Este documento é um fanzine de resistência com contribuições de 30 participantes de 11 estados brasileiros criticando o governo federal e sua gestão da pandemia de COVID-19. O documento apresenta contos, poemas e artigos denunciando a incompetência do presidente e o alto número de mortes causadas pela doença no país.
5. 7 DIAS CORTANDO AS PONTAS DOS DEDOS
PÁTRIA A(R)MADA ASSASSINA
Quando pensamos em produzir um fanzine cujo conteúdo fosse de
oposição à instalação de um governo fascista no país, não imaginávamos
que chegaríamos ao extremo de ver o extermínio em massa da
população brasileira, em decorrência da incompetência governamental
do presidente que faz da Esplanada dos Ministérios seu parque de
diversão pessoal, onde só quem manda é ele, e onde tudo tem que ser
feito conforme suas vontades. Isso somado a total falta de habilidade da
sua equipe de militares paus-mandados, incapazes de criar uma estratégia
eficaz de combate à pandemia, e cujas medalhas apenas comprovam que
o alto escalão das forças armadas do Brasil não passa de um covil de
cobras traiçoeiras e interesseiras.
Hoje estamos às vésperas da marca desesperadora de 300 mil mortes
decorrentes de complicações do COVID-19. Com uma população
completamente desnorteada. Nem mesmo os apoiadores do presidente
sabem mais o que dizer pra defender o indefensável. Quanto a nós?
Estamos aqui novamente, 30 participantes, de 11 estados, das 5 regiões
do país, em um E-ZINE de RESISTÊNCIA, agora contando com o
apoio da Editora Merda na Mão, e da Na Tora Produções (AM),
ecoando o grito de FORA GENOCIDA!
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6. SUMÁRIO
ANDRI CARVÃO - pág. 08
AGNER NYHYHWHW - pág. 10
FABIO DA SILVA BARBOSA - pág. 11
EDSON BAPTISTA - pág. 12
TAINÁ VIEIRA - pág. 13
VICTOR HUGO NEVES- pág. 14
ZEMARIA PINTO - pág. 18
GIGIO FERREIRA - pág. 20
MARCOS SAMUEL COSTA - pág. 22
LILIAN MIRANDA - pág. 23
FREDERICO A. PASSOS - pág. 24
DINHO LASCOSKI - pág. 25
ILMAR RIBEIRO - pág. 26
ELIDIOMAR RIBEIRO DA SILVA - pág. 27
MARCO AURÉLIO DE SOUZA - pág. 28
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8. ELITE MISERÁVEL
Cidadão
Cristão
Brasil
Servil
Herança rural
Questão cultural
Regime colonial
Atraso industrial
Casa senhorial
Sociedade patriarcal
Racismo estrutural
Identidade nacional
Burocrata
Escravocrata
Primata
Política
Paleolítica
Da servidão
Da escravidão
Da prisão
Dentre outras formas de opressão
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9. Pobre é povo
Classe média é povo
Povo é povo
Teleguiado por uma elite miserável
ANDRI CARVÃO, São Paulo – SP
e-mail: andricarvao@hotmail.com
Facebook: https://www.facebook.com/PersonaPoetica/
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10. SIMPLES ASSIM
-Essa pandemia já encheu o saco.
-É. Muda de canal. Bota no futebol.
AGNER NYHYHWHW
Rio de Janeiro – RJ
http://partesforadotodo.blogspot.com
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11. ENTERRADOS VIVOS
Atacando a criatividade
Massacrando a imaginação
Não entendem a filosofia
Sustentam a limitação
Tem de estar tudo bem limpinho
Tudo higienizado
De acordo com a moral
Do dito civilizado
Nos enfiam preconceitos
Pela garganta até o rabo
Paredes de uma grande prisão
Nossos membros amarrados
Mas repetem o senso comum
Como se fosse grande sabedoria
A maldita competição
Causando miopia
Uma vida sem sentir
A música e a poesia
É como a fria verdade mentirosa
O retrocesso e a apatia
FABIO DA SILVA BARBOSA
Porto Alegre – RS
fsb1975@yahoo.com.br
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13. Retalho
Triste de mim
atormentada
por minha futilidade
deixei-me levar pela vaidade
dessa vida podretorpe.
Podre é uma palavra feia, fria e fétida
como a vida dos inúteis
dos incultos
dos bárbaros
dos fascistas
dos pedófilos
e dos parentes tolos.
