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7 DIAS CORTANDO AS
PONTAS DOS DEDOS
Organização
Rojefferson Moraes
Revisão
Zemaria Pinto
Diagramação
Jackson Abacatu
Capa
Paulo Kalvo
Contato
natora.producoes.eventos@gmail.com
editoramerdanamao@gmail.com
Licença
Todos os direitos reservados
04
7 DIAS CORTANDO AS PONTAS DOS DEDOS
PÁTRIA A(R)MADA ASSASSINA
Quando pensamos em produzir um fanzine cujo conteúdo fosse de
oposição à instalação de um governo fascista no país, não imaginávamos
que chegaríamos ao extremo de ver o extermínio em massa da
população brasileira, em decorrência da incompetência governamental
do presidente que faz da Esplanada dos Ministérios seu parque de
diversão pessoal, onde só quem manda é ele, e onde tudo tem que ser
feito conforme suas vontades. Isso somado a total falta de habilidade da
sua equipe de militares paus-mandados, incapazes de criar uma estratégia
eficaz de combate à pandemia, e cujas medalhas apenas comprovam que
o alto escalão das forças armadas do Brasil não passa de um covil de
cobras traiçoeiras e interesseiras.
Hoje estamos às vésperas da marca desesperadora de 300 mil mortes
decorrentes de complicações do COVID-19. Com uma população
completamente desnorteada. Nem mesmo os apoiadores do presidente
sabem mais o que dizer pra defender o indefensável. Quanto a nós?
Estamos aqui novamente, 30 participantes, de 11 estados, das 5 regiões
do país, em um E-ZINE de RESISTÊNCIA, agora contando com o
apoio da Editora Merda na Mão, e da Na Tora Produções (AM),
ecoando o grito de FORA GENOCIDA!
05
SUMÁRIO
ANDRI CARVÃO - pág. 08
AGNER NYHYHWHW - pág. 10
FABIO DA SILVA BARBOSA - pág. 11
EDSON BAPTISTA - pág. 12
TAINÁ VIEIRA - pág. 13
VICTOR HUGO NEVES- pág. 14
ZEMARIA PINTO - pág. 18
GIGIO FERREIRA - pág. 20
MARCOS SAMUEL COSTA - pág. 22
LILIAN MIRANDA - pág. 23
FREDERICO A. PASSOS - pág. 24
DINHO LASCOSKI - pág. 25
ILMAR RIBEIRO - pág. 26
ELIDIOMAR RIBEIRO DA SILVA - pág. 27
MARCO AURÉLIO DE SOUZA - pág. 28
06
GILMAL - pág. 29, pág. 33
RAFAEL CESAR - pág. 30
PAULO MONTEIRO - pág. 34
GLAUCO MATTOSO - pág. 36
ROJEFFERSON MORAES - pág. 37
JALNA GORDIANO - pág. 38
MARIANE ALVES - pág. 40
FLÁVIO ANTONINI - pág. 41
ODAIR DE MORAIS - pág. 42
JANETE CHARGISTA - pág. 44
JANER JOSÉ - pág. 45
LAÍS FERNANDA BORGES - pág. 46
DORI CARVALHO - pág. 47
07
ELITE MISERÁVEL
Cidadão
Cristão
Brasil
Servil
Herança rural
Questão cultural
Regime colonial
Atraso industrial
Casa senhorial
Sociedade patriarcal
Racismo estrutural
Identidade nacional
Burocrata
Escravocrata
Primata
Política
Paleolítica
Da servidão
Da escravidão
Da prisão
Dentre outras formas de opressão
08
Pobre é povo
Classe média é povo
Povo é povo
Teleguiado por uma elite miserável
ANDRI CARVÃO, São Paulo – SP
e-mail: andricarvao@hotmail.com
Facebook: https://www.facebook.com/PersonaPoetica/
09
SIMPLES ASSIM
-Essa pandemia já encheu o saco.
-É. Muda de canal. Bota no futebol.
