direito presente no jusnaturalismo.
Assista aos filmes:
O LEITOR. Direção: Stephen Daldry. Produção: The Weinstein Company. Estados
Unidos/Alemanha, 2008, 124 min., son., color.
Fonte: IMDb
HANNAH ARENDT – Ideias que chocaram o mundo. Direção: Margarethe Von Trotta. Pro-
dução: Heimatfilm. Alemanha/Israel/Luxemburgo/França, 2012, 113 min., son., color.
Fonte: IMDb
capítulo 2 • 41
O positivismo jurídico
Conforme destacado no item anterior, o positivismo jurídico surge na
Idade Moderna, a partir de uma preocupação em investir na sistemati-
zação e na racionalização do direito, negando a importância das fontes
casuísticas e imprecisas do direito, a começar pela ideia do Direito Natu-
ral, que seria impregnado de considerações de ordem moral, que impos-
sibilitavam a criação de um direi-
to impessoal e igual para todos.
Na visão positivista, a Ciência
do Direito tem por missão estudar
a correlação entre as normas que
compõem a ordem jurídica vigen-
te. Em relação à justiça, a atitude
do positivismo jurídico é a de um
ceticismo absoluto.
Para os cultores do positivis-
mo jurídico, fora da experiência jurídica, do fato ou do Direito Positivo,
isto é, do direito reconhecido pelo Estado e em suas leis, não há direito.
O direito identifica-se com o direito estatal, na dependência da vontade
do legislador, na tradição europeia continental ou nos precedentes ju-
risprudenciais, na tradição anglo-saxônica do Common Law.
Correntes do positivismo jurídico
O positivismo jurídico não é somente uma corrente de pensamento jurídi-
co, mas também uma tendência formalista no campo das ideias jurídicas,
que se identifica com diferentes correntes do pensamento jurídico do Sé-
culo XIX, surgidas em distintos sistemas jurídicos europeus, podendo ser
identificadastrês escolas principais: Escolada Exegese, naFrança; Pandec-
tismo Jurídico, na Alemanha e Jurisprudência Analítica, na Inglaterra.
Escola da Exegese
Corrente originária do ambiente intelectual posterior à Revolução Fran-
cesa tinha caráter formalista, legalista, codicista e livre de qualquer
aspecto moral ou fático. Só o Estado pode criar o direito, por meio do
Poder Legislativo. O seu objeto de estudo era o Código Civil de 1804, o
Código de Napoleão, que representou um marco do movimento de codi-
ficação do direito no Século XIX. Justamente daí deriva a denominação
dessa Escola, uma vez que exegese é um sinônimo de interpretação.
Trata-se de uma escola ligada a um projeto político determinado,
de unificação do direito privado francês e que se valeu de uma técnica
Por considerar a
justiça um ideal
irracional, acessível
apenas pelas vias da
emoção, o positivismo
jurídico se omite em
relação aos valores.
CURIOSIDADE
Common Law
Denominação da tradição jurídica de
inspiração britânica, fundada não na
aplicação de textos de lei e sim em pre-
cedentes jurisprudenciais, que servirão
de parâmetro (modelo) decisório para
casos semelhantes no futuro.
42 • capítulo 2
inteiramente nova de elaboração legislativa, denominada de Código,
que seria um documento completo de toda a disciplina jurídica de uma
determinada área do direito, pondo fim a outras fontes históricas do di-
reito, tais como Direito Romano, Direito Costumeiro e o Direito Natural.
Essa forma de elaboração legislativa se expandiu para outras áreas
do direito, como o Direito Penal, o Direito Processual, o Mercantil e ou-
tros, tendo o próprio Código de Napoleão sido um grande produto de
exportação francês naquele período, tanto para outros países da Europa
Continental, quanto para os países latino-americanos, que haviam re-
centemente conquistado a sua independência.
ATENÇÃO
A tese fundamental da Escola da Exegese é a de que o Direito é o revelado pelas
leis, que são normas gerais escritas emanadas do Estado, constitutivas de direito
e obrigações, em um sistema de conceitos bem articulados e coerentes que não
apresenta lacunas.
O Pandectismo Alemão e sua relação com a Escola Histórica
A compreensão do perfil do Pandectismo Jurídico, escola representativa
do positivismo jurídico na Alemanha do Século XIX, exigirá uma prévia
contextualização das instituições de direito e do pensamento jurídico
germânico daquele período, a fim de que se possa melhor compreender
a complexa trajetória que levou à sua consagração na segunda metade
do Século e, principalmente, a sua relação com a chamada Escola Histó-
rica alemã, que era antipositivista na sua origem, mas paradoxalmente
lançou os fundamentos do positivismo jurídico na Alemanha.
Em 1814, Thibaut publicou uma obra defendendo a codificação do
direito alemão, como elemento viabilizador da organização do direito
e fomentador da unidade nacional. No mesmo ano, Savigny publicou
uma obra defendendo o costume como legítima fonte do direito. Para
ele, a codificação representaria uma indevida invasão estrangeira na
rica cultura jurídica alemã.
Savigny questionou o projeto codificador, por entender que a Ale-
manha não formava ainda uma Nação e que, assim sendo, lhe faltava
maturidade para a adoção do código. Ele era contra um plano prematu-
ro de codificação, invocando contra a
lei abstrata e racional a força viva dos
costumes, tradução imediata e genu-
ína do que denominava “espírito do
povo”, pois temia que a precipitação
codificadora gerasse leis dotadas de
COMENTÁRIO
Contexto Histórico
Cabe destacar que, no início do Sécu-
lo XIX, a Alemanha não constituía um
Estado unificado politicamente, o que
somente ocorrerá na década de 1870.
O que existia era um conjunto de rei-
nos independentes, que formavam a
chamada Confederação Germânica.
Dessa forma, o debate jurídico do início
do Século XIX, na Alemanha, envolvia
não apenas divergências doutrinárias,
mas também a questão do nacionalismo
germânico. Acrescente-se que lá exis-
tia uma sólida elite intelectual jurídica,
versada no estudo das Instituições do
Direito Romano, que resistia à ideia de
uma mera importação de um modelo de
codificação de inspiração francesa.
Em meio a esse quadro complexo, ins-
taurou-se um debate entre juristas ale-
mães, no início do Século XIX, acerca da
conveniência ou não da codificação do
direito germânico.
AUTOR
Anton Friedrich Justus Thibaut
(1772-1840)
Assim como Savigny, era um estudioso
do Direito Romano, havendo travado
importante debate com este último, no
início do Século XIX, acerca da conve-
niência da adoção da codificação do
direito nos moldes franceses, como um
elemento facilitador do processo de uni-
ficação política da Alemanha. Sua pro-
posta não prospera em um primeiro mo-
mento, com o predomínio da concepção
costumeira sobre o direito adotada pela
Escola Histórica alemã.
“O Direito deve
ser a expressão do
espírito do povo”
Savigny.
capítulo 2 • 43
vigência, de validade técnico-formal, mas destituídas de eficácia ou de
efetiva existência como comportamento, como conduta.
Savigny afirmava que o povo manifesta-se especialmente por meio
de regras de caráter consuetudinário, que cabe ao legislador interpre-
tar: os costumes devem exprimir-se em leis, porque somente são leis ver-
dadeiras as que traduzem as aspirações autênticas do povo.
A Escola Histórica do Direito
Seguindo o pensamento de Savigny, trata-se da primeira escola a usar
a expressão Ciência do Direito (Juris Scientia) e a adotar uma metodolo-
gia histórica de pesquisa jurídica. Opunha-se à codificação e à Teoria do
Direito Natural e defendia a formação e transformação espontânea do
direito, marcado pelo “espírito do povo” (Volksgeist).
CONCEITO
Para a Escola Histórica, o direito é um fenômeno espontâneo da sociedade, ma-
nifestado primeiro como costume, tido como a sua fonte de excelência, por corres-
ponder mais fielmente aos ideais e necessidades da sociedade em dado momento
histórico e por acompanhar de perto as transformações dos demais fatos históricos
(econômicos, éticos, políticos etc.).
A Escola Histórica considerava o costume como a fonte principal de
direito, devendo a lei derivar dele. Opunha- se ao jusnaturalismo, por-
que o considerava metafísico e divorciado da realidade histórica das so-
ciedades. Insurgiu-se contra a codificação, por petrificar o direito, impe-
dindo a sua adaptação a novas realidades.
Em realidade, este “espírito do povo” vislumbrado pela Escola His-
tórica estava muito mais identificado com o produto de uma concepção
doutrinária construída a partir do estudo de fontes históricas de direito,
principalmente o Direito Romano, do que com o direito costumeiro dis-
cutido na Teoria das Fontes de Direito.
Vale ressaltar que esta foi uma corrente de pensamento capitaneada
por civilistas de marcante formação romanista, a exemplo do próprio
Savigny, e que, naturalmente, o perfil de sua formação se fez presente
em suas ideias acerca do Direito.
Pandectismo Jurídico (Jurisprudência Conceitual)
O formalismo dominante no pensamento jurídico europeu do Século
XIX triunfou também na Alemanha, suplantando o enfoque factualista
da Escola Histórica, mas de uma forma fiel à tradição jurídica germâ-
AUTOR
Friedrich Carl Von Savigny
(1779-1861)
Principal nome da Escola Histórica ale-
mã, Savigny era professor de Direito Ro-
mano e História do Direito. Foi responsá-
vel pelo desenvolvimento de um método
histórico de estudo do Direito, que par-
tia da análise do processo de recepção
das Instituições do Direito Romano no
Ocidente medieval e de sua conjugação
com o direito costumeiro desenvolvido
nas diversas regiões da Europa, princi-
palmente na tradição germânica.
44 • capítulo 2
nica, o que fez com que, paradoxalmente, o denominado Pandectismo
Jurídico bebesse na fonte do próprio historicismo, não obstante fosse
uma escola sem preocupações com a influência dos fatos sobre o direito.
O Pandectismo Jurídico se identificava com as premissas metodoló-
gicas (formalismo, sistematicidade etc.) da Escola da Exegese francesa.
Há, contudo, uma diferença fundamental entre as escolas, uma vez que
a Escola francesa era codicista, que se desenvolveu em torno de um pro-
jeto político-legislativo capitaneado por Napoleão.
No caso alemão, tratava-se de uma Escola eminentemente de perfil
doutrinário, representada por grandes juristas, que tiveram um prota-
gonismo no processo de unificação jurídica e na construção institucio-
nal do Estado alemão de Otto Bismarck.
O Pandectismo defendia a imperatividade dos conceitos jurídicos
construídos a partir do estudo das Instituições do Direito Romano, mes-
cladas com a tradição doutrinária germânica. Conceitos como os de di-
reito objetivo, direito subjetivo, ato lícito, sujeito de direito, propriedade,
obrigação etc. formados a partir da generalização dos casos soluciona-
dos pela jurisprudência romana da Antiguidade, serviram de base para
a construção de um modelo doutrinariamente organizado, que deu ori-
gem ao que se chamou de Teoria Geral do Direito Privado, que, por sua
vez, lançou os fundamentos da denominada Teoria Geral do Direito.
Com a unificação do Estado alemão, na segunda metade do Século
XIX, formou-se um ambiente apropriado para a codificação do direito,
sendo o documento referencial deste processo o Código Civil (BGB) de
1900, que é uma legislação de inspiração pandectista, sendo substan-
cialmente distinto do Código de Napoleão.
A “Pirâmide de Conceitos” criada pelo Pandectismo estabelece uma
relação entre conceitos jurídicos, que vão se desdobrando e criando um
conjunto autônomo dentro da dogmática jurídica, como, por exemplo:
Obrigação jurídica; obrigação decorrente de contrato e decorrente de ato ilícito;
Contratos inominados e nominados; contratos em espécie: compra e venda,
mútuo, locação etc.; locação: de bens, de serviços etc.
Com suporte nesta especialização conceitual foi edificada a estrutu-
ra dos códigos, que agrupam comandos jurídicos, em função dos núcle-
os conceituais do qual fazem parte. Esse recurso de sistematização e or-
denação das regras de direito é de fundamental importância no próprio
processo interpretativo das normas, uma vez que a partir da posição
topográfica (localização) de um dispositivo legal no Código é possível
aferir a natureza específica ou genérica do comando.
CONCEITO
Pandectismo
A origem da expressão Pandectismo
está no termo Pandectas, denomina-
ção em grego do Digesto do Imperador
Justiniano, principal fonte de estudo do
Direito Romano da Antiguidade. Tal fato
demonstra a base romanística da for-
mação dos juristas que conceberam a
base conceitual do Pandectismo, sendo,
não por coincidência, a mesma fonte de
estudo dos juristas da Escola Histórica.
Diante de tal fato, é evidente a conexão
entre as duas Escolas de pensamento
alemãs. Na prática, o Pandectismo re-
presentou uma espécie de formaliza-
ção da metodologia da Escola História,
sendo algo como uma Escola Histórica
sem a História, em situação análoga à
relação entre o jusnaturalismo moderno
e Escola da Exegese francesa, sendo
esta última um Direito Natural Racional
sem os valores.
CURIOSIDADE
Direito dos Juristas
Trata-se de outra expressão para deno-
minar a Escola Pandectista alemã, que
ainda é também chamada de Jurispru-
dência Conceitual, exatamente porque na
Alemanha do Século XIX não houve uma
massificação no uso de códigos, sendo
o Direito basicamente um resultado das
construções intelectuais dos juristas.
capítulo 2 • 45
ATENÇÃO
Ressalte-se que, o BGB teve grande influência sobre o Código Civil brasileiro de 1916,
que adotou estrutura análoga, em boa parte preservada no atual Código Civil de 2002.
O normativismo jurídico
Antes de apresentar os traços característicos do normativismo jurídico,
é necessário vislumbrar o contexto intelectual do surgimento deste pen-
samento jurídico, para compreender seus objetivos e ideias.
A crise do Positivismo Jurídico
Apesardetersidoumatendênciahegemônica(majoritária)nopensamento
jurídicodoSéculoXIX,opositivismojurídicoexperimentouumaprofunda
crise, motivada por diferentes fatores, na transição para o Século XX.
O desenvolvimento dos meios de produção não foi acompanhado
de melhoria nas condições de trabalho, que se tornaram cada vez mais
penosas, com jornadas de até dezesseis horas diárias de trabalho, ex-
ploração do trabalho infantil, condições insalubres e frequentes aciden-
tes em serviço, que levavam à incapacitação temporária ou permanente
dos trabalhadores, o que os conduzia à mendicância e à marginalidade,
uma vez que inexistia qualquer sistema de cobertura social.
