Este boletim da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores contém: 1) Uma poesia sobre o exílio que descreve uma terra violenta; 2) Uma carta defendendo a poesia como algo que se sente e não se entende racionalmente; 3) Um poema sobre contradições entre nomes próprios e o mar; 4) Um relato nostálgico sobre como os costumes em relação à sexualidade mudaram nas últimas décadas.

1. GRALHA AZUL - No. 55 - JANEIRO - 2016 - SOCIEDADE BRASILEIRA DE MÉDICOS ESCRITORES - SOBRAMES - PR
GRALHA AZULGRALHA AZUL
MARCO
AURELIO
PITAKI
BARRETO ROSE BARRETO
OS
VENCEDORES
DOS
CONCURSOS
CANÇÃO
DO
EXÍLIO
Minha
terra
tem
campos
de
futebol
onde
cadáveres
amanhecem
emborcados
pra
atrapalhar
os
jogos.
Tem
um
pedrinha
cor-­‐de-­‐bile
que
faz
“tuim"na
cabeça
da
gente.
Tem
também
muros
de
bloco
(sem
pintura,
é
claro,
que
tinta
é
a
maior
frescura
quando
falta
mistura),
onde
pousam
cacos
de
vidro
pra
espantar
malaco.
Minha
terra
tem
HK,
AR15,
M21,45
e
38
(na
minha
terra,
32
é
uma
piada).
As
sirenes
que
aqui
apitam
de
repente
e
sem
hora
marcada.
Elas
não
são
mais
as
das
fábricas,
que
fecharam.
São
mesmo
é
dos
camburões,
que
vêm
fazer
aleijados,
trazer
tranquilidade
e
a]lição.
Cena
9
-­‐
Canção
do
Exílio
-­‐
15
Cenas
de
descobrimento
de
Brasis.
Fernando
Bonassi.
Os
Cem
Melhores
Contos
Brasileiros
do
Século.

2. 2GRALHA
AZUL
-­‐
No.
55
-­‐
JANEIRO
-­‐
2016
-­‐
SOCIEDADE
BRASILEIRA
DE
MÉDICOS
ESCRITORES
-­‐
SOBRAMES
-­‐
PR
Carta
aos
apoéticos
-­‐
Márcio
Leite
SOBRAMES
BA
"Sinto
muito
por
ti,
amigo,
se
não
entendes
poesia.
Sinto
por
não
saberes
que
ninguém
entende
poesia.
Poesia
não
se
entende,
sente-­‐se.
Poesia
não
se
decifra,
declama-­‐se.
Poesia,
amigo,
é
semente
que
apenas
brota
na
face
interna
da
pele,
é
linguagem
entranhada
no
coração,
nenhuma
razão
lhe
alcança.
Ela
não
precisa,
é
completa
em
si
mesma.
Pena,
amigo,
que
não
reconheças
a
força
concreta
da
abstração,
que
não
percebas
seus
e]lúvios
mágicos,
suas
dores
secretas,
suas
lágrimas
e
sorrisos
(seriam
diferentes?).
Que
tristeza,
irmão,
que
tua
inteligência
não
reverencie
aquilo
que
não
chegas
a
tocar.
Que
seja
tão
perversa
a
ponto
de
negar-­‐te
a
beleza.
Tu
estás
surdo
diante
da
sinfonia
do
Universo,
irmão.
O
Big
Bang
ainda
te
chamusca
a
alma
e
tu
não
vês.
Pena
mesmo,
companheiro
de
jornada,
que
não
notes
que
tua
própria
alma
está
manchada
de
poesia.
Que
o
maior
de
todos
os
poetas
tenha
te
trazido
aqui,
e
não
saibas
agradecer.
Mas
não
te
preocupes,
a
poesia
sabe
esperar.
"
Contradição
-­‐
Henrique
Ribeiro
SOBRAMES
BA
I
Omar
é
humano
O
mar
é
desumano
II
Osmar
é
um
brasileiro
certo
Os
mar
é
um
erro
de
português
III
Omar
é
Osmar
sem
“s"
Omar
Sharif
é
um
Ilustre
conhecido
Osmar
meu
amigo
É
um
conhecido
ilustre.