AGNER NYHYHWHW
Rio de Janeiro – RJ
http://partesforadotodo.blogspot.com
10
ENTERRADOS VIVOS
Atacando a criatividade
Massacrando a imaginação
Não entendem a filosofia
Sustentam a limitação
Tem de estar tudo bem limpinho
Tudo higienizado
De acordo com a moral
Do dito civilizado
Nos enfiam preconceitos
Pela garganta até o rabo
Paredes de uma grande prisão
Nossos membros amarrados
Mas repetem o senso comum
Como se fosse grande sabedoria
A maldita competição
Causando miopia
Uma vida sem sentir
A música e a poesia
É como a fria verdade mentirosa
O retrocesso e a apatia
FABIO DA SILVA BARBOSA
Porto Alegre – RS
fsb1975@yahoo.com.br
11
EDSON BAPTISTA
Rio de Janeiro, RJ
@hghquadrinhos
gamaebs@gmail.com
12
Retalho
Triste de mim
atormentada
por minha futilidade
deixei-me levar pela vaidade
dessa vida podretorpe.
Podre é uma palavra feia, fria e fétida
como a vida dos inúteis
dos incultos
dos bárbaros
dos fascistas
dos pedófilos
e dos parentes tolos.
Torpe é a alma miserável,
sem luz.
Eu preciso de luz,
luz forte e quente para queimar
meus pensamentos vazios
e esterilizar meu corpo contaminado.
Eu preciso de luz para queimar minha retina,
basta-me o coração para olhar o novo mundo
que virá após essa negra neblina.
TAINÁ VIEIRA
Manaus- AM
gielesantos@gmail.com
Perfil do Facebook: Tainá Vieira
13
O SOL DOS AFOGADOS
Vi! Tive sim aquela angústia no peito, o ar que
sumia, a sensação de desmaio, a ansiedade que paralisa.
Eu cortava um dos ramais lamacentos da cidade, naquele
triângulo das bermudas que são intercessões entre a zona
rural e o lado urbano. Sentado no meu cavalo de ferro de 150
cilindradas, o velocímetro apontando tímidos 50 km por hora
e uma ladeira sem fim à frente. Como é comum na época de
dezembro aqui no norte, aquelas nuvens carregadíssimas
formando rios voadores gritavam conosco! Zás! Cada qual
traduz de acordo com seu nível de conforto ou perigo. No
meu caso, entendi assim: Acelera, senão tu ficas no atoleiro.
Fiz o velocímetro ficar mais feroz.
Entre trancos, deslizes, zonas alagadiças, briga entre
motor e inclinação da pista improvisada, lá estava eu tombado
no chão. Havia uma pedra no meio do caminho. Pontuda,
camuflada, capoeirista dando a rasteira final. Eu, caído no
chão, no cume da montanha, lá onde não mora ninguém.
Lá onde temos uma vista panorâmica das desigualdades
sociais. Parecia uma pista medieval, uma ponte que levava à
rota dos desamparados. E era isso que eu era, um sujeito no
meio da mata, caído no nada, a perna torcida, lama na cara,
só podendo olhar o horizonte e esperar alguma resposta.
Viro meu rosto em busca de uma placa, um sinal de
vida e noto um outdoor. Nele estava a foto de um sorriso
asqueroso, com dizeres tipicamente falaciosos, endossados
por números inventados, sinal de arminha na mão e aquele
personagem dos infernos: o presidente ria da situação dos
atolados, dos atingidos, dos desamparados. Com força
extrema, tiro a moto de cima de mim e me arrasto com a
14
bolsa nas costas até um ponto em que pudesse enxergar
as moradias. Abro minha mochila, pego o binóculo de ver os
pássaros, e me sento embaixo de uma frondosa jaqueira. O
temporal desaba.