Torpe é a alma miserável,
sem luz.
Eu preciso de luz,
luz forte e quente para queimar
meus pensamentos vazios
e esterilizar meu corpo contaminado.
Eu preciso de luz para queimar minha retina,
basta-me o coração para olhar o novo mundo
que virá após essa negra neblina.
TAINÁ VIEIRA
Manaus- AM
gielesantos@gmail.com
Perfil do Facebook: Tainá Vieira
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14. O SOL DOS AFOGADOS
Vi! Tive sim aquela angústia no peito, o ar que
sumia, a sensação de desmaio, a ansiedade que paralisa.
Eu cortava um dos ramais lamacentos da cidade, naquele
triângulo das bermudas que são intercessões entre a zona
rural e o lado urbano. Sentado no meu cavalo de ferro de 150
cilindradas, o velocímetro apontando tímidos 50 km por hora
e uma ladeira sem fim à frente. Como é comum na época de
dezembro aqui no norte, aquelas nuvens carregadíssimas
formando rios voadores gritavam conosco! Zás! Cada qual
traduz de acordo com seu nível de conforto ou perigo. No
meu caso, entendi assim: Acelera, senão tu ficas no atoleiro.
Fiz o velocímetro ficar mais feroz.
Entre trancos, deslizes, zonas alagadiças, briga entre
motor e inclinação da pista improvisada, lá estava eu tombado
no chão. Havia uma pedra no meio do caminho. Pontuda,
camuflada, capoeirista dando a rasteira final. Eu, caído no
chão, no cume da montanha, lá onde não mora ninguém.
Lá onde temos uma vista panorâmica das desigualdades
sociais. Parecia uma pista medieval, uma ponte que levava à
rota dos desamparados. E era isso que eu era, um sujeito no
meio da mata, caído no nada, a perna torcida, lama na cara,
só podendo olhar o horizonte e esperar alguma resposta.
Viro meu rosto em busca de uma placa, um sinal de
vida e noto um outdoor. Nele estava a foto de um sorriso
asqueroso, com dizeres tipicamente falaciosos, endossados
por números inventados, sinal de arminha na mão e aquele
personagem dos infernos: o presidente ria da situação dos
atolados, dos atingidos, dos desamparados. Com força
extrema, tiro a moto de cima de mim e me arrasto com a
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15. bolsa nas costas até um ponto em que pudesse enxergar
as moradias. Abro minha mochila, pego o binóculo de ver os
pássaros, e me sento embaixo de uma frondosa jaqueira. O
temporal desaba.
Eu via as casas equilibradas em pernas de paus,
as janelas tortas e rotas. Acima delas os rios voadores
desaguavam pesadamente, unindo-se aos seus filhotes
igarapés, poluídos e maltratados. Eu entendia que aquilo
era um acordo de vingança tramado entre a chuva e os rios
contra décadas de maus-tratos com as águas, que agora
subiam vertiginosamente. Aponto meu binóculo para dentro
de uma casa. Vejo um semblante feminino, surrado, pálido;
contudo, com os olhos cheios de dignidade.
A correnteza balança a palafita. Seus moradores
berram em desespero. A senhora ainda mantinha sua fé e
sua distinção. Por calejamento do espírito já não se abatia
por nada na vida. Os vizinhos sentiam a iminência em que
o casebre despencaria, não havia o que fazer. As pernas
da casa eram vencidas pelas pancadas das enxurradas. O
fluxo joga o barraco no rio sem levá-lo ao fundo, crianças
caem em pranto. Adultos, em desespero. Nossa senhora,
que cabe qualquer nome, prostava-se de olhos cerrados em
sinal de oração.
Acasa bate em um barranco, vai para a lateral, choca-se com
outras residências, é arrastada por metros adentro do bairro.
Alguns adultos já pegam botijões de gás e outros objetos
flutuantes e saem a nadar. Minha agora amiga senhora
resistia, não se preocupava com a televisão afundando,
estava mais interessada em traçar um olhar fixo e calmo
pela janela. Se Hahnemann Bacelar visse a cena, faria um
quadro intitulado Dignidade. E o arrastão continua metros a
fio pela comunidade, a velocidade era frenética. Uma nau
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16. surfando na pororoca do desespero. As pessoas já não
gritavam, o momento atônito não deixava distinguir o que era
chuva ou lágrimas. A casa ganhava aceleração, quão rápida
ela se tornava! Quanta força em suas madeiras caiadas!