3. GRALHA AZUL - No. 55 - JANEIRO - 2016 - SOCIEDADE BRASILEIRA DE MÉDICOS ESCRITORES - SOBRAMES - PR 3
TEMPOS
MUDARAM?
Moisés
Paciornik
(in
memorian)
Livro:
Dois
Choros
-­‐
2005
Sou
seu
colega.
Estou
com
setenta.
Aprovo,
apóio,
acho
justo
falar,
escrever,
deixar
todo
mundo
familiarizado
com
as
tais
camisinhas.
Como
os
tempos
mudaram.
Como
mudaram!
Formei-­‐me
h[a
perto
de
cinquenta
anos.
Liso
como
todo
estudante
daquele
tempo.
Liso,
quer
dizer
pobre,
vazio,
sem
dinheiro.
Arrumei
uma
namorada.
Enfermeira.
Depois
de
formados,
casamos.
Antes,
muito
às
escondidas,
transávamos.
Transávamos
-­‐
como
se
diz
hoje
em
dia
-­‐
transávamos
de
vez
em
quando.
Quanta
preocupação!
Quanto
cuidado!
Que
é
que
se
podia
fazer?
Noivamos
quatro
anos.
Uma
tarde,
domingo,
depois
duma
madnê
muito
quente,
madnê
de
cinema,
naquele
tempo,
programa
de
domingo
de
tudo
quanto
era
namorado.
Único
jeito
de
uns
beijinhos
roubados
e
de
uns
agrados
disfarçados.
Não
era
como
agora
que,
à
luz
do
dia,
à
vista
de
todos,
em
qualquer
esquina,
casais
juntados,
agarrados
forjando-­‐se
um
contra
o
outro.
Boca
contra
boca,
língua,
peito,
bacia,
coxas,
pernas,
pés.
Parece
que
querem
ser
vistos,
querem
se
mostrar.
Naquela
tarde,
à
saída
do
cinema,
acelerado
a
mais
não
poder,
insisto
para
que
ela
me
acompanhe.
-­‐ Você
tem
camisinha?
-­‐ Não.
Não
tenho.
-­‐ Compre
uma.
-­‐ Ah,
vá!
Não
seja
ruim.
-­‐ Não
adianta
insisdr,
sem
camisinha
não
vou.
-­‐ Não
tenho
mais
dinheiro.
Gastei
tudo
nas
entradas
do
cinema
e
no
pacote
de
balas.
Você
ainda
quis
pipoca,
sorvete…Só
se
você
me
emprestar.
-­‐ Não
posso,
só
tenho
dois
mil
réis.
Preciso
para
o
bonde
de
hoje
e
para
vir
para
o
serviço
amanhã.
-­‐ O
bonde
custa
duzentos
réis.
Me
empresta
um
mil
réis.
Dá
e
sobra.
Me
empresta,
te
devolvo
quando
receber
minha
mesada.
-­‐ Quanto
custa
uma
camisinha?
-­‐ Um
mil
réis.
*********************************
-­‐ Comprou?
-­‐ Comprei…Compri
uma
Cafiaspirina.
-­‐ O
quê?!!
-­‐ É
que
no
balcão
da
farmácia
uma
senhora
me
atendeu.
Como
é
que
eu
podia
dizer
que
queria
que
ela
me
vendesse
uma
camisinha?
Quando
ela
me
perguntou
o
que
o
senhor
quer?
Respondi.
-­‐ Quero
uma
ca…ca…ca,
quero
uma
Cafiaspirina…
Minha
noiva
compreendeu,
não
brigou,
achou
correto
meu
procedimento.
O
que
é
que
eu
podia
fazer?
Entende?
Se
fosse
hoje?
Moças,
senhoras,
entram
em
farmácia,
com
toda
naturalidade,
elas
pr[oprias
as
compram.
Compram
de
quem
vem
atendê-­‐las,
homens,
mulheres.
Os
rapazes
a
mesma
coisa.
Encabular?
Quem?
Os
jovens
de
agora?
E
os
velhos?