Eu via as casas equilibradas em pernas de paus,
as janelas tortas e rotas. Acima delas os rios voadores
desaguavam pesadamente, unindo-se aos seus filhotes
igarapés, poluídos e maltratados. Eu entendia que aquilo
era um acordo de vingança tramado entre a chuva e os rios
contra décadas de maus-tratos com as águas, que agora
subiam vertiginosamente. Aponto meu binóculo para dentro
de uma casa. Vejo um semblante feminino, surrado, pálido;
contudo, com os olhos cheios de dignidade.
A correnteza balança a palafita. Seus moradores
berram em desespero. A senhora ainda mantinha sua fé e
sua distinção. Por calejamento do espírito já não se abatia
por nada na vida. Os vizinhos sentiam a iminência em que
o casebre despencaria, não havia o que fazer. As pernas
da casa eram vencidas pelas pancadas das enxurradas. O
fluxo joga o barraco no rio sem levá-lo ao fundo, crianças
caem em pranto. Adultos, em desespero. Nossa senhora,
que cabe qualquer nome, prostava-se de olhos cerrados em
sinal de oração.
Acasa bate em um barranco, vai para a lateral, choca-se com
outras residências, é arrastada por metros adentro do bairro.
Alguns adultos já pegam botijões de gás e outros objetos
flutuantes e saem a nadar. Minha agora amiga senhora
resistia, não se preocupava com a televisão afundando,
estava mais interessada em traçar um olhar fixo e calmo
pela janela. Se Hahnemann Bacelar visse a cena, faria um
quadro intitulado Dignidade. E o arrastão continua metros a
fio pela comunidade, a velocidade era frenética. Uma nau
15
surfando na pororoca do desespero. As pessoas já não
gritavam, o momento atônito não deixava distinguir o que era
chuva ou lágrimas. A casa ganhava aceleração, quão rápida
ela se tornava! Quanta força em suas madeiras caiadas!
Quanta vida e morte presentes em madeiras desgastadas
e telhados de zinco! Em força constante ela ganha a pista
e o lado urbano daquela congruência de abastados e
esquecidos.
	 A senhora percebia todo o movimento com a
respiração parca, o olhar tranquilo e um descompasso infindo
entre seu corpo enfermo e seu estado de espírito plasmado
pela firmeza de seus olhos. A casa dá uns rodopios e para
em meio à pista, a janela apontada para a ladeira, como se
fosse os olhos do casebre. Cabreiro e irritado, este olhar
prosopopeico toma uma decisão: Vou partir para cima!
E a casa corre como uma bola de bilhar, certeira e rápida,
visando ao final da jogada. Busca um alvo, uma tacada
final, o seu apogeu. Seu foco era um comitê político pintado
de verd’amarelo, recheado de sorrisos toscos do mesmo
crápula que se punha no outdoor. A palafita choca-se contra
o comitê. Os playboys que lá se abrigavam, notando que
estavam em perigo, se jogam na lama. Seus carrões já não
serviam pra nada. O choque foi cruel, exato, calculado a
ponto de deixar avarias no salão dos liberaloides. Olho os
escombros, os restos de tudo: a paisagem ao lado, o céu
acima. A chuva para de cair repentinamente. Procuro ver os
detalhes dos transtornos do tsunami, e enxergo os sectários
do pretenso ditador caídos na lama, achando-se humilhados.
Vejo fotos, paredes e panfletos sujos de merda por todos os
lados. Os homens dos prédios e os esquecidos davam-se as
mãos buscando encontrar um local mais seguro para todos.
Debaixo de um piso de pau, sai a minha tapuia, amiga oculta,
16
a nossa senhora. Cabeça erguida, olhar confortador, mirando
tudo ao redor, sem ofegância, semblante límpido, curada!
Respirando com tranquilidade e saturação perfeita, ela olha
pra cima e vê o lindo e tenebroso sol amazônico. Os aplausos
apareciam de todos os lados, ao mesmo tempo que o grito
dos pássaros anunciando um novo dia.