Quanta vida e morte presentes em madeiras desgastadas
e telhados de zinco! Em força constante ela ganha a pista
e o lado urbano daquela congruência de abastados e
esquecidos.
A senhora percebia todo o movimento com a
respiração parca, o olhar tranquilo e um descompasso infindo
entre seu corpo enfermo e seu estado de espírito plasmado
pela firmeza de seus olhos. A casa dá uns rodopios e para
em meio à pista, a janela apontada para a ladeira, como se
fosse os olhos do casebre. Cabreiro e irritado, este olhar
prosopopeico toma uma decisão: Vou partir para cima!
E a casa corre como uma bola de bilhar, certeira e rápida,
visando ao final da jogada. Busca um alvo, uma tacada
final, o seu apogeu. Seu foco era um comitê político pintado
de verd’amarelo, recheado de sorrisos toscos do mesmo
crápula que se punha no outdoor. A palafita choca-se contra
o comitê. Os playboys que lá se abrigavam, notando que
estavam em perigo, se jogam na lama. Seus carrões já não
serviam pra nada. O choque foi cruel, exato, calculado a
ponto de deixar avarias no salão dos liberaloides. Olho os
escombros, os restos de tudo: a paisagem ao lado, o céu
acima. A chuva para de cair repentinamente. Procuro ver os
detalhes dos transtornos do tsunami, e enxergo os sectários
do pretenso ditador caídos na lama, achando-se humilhados.
Vejo fotos, paredes e panfletos sujos de merda por todos os
lados. Os homens dos prédios e os esquecidos davam-se as
mãos buscando encontrar um local mais seguro para todos.
Debaixo de um piso de pau, sai a minha tapuia, amiga oculta,
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17. a nossa senhora. Cabeça erguida, olhar confortador, mirando
tudo ao redor, sem ofegância, semblante límpido, curada!
Respirando com tranquilidade e saturação perfeita, ela olha
pra cima e vê o lindo e tenebroso sol amazônico. Os aplausos
apareciam de todos os lados, ao mesmo tempo que o grito
dos pássaros anunciando um novo dia.
VICTOR HUGO NEVES
Manaus – AM
E-mail. victorhugoneves@hotmail.com
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18. A ÚLTIMA MENSAGEM DE ZECA
As duas devoções de Zeca eram cerveja e santa Rita
de Cássia. O sábado, que começava na sexta, era para a
cerveja. O domingo, para a missa na igreja da padroeira,
logo cedo, acompanhando D. Joca. E depois, cerveja,
que nem só de fé se alimenta o ser humano. Os apelidos
masculinos derivavam dos prenomes: Maria José e Maria
João. Filha e mãe. Conheci Zeca quando ainda era sargento
do Exército e cursava Letras, na UFAM. Aluna acima da
média, destacava-se pelas ideias originais e polêmicas.
Tinha o seu cânone particular, onde não cabiam escritores
com preocupações sociais. Amava o mundo sórdido e
refinado de Rubem Fonseca, os conflitos sexo-religiosos da
classe média de Nelson Rodrigues e o intimismo corrosivo
de Clarice Lispector – e tinha uma inexplicável paixão por
Euclides da Cunha, o cadete rebelde que atirou o sabre aos
pés do ministro da Guerra, o jornalista-poeta que denunciou
o genocídio de Canudos e a escravização do seringueiro
amazônico. Mas escrevia pra caralho, ela justificava com seu
habitual poder de síntese. Aliás, Zeca falava mais palavrões
que um presidente da república, só que com mais classe e
graça.
Quando começou a pandemia, Zeca e D. Joca recolheram-
se, como mandava o figurino e o bom senso. Elas e o vira-
lata Mandrake. Contatos externos, só o essencial. A casa
de bairro, com quintal, varanda e churrasqueira, árvores
frutíferas e flores, que vivia cheia de amigos, quedou
deserta e silenciosa. Grupo de risco, mano, conversa fiada
só no uatizapi. Pois foi pelo aplicativo que eu testemunhei
uma transformação inimaginável em Zeca. Sua aversão
às posições de esquerda terminara em apoio incondicional
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19. ao fascismo emergente – só esse doido pra detonar a
petralhada, ela dizia. Andamos meio afastados, depois das
eleições. À minha incompreensão – como uma professora
pobre, preta e homossexual pode apoiar alguém que odeia
professores, pobres, pretos e homossexuais? – respondia
com meia dúzia de impropérios. Foi o coronavírus que
mostrou a ela, afinal, quem eram os fascistas genocidas: em
duas semanas de pandemia, a confiança se transformou em
aversão. Tu é doido, mano, esse filho da puta quer matar a
gente! Não caio nessa, não!