Diante de tal quadro, ganhou força uma crítica virulenta ao modo de
produção capitalista e à sua correspondência política, que era o Estado
Liberal, inspirada pelas ideias de um autor chamado Karl Marx, que via
naquele perfil de Estado um mecanismo de garantia do regime de ex-
ploração do homem pelo homem, que seria a base do funcionamento da
estrutura capitalista.
ATENÇÃO
Para Karl Marx, o Estado e a ideologia seriam uma mera superestrutura voltada a per-
petuar o processo de acumulação de riqueza pelos detentores dos meios de produção
à custa da mais-valia decorrente da exploração da mão de obra dos trabalhadores.
O denominado marxismo foi a inspiração de um movimento unifi-
cado dos trabalhadores contra a ordem institucional burguesa expressa
pelo Estado Liberal, que culminou na formação da Internacional Socia-
lista, cujo objetivo era suplantar a ordem desigual e injusta propiciada
pelo modo de produção capitalista.
CONCEITO
Contexto Histórico
O Século XIX foi marcado por mudan-
ças, nos campos político, social e eco-
nômico, nunca vistas na História do
Ocidente. O uso maciço dos avanços
científicos, no processo produtivo da
chamada Revolução Industrial, culminou
no desenvolvimento acelerado da indús-
tria, que veio acompanhado de um fe-
nômeno de rápida formação de grandes
núcleos urbanos na Europa, nos quais
as condições de moradia e sanitárias
eram as piores possíveis.
46 • capítulo 2
Em meio a todo esse quadro conturbado, o modelo jurídico individu-
alista do Estado Liberal foi posto em xeque e, juntamente com ele, a sua
correspondência no campo do pensamento jurídico, que era exatamen-
te o positivismo jurídico.
Diante de tal contexto, surgiram diferentes tendências no campo do
pensamento jurídico, ainda que não expressamente de inspiração mar-
xista, mas que tinham como premissa metodológica a necessidade de re-
conhecer que o direito era mero produto dos fatos, devendo ser afastados
todososesquemasteóricoseformalistasquecaracterizavamascorrentes
do positivismo jurídico, inclusive com a redução da importância que en-
tão era dada à lei, criada pelo Estado a partir do processo legislativo.
As tendências de perfil factualista dominavam o debate jurídico
das primeiras décadas do Século XX, quando surgiu a figura de um
autor austríaco, chamado Hans Kelsen, que mudaria por completo
o foco do debate da Teoria Geral do Direito, ao questionar tais en-
foques, investindo da proposta de construção de uma metodologia
própria para a Ciência do Direito.
A Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen
Hans Kelsen (1881-1973) dedicou a maior parte de sua vida à discussão
da Teoria do Direito. O normativismo jurídico kelseniano consiste ba-
sicamente na defesa da construção de parâmetros metodológicos pró-
prios para a Ciência do Direito, expressos na denominada Teoria Pura
do Direito, que não fossem uma mera importação das Ciências Sociais e
Humanas do Século XIX, tampouco a reprodução dos paradigmas teóri-
cos próprios das Ciências Naturais e Exatas.
Com base na Teoria Geral do Estado para desenvolver uma teoria sobre
o ordenamento jurídico, Kelsen partiu da premissa de que o direito repre-
senta uma expressão formal da soberania estatal, não sendo um produto
da natureza ou de fatos e sim um resultado da vontade política do Estado.
ATENÇÃO
Desse modo, o foco do jurista deveria estar na norma jurídica e na sua relação com
as demais normas, que formam uma estrutura lógico-sistemática denominada de
ordenamento jurídico.
Pontos Principais da Teoria Pura do Direito
Kelsen priorizava o aspecto estrutural do ordenamento jurídico e a
correlação entre suas normas, independentemente de concepções
CONCEITO
Surgiram tendências ligadas ao chama-
do Realismo Jurídico, ao Sociologismo
Jurídico, à Escola do Direito Livre e à
Jurisprudência de Interesses, que vis-
lumbravam nas Ciências Humanas e
Sociais, então nascentes, a base para a
construção de uma metodologia para o
Direito, devendo ser priorizados mais os
aspectos factuais da prática do direito,
do que prescrições normativas genéri-
cas e abstratas derivadas de esquemas
conceituais ou do direito codificado.
AUTOR
Hans Kelsen (1881-1973),
Jusfilósofo austríaco, perseguido pelo
nazismo, destacou-se por sua produção
científica de cerca de quatrocentos livros e
artigos, com destaque para a Teoria Pura
do Direito. Teve o mérito de conferir ao Di-
reito o status de ciência ao precisar-lhe o
objeto (a norma) e o método. Sofreu muitas
críticas por causa de sua postura normati-
vista, pois sua teoria pura do direito limita
o conhecimento jurídico, enquanto objeto
de estudo científico, à sua feição estatal,
especificamente à norma posta pelo Esta-
do, afastando da discussão sobre o direito
a própria realidade histórica em que ele
se insere e que lhe dá origem.
capítulo 2 • 47
ideológicas e de regimes políticos. Pregava a pureza metodológica de uma Ciência
“Pura” do Direito.
Na Ciência “Pura” do Direito a análise do direito leva em consideração apenas os seus as-
pectos normativos, descontaminando-o em
relação aos aspectos políticos, sociológicos,
históricos, que eram à base do pensamento
das escolas factualistas do final do Século
XIX, início do Século XX.
Kelsen defendia a criação de uma Ciência do Direito cujo centro gravitacional fosse a
norma jurídica, conceito que compreende as diferentes formas de manifestação do direito
ao longo da História, pouco importando se a norma decorre do direito positivo, do costu-
me, do Direito Natural ou de qualquer outra fonte. Realmente importante é o reconheci-
mento estatal de uma norma, para que ela seja considerada válida na estrutura do ordena-
mento jurídico.
CONCEITO
Ordenamento Jurídico são normas emanadas pelo Estado, de forma escalonada, dispostas em diferentes
níveis hierárquicos. Algumas normas têm mais autoridade se comparadas com outras, servindo-lhes de
fundamento de validade. Tal estruturação do ordenamento jurídico deu origem ao que se convencionou
chamar de pirâmide de Kelsen, exatamente porque aquelas normas situadas mais ao topo da estrutura
do ordenamento jurídico se desdobram em outras normas de menor hierarquia, que irão regulamentar e
detalhar as prescrições normativas contidas nas normas superiores.
Norma Fundamental é a matriz do ordenamento jurídico, o pressuposto de validade de
todas as normas do ordenamento. Não é norma jurídica, no sentido próprio do termo, uma
vez que está acima da pirâmide.
EXEMPLO
A Constituição é um documento jurídico que espelha a Norma Fundamental, mas não se confunde com
ela, que é uma concepção ideal e representa o ponto de contato entre a estrutura do ordenamento jurí-
dico e a experiência histórica do direito, que será a responsável pelo conteúdo do direito que vigora em
um determinado Estado.
CRFB/88
Leis
Normas superiores
Normas intermediárias
Normas inferiores
Decretos
Acórdãos | Sentenças | Portarias
“A norma jurídica é o
objeto de estudo da
Ciência do Direito” Kelsen.
Introducao ao estudo do direito
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  • 1.
  • 2. EDNA RAQUEL HOGEMANN PAULO ROBERTO SOARES MENDONÇA FERNANDA RIVABEM SCHAFFEAR ORGANIZAÇÃO SOLANGE FERREIRA DE MOURA 1ª edição rio de janeiro  2014 Livro Didático de Introdução ao Estudo do Direito
  • 3. Comitê editorial externo  aurélio wander bastos e paulo roberto soares mendonça Comitê editorial interno  edna raquel hogemann, fernanda rivabem schaffer e solange ferreira de moura Organizador do livro  solange ferreira de moura Autores dos originais  edna raquel hogemann (capítulos 1, 3, 8 e 10), paulo roberto soares mendonça (capítulos 2, 4, 5 e 9) e fernanda rivabem schaffear (capítulos 6 e 7) Projeto editorial  roberto paes Coordenação de produção  rodrigo azevedo de oliveira Projeto gráfico  paulo vitor fernandes bastos Diagramação  paulo vitor fernandes bastos e eduardo trindade de araújo Supervisão de revisão  aderbal torres bezerra Redação final e desenho didático  raphaela novaes de moraes e monica pinto da veiga Revisão linguística  verônica bareicha e cláudia lins Capa  thiago lopes amaral Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quais- quer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2014. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) l784 Livro didático de introdução ao estudo do Direito Solange Ferreira de Moura [organizador]. — Rio de Janeiro: Editora Universidade Estácio de Sá, 2013. 192 p isbn: 978-85-60923-11-3 1. Direito. 2. Norma jurídica. 3. Ordenamento jurídico. 4. Hermenêutica jurídica. 5. Poder judiciário. I. Título. cdd 340.01 Diretoria de Ensino – Fábrica de Conhecimento Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa Rio Comprido – Rio de Janeiro – rj – cep 20261-063
  • 4. Sumário Apresentação 7 1. Conceituação Básica 9 Natureza, temática e caracterização da disciplina introdução ao Direito 10 Noção elementar do direito 12 Os diversos sentidos da palavra direito 12 O Direito e as ciências afins 14 Filosofia do Direito 15 Sociologia Jurídica 15 Ciência do Direito 15 História do Direito 16 Psicologia jurídica 16 O Direito e a Moral: semelhanças, distinções e influências mútuas 16 Distinções entre a Moral e o Direito 17 Distinção quanto à forma 18 Coercibilidade do Direito e incoercibilidade da Moral 19 Distinção quanto ao conteúdo 20 Ética e Moral em Kant 20 A influência da Moral no Direito 23 O Direito como instrumento de controle social 23 A Interação e a Ordem Social 24 O Estado e a ordem social 25 2. A História do pensamento jurídico 29 A ideia do Direito natural: o Jusnaturalismo 30 Três concepções básicas sobre o Direito Natural ao longo da História 30 Aspectos comuns às diferentes concepções 31 Origens do Direito Natural 32 Grécia antiga 32 Os Estoicos 32 Os romanos 33 Direito Natural é igual ao Direito Divino 34 Escola do Direito Natural (Séculos XVII e XVIII) 36 O declínio do Direito Natural 37 O positivismo jurídico 39 Correntes do positivismo jurídico 39
  • 5. Escola da Exegese 39 O Pandectismo Alemão e sua relação com a Escola Histórica 40 A Escola Histórica do Direito 41 O normativismo jurídico 43 A crise do Positivismo Jurídico 43 A Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen 44 Pontos Principais da Teoria Pura do Direito 44 Teoria da Interpretação de Kelsen 47 O pós-positivismo e a crítica à teoria pura do Direito de Kelsen 48 Culturalismo Jurídico 50 Miguel Reale e a estrutura tridimensional do Direito 51 3. O Direito como ciência e sua metodologia 57 Conceitos jurídicos fundamentais 58 Direito Natural e Direito Positivo 58 Direito Natural 58 Direito Positivo 60 Diferenças entre o Direito Natural e o Direito Positivo 61 Quadro comparativo 61 Direito Substantivo e Direito Adjetivo 62 Direito Objetivo e Direito Subjetivo 63 Relação entre Direito Positivo e Direito Objetivo 64 Direito Público e Privado 64 Direito Público e Direito Privados e suas teorias 66 A Superação da Dicotomia do Direito Público e do Direito Privado 66 Direito Interno e Internacional 67 Ramos do Direito 68 Ramos do Direito Positivo interno 69 Direito Privado 69 Direito Público 69 Novos Direitos 71 Ramos do Direito Positivo externo 72 4. Teoria da norma jurídica 75 Conceito de norma 76 Estrutura lógica e características da norma 76 Normas de conduta 76 Normas de organização 77 As diversas classificações da norma 78 Quanto ao tipo de comando 78 Quanto à amplitude 79
  • 6. Quanto ao elemento espacial 80 Quanto ao elemento temporal 81 Quanto aos efeitos sobre o fato 81 Quanto às fontes 82 Os planos da vigência, validade e eficácia da norma 82 Da Vigência 83 Competência e legitimidade do órgão responsável pela edição da norma 83 Da Validade 83 Da Eficácia 84 O desuso das leis e as leis anacrônicas 84 Direito costumeiro e validade normativa 85 5. Teoria do ordenamento jurídico 87 Ordenamento jurídico e seus elementos constitutivos 88 Ordenamento e sistema normativo 88 Sistema Jurídico 89 Sistema Estático 89 Sistema Dinâmico 89 Modelo do sistema jurídico na atualidade 90 A validade do ordenamento jurídico 90 Hierarquia e constitucionalidade das leis 92 Relação de produção e execução entre as normas 92 Limites do Poder Normativo 93 Norma Fundamental e Poder Constituinte 94 Sistema e ordenamento jurídico à luz da Constituição brasileira 95 A visão sistemática do Direito 95 Preservação da completude do ordenamento jurídico 96 Regras da Completude no Brasil 97 6. Sujeitos na relação jurídica 101 Relação jurídica: conceito e distinções 102 Elementos da relação jurídica 104 Dos sujeitos da relação jurídica 105 Do objeto da relação jurídica 106 Fato gerador ou vínculo de atributividade da relação jurídica 107 Fatos jurídicos 108 Atos jurídicos 108 Espécies de relações jurídicas 109 Relação jurídica de Direito Material e de Direito Processual 110
  • 7. 7. Direito subjetivo, objetivo e potestativo 117 Direito Objetivo 119 Direito Subjetivo 119 Direito Potestativo 120 Classificação dos Direitos Subjetivos 121 Posições Jurídicas Ativas 126 Poder Jurídico, Faculdade Jurídica, Direito Subjetivo e Direito Potestativo 126 Posições Jurídicas Passivas 127 Dever Jurídico, Sujeição, Obrigação, Ônus 127 Dever jurídico 127 Sujeição 129 Ônus 130 Relação entre Direito Subjetivo e Direito Adquirido 130 Aquisição, modificação e extinção de direitos subjetivos 133 Posição jurídica ativa 133 Posição jurídica passiva 133 Direito adquirido 133 8. Conceitos de Fontes do Direito 137 A Classificação das Fontes 138 Fontes Materiais 138 Fontes materiais diretas ou imediatas 139 Fontes Materiais Indiretas ou Mediatas 139 Fontes Históricas 140 Fontes Formais 140 A Lei e seu processo de produção. 141 O processo de produção da lei. 141 Atos do Processo Legislativo 141 Técnica legislativa 143 Parte preliminar 144 Como é feita a parte normativa — arrumação do texto legal 144 Parte final 146 Os costumes 147 Direito Consuetudinário ou Costumeiro. 148 Como se prova a existência dos costumes? 148 A jurisprudência 149 A jurisprudência cria Direito? 149 Súmula Vinculante 150 Jurisprudência x Precedentes Judiciais 150 A doutrina jurídica 151