VICTOR HUGO NEVES
Manaus – AM
E-mail. victorhugoneves@hotmail.com
17
A ÚLTIMA MENSAGEM DE ZECA
As duas devoções de Zeca eram cerveja e santa Rita
de Cássia. O sábado, que começava na sexta, era para a
cerveja. O domingo, para a missa na igreja da padroeira,
logo cedo, acompanhando D. Joca. E depois, cerveja,
que nem só de fé se alimenta o ser humano. Os apelidos
masculinos derivavam dos prenomes: Maria José e Maria
João. Filha e mãe. Conheci Zeca quando ainda era sargento
do Exército e cursava Letras, na UFAM. Aluna acima da
média, destacava-se pelas ideias originais e polêmicas.
Tinha o seu cânone particular, onde não cabiam escritores
com preocupações sociais. Amava o mundo sórdido e
refinado de Rubem Fonseca, os conflitos sexo-religiosos da
classe média de Nelson Rodrigues e o intimismo corrosivo
de Clarice Lispector – e tinha uma inexplicável paixão por
Euclides da Cunha, o cadete rebelde que atirou o sabre aos
pés do ministro da Guerra, o jornalista-poeta que denunciou
o genocídio de Canudos e a escravização do seringueiro
amazônico. Mas escrevia pra caralho, ela justificava com seu
habitual poder de síntese. Aliás, Zeca falava mais palavrões
que um presidente da república, só que com mais classe e
graça.
Quando começou a pandemia, Zeca e D. Joca recolheram-
se, como mandava o figurino e o bom senso. Elas e o vira-
lata Mandrake. Contatos externos, só o essencial. A casa
de bairro, com quintal, varanda e churrasqueira, árvores
frutíferas e flores, que vivia cheia de amigos, quedou
deserta e silenciosa. Grupo de risco, mano, conversa fiada
só no uatizapi. Pois foi pelo aplicativo que eu testemunhei
uma transformação inimaginável em Zeca. Sua aversão
às posições de esquerda terminara em apoio incondicional
18
ao fascismo emergente – só esse doido pra detonar a
petralhada, ela dizia. Andamos meio afastados, depois das
eleições. À minha incompreensão – como uma professora
pobre, preta e homossexual pode apoiar alguém que odeia
professores, pobres, pretos e homossexuais? – respondia
com meia dúzia de impropérios. Foi o coronavírus que
mostrou a ela, afinal, quem eram os fascistas genocidas: em
duas semanas de pandemia, a confiança se transformou em
aversão. Tu é doido, mano, esse filho da puta quer matar a
gente! Não caio nessa, não!
Zeca foi enterrada no dia 6 de maio, aos 63 anos, às
5 e pouco da tarde. Choviam finos cristais de luz à beira
da cova coletiva, onde meia dúzia de amigos choravam
sem discrição. Sua última mensagem, datada de quatro
madrugadas antes, era um resumo do país pedindo socorro:
mano, eu tô fudida!
ZEMARIA PINTO
Manaus – AM
zemariapinto@hotmail.com
19
FUMO DE ROLO
O desespero não morrerá nunca
Pois o óbvio só me traz infelicidade
O fingimento sim – e todas as águas!
Desse jeito – melhor afogarmos as mágoas
Não somos Pessoa.
E antes de tudo
Por aqui as questões estão abertas
O Brasil possui um rosto perfeito
E a maioria quer apenas rimas
É preciso que se diga – não somos Pessoa.
E por altivez da banana – estamos satisfeitos!
Não somos Pessoa.
Nossa blague voa próximo de qualquer lua
Os doentes mentais possuem muita sorte
Não faria o menor sentido
Um ruidoso suicídio
Por isso não somos Pessoa.
Ultimamente temos montado em palavras
São velhas – é bem verdade
Imagine transformando as outras pessoas?
Isso custa caro
Ao crédito amordaçado na praça
Por isso não somos Pessoa.
Os olhos já murchos sinalizam abatimento
Estamos já com receio de ver a esquina
20
Onde os pombos brincam de tormento
Por isso não somos Pessoa.