Zeca foi enterrada no dia 6 de maio, aos 63 anos, às
5 e pouco da tarde. Choviam finos cristais de luz à beira
da cova coletiva, onde meia dúzia de amigos choravam
sem discrição. Sua última mensagem, datada de quatro
madrugadas antes, era um resumo do país pedindo socorro:
mano, eu tô fudida!
ZEMARIA PINTO
Manaus – AM
zemariapinto@hotmail.com
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20. FUMO DE ROLO
O desespero não morrerá nunca
Pois o óbvio só me traz infelicidade
O fingimento sim – e todas as águas!
Desse jeito – melhor afogarmos as mágoas
Não somos Pessoa.
E antes de tudo
Por aqui as questões estão abertas
O Brasil possui um rosto perfeito
E a maioria quer apenas rimas
É preciso que se diga – não somos Pessoa.
E por altivez da banana – estamos satisfeitos!
Não somos Pessoa.
Nossa blague voa próximo de qualquer lua
Os doentes mentais possuem muita sorte
Não faria o menor sentido
Um ruidoso suicídio
Por isso não somos Pessoa.
Ultimamente temos montado em palavras
São velhas – é bem verdade
Imagine transformando as outras pessoas?
Isso custa caro
Ao crédito amordaçado na praça
Por isso não somos Pessoa.
Os olhos já murchos sinalizam abatimento
Estamos já com receio de ver a esquina
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21. Onde os pombos brincam de tormento
Por isso não somos Pessoa.
Toda continuidade é um atrito
Afeto das aves de rapina
Por isso não somos Pessoa.
Nosso grito é muito curto
A fronteira sólida é um traço obscuro
Esse mártir presidiário dos poemas
Por isso não somos Pessoa.
O deus que amamentou nossas forças
A farda que vestiu a formiga de fogo
O prazer de ver ossos como espinhos
Por isso não somos Pessoa.
O dom de equilibrar a honra
Que há na comida estragada
Por isso não somos Pessoa.
Até agora fui médico de mim mesmo
O inteligente acaba indo embora
Por isso não somos Pessoa.
Vossa majestade está suando
Nossa miséria deixando rastros de beleza
A estrada talvez tenha entendido nossa Máquina de falar
pulsando e inexpugnável.
GIGIO FERREIRA
Belém - PA
EMAIL: gigioferreir@hotmail.com
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22. VOZ
Desenterro da voz um rio brando
calmo como canção sem ritmo
com suas águas cheias de argila o rio caminha
para terras distantes e abundantes de fracassos
ninguém escreverá sobre a paz de um sonho
talvez as visões da poeta Cecilia Pavón sejam
reais, talvez todos os gays procurem seu paraíso
o peito para descansar a cabeça
um colo masculino para suportar suas tristezas
mas a vida de um gay é feliz
quem disse que não? Tantas luzes
brilhos, conquistas, disputas
avanças, tudo é alegria reparadora
desenterro da voz o corpo do meu ex-namoro
que tem gosto de algo amargo que dói
que é negro e magro, um rapaz bonito
mas que me feriu a ponto de eu não
o ter em nenhuma rede social,
ao ponto de ter apagado todos as suas fotos
esse rio do passado que passeia nas
lembranças tristes
o rio o trouxe para minha memória
este hombre que es más amargo que el limón al final del
trago
mais amargo que o final do drink
enterro na voz o sofrimento de parecer
todos os dias o membro mais sem função do corpo
da minha casa e da minha família
um membro que faz uma função que não deveria
que não é sua por natureza
como uma perna que escreve
ao invés de correr...
MARCOS SAMUEL COSTA
Pará
22
24. O bajulador da maldade
Como estão os seus parentes hoje?
E os seus amigos?
Estão todos bem?
Onde andará o fantasma que nos assola
todas as noites
em nossos sonos fingidos?
Viveremos para ser testemunhas
do julgamento dos culpados?
Impávidos, seguiremos silenciosos
em nossa covardia vã?