  • 8. Funções da Doutrina 151 Procedimentos de integração 152 Analogia 152 Princípios gerais do Direito 153 Equidade 153 Direito Comparado 155 Segurança jurídica 155 9. Hermenêutica Jurídica 159 Hermenêutica e interpretação 160 A Hermenêutica jurídica 160 A Interpretação 160 Sentido da norma jurídica 161 Teoria subjetiva 161 Teoria objetiva 162 Crítica à busca da vontade do legislador 162 Métodos e processos de interpretação do Direito 163 Processos com base na escola da exegese 163 Processo gramatical, literal ou filológico 163 Processo lógico 164 Processo sistemático 164 Interpretação lógico-sistemática 165 Processos com base na escola histórica 165 Processo histórico-evolutivo 165 Concepção atual 165 Espécies de interpretação 166 Em função da amplitude 166 Em função da fonte da interpretação 166 Antinomias jurídicas 168 Classificação das antinomias quanto aos critérios de solução 168 Antinomias solúveis (Aparentes) 168 Antinomias insolúveis (Reais) 169 Insuficiência de critérios de solução 169 Parâmetros aplicáveis na falta de critérios de solução da antinomia 170 Critério com respeito à forma 170 Critério com respeito ao caso concreto 170 Conflito de critérios de solução de antinomias 171 Conflito entre o critério hierárquico e o critério cronológico 171 Conflito entre o critério de especialidade e o critério cronológico 171 Conflito entre o critério hierárquico e o critério de especialidade 172 A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) 172 Princípio da obrigatoriedade e da continuidade das leis 172
  • 9. Vigência e conhecimento da lei 173 Direito intertemporal no contexto do Sistema Jurídico Brasileiro. 174 Revogação da lei 174 Retroatividade, irretroatividade e ultratividade das leis 176 Obstáculos constitucionais à retroatividade da lei nova 176 Princípio da Irretroatividade da Lei (art. 5º, XXXVI CF) 176 Direito adquirido e expectativa de direito 177 Aplicação retroativa da lei 178 Aplicação imediata da lei 179 Leis temporárias e perpétuas, comuns e especiais 180 10. O poder judiciário brasileiro e sua estrutura 183 Jurisdição 184 Princípios relacionados à Jurisdição 184 Principais características da jurisdição: 185 Estrutura e infraestrutura do poder judiciário brasileiro 185 Em síntese, as principais funções dos órgãos jurisdicionais são: 186 Supremo Tribunal Federal 186 Superior Tribunal de Justiça 186 Justiça Federal 186 Justiça do Trabalho 186 Justiça Eleitoral 186 Justiça Militar 187 Justiças Estaduais 187 Organograma da estrutura do poder judiciário brasileiro 187 As funções essenciais à Justiça 188
  • 10. 9 Apresentação O Projeto Livro Didático Estácio propicia a construção de obras coletivas que reúnem profes- sores das instituições da Rede Estácio de Educação Superior e professores de outras institui- ções de ensino, com o objetivo de fornecer aos estudantes da Estácio material didático ade- quado aos Projetos Pedagógicos e Planos de Ensino das disciplinas dos cursos de graduação. O Livro Didático de Introdução ao Estudo do Direito representou um grande desafio para os autores, professores experientes, tendo em vista que, embora seja uma disciplina fundamental do início do Curso de Direito, seu conteúdo é de grande complexidade. Buscamos tornar o conteúdo da obra acessível ao aluno ingressante, sem simplifica- ções conceituais. Este Livro Didático deve ser visto como uma ponte de acesso aos conhe- cimentos introdutórios de Direito. Aqui você encontrará a base, o mínimo essencial para o prosseguimento de seu Curso de Direito. Esperamos que você, estudante, aproveite esta obra ao longo de seu curso e que os conheci- mentosnelacontidossejamosfundamentosdaconstruçãodosseusconhecimentosjurídicos. Bons estudos e sucesso! solange ferreira de moura
  • 11.
  • 13. 12 • capítulo 1 Os alunos que ingressam no Curso de Direito, muitas vezes, ainda não tiveram contato com expressões básicas como “normas jurídicas”, “or- denamento jurídico” e talvez não tenham ouvido falar dos “princípios fundamentais do Direito”, em “como dotar de segurança e equilíbrio as relações sociais” e em “trânsito em julgado”. Para esses estudantes o mundo do Direito é como uma nova região a ser desbravada e compreendida em todas as suas especificidades. ATENÇÃO A disciplina Introdução ao Estudo do Direito funciona como a chave que os auxiliará a abrir as portas para o mundo do Direito, ao trazer noções fundamentais para a com- preensão do universo jurídico, referindo-se a diversos conceitos científicos utilizados no Direito, com objetivos pedagógicos. Uma resposta comum é que Direito é o jus- to, o que está de acordo com a lei. É a capacida- de que se tem de praticar ou não praticar um ato. O benefício que se tem de exigir de quem quer que seja, em proveito próprio, que prati- que ou deixe de praticar algum ato. E, do mes- mo modo, Direito é o conjunto de normas jurí- dicas em vigor em um país. ATENÇÃO É importante saber que os conceitos básicos de Direito ao longo dos tempos vão mudando. Eles mudam de acordo com os padrões individuais e sociais de cada épo- ca vivida. Assim, hoje se considera que o Direito é uma ordem da conduta humana. Natureza, temática e caracterização da disciplina introdução ao Direito É impossível conhecer a natureza do Direito se limitarmos nossa atenção a uma regra isolada. As relações que unem as regras específicas de uma ordem jurídica também são essenciais à natureza do Direito. Apenas com base no claro entendimento das relações que compõem esta ordem jurí- dica é que a natureza do Direito pode ser inteiramente conhecida. 1 Noções iniciais CONCEITO Ordem Uma "ordem" é um conjunto de normas e regras que possui o tipo de unidade que se entende como um sistema. CONCEITO Direito É uma ordem da conduta humana. É um conjunto de normas e regras que possui o tipo de unidade que se entende como sistema. O que é Direito? Qual a sua importância em nossa sociedade?
  • 14. capítulo 1 • 13 Os conceitos comuns aos diversos ramos do Direito são universalizados, institucionali- zados, e independente do ramo a que se referem, serão os mesmos. EXEMPLO Exemplos desta universalização são os conceitos de lei, princípios, relação jurídica, dever jurídico, entre outros. A técnica jurídica, ou seja, a prática aplicada ao Direito, de modo geral, também é objeto da Introdução ao Estudo do Direito. Assim, percebem-se os principais objetos da Introdução ao Estudo do Direito, que conta com a dimensão de conceitos relativos à área, visão global do grande sistema existente dentro do Direito e noções gerais da prática jurídica. ATENÇÃO Além das diversas funções citadas, vale ressaltar que a Introdução ao Estudo do Direito permite uma adaptação do estudante ao mundo jurídico, de forma a conciliar os conhecimentos por ele já acumulados, com os que irá receber. O estudo da Introdução ao Estudo do Direito é a base que possibilita a construção de uma consciência jurídica e familiariza o estudante com a Ciência do Direito, introduzindo a terminologia técnico-jurídica necessária para a longa e agradável caminhada, rumo à se- dimentação de seu conhecimento jurídico. Apresenta os conceitos jurídicos, do ponto de vista sistêmico da área jurídica do saber. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO Leva a compreender a linguagem e o método próprios da Ciência Jurídica. Analisa as funções sociais do Direito, sua interpretação e aplicação. Ajuda a compreender o fenômeno jurídico como forma de expressão normativa, social, cultural e histórica da sociedade ocidental. Elenca as principais categorias jurídicas decorrentes das relações jurídicas. Possibilita o estudo das diferentes disciplinas que compõem o Curso de Direito. Sedimenta a construção de uma consciência jurídica e familiariza o estudante com a Ciência do Direito.
  • 15. 14 • capítulo 1 Noção elementar do direito Compreender o Direito não é questão das mais fáceis e estudá-lo requer a percepção de que o Direito é um fenômeno, antes de tudo, social e de decisão, sem perder sua dimensão histórica, porque se refere ao que deve ser feito por todos em uma determinada sociedade, em um determinado espaço e tempo. EXEMPLO Quando se recebe uma multa por excesso de velocidade, quando se compra um produto e se tem que pa- gar o imposto que está embutido no preço final dele, quando se tem que fazer a declaração de rendimentos ao fisco a cada início de ano, e mesmo, quando se percebe que o que era obrigatório antigamente, hoje não é mais, deparamo-nos com questões ligadas a direitos e deveres. Os diversos sentidos da palavra direito A palavra direito tem sua origem no latim directus, que significa aquele que segue regras predeterminadas ou um dado preceito. A raiz intuitiva do conceito deriva de direção, liga- ção, obrigatoriedade de um comportamento. Mas, a palavra direito pode receber variados significados dependendo da frase em que se encontrar. ATENÇÃO O Direito é um fato ou fenômeno social que não existe senão na sociedade. O Direito estabelece os limites de ação de cada um de seus membros. Quando se diz que não é direito ao homem viver na miséria ou não é direito abusar da bo- a-fé alheia, tais expressões revelam o sentimento do que não se acha justo, do que não há justiça, ou não é justo. Da mesma forma, é comum ouvir dizer que saúde é direito de todos, toda criança tem direito a um lar e estas expressões trazem a ideia de que os bens saúde e lar são devidos, por justiça, aos mencionados. ATENÇÃO Um primeiro significado, de extrema importância, da palavra direito é conforme a justiça ou devido por justiça, expressão do justo. O segundo significado se refere a quando se diz, por exemplo, que o direito brasileiro proíbe o roubo ou que está escrito no direito que todos são iguais. Neste caso, o sentido da palavra direito é o mesmo que legislação ou lei, ou seja, o conjunto de normas legais em vigor do país.
  • 16. capítulo 1 • 15 EXEMPLO Da mesma forma pode-se dizer que o direito obriga ao pagamento da multa por excesso de velocidade ou, ainda, o direito permite a remuneração do trabalho. Igual- mente, nestes dois casos, a referência é a legislação, norma ou conjunto de normas jurídicas. Nestes casos, a expressão deve ser utilizada com a primeira inicial maiús- cula (Direito). Outros significados da palavra direito são poder e faculdade. No caso, direito é usado para sugerir o poder ou a faculdade que pertencem a uma pessoa natural ou a uma empresa. EXEMPLO Direito, neste sentido, é utilizado, por exemplo, nas seguintes frases: o eleitor tem o direi- to de votar, o locador tem o direito de cobrar o aluguel, o herdeiro tem o direito a receber a herança, o contratante tem o direito de cobrar a realização do serviço ao contratado. Não há como apontar com precisão, dentre os significados até aqui apresentados, qual seja o mais importante. Isto porque, ao mesmo tem- po em que o direito é norma, o direito também significa poder, dever, bem como tem o significado de justiça. Outro significado importante para a palavra direito é o científico. É muito comum os estudantes afirmarem e até estamparem em suas ca- misetas que fazem direito. O direito feito pelos alunos não é a norma ou a justiça, mas a ciência jurídica e nestes casos, a expressão também deve ser utilizada com a primeira inicial maiúscula (Direito). ATENÇÃO Existe, então, o Direito como uma ciência cujo objeto de estudo é o fenômeno jurí- dico. Esta ciência busca sistematizar o conhecimento sobre o direito como um fenô- meno jurídico, para que se possa compreendê-lo e utilizá-lo. Em um sentido figurado, o direito passou a designar o que estava de acordo com a lei. As leis físicas indicam aquilo que na natureza necessaria- mente é. As leis jurídicas, ao contrário, indicam apenas aquilo que na so- ciedade deve ser. Por essa razão diz-se que o Direito é a ciência do dever ser. Além disso, há que se apontar a existência de um significado socioló- gico da palavra direito. Entre os fatos sociais que o sociólogo estuda, há fatos culturais, históricos, econômicos, religiosos, políticos e, ainda, os jurídicos. Pois que o direito é, em si, um setor da vida social, com carac- terísticas próprias, ou seja, um fato social. Os sentidos aqui expostos não acabam com as possibilidades de defini- çõesdapalavradireito,senãovejamos:podesignificarreto(segmentodirei- COMENTÁRIO Ao longo de seu processo de evolução histórica o Direito se apresenta como um conjunto de normas que tem por ob- jetivo a disciplina e a organização da vida em sociedade, solucionando os conflitos de interesses e promovendo à justiça..
  • 17. 16 • capítulo 1 to),certezaaritmética(cálculodireito),correçãomoral(homemdireito)ou,então,umdoslados de qualquer objeto (lado direito, oposto ao esquerdo). RESUMO SIGNIFICADOS DA PALAVRA DIREITO NORMA Normas elaboradas pela sociedade ou pelo Estado FACULDADE Possibilidade de agir OUTRAS POSSIBILIDADES TRIBUTO Direitos alfandegários RETO Geométrico – segmento reto CERTO Cálculo direito CORRETO Homem direito – moral OPOSTO A ESQUERDO Lado direito EXPRESSÃO DO JUSTO Justiça CIÊNCIA Ramo do conhecimento científico FATO SOCIAL O direito é um setor da vida social. O Direito e as ciências afins Várias ciências auxiliam o Direito em sua interpretação e aplicação na prática do dia a dia forense, como a Economia, a História, a Antropologia, a Psicologia, a Psiquiatria, a Infor- mática, a Assistência Social, sem contar com outras áreas cujos profissionais são requisita- dos como peritos (engenheiros, contadores, médicos legistas, entre outros). De modo que, na prática, elas influenciam e auxiliam no aprimoramento e aplicação das normas. No entanto, há outras ciências sem as quais o Direito não pode ser estudado, na medida em que são facilitadoras da origem, da aplicação e de sua criação. São elas: filosofia do di- reito, sociologia jurídica, ciência do direito, história do direito e psicologia jurídica.