Toda continuidade é um atrito
Afeto das aves de rapina
Por isso não somos Pessoa.
Nosso grito é muito curto
A fronteira sólida é um traço obscuro
Esse mártir presidiário dos poemas
Por isso não somos Pessoa.
O deus que amamentou nossas forças
A farda que vestiu a formiga de fogo
O prazer de ver ossos como espinhos
Por isso não somos Pessoa.
O dom de equilibrar a honra
Que há na comida estragada
Por isso não somos Pessoa.
Até agora fui médico de mim mesmo
O inteligente acaba indo embora
Por isso não somos Pessoa.
Vossa majestade está suando
Nossa miséria deixando rastros de beleza
A estrada talvez tenha entendido nossa Máquina de falar
pulsando e inexpugnável.
GIGIO FERREIRA
Belém - PA
EMAIL: gigioferreir@hotmail.com
21
VOZ
Desenterro da voz um rio brando
calmo como canção sem ritmo
com suas águas cheias de argila o rio caminha
para terras distantes e abundantes de fracassos
ninguém escreverá sobre a paz de um sonho
talvez as visões da poeta Cecilia Pavón sejam
reais, talvez todos os gays procurem seu paraíso
o peito para descansar a cabeça
um colo masculino para suportar suas tristezas
mas a vida de um gay é feliz
quem disse que não? Tantas luzes
brilhos, conquistas, disputas
avanças, tudo é alegria reparadora
desenterro da voz o corpo do meu ex-namoro
que tem gosto de algo amargo que dói
que é negro e magro, um rapaz bonito
mas que me feriu a ponto de eu não
o ter em nenhuma rede social,
ao ponto de ter apagado todos as suas fotos
esse rio do passado que passeia nas
lembranças tristes
o rio o trouxe para minha memória
este hombre que es más amargo que el limón al final del
trago
mais amargo que o final do drink
enterro na voz o sofrimento de parecer
todos os dias o membro mais sem função do corpo
da minha casa e da minha família
um membro que faz uma função que não deveria
que não é sua por natureza
como uma perna que escreve
ao invés de correr...
MARCOS SAMUEL COSTA
Pará
22
LILIAN MIRANDA
BELÉM – PA
ilian-miranda1@hotmail.com
23
O bajulador da maldade
Como estão os seus parentes hoje?
E os seus amigos?
Estão todos bem?
Onde andará o fantasma que nos assola
todas as noites
em nossos sonos fingidos?
Viveremos para ser testemunhas
do julgamento dos culpados?
Impávidos, seguiremos silenciosos
em nossa covardia vã?
Distinto e abjeto senhor,
como chegaste até aqui?
Ora bolas, bastaram os votos de um punhado de ignorantes!
Reflito sobre a questão, sem atentar que são milhares.
Algozes da vida, a vibrar com a morte de seus opositores.
Néscios a vaguear como cegos em busca de abrigos na
chuva.
Onde pretendem chegar?
Silenciosas são as manhãs de despedida de atores
desconhecidos,
Ladeados em covas com dezenas de anônimos.
Ouso chamar-te de genocida, asqueroso, sórdido.
Bajulador da maldade, tua morada é a treva e teu
cobertor é a morte.
Mao, 25/01/2019
FREDERICO A. PASSOS
fred_passos@yahoo.com.br
24
DINHO LASCOSKI
Indaial - SC
dinholascoski@gmail.com
Instagram: @dinholascoski
25
MÁSCARAS
Mês de janeiro seguindo
Fevereiro com esperança da vacina
Políticos em desacordo
Muitas pessoas sem máscara
Está virando bagunça
Ninguém se entendendo
Bares e praias lotados
E hospitais sem leitos
Tudo sem controle
Preço dos alimentos aumentando
Chuvas destruindo casebres
Sempre o mais pobre que sofre!