Distinto e abjeto senhor,
como chegaste até aqui?
Ora bolas, bastaram os votos de um punhado de ignorantes!
Reflito sobre a questão, sem atentar que são milhares.
Algozes da vida, a vibrar com a morte de seus opositores.
Néscios a vaguear como cegos em busca de abrigos na
chuva.
Onde pretendem chegar?
Silenciosas são as manhãs de despedida de atores
desconhecidos,
Ladeados em covas com dezenas de anônimos.
Ouso chamar-te de genocida, asqueroso, sórdido.
Bajulador da maldade, tua morada é a treva e teu
cobertor é a morte.
Mao, 25/01/2019
FREDERICO A. PASSOS
fred_passos@yahoo.com.br
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26. MÁSCARAS
Mês de janeiro seguindo
Fevereiro com esperança da vacina
Políticos em desacordo
Muitas pessoas sem máscara
Está virando bagunça
Ninguém se entendendo
Bares e praias lotados
E hospitais sem leitos
Tudo sem controle
Preço dos alimentos aumentando
Chuvas destruindo casebres
Sempre o mais pobre que sofre!
ILMAR RIBEIRO
Rio de Janeiro – RJ
ilmarribeiro@yahoo.com.br
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27. MARIPOSAS-BRUXAS E O BICHO-HOMEM
Num universo alternativo
Bem diferente do nosso
Um bicho-homem entrou
Voando pela janela aberta
Na casa das mariposas-bruxas
Indo pousar na parede
Bem no alto, quase no teto
Vovó mariposa-bruxa
Ao ver o intruso medonho
Logo narrou a crendice
Que diz que é de mau agouro
Ter um bicho-homem em casa
E que quando isso acontece
Vai morrer alguém da casa
Pra não morrer alguém da família
Tem que matar o bicho-homem
Mas ali ninguém matou
Pois as mariposas-bruxas
Não acreditam em crendices
E em qualquer universo
São melhores que o bicho-homem
ELIDIOMAR RIBEIRO DA SILVA
Rio de Janeiro – RJ
elidiomar@gmail.com
27
28. BESTIÁRIO DE EXCEÇÃO
Sempre que alguém reclama
Melhor memória à ditadura
– ‘Foi ditabranda’ –
Eu penso em ratos
Eu lembro de uma ratazana
Sempre quando vejo e ouço
Um velho a celebrar o tempo
“Em que as ruas eram tranquilas”
Eu penso em vermes
Penso num porco a urinar sobre
A face do Humano
Sempre que a moral é invocada
À defesa de um suplício
Penso em abutres
E rezo e suspiro pelas dores do Homem
Lembrando o pau-de-arara
Antes da coroa de Cristo
Eu penso numa ratazana
Introduzida em Cristo
E penso em ratos
E penso em vermes
Penso em abutres
: penso no porco-humano
E noutros corpos
De exceção
MARCO AURÉLIO DE SOUZA
Ponta Grossa – Paraná
https://www.facebook.com/marcoaurelio.desouza.73/
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30. AFETOS ANTIFASCISTAS
Ordeno que a fúria em meu peito resista mais um pouco.
Que não se dissipe em medo ou desespero
Que suporte mais um dia, mais uma hora – o quanto for
necessário.
E, como consequência, que essa fúria gere em meus lábios
palavras quentes, que possam acalentar os irmãos de luta
que estão no front, já exauridos.
Ordeno que essa fúria nunca, jamais, vire ódio
– Sobretudo seja sempre coragem –
E que eu nunca me iluda sobre a importância do meu peito a
ponto de deixar de ser um alvo, diante do perigo iminente em
que um irmão se encontre.
Eu ordeno a essas pernas: nunca fraquejem frente ao
adversário,
ainda que as quebrem,
que a ânsia em seguir seja eterna!
[Que nada e nem ninguém
possa arrancar desse couro, dessa pele, a certeza da
liberdade.]
Eu ordeno que diante do canhão
eu seja escudo,
diante da opressão
eu seja um tanque de palavras e ações.
Eu ordeno que, se requisitadas
30
31. pelas balas de um cachorro de farda,
minhas entranhas e eu venham ao mundo.
E que eu nunca, NUNCA, me torne uma alma atormentada
por seguir um destino de manada...
...rumo ao abatedouro.
Eu ordeno que essa fúria em meu peito seja refúgio, abrigo,
bunker, biblioteca, enfermaria – qualquer coisa –
mas nunca um quartel.