  • 18. capítulo 1 • 17 Filosofia do Direito A Filosofia do Direito investiga os princípios fundamentais do direito, como norma, poder, realidade, valor ou conhecimento e proporciona condições para que o direito seja analisado de forma diversa da apresentada pelos Códigos e doutrinas, não se restringindo à ordem lógica ou técnica do Direito, mas também aos valores éticos, históricos e sociais. O filósofo se preocupa com a valoração jurídica dos bens da vida, existentes na sociedade, tais como a justiça, o bem co- mum, o interesse social, a liberdade, preocupando-se com as correntes filosóficas e ideológicas. O que interessa à Filosofia são os fundamentos, a razão de ser das leis. Sociologia Jurídica Existe um ramo da Sociologia Geral, chamado Sociologia Jurídica que estuda o direito do ponto de vista sociológico como um fato social. A Sociologia Jurídica estuda o fato social em sua estrutura e funcionalidade, procuran- do saber como os grupos humanos se organizam, se relacio- nam e desenvolvem, em razão dos inúmeros fatores que atu- am sobre as formas de convivência. A preocupação da Sociologia Jurídica é saber até que ponto as normas jurídicas se tornam realmente válidas, se na prática correspondem aos objetivos dos legisladores e seus destina- tários, posto que seja fundamental para o legislador produzir normas dotadas de eficácia social. O sociólogo estuda e anali- sa os múltiplos aspectos do fato jurídico e sua interação com demais fatores sociais. O que interessa é a eficácia das leis. Ciência do Direito A Ciência do Direito, também chamada de Dogmática Jurídica estuda a norma jurídica e sua aplicação aos casos particulares, como foi concebida e equacionada pelo legislador, em determi- nada sociedade, e as questões referentes à sua interpretação e aplicação, tal como ela está historicamente realizada. O cientista do Direito (jurista) interpreta e aplica a norma jurídica, excluindo qualquer elemento não jurídico. O que in- teressa é a vigência das leis. A Filosofia do Direito procura identificar a essência do Direito para defini-lo visando sua aplicação – o PODER SER. A Sociologia Jurídica se preocupa com o direito vivo, que se passa segundo a vontade do homem, o SER. A Ciência do Direito se preocupa com a normatividade do direito positivo — o DEVER SER.
  • 19. 18 • capítulo 1 História do Direito O Direito vive impregnado de fatos históricos, que comandam seu rumo e sua compreensão exige, muitas vezes, o conhecimento das condições sociais existentes à época em que foi elaborado. A História do Direito é uma disciplina jurídica que tem por finali- dade a pesquisa e a análise dos institutos jurídicos do passado. Busca compreender o pensamento jurídico e o ordenamento jurídico vigentes, como produtos de progressivas construções no tempo, tendo como re- ferência o encontro de visões de mundo que se constroem a partir das realidades política, social, mental, cultural e econômica das sociedades que, em cada tempo, colaboraram para sua produção. A História apresenta o Direito que se consolida como fruto de seu tempo, evidenciando que sua legitimidade busca raízes mais profundas na tradição histórica e mental da sociedade que o determina. Psicologia jurídica A Psicologia Jurídica estuda os fenômenos mentais que são ju- ridicamente relevantes, estabelecendo um ligamento facilitador do tra- balho do legislador e dos intérpretes do Direito. É um ramo do conhecimento científico que auxilia as mais di- versas disciplinas jurídicas, principalmente no que diz respeito ao Direi- to Penal e ao Direito Civil. EXEMPLO A psicologia jurídica atua nas questões que envolvem capacidade ci- vil, imputabilidade, guarda, tutela de crianças e adolescentes, alienação parental e curatela de interditos, por exemplo. O Direito e a Moral: semelhanças, distin- ções e influências mútuas O Direito, apesar de acolher alguns preceitos morais fundamentais, ga- rantidos com sanções eficazes, aplicáveis por órgãos institucionais, tem campo mais específico que a moral, pois disciplina também matéria téc- nica e econômica indiferente à moral, muitas vezes com ela incompatí- veis. Vejamos como exemplo: COMENTÁRIO História do Direito A História do Direito permite que o es- tudante considere as transformações, rupturas e permanências dos institutos do direito ao longo da história, tendo como modelo o direito vigente. Por outro lado, contribui no processo pelo qual o estudante se reconhece como um ator social, um sujeito da história (da sua própria e de sua sociedade), potencial transformador da realidade sociopolítica e jurídica do mundo em que vive.
  • 20. capítulo 1 • 19 EXEMPLO Alguns princípios orientadores do direito contratual, com fundamento no individualismo e no liberalismo, inconciliáveis com a moral cristã e, portanto, com a moral ocidental. Apesar disso, o jurídico não está excluído de julgamentos éticos. ATENÇÃO Ponto de partida→ Direito e Moral = instrumentos de controle social Moral identifica-se com a noção de bem. A moral varia no tempo e no espaço. Assim sendo, cada povo pos- sui sua moral, que evolui no curso da história, consagrando novos modos de agir e pensar. O dever moral não é exigível em juí- zo, reduzindo-se a dever de consciência, enquanto o dever jurídico deve ser obser- vado sob pena de o transgressor sofrer os efeitos da sanção organizada, aplicável pelos órgãos especializados da sociedade. Existe, mesmo no Direito das altas civilizações, infiltração, constatá- vel facilmente, da Moral no Direito. Regrasmoraissãoimpostaspelanormapenal,vejamoscomoexemplo: EXEMPLO Não matar, não furtar, respeitar os mortos, os túmulos, o culto e os símbolos sagrados. No Direito Privado, é no Direito de Família que os deveres e regras morais estão mais presentes. No entanto, nem todas as determinações morais são tuteladas pelo Direito, pois se o fossem, o Direito seria a imposição, pelo poder social, da moral de uma época, civilização ou sociedade. Muitas determinações morais, que não são essenciais à paz, à segurança e ao convívio social, não se encontram no Direito. Distinções entre a Moral e o Direito Várias tentativas teóricas têm sido feitas no sentido de estabelecer crité- rios formais de distinção entre a Moral e o Direito. As distinções podem ser enfocadas sob dois aspectos: quanto à forma e quanto ao conteúdo do Direito e da Moral. CONCEITO Moral A moral pode ser conceituada como o conjunto de práticas, costumes e pa- drões de conduta, formadores da ambi- ência ética. No Direito, o dever é exigível, enquanto na Moral, não.
  • 21. 20 • capítulo 1 Distinção quanto à forma As normas de Direito são postas pelo legislador, pelos juízes, pelos usos e costumes, sempre por terceiros, podendo os seus mandamentos coin- cidir ou não com as convicções que temos sobre o assunto. Podemos cri- ticar as leis, das quais dissentimos, mas devemos agir em conformidade com elas, mesmo sem lhes dar adesão de nosso espírito. Isso significa que elas valem objetivamente, independentemente, a despeito da opi- nião e do querer dos obrigados. Essa validade objetiva está além das pessoas, das normas jurídicas, as quais se põem, por assim dizer, acima das pretensões dos sujeitos de uma relação, superando-as na es- trutura de um querer irredutível ao querer dos destinatários, é o que se denomina heteronomia. COMENTÁRIO Nem todos pagam imposto de boa vontade. No entanto, o Estado não pretende que, ao ser pago um tributo, se faça com um sorriso nos lábios; a ele, basta que o paga- mento seja feito nas épocas previstas. Por outro lado, a adesão espontânea às leis não descaracteriza a heteronomia do Direito. DETERMINAÇÃO DO DIREITO E A FORMA NÃO CONCRETA DA MORAL DIREITO Manifesta-se mediante um conjunto de normas que definem a dimensão da conduta humana exigida, que especificam a fórmula do agir. MORAL Estabelece uma diretiva mais geral, sem particularizações. A BILATERALIDADE DO DIREITO As normas jurídicas possuem uma estrutura imperativo-atributiva, isto é, ao mesmo tempo em que impõem um dever jurídico a alguém, conferem um poder ou direito subjetivo a outro alguém (outrem). Daí se dizer que a cada direito corresponde um dever. A UNILATERALIDADE DA MORAL Já a Moral possui uma estrutura mais simples, pois impõe deveres apenas. Diante dela, ninguém tem o poder de exigir uma conduta de outrem. Fica-se apenas na expectativa de o próximo aderir às normas. Diz-se que o Direito é heterônomo, porque aquilo que juridicamente somos obrigados a cumprir é posto por um terceiro, o Estado. CONCEITO Heteronomia A heteronomia vem do grego hetero — diversos e nomos — norma. Ela é a característica do Direito que es- tabelece que este se impõe à vontade do indivíduo — ou seja, a lei é imposta ao indivíduo, e exterior a ele. Já a autonomia vem do grego auto — própria e nomos — norma. A Moral é autônoma, é de foro íntimo, cada um tem seus próprios valores mo- rais e que, não necessariamente, são iguais aos dos demais indivíduos.
  • 22. capítulo 1 • 21 Enquanto o Direito é bilateral, a Moral é unilateral. ATENÇÃO Chama-se a atenção para o fato de que este critério diferenciador não se baseia na existência ou não de vínculo social. Se assim o fosse, seria um critério ineficaz, pois tanto a Moral quanto o Direito dispõem sobre a convivência. A esta qualidade vinculativa, que ambos possuem, utiliza-se a denominação alterida- de, de alter, que significa o outro. Não é correto estabelecer uma “muralha” entre Direito e Moral, pois o Direito não se preocupa só com a exteriorização e a Moral com os aspectos interiores. A Moral também necessita da prática exterior da intenção. O Direito, por sua vez, em determinadas ocasiões, questiona as intenções de quem comete certos crimes, notadamente os dolosos e culposos. De maneira idêntica, pode-se dizer que o Direito Civil não prescinde do elemento intencional. Foi a garantia da liberdade religiosa que levou pela primeira vez a diferenciar-se o Direito da Moral; embora a teoria da exterioridade fosse errônea, teve grande valor histórico. O Direito se caracteriza pela exterioridade, enquanto que a Moral, pela interioridade. Com isto se quer dizer, modernamente, que os dois campos seguem linhas diferentes. Coercibilidade do Direito e incoercibilidade da Moral Uma das notas fundamentais do Direito é a coercibilidade. Entre os processos que regem a conduta social, apenas o Direito é coercível. A via normal de cumprimento da norma jurídica é a voluntariedade do destinatário, a adesão espontânea. Ou seja, o certo é que todos cum- pram a lei espontaneamente. Mas, se isso não acontece, a coação se faz necessária, essencial à efetividade da norma. A Moral, por seu lado, não possui este elemento coativo. É incoercível. Nem por isso as normas da Moral social deixam de exercer cer- ta intimidação. Consistindo em uma ordem valiosa para a sociedade, é natural que o descumprimen- to de seus princípios provoque uma reação por parte dos membros que COMENTÁRIO Direito Civil Há um dispositivo expresso do Código Civil (art. 112, CC) que declara que os contratos devem ser interpretados se- gundo a intenção das partes contratan- tes. No mesmo Código Civil, verifica-se que os atos jurídicos podem ser anu- lados por dolo, erro, coação ou fraude (arts. 138 e ss., CC). COMENTÁRIO Linhas Diferentes Enquanto a Moral se preocupa pela vida interior das pessoas, como a consciên- cia, julgando os atos exteriores apenas como meio de aferir a intencionalidade, o Direito cuida das ações humanas em primeiro plano e, em função destas, quando necessário, investiga o animus (intenção) do agente. CONCEITO Coercível Capaz de acionar a força organizada do Estado, para garantir o respeito aos seus preceitos. A coerção somente se manifesta na hipótese de não observância dos preceitos legais.
  • 23. 22 • capítulo 1 integram o corpo social. ATENÇÃO Esta reação, que se manifesta de forma variada e com intensidade rela- tiva, assume caráter não apenas punitivo, mas exerce também uma fun- ção intimidativa, desestimulante da violação das normas morais. Distinção quanto ao conteúdo De início, percebemos que a matéria do Direito e da Moral é comum a ação humana. Contudo, o assunto foi colocado das mais diversas ma- neiras pelos juristas através da História. Ao dispor sobre o convívio social, o Direito elege valores de convivên- cia. O seu objetivo limita-se a estabelecer e a garantir um ambiente de ordem, a partir do qual possam atuar as forças sociais. O sistema de legalidade oferece consistência ao edifício social. A realização individual, o progresso científico e tecnológico, o avanço da humanidade passam a depen- der do trabalho e do discernimento do homem. DIFERENÇA ENTRE MORAL E ÉTICA A Moral visa o aperfeiçoamento do ser humano e por isso é absorvente, estabe- lecendo deveres do homem em relação ao próximo, a si mesmo e segundo a Ética. O bem deve ser vivido em todas as direções. Ética é teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade, ou seja, é ciência de uma forma específica de comportamento humano. Ética e Moral em Kant Kant, na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, reconheceu, pela primeira vez em uma ética filosófica, que todo ser racional possui um valor absoluto. Mesmo considerando-o como um ser finito e limitado, Kant ressal- vou que o ser humano possui o privilégio de reger-se por leis assumidas livremente por sua própria razão. A isso, Kant denomina racionalidade moral. Estar livre para esco- lher e agir é o que caracteriza o ser humano, o que o filósofo denomina de autonomia moral. A ação humana, para Kant, não está submetida às leis da natureza, A função primordial do Direito é de caráter estrutural. CONCEITO Moral Moral é o conjunto de normas ou regras destinadas a regular as relações dos in- divíduos em uma determinada sociedade, em um determinado momento histórico.