ILMAR RIBEIRO
Rio de Janeiro – RJ
ilmarribeiro@yahoo.com.br
26
MARIPOSAS-BRUXAS E O BICHO-HOMEM
Num universo alternativo
Bem diferente do nosso
Um bicho-homem entrou
Voando pela janela aberta
Na casa das mariposas-bruxas
Indo pousar na parede
Bem no alto, quase no teto
Vovó mariposa-bruxa
Ao ver o intruso medonho
Logo narrou a crendice
Que diz que é de mau agouro
Ter um bicho-homem em casa
E que quando isso acontece
Vai morrer alguém da casa
Pra não morrer alguém da família
Tem que matar o bicho-homem
Mas ali ninguém matou
Pois as mariposas-bruxas
Não acreditam em crendices
E em qualquer universo
São melhores que o bicho-homem
ELIDIOMAR RIBEIRO DA SILVA
Rio de Janeiro – RJ
elidiomar@gmail.com
27
BESTIÁRIO DE EXCEÇÃO
Sempre que alguém reclama
Melhor memória à ditadura
– ‘Foi ditabranda’ –
Eu penso em ratos
Eu lembro de uma ratazana
Sempre quando vejo e ouço
Um velho a celebrar o tempo
“Em que as ruas eram tranquilas”
Eu penso em vermes
Penso num porco a urinar sobre
A face do Humano
Sempre que a moral é invocada
À defesa de um suplício
Penso em abutres
E rezo e suspiro pelas dores do Homem
Lembrando o pau-de-arara
Antes da coroa de Cristo
Eu penso numa ratazana
Introduzida em Cristo
E penso em ratos
E penso em vermes
Penso em abutres
: penso no porco-humano
E noutros corpos
De exceção
MARCO AURÉLIO DE SOUZA
Ponta Grossa – Paraná
https://www.facebook.com/marcoaurelio.desouza.73/
28
GILMAL
Manaus – AM
arteurucum@gmail.com
29
AFETOS ANTIFASCISTAS
Ordeno que a fúria em meu peito resista mais um pouco.
Que não se dissipe em medo ou desespero
Que suporte mais um dia, mais uma hora – o quanto for
necessário.
E, como consequência, que essa fúria gere em meus lábios
palavras quentes, que possam acalentar os irmãos de luta
que estão no front, já exauridos.
Ordeno que essa fúria nunca, jamais, vire ódio
– Sobretudo seja sempre coragem –
E que eu nunca me iluda sobre a importância do meu peito a
ponto de deixar de ser um alvo, diante do perigo iminente em
que um irmão se encontre.
Eu ordeno a essas pernas: nunca fraquejem frente ao
adversário,
ainda que as quebrem,
que a ânsia em seguir seja eterna!
[Que nada e nem ninguém
possa arrancar desse couro, dessa pele, a certeza da
liberdade.]
Eu ordeno que diante do canhão
eu seja escudo,
diante da opressão
eu seja um tanque de palavras e ações.
Eu ordeno que, se requisitadas
30
pelas balas de um cachorro de farda,
minhas entranhas e eu venham ao mundo.
E que eu nunca, NUNCA, me torne uma alma atormentada
por seguir um destino de manada...
...rumo ao abatedouro.
Eu ordeno que essa fúria em meu peito seja refúgio, abrigo,
bunker, biblioteca, enfermaria – qualquer coisa –
mas nunca um quartel.
Eu ordeno a mim e só a mim
– gestado, parido e criado por uma guerreira –
que nunca me faltem lágrimas de indignação frente à injustiça
e à opressão.
Que nunca me falte humanidade, mesmo em meio ao
escombro do massacre dos gananciosos.
Ordeno que meu sangue seja gasolina ou diesel, combustível
para meu abraço-molotov.
Eu ordeno que essa fúria em meu peito se atire em direção a
qualquer outro peito que se sinta igualmente humano
requisitando calor, afago e afeto.
Que nunca, nunca falte esperança em cada um dos meus
malditos dias
e
versos.
Eu ordeno que eu não seja mais um verme sobre a terra;
um bandido de gravata e terno.