Eu ordeno a mim e só a mim
– gestado, parido e criado por uma guerreira –
que nunca me faltem lágrimas de indignação frente à injustiça
e à opressão.
Que nunca me falte humanidade, mesmo em meio ao
escombro do massacre dos gananciosos.
Ordeno que meu sangue seja gasolina ou diesel, combustível
para meu abraço-molotov.
Eu ordeno que essa fúria em meu peito se atire em direção a
qualquer outro peito que se sinta igualmente humano
requisitando calor, afago e afeto.
Que nunca, nunca falte esperança em cada um dos meus
malditos dias
e
versos.
Eu ordeno que eu não seja mais um verme sobre a terra;
um bandido de gravata e terno.
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32. Que eu honre a sorte de caminhar sobre a superfície da Mãe
Terra Gaia.
Eu ordeno que eu aceite meu destino de peregrino
e que canto nenhum me seja estranho ou suficiente,
que irmão nenhum me baste,
que minha família seja a humanidade inteira.
Eu ordeno que eu nunca esqueça as palavras do velho Xamã:
Ivy Marã
A terra sagrada, que só é encontrada com a comunidade
junta,
inteira, de uma só vez, ao mesmo tempo.
Eu ordeno lembrar ao meu irmão
“NÃO há o que temer, lembra daquele poema?
Não há o que lamentar aqui diante do pelotão de fuzilamento”
Não há cárcere pior do que estar trancado no medo de viver.
No suspiro derradeiro,
ainda ordeno:
Fúria, faça-me ser amor por inteiro.
RAFAEL CESAR
Manaus -Am
Contato: urbanos.teias@gmail.com
32
34. O Manifesto Anarko Poético
I
quero a queda de todas as instituições
de todos patrões, padres e pastores
de todas as fábricas, igrejas e governos
de toda a forma de opressão que for
colocada
que não exista nada além do ser livre
e do coração selvagem.
II
quero as praças ocupadas por vagabundos,
[bêbados e poetas – profetas
artistas possuídos até o sol nascer
que nas escolas ensinem Hakim Bey
transformando adolescentes em poetas –
terroristas
que caia a moral e os bons costumes
que os filmes de Pasolini passem em loop
[nos cinemas
e que somente a palavra exista
nada além da palavra
nada além AVE, PALAVRA!
III
quero a queda de toda lógica
a queda de todas as celas de ideias
de toda a limitação
das correntes que prendem o ser
de toda, . ; ! ?
34
35. quesomenteosentirsejaanaoregradetudo
queoabsurdocorralivrenosolhoseouvidos.
IV
que bandeiras, pátria ou ídolos não fiquem
[acima de nós
quero a distância do lema: Deus, pátria e
[família
e distância dos fascistas mascarados que
[fazem dessa frase uma oração diária
pessoas que conservam o ódio no olhar e
[veneno na boca
produtores da barbárie e filhotes de líderes
[messiânicos
que são alegres em sua estupidez e
[cegueira.
V
que os sonhos, desejos e sorrisos não
[sejam retirados
e mesmo quando o tempo virar apenas
[cinzas
e as sombras obscuras rasgarem meu
[ventre
MINHAS VÍSCERAS GRITARÃO MEU ÚLTIMO POEMA
PAULO MONTEIRO
Belo Horizonte – MG
paulomonteiro1991@gmail.com
35
36. MEME DO NEGATIVISMO [6157]
Estamos é fodidos, Glauco! Nada
se pode fazer para deter isso!
Só perdem tempo, prestam desserviço
aquelles que toparam a parada!
Crear immunidade de manada
nos resta, mas nem ella dá sumiço
no virus que, mutante, ja mestiço
será pelas nações, um para cada!
Aos poucos, morreremos! Quem não for
agora, Glauco, vae anno que vem!
Mas, caso sobreviva, ainda, alguem,
terá tanta sequela, tanta dor!
Não! Pode perguntar a algum doutor!
Vão todos desistir! Não irão nem
tentar uma vaccina! São tambem
incréus, como você, que é perdedor!