  • 24. capítulo 1 • 23 mas às leis que o próprio ser humano escolhe seguir, por isso, é um ser moral e não simplesmente um ser da natureza. Para Kant, a racionali- dade moral é o argumento definitivo para entender o ser humano como absolutamente valioso. Para o autor, somente é moral uma ação que seja praticada em função dela mesma, independente de qualquer outra motivação externa a ela. ATENÇÃO Para o filósofo alemão, imperativo categórico é o dever de toda pessoa agir confor- me os princípios que ela quer que todos os seres humanos sigam, que ela quer que sejam lei da natureza humana. O imperativo é categórico se a ação determinada por ele possui va- lidade em si mesma, não depende de outro objetivo que seria atingido pela ação. O imperativo categórico é enunciado por Kant com três diferentes fórmulas: IMPERATIVO UNIVERSAL "A máxima do meu agir deve ser por mim entendida como uma lei universal, para que todos a sigam.” IMPERATIVO CATEGÓRICO “Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, por tua vontade, lei universal da natureza.” IMPERATIVO PRÁTICO “Age de tal modo que possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como um fim ao mesmo tempo e nunca apenas como um meio.” A moral é histórica e acompanha o devir no mundo da vida, enquan- to modo de comportar-se específico do homem em determinada épo- ca. Ao longo da história, Direito e Moral se aproximaram e se afastaram conceitualmente, em razão de diferentes correntes de pensamento. É inegável a existência de diversas questões sociais que ao mesmo tempo são jurídicas e de ordem moral, ou o contrário. EXEMPLO O amparo material que os filhos devem dar aos seus pais quando são necessitados é um exemplo de questão social que é ao mesmo tempo jurídica e moral. Esta é uma questão regulada pelo Direito (Direito de Família) e com fundamento na Moral. Por outro lado, existem temas relativos exclusivamente à Moral. AUTOR Immanuel Kant(1724-1804) Filósofo alemão. Fundador da filosofia crítica. Kant nasceu, viveu e morreu em Konis- berg, uma cidade da Prússia Oriental (Alemanha). Sua obra é dividida em dois períodos fundamentais: o pré-crítico e o crítico. O primeiro (até 1770) corresponde à filosofia dogmática. O segundo período corresponde ao que ele mesmo denomina despertar do "sono dogmático" provocado pelo im- pacto que nele teve a filosofia de Da- vid Hume. Escreve então obras como a Crítica da Razão Pura, Crítica da Razão Prática e Critica da Faculdade de Julgar, em que demonstra ser impossível cons- truir um sistema filosófico metafísico antes de ter previamente investigado as formas e os limites das nossas faculda- des cognitivas (do conhecimento).
  • 25. 24 • capítulo 1 EXEMPLO Um ato de gratidão feito a um benfeitor. Assim também, há problemas tão somente jurídicos que não pos- suem qualquer relevância moral (amorais), como por exemplo, os pra- zos processuais. Pela força do ordenamento jurídico, para todos os efeitos, considera- se justa aquela norma que seja ao mesmo tempo jurídica e moral. Direito Moral A principal diferença entre a Moral e o Direito está objetivamente na sanção (punição). A moral, em razão do fim a que se destina, só permite sanções de foro íntimo (remorso, arrependimento, desgosto íntimo, sentimento de re- provação geral). Mas, sob o aspecto social, essa sanção não é eficaz, por- que não se submetem a ela aqueles que não tenham consciência ética. O Direito, ao contrário, tem na sanção um mecanismo eficaz para coagir os indivíduos. Sem esse elemento coercitivo, não existiria segu- rança nem justiça eficazes para a humanidade. É certo que o campo da Moral, por sua vez, inclui os deveres do indi- víduo para com o seu Deus (seja qual for sua crença), para consigo mes- mo e para com seus semelhantes, enquanto o Direito é mais limitado, compreendendo apenas os deveres da pessoa para com os semelhantes e a sociedade como um todo (por exemplo, o meio ambiente). ATENÇÃO É importante esclarecer que a Moral tem em vista que o indivíduo se afaste da prá- tica do mal e pratique o bem, enquanto o objetivo do Direito é evitar que se lese ou prejudique a outrem. A moral dirige-se ao momento interno, psíquico, volitivo, à intenção que determina o ato, ao passo que o direito se dirige ao momento exter- no, físico, isto é, ao ato exterior. CURIOSIDADE As leis que permitiam a escravidão no Brasil eram normas jurídicas imorais. A norma que aceite a segregação racial também é uma norma imoral. CURIOSIDADE Qual a diferença entre imoral e amoral? Imoral — O que vai contra a moral. Amoral — Aquilo que não possui um senso moral, que não contém aspecto moral.
  • 26. capítulo 1 • 25 EXEMPLO Norma jurídica somente. O contribuinte deve comunicar à Receita Federal a mudança de endereço Norma moral somente. Deves praticar a caridade Norma moral somente. Deves ser grato ao benfeitor Norma moral somente. Deves respeitar os mais velhos Norma moral e jurídica - além de religiosa e de trato social. Norma que proíbe matar A influência da Moral no Direito Os campos da Moral e do Direito entrelaçam-se e interpenetram-se de diversas maneiras. As normas morais tendem a converter-se em normas jurídicas. EXEMPLO Isso acontece, por exemplo, com o dever do pai de cuidar do filho, e com a indenização por acidente de trabalho. Mas não há uma norma jurídica específica que prescreva que o pai deve ter afeto pelo filho, ainda. Direito e Moral são instrumentos de controle social que pertencem ao cam- po da ética e que não se excluem. Ao contrário, se completam e se influen- ciam reciprocamente. O Direito como instrumento de controle social Oserhumanoéumsergregárioepolítico,vivendoemgrupos,emsociedade.Énaturalqueentre tais grupos surjam conflitos, discórdias e interesses distintos entre si. Mas, outras características doserhumanosãosuanecessidadedesegurançaeabuscapelaharmoniasocial. Para que a sociedade sobreviva é necessário que os conflitos sejam resolvidos (compostos) e paratanto,osmembrosdosgrupossociaisdispuseramdeváriosmeioscomoobjetivodeestabe- lecerlimitesàsaçõeshumanasepromoveroequilíbrioàsociedade.Vejamosdoisdessesmeios: Por meio dela o indivíduo aprende os papéis que assumirá na sociedade. Tais papéis implicam no desempenho de várias obrigações que necessitam de um controle social. Socialização Visa cuidar que não se deixe de cumprir o necessário para a manutenção do equilíbrio da organização social. O Direito é o modo mais formal do controle social. Controle social Direito e Moral são conceitos próprios e distintos, mas são inseparáveis.
  • 27. 26 • capítulo 1 Dessaforma,foramsurgindoosinstrumentosdecontroleemanutençãodaordemsocial. ATENÇÃO O Direito é um desses instrumentos, cujo principal objetivo é o estabelecimento de normas de conduta visando prevenir o conflito e viabilizar a existência em sociedade, trazendo paz, segurança e justiça. A Interação e a Ordem Social Chamaremos de ordenamento social o fenômeno do regramento do convívio entre os ho- mens, em um permanente processo de socialização do ser humano, por meio de métodos e preceitos que vão sendo criados pelo grupo para padronizar a conduta individual, ade- quando-a ao convívio. A tarefa ou o conjunto de tarefas que o Direito desempenha, ou pode desempenhar na sociedade constitui sua função que inclui promover a ordem, a certeza, a segurança, a paz e a justiça. O Direito aparece, desse modo, ao longo de um processo histórico, dialético e cultural, como uma técnica, um procedimento de solução de conflitos de interesses e, simultanea- mente, como um conjunto sistematizado de normas de aplicação mais ou menos contínua aos problemas da vida social, fundamentado e legitimado por determinados valores sociais. O conflito gera litígio e este, por sua vez, quebra o equilíbrio e a paz social. A sociedade não tolera o estado litigioso porque necessita de ordem, tranquilidade, equilíbrio em suas relações. Por isso, tudo faz para evitar e prevenir o conflito, e aí está uma das principais fina- lidades sociais do Direito – evitar tanto quanto possível à colisão de interesses. ATENÇÃO Nesse sentido, as principais funções do Direito seriam solucionar conflitos e regulamentar e orientar a vida em sociedade assim como, legitimar o poder político e jurídico. O Direito atua para solucionar conflitos de interesses ou restaurar o estado anterior, sendo, então, um instrumento de integração e de equilíbrio, oferecendo ou impondo re- gras de comportamento para decisão que o caso sugere. O exercício de tal função não leva- ria, contudo, ao desaparecimento dos conflitos, que são inerentes à sociedade. O Direito também orienta o comportamento social, objetivando evitar conflitos. O cará- ter persuasivo das normas jurídicas leva-nos a atuar no sentido dos esquemas ou modelos normativos do sistema jurídico. O Direito observado desse modo surge como organizador da vida social e instrumento de prevenção de conflitos. O Direito apresenta ainda, a tarefa de organizar o poder da autoridade que decide os conflitos, legitimando os órgãos e as pessoas com o poder de decisão e estabelecendo nor- mas de competência e de procedimento.
  • 28. capítulo 1 • 27 CONCEITO FUNÇÃO SOCIAL DO DIREITO FUNÇÃO PREVENTIVA Disciplinamento social, estabelecendo regras de conduta, direitos e deveres. FUNÇÃO DE CONTROLE SOCIAL Socializador em última instância. Só é necessário quando a conduta humana já se apartou da tradição cultural aprendida pela educação, pela moral e religião e alcançou o nível do ilícito, ou do crime. FUNÇÃO COMPOSITIVA O conflito por vezes é inevitável e necessário se faz solucioná-lo. E aí está outra função social do direito: compor conflitos. O Estado e a ordem social O Direito existe, em tese, muito mais para prevenir do que para corrigir, muito mais para evitar que os conflitos ocorram, do que para compô-los. FUNÇÕES E FINALIDADES ESPECÍFICAS QUE COMPETEM AO DIREITO Controle social. Prevenção e composição de conflitos de interesses. Promoção de ordem e segurança. Resolução dos conflitos de interesse. Repressão e penalização dos comportamentos socialmente inadequados. Organização da produção e uma justa distribuição de bens e serviços. Institucionalização dos poderes do Estado e da Administração Pública. Realização da justiça e do respeito aos direitos humanos. A sociedade humana tem uma estrutura natural sem a qual falhariam as tentativas de organizá-la: as instituições. As instituições são vigas estabelecidas pelo costume, pela razão e pelos sentimentos, que alicerçam a sociedade, estruturando-a. A mais antiga das instituições seria a família e a mais relevante de todas seria o Estado. Cumpre ao Estado a tarefa de estabelecer o ordenamento jurídico, que é o conjunto de normas de conduta juridicamente relevantes para o conjunto da sociedade, realizado por meio de procedimentos próprios, no processo legislativo.
  • 29. 28 • capítulo 1 RESUMO Vejamos um breve resumo do que foi apresentado neste capítulo: A palavra direito traz em si uma infinidade de significados. O Direito é uma instituição fundamental para a manutenção da sociedade e do ser humano em seu convívio social. O direito é um fenômeno que afeta todos os aspectos da vida humana. Há uma relação entre Direito e Moral que se modificou ao longo da história. O Direito é um instrumento de controle social e de realização da justiça e do respeito aos direitos humanos. ATIVIDADE 1. Analise o significado da palavra direito colocada entre parênteses em cada uma das frases a seguir e, depois, aponte a opção CORRETA: I - O direito brasileiro não permite a pena de trabalhos forçados. (lei) II - O Estado tem o direito de julgar os criminosos. (faculdade/poder) III- É direito que todos sejam iguais perante a lei. (justo) IV- Ananias é especialista em direito. (ciência) (A) Todas as opções estão erradas. (B) Todas as opções estão corretas. (C) Somente a primeira opção está correta. (D) Somente duas opções estão corretas. (E) Somente uma opção está correta. 2. Não existe vida em sociedade sem direito. Nesta afirmativa o vocábulo DIREITO significa: (A) Ciência (B) Poder (C) Norma (D) Faculdade de agir (E) Fato social 3. Marque, dentre as opções que se seguem, a única proposição verdadeira, tendo como referência os conceitos de Direito e Moral. (A) O Direito tem um campo de ação mais amplo que a moral. (B) O Direito se interessa apenas pela ação exterior do ser humano, enquanto a Moral está relacionada com o foro íntimo do indivíduo. (C) A Moral, geralmente, estabelece sanções mais concretas e imediatas. (D) A Moral sempre influenciou a criação das normas de Direito. (E) Ambos, Moral e Direito são autônomos. CONCEITO O Ordenamento Jurídico Ordenamento Jurídico pode ser consi- derado como a organização e o disci- plinamento da sociedade realizada por intermédio do Direito, ou seja, concre- tizados por meio de normas exclusiva- mente jurídicas.
  • 30. capítulo 1 • 29 4. Leia as assertivas: I - “O Direito não é o único instrumento responsável pela harmonia da vida social”. (Paulo Nader) II - O conflito por vezes é inevitável, e necessário se faz solucioná-lo. E aí está outra função social do direito: compor conflitos. III - A Filosofia do Direito estuda o direito, o fenômeno jurídico, como um fato social, decorrente das rela- ções sociais. IV - A Ciência do Direito se preocupa com a normatividade do direito positivo – o dever ser. Agora, assinale a alternativa CORRETA: (A) Todas as opções estão corretas. (B) Somente a primeira opção está correta. (C) Somente as opções I, II e IV estão corretas. (D) Somente as opções III e IV estão corretas. (E) Todas as opções estão erradas. 5. Verifique no dicionário jurídico, quais são os conceitos de direito encontrados. Transcreva-os, indicando as fontes consultadas. Exemplifique a diferença entre o senso comum e um conceito científico sobre o Direito. 6. Agora, com base nas experiências e conhecimentos até aqui adquiridos, para você, o que é o direito?
  • 31.