Bem
os
velhos,
talvez…
Veja
esta;
ouvi
agora
em
sua
sala
de
espera,
enquanto
esperava,
fingia
ler
uma
revista.
As
duas
senhoras
que
vieram
antes
de
mim
falavam
dos
filhos.
Contavam
vantagens.
Prestei
atenção.
- Ontem meu filho veio me pedir dinheiro.
- Para que você quer dinheiro?
- Preciso comprar camisinha.
Moisés
Paciornik
e
Sérgio
Pitaki
2008

4. 4GRALHA AZUL - No. 55 - JANEIRO - 2016 - SOCIEDADE BRASILEIRA DE MÉDICOS ESCRITORES - SOBRAMES - PR
Editor Responsável: Sérgio Augusto de Munhoz Pitaki. sergiopitaki@gmail.com
-­‐ Te
dei
ontem.
Que
é
que
você
fez
com
o
dinheiro?
-­‐ Comprei
camisinha.
-­‐ E
então?
-­‐ É
que
as
que
comprei
são
das
secas.
Queria
das
lubri]icadas…
-­‐ E
você
deu?
-­‐ Claro
que
dei.
-­‐ Não
sabia
que
existem
camisinhas
lubri]icada?
Existem?
-­‐ Existem.
Existem
do
jeito
que
você
queira.
Foi
meu
]ilho
que
me
contou.
coloridas.
Perfumadas.
Lisas,
enrugadas.
Com
saliências,
com
reentrâncias.
Tem
umas
que,
quando
se
enchem
de
líquido
apitam…um
apito
comprido…
-­‐ É?!!
-­‐ Foi
meu
]ilho
que
contou.
*************************************************************************************
Você
tem
tempo?
No
último
]im
de
semana,
excursão
à
Foz
do
Iguaçu
e
umas
comprinhas
no
Paraguai.
Cidade
de
Leste.
Conhece?
-­‐ Claro.
-­‐ Precisava
ver
a
naturalidade,
espírito
e
graça
dos
meninos
oferecendo
camisinhas.
Um
show.
Um
me
abordou:
-­‐ Compre!
Baratinhas.
Fortes,
resistentes.
-­‐ Eu
não!
Em
minha
idade?
Não
vê
minha
cara?
-­‐ Fique
com
meia
dúzia.
Dá
de
presente.
**************************************************************************
Não
estou
chateando?
Então
escute.
Outro
me
aborda:
-­‐ Leve
estas,
são
musicadas.
Tocam
música.
Quer
ouvir?
-­‐ É
mesmo!
-­‐ Quantas
quer?
-­‐ Essas
não
servem.
Ela
não
gosta
de
música
caipira,
se
fosse
clássica…
-­‐ Também
tenho.
Qual
o
senhor
quer?
-­‐ Menino,
ofereça
para
aquela
senhora
garanto
que
compra.
-­‐ Ofereci,
não
quer.
-­‐ Ofereceu
musicada?
-­‐ Ofereci.
Musicada
e
cantada.
-­‐ Por
quem?
-­‐ Pela
Bárbara
Streissand…
-­‐ Errou.
Ela
é
louca
por
canções
francesas.
Tem?
-­‐ Tenho.
Charles
Aznavour.
-­‐ Essa
mesmo.
vá
lá.
Ofereça
que
ela
leva
pelo
menos
duas
dúzias.
Aquela
moça
de
vestido
vermelho,
quantas
comprou.
-­‐ Nenhuma.
-­‐ Você
disse
que
era
musicada?
-­‐ Disse
mas
ela
não
quis.
E
ainda
me
falou
rindo.
“Não
preciso,
as
musiquinhas
que
meu
marido
gosta,
eu
mesma
sei
cantar…
-­‐ Mais?
Quer
mais?
Compre
o
livro.
-­‐ Você
tem
um
livro?
-­‐ Ainda
não.
Estou
tentando.
Se
conseguir
editar,
quando
]icar
pronto
dou-­‐lhe
um.
Não,
não.
você
compra
um.
Quer?
-­‐ Quero,
aliás…Não
sei,
quando
]icar
pronto
decido.
Gastar
dinheiro
com
livro?…