GLAUCO MATTOSO
São Paulo – SP
No facebook: www.facebook.com/glauco.mattoso.9
Na blogosphera: https://blogocular.wordpress.com/
Este poema é do LIVRO DE RECLAMAÇÕES, no link para accesso
gratuito.
https://issuu.com/ed.casadeferreiro/docs/livro_de_reclama__es
36
37. IMORTALIDADE
Acendi o derradeiro cigarro enquanto mirava o horizonte turvo. Os
fascistas dominaram novamente o mundo, e nosso peito encharcado
de adeuses prematuros parece aquele jardim pisoteado pelos
coturnos dos capitães imbecis que se vangloriam de sua burrice,
enquanto recebem aplausos de religiosos fanáticos. Os dinossauros
talvez estejam felizes, e os mamutes, e as preguiças gigantes, e
as crianças prematuras que se tornaram estrelas, talvez todos
estejam felizes... Quando o mundo olha para o fundo do precipício,
e nos falta oxigênio nos pulmões, e as balas de O2 também choram
com nossos filhos, mulheres e amigos, durante a festa de algum
político patético que nunca se importou com a vida alheia o mundo
fica mesmo parecendo um quadro do Portinari. Acendi o derradeiro
cigarro, e o copo de vodca ficou bailando sobre a mesa feito uma
bailarina abandonada. É impossível não lembrar dos golpes levados
durante a vida, não lembrar dos golpes que não demos quando fomos
passados para trás, impossível não lembrar das vaginas límpidas, e
dos puteiros lotados e alegres. A casa cheia à meia noite, e vazia
durante o vômito de domingo. Os campos regurgitaram mais uma
oportunidade de guardar as cinzas das memórias no peito, enquanto
a eternidade nos sorri timidamente com toda a franqueza da sua
mortalidade.
ROJEFFERSON MORAES
Manaus - AM
rojefferson.educacao.social@gmail.com
37
38. DESOLAÇÃO
Existe uma espada mais afiada
Mais pesada sobre meu pescoço
E sobre os pescoços dos meus amores também
Mas apenas eu vejo isso, malditos olhos que enxergam a
desgraça!
Eu acordo sob efeito de remédio barato pra dormir
Flerto com a ausência da minha sombra na parede
Sou toda um não existir
Sou um piscar de olhos entre a garra de continuar viva
E a completa loucura
Minha casa claustrofóbica me engole todos os instantes!
Estou lambendo a insanidade e seus doces vermes
Não há boas notícias
Apenas escolher
Entre a morte lenta e dolorosa
Da asfixia por negligência de quem não se importa
Ou a lentidão e agonia da fome que trará doenças,
desespero, violência
Humilhação e
fim
Hoje eu quis um revólver
Hoje eu quis um revólver de novo
Eu quis
Um apenas pra mim.
Olhar o futuro e não dar de cara com tijolos
Ver as rugas no rosto da minha mãe e não sentir medo
Ouvir a risada dos meus filhos e não sentir medo
Desejar o desejo sem medo
De que fosse a última vez
Minha alma agoniza num poço de apatia
Afogada
São vários novos modelos das velhas câmaras de gás
Discursos nazistas de que devemos doar nossas vidas...
38
39. Eu ouço gargalhadas diante o meu fim
Estou cercada de deboche
De religiosos
De gente que não consegue enxergar nem a si próprio
Eu sinto uma enorme vontade de gritar
Explodir
Mutilar
Mas não tenho mais forças, estou cansada
Todos os dias acrescentam mais um cadáver nas minhas
costas
Estou carregando corpos de amigos, pessoas que amo
E desconhecidos
Estou recolhendo os restos mortais da humanidade
Sem levantar mais o braço
Sem forças
Pra continuar arrastando meu cemitério particular
Essa máscara serve apenas para cobrir
Minha boca cheia de dentes que mastigam a mais pura
tristeza
Sou uma pessoa calma
Acovardada
Prestes a explodir
Pedaços putrefatos de
desolação
22 01 2021
JALNA GORDIANO
Manaus – AM
jalnagordiano14@gmail.com
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42. CENAS
Verde, quase no fim. Amarelo.
Os carros vão parando.
Alguns motoristas, no entanto, aproveitam o intervalo para
furar o sinal.
Arrancam feito doidos.
Eu, hein?, ela pensa.
Pra que isso?
Pronto.
Vermelho.
Agora pode ir.
Conta até três antes de colocar o pé no asfalto, exatamente
como aprendeu com o pai, que a observa de longe, embaixo
da árvore, do outro lado da avenida.
Os transeuntes atravessam na faixa de pedestres.