  • 33. 32 • capítulo 2 A ideia do Direito natural: o Jusnaturalismo Chama-se jusnaturalismo a corrente de pensamento que reúne todas as ideiasquesurgiram,nocorrerdahistória,emtornodoDireitoNatural,sob diferentes orientações. Nele, há a convicção de que, além do Direito escrito, há outra ordem, superior àquela e que é a expressão do Direito justo. O pensamento predominante na atualidade é o de que o Direito Na- tural se fundamenta na natureza humana, derivando de um conjunto de concepções de ordem moral, que se sucedem e se modificam ao lon- go dos séculos. O Direito Natural forma um sistema superior de normas, preexisten- te à normatividade estatal, que apresenta uma leitura moral impositiva a respeito do Direito. A partir do momento em que o legislador se desvincular da ordem natural, estará criando uma ordem jurídica ile- gítima. O divórcio entre o Direito Positivo e o Na- tural gera as chamadas leis injustas, que negam ao homem o que lhe é devido. Três concepções básicas sobre o Direito Natural ao longo da História A existência de um Direito Natural superior, que condiciona o próprio direito positivo perpassa a história das ideias jurídicas como um todo, de modo ininterrupto desde a Antiguidade grega até o final do Século XVIII. Porém, seu conteúdo irá variar de acordo com o tempo e com os parâmetros morais que são consagrados nas diferentes sociedades. 2CONCEITO Direito Natural Considera-se o Direito Natural como di- reito justo por natureza, que independe da vontade do legislador, sendo deriva- do da natureza humana (jusnaturalismo) ou dos princípios da razão (jusraciona- lismo) e sempre presente na consciên- cia dos homens. De acordo com a visão jusnaturalista, o legislador deve ser, ao mesmo tempo, um observador dos fatos sociais e um analista da natureza humana. A História do pensamento jurídico
  • 34. capítulo 2 • 33 A partir de uma análise das diferentes experiências históricas, é possível identificar três vertentes básicas acerca do direito natural, a saber: LEI ESTABELECIDA PELA VONTADE DIVINA Concepção teológica do Direito Natural: própria de agrupamen- tos sociais orientados por uma cultura mítica, na qual as normas de conduta refletem os padrões morais preservados pela religião dominante. Esta concepção parte do pressuposto de que existe uma ordem sobrenatural ou transcendente que condiciona o mundo físico e o próprio agir das pessoas, sendo em realidade os deuses os responsáveis pela criação das regras de conduta, que irão disciplinar a vida em sociedade, sendo as autoridades humanas meras porta-vozes desta vontade superior. LEI NATURAL, APLICÁVEL UNIVERSALMENTE, EM TODAS AS ÉPOCAS E LOCAIS Concepção cosmológica do Direito Natural: esse caráter universal deriva da noção de que existe uma ordem natural das coisas, decorrente de parâmetros de valor atemporais, alcançan- do a todos os locais, pessoas e épocas. Trata-se de uma decorrência da transição das culturas míticas, para as visões laicas sobre a realidade, segundo as quais uma ordem moral superior deve orientar as ações humanas. A realidade não é mais vista como uma mera emanação da vontade divina e sim como um resultado de uma racionalidade observada no funcionamento da própria natureza, cujos fenômenos podem ser explicados racionalmente. Da mesma forma, as regras que condicionam as ações humanas em sociedade devem observar certos parâmetros gerais, extraídos de uma ordem universal. LEI RACIONAL OU INDIVIDUALISTA Concepção racionalista do Direito Natural: parte da existência de uma lei natural associada à própria existência humana. Como ser dotado de racionalidade, o homem lança mão de seu intelecto e da experiência na organização da sociedade política e na produção do direito positivo, que deve obedecer a parâmetros gerais ditados pela razão humana. Aspectos comuns às diferentes concepções Embora as diversas concepções sobre o Direito Natural, surgidas ao longo do tempo, sejam bastante diferentes entre si no que tange ao conteúdo, em alguns casos até incompatíveis, há alguns trações fundamentais, a seguir descritas, que contribuem para que todas sejam genericamente referidas como jusnaturalistas: Todas conduzem a juízos de valor, ou seja, diversas concepções sobre o Direito: isto corresponde a dizer que toda a visão jusnaturalista, independentemente de sua essência, tem como pressuposto uma leitura moral a respeito do direito, com base em valores previamente estabelecidos. Tais juízos têm uma fonte universal e imutável na revelação, na natureza, ou na razão, de acordo com o tipo de concepção que se adote: diante de tal fato, pode-se concluir que todas as correntes de pensamento associadas ao jusnaturalismo partem do princípio da existência de apenas um Direito Natural, que confirma os valores por ele preservado.
  • 35. 34 • capítulo 2 Seja na visão teológica, na universalista propriamente dita ou na racional-indi- vidualista, em todas elas o Direito Natural é orientado por um conjunto de princípios, expressos por valores supremos, que darão sistematicidade e coesão ao conjunto das regras e diretrizes de ordem moral estabelecidas pelo modelo de Direito Natural respectivo. Os juízos de valor prevalecem sobre a lei positiva: é uma premissa essencial do Direito Natural a crença na existência de uma hierarquia entre a lei natural e a lei positiva, sendo a primeira determinante da validade da segunda. Para o jusnaturalista, a lei que contraria preceitos do Direito Natural não é válida. Qualquer relativização desta premissa implicará no enquadramento da corrente de pensamento respectiva em outra vertente do pensamento jurídico, que não a do Direito Natural. Origens do Direito Natural Uma vez estabelecidos os marcos conceituais básicos a respeito do Direito Natural, cabe realizar uma breve contextualização histórica das diferentes concepções sobre o Direito Natural, anteriormente descritas, a fim de situá-las de forma mais precisa no tempo e identi- ficar as suas motivações. Antiguidade clássica Grécia antiga Os gregos foram os primeiros preocupados em estabelecer uma correla- ção entre o direito que vigorava na cidade e uma razão presente na natu- reza, associada ao princípio de Justiça. Os Estoicos Foram os responsáveis pela associação no mundo gre- go entre a natureza e uma ordem racional. Dentro deste equilíbrio de uma ordem cósmica de- verá se inserir a lei da cidade, que deve ser voltada não apenas a manter a ordem social, mas também a fazê-lo de modo racional. Da mesma forma que os elementos da natureza interagem de forma equilibrada, as leis criadas pelos homens para regular a vida na cidade devem contar com uma racionalidade extraída da ordem natural. CURIOSIDADE Antiguidade Período histórico compreendido, aproxi- madamente, entre o século XXX A.C. e o século V da Era Cristã. EXEMPLO A Antígona de Sófocles (494-406 a.C.): na tragédia grega já é possível identifi- car uma preocupação com a correlação existente entre a ideia de justiça e as leis da cidade. Na Antígona, Sófocles relata o julgamento da personagem de mesmo nome, que teria violado as leis da cidade de Tebas, ao sepultar clan- destinamente seu irmão Polinice, que fora morto durante uma insurreição contra o rei Creonte. De acordo com as leis da cidade, aquele que fosse morto em traição ao governo da cidade não teria direito a um sepultamento segun- do os ritos, então consagrados, e seu corpo deveria ser atirado aos cães. Em sua defesa, Antígona justifica o seu ato com base em valores superiores, pois todo homem, por pior que tenha sido a sua conduta em vida tem direito a um sepultamento digno: “tuas ordens não valem mais do que as leis não escritas e imutáveis dos deuses, que não são de hoje e nem de ontem e ninguém sabe quando nasceram”. Segundo a filosofia estoica, existiria uma ordem natural das coisas, imutável, igual em todas as épocas e locais.
  • 36. capítulo 2 • 35 Os romanos Por inspiração de Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.), que é tido como o último dos estoicos ou o estoico romano, os juristas romanos da Antiguidade foram capazes de converter em Institui- ções de Direito o conjunto das ideias dos gregos, o que fez com que aquele vínculo constante entreosvaloressuperioresdaordemnaturalservissemdeparâmetroparaoprocessotécnico de produção do direito e para a definição do próprio conteúdo de suas normas. ATENÇÃO Esses valores são à base do processo de construção do Direito Romano na Antiguidade desde a Repú- blica até o Império. O próprio conceito de Ius Gentium (“Direito das Gentes”) tem como fundamento uma suposta universalidade do Direito. Com a expansão dos domínios territoriais dos Roma- nos, surgiu uma dificuldade de ordem prática, uma vez que o Ius Civile arcaico era aplicável somente aos cidadãos romanos, que eram os filhos de pai e mãe romanos. Da necessidade de aplicar o direito às novas regiões que passaram a estar submetidas ao poder dos romanos decorreu a institucionalização da figura do Pretor Peregrino, que era exatamente o magistrado judicial, cuja competência compreendia a aplicação do direito àqueles que não eram cidadãos romanos. Ocorre que, em não sendo a eles aplicável o direito civil romano, os pretores peregrinos passaram a criar um direito próprio, expresso por novas ações incluídas anualmente em seus Editos, além das chamadas actiones in facto, que eram criadas a partir da resolução de casos concretos, com base em princípios de equidade. REFLEXÃO Segundo Cícero, na República, Livro III, 17: “Existe uma verdadeira lei, conforme à natureza, gravada em todos os corações, imutável, eterna; sua voz ensina e preserva o bem; suas proibições afastam o mal. Ora com seus mandatos, ora com suas proibições, jamais se dirige inutilmente aos bons, nem fica impotente ante os maus. [...] Essa lei não pode ser contestada, nem anulada, nem alterada em parte. Nem o povo, nem o senado podem dispensar-nos de seu cumprimento; não há que procurar para ela outro comentador nem intérprete, não é uma a lei em Roma, e outra em Atenas, uma agora, e outra depois, senão uma lei única, eterna e imutável, que obriga entre todas os povos e em todos os tempos; um só será sempre o seu imperador e mestre, Deus, seu inventor, sancionador e publicador, não podendo o homem desconhecê-lo sem renegar-se a si mesmo, sem despojar-se de seu caráter humano e sem deixar de atrair sobre si as penas máximas, ainda que tenha conseguido evitar os demais suplícios”. A correlação entre este novo direito, chamado de Ius Gentium e o universalismo da ideia de direito natural reside no fato de que este era um direito que surgia sem qualquer baliza- mento anterior, que não os juízos de valor e a concepção de justiça preservados pelo magis- trado romano, no momento em que se deparava com alguma situação inédita. Tal procedimento sofreu uma massificação, até mesmo porque os destinatários do Ius Gentium passaram a compreender a maior parte das pessoas submetidas à autoridade ro-
  • 37. 36 • capítulo 2 mana, chegando a um ponto em que este direito se mostrou mais dinâ- mico e moderno do que o direito civil romano tradicional, suplantando ao final este último. Fato é que, mesmo com o declínio da República Romana, com a con- centração dos poderes nas mãos dos Imperadores, esta forma de apli- cação do direito permaneceu viva, não mais sob a responsabilidade dos Pretores, uma vez que houve um enfraquecimento das magistraturas, e sim a partir da atuação dos jurisconsultos. Estes eram grandes estu- diosos do Direito, que emitiam pareceres a pedido das partes nos pro- cessos judiciais, a respeito de questões jurídicas inéditas, surgidas no curso dos litígios (conflitos). Embora eles não fossem integrantes das magistraturas romanas, os pareceres dos prudentes passaram a ser a base para as Instituições do Direito Privado Romano, que são o berço do Direito Civil ocidental, sendo o processo de produção de tais ideias jurídicas essencialmente fundado na utilização de princípios superiores de Direito de inspiração jusnaturalista, na resolução de casos concretos. A partir do Século IV, com a conversão dos imperadores romanos ao cristianismo, teve início uma importante mudança em termos culturais na Europa, principalmente no que se refere à passagem da cultura laica que se afirmou com o mundo grego para uma leitura teológica da reali- dade, que será base de todas as ideias no período medieval. Com a queda do Império Romano do Ocidente, no Século V, há um gradativo processo de perda dos vínculos com a cultura da Antiguidade, notadamente a filosofia grega e o direito romano. Ambos serão suplan- tados por um padrão cultural na Alta Idade Média, orientado por um monoteísmo cristão e pela afirmação do poder temporal da Igreja. Direito Natural é igual ao Direito Divino Em meio a tais mudanças, o perfil do Direito Natural também se al- tera, passando a noção de lei natural estar diretamente associada à providência divina, sob a inspiração da denominada Patrística. O pressuposto da onipotência e onipresença de Deus servirá de base para todo um conjunto de procedimentos de inquérito da Alta Idade Média, que tem como pressuposto a atuação de Deus como juiz. São práticas como as do ordálio e das provas, em que o acusado é subme- tido a sortilégios físicos e provas irracionais, nas quais Deus deter- minará a sua culpa ou inocência (“Juízos de Deus”). COMENTÁRIO Direito A leitura histórica sobre as origens do Direito constata que o seu nascedouro está intimamente associado à existência de um parâmetro geral de Justiça orien- tador do processo de criação do Direito. CURIOSIDADE Idade Média Período histórico compreendido, apro- ximadamente, entre os séculos V e XV.
  • 38. capítulo 2 • 37 ATIVIDADE Para saber mais: Leia o livro O NOME DA ROSA, de Humberto Eco, ou assista ao filme de mesmo nome, do diretor Jean-Jacques Annaud, produção Alemanha, Itália e França, 1986, 130 min., son., color. Fonte: IMDb Com o advento do que se convencionou chamar de Baixa Idade Média, expressivas mudanças ocorreram na Europa medieval, sendo importante se destacar o processo de formação dos primeiros núcle- os urbanos, a partir das corporações mercantis nascentes. Esse mo- mento marca o renascimento cultural da Idade Média, com o surgi- mento das primeiras universidades europeias e, com elas, a criação de um ambiente de debate acadêmico orientado pela retomada dos estudos da cultura da Antiguidade, notadamente da filosofia grega e do direito romano. Obviamente, a Igreja era e ainda será por um longo tempo uma força poderosa em termos políticos e cultu- rais na Europa medieval. Sendo assim, é compreensível que o refinamento do ambiente intelectual da Europa con- tasse com o protagonismo dos mem- bros do clero. Primeiramente, porque os textos da Antiguidade se encon- travam depositados nas bibliotecas clericais. Em segundo lugar, porque a intelectualidade medieval era formada basicamente pelos integrantes da Igre- ja, que, inclusive, eram uns dos poucos a terem acesso às letras. Grande referência da chamada escolástica medieval, que representa- va basicamente uma espécie de releitura filosofia da Antiguidade, à luz da teologia cristã, São Tomás de Aquino reafirma a existência de uma lei natural primária, que corresponderia à concepção da Patrística, de uma lei de Deus imutável e eterna, inacessível aos homens. Todavia, Tomás de Aquino lança a ideia inovadora de uma lei na- tural secundária, social e humana, que deve ser orientada pelos de- sígnios do Criador, mas que pode não ser, uma vez que é produto do intelecto do próprio homem. O ideal é que a lei humana seja um instrumento para a concretização do Reino de Deus na Terra, buscando o alcance do bem comum, expres- so pela fraternidade cristã. A importância do pensamento tomista (conjunto das ideias de S. To- más de Aquino) para o campo do Direito Natural reside no fato de que a repartição da lei natural por ele promovida lança as bases de uma nova CURIOSIDADE A Baixa Idade Média é o período compre- endido, aproximadamente, entre a segun- da metade do Século XI e o Século XV. AUTOR São Tomás de Aquino (1225-1274) Teólogo e filósofo medieval, cuja princi- pal obra é a chamada Suma Teológica, representa um dos principais nomes da escolástica da Baixa Idade Média, tendo sido responsável pelo retorno ao estudo dos filósofos da Antiguidade, principal- mente de Aristóteles, desenvolvendo os fundamentos da concepção racional da Lei Natural, que será posteriormente a base do Direito Natural Moderno. São Tomás de Aquino promoveu uma cisão da lei natural divina, inspirada pelo pensamento de Aristóteles.
  • 39. 38 • capítulo 2 concepção sobre o Direito Natural, que irá ganhar corpo a partir da Idade Moderna, que é exatamente aquela associada à Razão Humana. Não obstante se mostrarem conectadas no pensamento de Tomás de Aquino, as leis naturais primária e secundária são, na prática, in- dependentes: LEI NATURAL PRIMÁRIA Decorre da providência divina e escapa do controle dos homens. LEI NATURAL SECUNDÁRIA É resultado direto da vontade dos seres humanos, devendo estar em concordância com a vontade de Deus, mas podendo na prática dela se afastar, por ser uma criação da sociedade. A leitura tomista lança os fundamentos da noção de livre arbítrio, que representa a capacidade de escolha de cada pessoa sobre o caminho a seguir, que será uma das bases da noção moderna de razão, que servi- rá de inspiração para uma das concepções sobre o Direito Natural. A Modernidade (Idade Moderna) marca o fim do extenso período de hegemonia (predominância) intelectual da Igreja medieval e o surgi- mento da concepção racional sobre o Direito Natural, sendo importante se destacar alguns fatos e mudanças no campo das ideias, que foram fundamentais para a virada ocorrida no pensamento jurídico moderno. A Reforma Protestante, marco da cisão da doutrina cristã do Oci- dente, representa o rompimento com o monopólio da interpretação das Sagradas Escrituras pela Igreja e a busca de uma nova teologia. Capita- neada inicialmente por Martinho Lutero, a Reforma trouxe importantes modificações na compreensão do relacionamento entre Deus e os ho- mens, fator que irá influenciar substancialmente as mudanças no pen- samento ocidental como um todo. Lutero deslocou o eixo da responsabilidade para o próprio Ho- mem, que deveria ser o verdadeiro responsável por suas escolhas e assumir individualmente as consequências de seus erros, com base na doutrina do livre arbítrio. Com isso, foram lançadas as bases de toda uma visão individualista fundada na Razão humana, que irá nortear o pensamento moderno, com claros reflexos na filosofia, nas ciências, nas artes e no próprio Direito. Escola do Direito Natural (Séculos XVII e XVIII) Expressãogenéricaquereúnediferentestendênciaseautoresdopensamento moderno, que associaram a noção de Direito Natural à ideia de Razão, como atributodoserhumano,queécapazdefazersuasprópriasescolhas,indepen- dentementedavontadedivina.Conceitosemcomumsobreaexistência: CURIOSIDADE Idade Moderna Período histórico posterior ao século XVI — criação dos Estados Nacionais. AUTOR Martinho Lutero (1483-1546) Em linhas gerais, Lutero era crítico do papel desempenhado pela Igreja du- rante a Idade Média, como única inter- mediária entre Deus e os homens, ao determinar a verdadeira interpretação dos Evangelhos, promover a remissão dos pecados e lançar mão da venda de indulgências, a fim de assegurar aos pecadores o acesso ao Paraíso. Em re- alidade, Lutero defendia que a relação entre os homens e o Criador não passa- va pela intermediação de qualquer ins- tituição humana, havendo uma relação direta, na qual cada um assumia perante Deus o risco da danação eterna por sua conduta pecaminosa. Não sendo possí- vel a cura do pecado, a postura das pes- soas deveria ser preventiva em relação às condutas contrárias à vontade divina.
  • 40. capítulo 2 • 39 DE DIREITOS NATURAIS INATOS Cada um nasce com determinados direitos que preexistem e independem da vontade do Estado, cabendo a este apenas declará-los. DE UM ESTADO DE NATUREZA Um momento hipotético antecedente à formação da sociedade política, em que não havia limites à atuação dos indivíduos na satisfação de seus interesses. DE CONTRATO SOCIAL Representa o pacto fundacional da sociedade política, segundo o qual os indivíduos abririam mão de parte de sua liberdade plena no estado natural em prol de um Poder Soberano, que lhes garantiria a vida e a segurança contra a possível ameaça perpetrada por seus semelhantes, na busca da satisfação de seus apetites individuais. Sob esta ótica, o Estado e o próprio direito seriam produto de opções racionais de cada um dos indivíduos, que renunciariam à liberdade ple- na no estado natural, em troca da preservação de sua integridade e de seu patrimônio. AUTOR Hugo Grócio (1583-1645) Tido como o precursor do Direito Interna- cional, por haver escrito obras relativas à liberdade de navegação em pleno período de monopólio das rotas marítimas e sobre os limites éticos das guerras, o holandês Grócio defendia a existência de uma lei natural humana de cunho laico e racional. Nas palavras do autor: “O Direito Natural existiria mesmo que Deus não existisse ou que, existindo, não cuidasse dos assun- tos humanos”. O declínio do Direito Natural No Século XIX ocorreu, pela primeira vez, uma separação rigorosa entre o Direito e a Moral. Com as revoluções burguesas da segunda metade do Século XVIII, principalmente a Revolução Francesa de 1789, afirmaram- se princípios jurídicos como legalidade, separação de poderes e isono- mia, que investiram em uma valorização do direito positivo criado pelo Estado, em detrimento de fontes históricas tradicionais, como o Direito AUTOR Thomas Hobbes (1588-1679) Pensador inglês do Século XVI, que em sua principal obra – O Leviatã – discutiu o conceito de Poder Soberano e o surgi- mento da sociedade política, a partir de um pacto inicial, em que os indivíduos re- nunciam à sua liberdade plena no estado de natureza em favor do Soberano, que não experimenta limites à sua atuação na garantia da ordem e da segurança das pessoas. A mudança relevante trazida pelo pen- samento hobbesiano reside no fato de que ele busca nos próprios indivíduos a base para a existência do poder político, em substituição às doutrinas da delega- ção divina de poder, que dominaram o pensamento político da Baixa Idade Mé- dia. Com a laicização cultural ocorrida a partir do Século XVI era preciso buscar um fundamento para autoridade real em outra fonte que não mais a vontade de Deus. Com isso Hobbes constrói um fundamento racional para a existência da autoridade do Estado, a partir de uma escolha feita pelos próprios membros da sociedade política.
  • 41. 40 • capítulo 2 Canônico, o Direito Costumeiro e o próprio Direito Natural, tidas como irracionais, casuís- ticas e contrárias aos ditames do Estado Liberal. Investiu-se, então, na racionalização e sistematização do Direito, expressos na França pelo movimento das codificações de direito, cujo documento referencial foi o Código Civil francês de 1804, o chamado “Código de Napoleão”, que foi a base do positivismo jurídico francês, expresso pela Escola da Exegese, que será estudada a seguir. O jusnaturalismo experimentará um eclipse de aproximadamente um século, período em que o debate jurídico gravita basicamente em torno do formalismo e do legalismo de correntes do Positivismo Jurídico e da defesa do Direito como fato social promovida por correntes de viés sociológico e realista. CURIOSIDADE Retorno ao Direito Natural após 1945 As atrocidades e perseguições praticadas em diversos países com base em regras de direito e os próprios horrores da Segunda Guerra Mundial, que culminaram no Holocausto do povo judeu na Alemanha Nazis- ta, no genocídio Estalinista na antiga União Soviética e no lançamento da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, levaram os juristas a um repensar do papel do próprio direito e a admitirem a existência de um conjunto de direitos, de caráter universal, inerentes à pessoa humana, que devem ser respeitados em qualquer sociedade, independente do regime político, como a vida, a liberdade, a dignidade, entre outros. A Declaração Universal dos Direitos do Homem da Organização das Nações Unidas, de 1948, é um documento representativo desta nova concepção universalista sobre o direito, fundada em valores supe- riores, decorrentes da condição humana, representando, em realidade uma retomada da discussão ética no campo do Direito, reabilitando a questão dos valores na reflexão jurídica, o que remete de certa forma, à leitura axiológica do direito presente no jusnaturalismo. Assista aos filmes: O LEITOR. Direção: Stephen Daldry. Produção: The Weinstein Company. Estados Unidos/Alemanha, 2008, 124 min., son., color. Fonte: IMDb HANNAH ARENDT – Ideias que chocaram o mundo. Direção: Margarethe Von Trotta. Pro- dução: Heimatfilm. Alemanha/Israel/Luxemburgo/França, 2012, 113 min., son., color. Fonte: IMDb
  • 42. capítulo 2 • 41 O positivismo jurídico Conforme destacado no item anterior, o positivismo jurídico surge na Idade Moderna, a partir de uma preocupação em investir na sistemati- zação e na racionalização do direito, negando a importância das fontes casuísticas e imprecisas do direito, a começar pela ideia do Direito Natu- ral, que seria impregnado de considerações de ordem moral, que impos- sibilitavam a criação de um direi- to impessoal e igual para todos. Na visão positivista, a Ciência do Direito tem por missão estudar a correlação entre as normas que compõem a ordem jurídica vigen- te. Em relação à justiça, a atitude do positivismo jurídico é a de um ceticismo absoluto. Para os cultores do positivis- mo jurídico, fora da experiência jurídica, do fato ou do Direito Positivo, isto é, do direito reconhecido pelo Estado e em suas leis, não há direito. O direito identifica-se com o direito estatal, na dependência da vontade do legislador, na tradição europeia continental ou nos precedentes ju- risprudenciais, na tradição anglo-saxônica do Common Law. Correntes do positivismo jurídico O positivismo jurídico não é somente uma corrente de pensamento jurídi- co, mas também uma tendência formalista no campo das ideias jurídicas, que se identifica com diferentes correntes do pensamento jurídico do Sé- culo XIX, surgidas em distintos sistemas jurídicos europeus, podendo ser identificadastrês escolas principais: Escolada Exegese, naFrança; Pandec- tismo Jurídico, na Alemanha e Jurisprudência Analítica, na Inglaterra. Escola da Exegese Corrente originária do ambiente intelectual posterior à Revolução Fran- cesa tinha caráter formalista, legalista, codicista e livre de qualquer aspecto moral ou fático. Só o Estado pode criar o direito, por meio do Poder Legislativo. O seu objeto de estudo era o Código Civil de 1804, o Código de Napoleão, que representou um marco do movimento de codi- ficação do direito no Século XIX. Justamente daí deriva a denominação dessa Escola, uma vez que exegese é um sinônimo de interpretação. Trata-se de uma escola ligada a um projeto político determinado, de unificação do direito privado francês e que se valeu de uma técnica Por considerar a justiça um ideal irracional, acessível apenas pelas vias da emoção, o positivismo jurídico se omite em relação aos valores. CURIOSIDADE Common Law Denominação da tradição jurídica de inspiração britânica, fundada não na aplicação de textos de lei e sim em pre- cedentes jurisprudenciais, que servirão de parâmetro (modelo) decisório para casos semelhantes no futuro.
  • 43. 42 • capítulo 2 inteiramente nova de elaboração legislativa, denominada de Código, que seria um documento completo de toda a disciplina jurídica de uma determinada área do direito, pondo fim a outras fontes históricas do di- reito, tais como Direito Romano, Direito Costumeiro e o Direito Natural. Essa forma de elaboração legislativa se expandiu para outras áreas do direito, como o Direito Penal, o Direito Processual, o Mercantil e ou- tros, tendo o próprio Código de Napoleão sido um grande produto de exportação francês naquele período, tanto para outros países da Europa Continental, quanto para os países latino-americanos, que haviam re- centemente conquistado a sua independência. ATENÇÃO A tese fundamental da Escola da Exegese é a de que o Direito é o revelado pelas leis, que são normas gerais escritas emanadas do Estado, constitutivas de direito e obrigações, em um sistema de conceitos bem articulados e coerentes que não apresenta lacunas. O Pandectismo Alemão e sua relação com a Escola Histórica A compreensão do perfil do Pandectismo Jurídico, escola representativa do positivismo jurídico na Alemanha do Século XIX, exigirá uma prévia contextualização das instituições de direito e do pensamento jurídico germânico daquele período, a fim de que se possa melhor compreender a complexa trajetória que levou à sua consagração na segunda metade do Século e, principalmente, a sua relação com a chamada Escola Histó- rica alemã, que era antipositivista na sua origem, mas paradoxalmente lançou os fundamentos do positivismo jurídico na Alemanha. Em 1814, Thibaut publicou uma obra defendendo a codificação do direito alemão, como elemento viabilizador da organização do direito e fomentador da unidade nacional. No mesmo ano, Savigny publicou uma obra defendendo o costume como legítima fonte do direito. Para ele, a codificação representaria uma indevida invasão estrangeira na rica cultura jurídica alemã. Savigny questionou o projeto codificador, por entender que a Ale- manha não formava ainda uma Nação e que, assim sendo, lhe faltava maturidade para a adoção do código. Ele era contra um plano prematu- ro de codificação, invocando contra a lei abstrata e racional a força viva dos costumes, tradução imediata e genu- ína do que denominava “espírito do povo”, pois temia que a precipitação codificadora gerasse leis dotadas de COMENTÁRIO Contexto Histórico Cabe destacar que, no início do Sécu- lo XIX, a Alemanha não constituía um Estado unificado politicamente, o que somente ocorrerá na década de 1870. O que existia era um conjunto de rei- nos independentes, que formavam a chamada Confederação Germânica. Dessa forma, o debate jurídico do início do Século XIX, na Alemanha, envolvia não apenas divergências doutrinárias, mas também a questão do nacionalismo germânico. Acrescente-se que lá exis- tia uma sólida elite intelectual jurídica, versada no estudo das Instituições do Direito Romano, que resistia à ideia de uma mera importação de um modelo de codificação de inspiração francesa. Em meio a esse quadro complexo, ins- taurou-se um debate entre juristas ale- mães, no início do Século XIX, acerca da conveniência ou não da codificação do direito germânico. AUTOR Anton Friedrich Justus Thibaut (1772-1840) Assim como Savigny, era um estudioso do Direito Romano, havendo travado importante debate com este último, no início do Século XIX, acerca da conve- niência da adoção da codificação do direito nos moldes franceses, como um elemento facilitador do processo de uni- ficação política da Alemanha. Sua pro- posta não prospera em um primeiro mo- mento, com o predomínio da concepção costumeira sobre o direito adotada pela Escola Histórica alemã. “O Direito deve ser a expressão do espírito do povo” Savigny.