Caminham em direção ao shopping.
Também parecem apressados.
A menina segue entre os automóveis oferecendo um punhado
de flores vermelhas de papel crepom.
Tem seis anos, no máximo, mas seu riso apresenta o ar
injustiçado dos que tão cedo experimentaram os dissabores
da vida.
Com a língua presa, apresenta-se ao lado dos carros sem
nenhum outro argumento, senão o olhar.
Que, por si só, já denota fragilidade e abandono.
Os motoristas evitam olhá-la.
Ou, fingem não vê-la, enquanto ela toca macio no vidro lateral
do carro.
Com os dedos erguidos indica o preço do artesanato.
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43. Na ponta dos pés, a menina percebe que alcança o retrovisor,
contudo, evita tocá-lo, pois, como o pai falou, tem homem que
é estressado.
Ela é distraída, mas sabe exatamente quando o sinal se
abrirá de novo, por isso escorrega entre os carros como
quem, ao nadar em águas marítimas, prevê a chegada de
uma grande onda.
Errou o cálculo, uma vez, e um motoqueiro quase a atropela.
Pensou em se desculpar, mas ele seguiu com pressa
largando no tráfego apenas um gesto violento e um bruto
palavrão.
Tem quase certeza que o sinal abriu antes da hora.
Sorri, ingênua, e acena, com doçura, ao correr com o
ramalhete erguido.
Entrega tudo o que conseguiu ao homem que retribui com um
sorriso de poucos dentes e exalando um forte cheiro de álcool
no final da calçada.
O que arrecadaram no dia não dá sequer para comprar um
saco de arroz, ele calcula, e guarda, em silêncio, as moedas
no bolso da calça.
Ela pensa nos irmãos mais novos enquanto se abraçam.
Sozinhos na ilha, sorriem para o caos.
ODAIR DE MORAIS
Cuiabá-MT
odairdemorais@gmail.com
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45. O PROTESTO SOLITÁRIO DO POETA
Começo de inverno MANAUARA
Vento frio
E eu todo molhado, amanhecido
Vou andando na direção do viaduto
Penso no cara que construiu aquela aberração...
Sorte que sou um cara normal, seu eu fosse doido varrido
Descolava uma arma e dava um tiro
Na cara desse presidente da república...
Tropego... Bêbado... Entorpecido...
Ouço uma sirene é o carro funerário
Logo depois outro cortejo fúnebre
Porra! Que pandemia desgraçada!
Quando me dou conta
Estou na parte mais alta do viaduto
Que prefiro chamar de elefante branco, inaugurado
E logo em seguida interditado por conta de problemas na
estrutura
Eu na parte mais alta do elefante de concreto tiro a roupa
Fico completamente nu pendurado em um dos postes
E GRITO GRITO o estalo do meu grito!
Até não ter mais fôlego
Depois visto a roupa desço do elefante branco
E minhas lágrimas salgadas se misturam
Com a chuva doce
Continuo caminhando pela rua comercial
Me perco entre as pessoas
sem nenhum centavo no bolso mangueio um café
E volto a ser apenas mais um na multidão
JANER JOSÉ
Manaus - AM
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47. TODO DIA O TEMPO TODO...
todo dia o tempo todo... amigos conhecidos
colegas companheiros
mães avós pais
irmãos filhos
indo embora, sofrendo, morrendo,
não tem fim essa agonia...
enquanto isso,
os governantes
brincam com nossas vidas
e os negociantes calculam
os lucros...
os milhões roubados,
os medicamentos perdidos,
o ar que nos falta...
as centenas de milhares
de seres humanos
mortos, mortes banalizadas...
números, estatísticas...
nem lembramos mais
os nomes daqueles
que perdemos...
tantos, tantas vidas
tantos sonhos
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48. enquanto isso,
os inumanos riem brincam
se divertem e tripudiam
sobre nossas dores
e sofrimentos...
e não me digam que não há culpados, porque há!
e não me digam que estamos no mesmo barco,
porque não estamos!
enquanto isso,
fico me perguntando
quando serei eu, se serei...
até quando a sorte
me protegerá?
até quando serei eu
a fazer as exéquias
a trazer a triste notícia
a dizer o poema de despedida, quando será?
no minuto seguinte
na próxima hora
quando serei eu
a desesperada notícia?
26/01/21
DORI CARVALHO
Manaus – AM
doricarvalho55@gmail.com
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