  • 44. capítulo 2 • 43 vigência, de validade técnico-formal, mas destituídas de eficácia ou de efetiva existência como comportamento, como conduta. Savigny afirmava que o povo manifesta-se especialmente por meio de regras de caráter consuetudinário, que cabe ao legislador interpre- tar: os costumes devem exprimir-se em leis, porque somente são leis ver- dadeiras as que traduzem as aspirações autênticas do povo. A Escola Histórica do Direito Seguindo o pensamento de Savigny, trata-se da primeira escola a usar a expressão Ciência do Direito (Juris Scientia) e a adotar uma metodolo- gia histórica de pesquisa jurídica. Opunha-se à codificação e à Teoria do Direito Natural e defendia a formação e transformação espontânea do direito, marcado pelo “espírito do povo” (Volksgeist). CONCEITO Para a Escola Histórica, o direito é um fenômeno espontâneo da sociedade, ma- nifestado primeiro como costume, tido como a sua fonte de excelência, por corres- ponder mais fielmente aos ideais e necessidades da sociedade em dado momento histórico e por acompanhar de perto as transformações dos demais fatos históricos (econômicos, éticos, políticos etc.). A Escola Histórica considerava o costume como a fonte principal de direito, devendo a lei derivar dele. Opunha- se ao jusnaturalismo, por- que o considerava metafísico e divorciado da realidade histórica das so- ciedades. Insurgiu-se contra a codificação, por petrificar o direito, impe- dindo a sua adaptação a novas realidades. Em realidade, este “espírito do povo” vislumbrado pela Escola His- tórica estava muito mais identificado com o produto de uma concepção doutrinária construída a partir do estudo de fontes históricas de direito, principalmente o Direito Romano, do que com o direito costumeiro dis- cutido na Teoria das Fontes de Direito. Vale ressaltar que esta foi uma corrente de pensamento capitaneada por civilistas de marcante formação romanista, a exemplo do próprio Savigny, e que, naturalmente, o perfil de sua formação se fez presente em suas ideias acerca do Direito. Pandectismo Jurídico (Jurisprudência Conceitual) O formalismo dominante no pensamento jurídico europeu do Século XIX triunfou também na Alemanha, suplantando o enfoque factualista da Escola Histórica, mas de uma forma fiel à tradição jurídica germâ- AUTOR Friedrich Carl Von Savigny (1779-1861) Principal nome da Escola Histórica ale- mã, Savigny era professor de Direito Ro- mano e História do Direito. Foi responsá- vel pelo desenvolvimento de um método histórico de estudo do Direito, que par- tia da análise do processo de recepção das Instituições do Direito Romano no Ocidente medieval e de sua conjugação com o direito costumeiro desenvolvido nas diversas regiões da Europa, princi- palmente na tradição germânica.
  • 45. 44 • capítulo 2 nica, o que fez com que, paradoxalmente, o denominado Pandectismo Jurídico bebesse na fonte do próprio historicismo, não obstante fosse uma escola sem preocupações com a influência dos fatos sobre o direito. O Pandectismo Jurídico se identificava com as premissas metodoló- gicas (formalismo, sistematicidade etc.) da Escola da Exegese francesa. Há, contudo, uma diferença fundamental entre as escolas, uma vez que a Escola francesa era codicista, que se desenvolveu em torno de um pro- jeto político-legislativo capitaneado por Napoleão. No caso alemão, tratava-se de uma Escola eminentemente de perfil doutrinário, representada por grandes juristas, que tiveram um prota- gonismo no processo de unificação jurídica e na construção institucio- nal do Estado alemão de Otto Bismarck. O Pandectismo defendia a imperatividade dos conceitos jurídicos construídos a partir do estudo das Instituições do Direito Romano, mes- cladas com a tradição doutrinária germânica. Conceitos como os de di- reito objetivo, direito subjetivo, ato lícito, sujeito de direito, propriedade, obrigação etc. formados a partir da generalização dos casos soluciona- dos pela jurisprudência romana da Antiguidade, serviram de base para a construção de um modelo doutrinariamente organizado, que deu ori- gem ao que se chamou de Teoria Geral do Direito Privado, que, por sua vez, lançou os fundamentos da denominada Teoria Geral do Direito. Com a unificação do Estado alemão, na segunda metade do Século XIX, formou-se um ambiente apropriado para a codificação do direito, sendo o documento referencial deste processo o Código Civil (BGB) de 1900, que é uma legislação de inspiração pandectista, sendo substan- cialmente distinto do Código de Napoleão. A “Pirâmide de Conceitos” criada pelo Pandectismo estabelece uma relação entre conceitos jurídicos, que vão se desdobrando e criando um conjunto autônomo dentro da dogmática jurídica, como, por exemplo: Obrigação jurídica; obrigação decorrente de contrato e decorrente de ato ilícito; Contratos inominados e nominados; contratos em espécie: compra e venda, mútuo, locação etc.; locação: de bens, de serviços etc. Com suporte nesta especialização conceitual foi edificada a estrutu- ra dos códigos, que agrupam comandos jurídicos, em função dos núcle- os conceituais do qual fazem parte. Esse recurso de sistematização e or- denação das regras de direito é de fundamental importância no próprio processo interpretativo das normas, uma vez que a partir da posição topográfica (localização) de um dispositivo legal no Código é possível aferir a natureza específica ou genérica do comando. CONCEITO Pandectismo A origem da expressão Pandectismo está no termo Pandectas, denomina- ção em grego do Digesto do Imperador Justiniano, principal fonte de estudo do Direito Romano da Antiguidade. Tal fato demonstra a base romanística da for- mação dos juristas que conceberam a base conceitual do Pandectismo, sendo, não por coincidência, a mesma fonte de estudo dos juristas da Escola Histórica. Diante de tal fato, é evidente a conexão entre as duas Escolas de pensamento alemãs. Na prática, o Pandectismo re- presentou uma espécie de formaliza- ção da metodologia da Escola História, sendo algo como uma Escola Histórica sem a História, em situação análoga à relação entre o jusnaturalismo moderno e Escola da Exegese francesa, sendo esta última um Direito Natural Racional sem os valores. CURIOSIDADE Direito dos Juristas Trata-se de outra expressão para deno- minar a Escola Pandectista alemã, que ainda é também chamada de Jurispru- dência Conceitual, exatamente porque na Alemanha do Século XIX não houve uma massificação no uso de códigos, sendo o Direito basicamente um resultado das construções intelectuais dos juristas.
  • 46. capítulo 2 • 45 ATENÇÃO Ressalte-se que, o BGB teve grande influência sobre o Código Civil brasileiro de 1916, que adotou estrutura análoga, em boa parte preservada no atual Código Civil de 2002. O normativismo jurídico Antes de apresentar os traços característicos do normativismo jurídico, é necessário vislumbrar o contexto intelectual do surgimento deste pen- samento jurídico, para compreender seus objetivos e ideias. A crise do Positivismo Jurídico Apesardetersidoumatendênciahegemônica(majoritária)nopensamento jurídicodoSéculoXIX,opositivismojurídicoexperimentouumaprofunda crise, motivada por diferentes fatores, na transição para o Século XX. O desenvolvimento dos meios de produção não foi acompanhado de melhoria nas condições de trabalho, que se tornaram cada vez mais penosas, com jornadas de até dezesseis horas diárias de trabalho, ex- ploração do trabalho infantil, condições insalubres e frequentes aciden- tes em serviço, que levavam à incapacitação temporária ou permanente dos trabalhadores, o que os conduzia à mendicância e à marginalidade, uma vez que inexistia qualquer sistema de cobertura social. Diante de tal quadro, ganhou força uma crítica virulenta ao modo de produção capitalista e à sua correspondência política, que era o Estado Liberal, inspirada pelas ideias de um autor chamado Karl Marx, que via naquele perfil de Estado um mecanismo de garantia do regime de ex- ploração do homem pelo homem, que seria a base do funcionamento da estrutura capitalista. ATENÇÃO Para Karl Marx, o Estado e a ideologia seriam uma mera superestrutura voltada a per- petuar o processo de acumulação de riqueza pelos detentores dos meios de produção à custa da mais-valia decorrente da exploração da mão de obra dos trabalhadores. O denominado marxismo foi a inspiração de um movimento unifi- cado dos trabalhadores contra a ordem institucional burguesa expressa pelo Estado Liberal, que culminou na formação da Internacional Socia- lista, cujo objetivo era suplantar a ordem desigual e injusta propiciada pelo modo de produção capitalista. CONCEITO Contexto Histórico O Século XIX foi marcado por mudan- ças, nos campos político, social e eco- nômico, nunca vistas na História do Ocidente. O uso maciço dos avanços científicos, no processo produtivo da chamada Revolução Industrial, culminou no desenvolvimento acelerado da indús- tria, que veio acompanhado de um fe- nômeno de rápida formação de grandes núcleos urbanos na Europa, nos quais as condições de moradia e sanitárias eram as piores possíveis.
  • 47. 46 • capítulo 2 Em meio a todo esse quadro conturbado, o modelo jurídico individu- alista do Estado Liberal foi posto em xeque e, juntamente com ele, a sua correspondência no campo do pensamento jurídico, que era exatamen- te o positivismo jurídico. Diante de tal contexto, surgiram diferentes tendências no campo do pensamento jurídico, ainda que não expressamente de inspiração mar- xista, mas que tinham como premissa metodológica a necessidade de re- conhecer que o direito era mero produto dos fatos, devendo ser afastados todososesquemasteóricoseformalistasquecaracterizavamascorrentes do positivismo jurídico, inclusive com a redução da importância que en- tão era dada à lei, criada pelo Estado a partir do processo legislativo. As tendências de perfil factualista dominavam o debate jurídico das primeiras décadas do Século XX, quando surgiu a figura de um autor austríaco, chamado Hans Kelsen, que mudaria por completo o foco do debate da Teoria Geral do Direito, ao questionar tais en- foques, investindo da proposta de construção de uma metodologia própria para a Ciência do Direito. A Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen Hans Kelsen (1881-1973) dedicou a maior parte de sua vida à discussão da Teoria do Direito. O normativismo jurídico kelseniano consiste ba- sicamente na defesa da construção de parâmetros metodológicos pró- prios para a Ciência do Direito, expressos na denominada Teoria Pura do Direito, que não fossem uma mera importação das Ciências Sociais e Humanas do Século XIX, tampouco a reprodução dos paradigmas teóri- cos próprios das Ciências Naturais e Exatas. Com base na Teoria Geral do Estado para desenvolver uma teoria sobre o ordenamento jurídico, Kelsen partiu da premissa de que o direito repre- senta uma expressão formal da soberania estatal, não sendo um produto da natureza ou de fatos e sim um resultado da vontade política do Estado. ATENÇÃO Desse modo, o foco do jurista deveria estar na norma jurídica e na sua relação com as demais normas, que formam uma estrutura lógico-sistemática denominada de ordenamento jurídico. Pontos Principais da Teoria Pura do Direito Kelsen priorizava o aspecto estrutural do ordenamento jurídico e a correlação entre suas normas, independentemente de concepções CONCEITO Surgiram tendências ligadas ao chama- do Realismo Jurídico, ao Sociologismo Jurídico, à Escola do Direito Livre e à Jurisprudência de Interesses, que vis- lumbravam nas Ciências Humanas e Sociais, então nascentes, a base para a construção de uma metodologia para o Direito, devendo ser priorizados mais os aspectos factuais da prática do direito, do que prescrições normativas genéri- cas e abstratas derivadas de esquemas conceituais ou do direito codificado. AUTOR Hans Kelsen (1881-1973), Jusfilósofo austríaco, perseguido pelo nazismo, destacou-se por sua produção científica de cerca de quatrocentos livros e artigos, com destaque para a Teoria Pura do Direito. Teve o mérito de conferir ao Di- reito o status de ciência ao precisar-lhe o objeto (a norma) e o método. Sofreu muitas críticas por causa de sua postura normati- vista, pois sua teoria pura do direito limita o conhecimento jurídico, enquanto objeto de estudo científico, à sua feição estatal, especificamente à norma posta pelo Esta- do, afastando da discussão sobre o direito a própria realidade histórica em que ele se insere e que lhe dá origem.
  • 48. capítulo 2 • 47 ideológicas e de regimes políticos. Pregava a pureza metodológica de uma Ciência “Pura” do Direito. Na Ciência “Pura” do Direito a análise do direito leva em consideração apenas os seus as- pectos normativos, descontaminando-o em relação aos aspectos políticos, sociológicos, históricos, que eram à base do pensamento das escolas factualistas do final do Século XIX, início do Século XX. Kelsen defendia a criação de uma Ciência do Direito cujo centro gravitacional fosse a norma jurídica, conceito que compreende as diferentes formas de manifestação do direito ao longo da História, pouco importando se a norma decorre do direito positivo, do costu- me, do Direito Natural ou de qualquer outra fonte. Realmente importante é o reconheci- mento estatal de uma norma, para que ela seja considerada válida na estrutura do ordena- mento jurídico. CONCEITO Ordenamento Jurídico são normas emanadas pelo Estado, de forma escalonada, dispostas em diferentes níveis hierárquicos. Algumas normas têm mais autoridade se comparadas com outras, servindo-lhes de fundamento de validade. Tal estruturação do ordenamento jurídico deu origem ao que se convencionou chamar de pirâmide de Kelsen, exatamente porque aquelas normas situadas mais ao topo da estrutura do ordenamento jurídico se desdobram em outras normas de menor hierarquia, que irão regulamentar e detalhar as prescrições normativas contidas nas normas superiores. Norma Fundamental é a matriz do ordenamento jurídico, o pressuposto de validade de todas as normas do ordenamento. Não é norma jurídica, no sentido próprio do termo, uma vez que está acima da pirâmide. EXEMPLO A Constituição é um documento jurídico que espelha a Norma Fundamental, mas não se confunde com ela, que é uma concepção ideal e representa o ponto de contato entre a estrutura do ordenamento jurí- dico e a experiência histórica do direito, que será a responsável pelo conteúdo do direito que vigora em um determinado Estado. CRFB/88 Leis Normas superiores Normas intermediárias Normas inferiores Decretos Acórdãos | Sentenças | Portarias “A norma jurídica é o objeto de estudo da Ciência do Direito” Kelsen.