31
Que eu honre a sorte de caminhar sobre a superfície da Mãe
Terra Gaia.
Eu ordeno que eu aceite meu destino de peregrino
e que canto nenhum me seja estranho ou suficiente,
que irmão nenhum me baste,
que minha família seja a humanidade inteira.
Eu ordeno que eu nunca esqueça as palavras do velho Xamã:
Ivy Marã
A terra sagrada, que só é encontrada com a comunidade
junta,
inteira, de uma só vez, ao mesmo tempo.
Eu ordeno lembrar ao meu irmão
“NÃO há o que temer, lembra daquele poema?
Não há o que lamentar aqui diante do pelotão de fuzilamento”
Não há cárcere pior do que estar trancado no medo de viver.
No suspiro derradeiro,
ainda ordeno:
Fúria, faça-me ser amor por inteiro.
RAFAEL CESAR
Manaus -Am
Contato: urbanos.teias@gmail.com
32
33
O Manifesto Anarko Poético
I
quero a queda de todas as instituições
de todos patrões, padres e pastores
de todas as fábricas, igrejas e governos
de toda a forma de opressão que for
colocada
que não exista nada além do ser livre
e do coração selvagem.
II
quero as praças ocupadas por vagabundos,
[bêbados e poetas – profetas
artistas possuídos até o sol nascer
que nas escolas ensinem Hakim Bey
transformando adolescentes em poetas –
terroristas
que caia a moral e os bons costumes
que os filmes de Pasolini passem em loop
[nos cinemas
e que somente a palavra exista
nada além da palavra
nada além AVE, PALAVRA!
III
quero a queda de toda lógica
a queda de todas as celas de ideias
de toda a limitação
das correntes que prendem o ser
de toda, . ; ! ?
34
quesomenteosentirsejaanaoregradetudo
queoabsurdocorralivrenosolhoseouvidos.
IV
que bandeiras, pátria ou ídolos não fiquem
[acima de nós
quero a distância do lema: Deus, pátria e
[família
e distância dos fascistas mascarados que
[fazem dessa frase uma oração diária
pessoas que conservam o ódio no olhar e
[veneno na boca
produtores da barbárie e filhotes de líderes
[messiânicos
que são alegres em sua estupidez e
[cegueira.
V
que os sonhos, desejos e sorrisos não
[sejam retirados
e mesmo quando o tempo virar apenas
[cinzas
e as sombras obscuras rasgarem meu
[ventre
MINHAS VÍSCERAS GRITARÃO MEU ÚLTIMO POEMA
PAULO MONTEIRO
Belo Horizonte – MG
paulomonteiro1991@gmail.com
35
MEME DO NEGATIVISMO [6157]
Estamos é fodidos, Glauco! Nada
se pode fazer para deter isso!
Só perdem tempo, prestam desserviço
aquelles que toparam a parada!
Crear immunidade de manada
nos resta, mas nem ella dá sumiço
no virus que, mutante, ja mestiço
será pelas nações, um para cada!
Aos poucos, morreremos! Quem não for
agora, Glauco, vae anno que vem!
Mas, caso sobreviva, ainda, alguem,
terá tanta sequela, tanta dor!
Não! Pode perguntar a algum doutor!
Vão todos desistir! Não irão nem
tentar uma vaccina! São tambem
incréus, como você, que é perdedor!
GLAUCO MATTOSO
São Paulo – SP
No facebook: www.facebook.com/glauco.mattoso.9
Na blogosphera: https://blogocular.wordpress.com/
Este poema é do LIVRO DE RECLAMAÇÕES, no link para accesso
gratuito.
https://issuu.com/ed.casadeferreiro/docs/livro_de_reclama__es
36
IMORTALIDADE
Acendi o derradeiro cigarro enquanto mirava o horizonte turvo. Os
fascistas dominaram novamente o mundo, e nosso peito encharcado
de adeuses prematuros parece aquele jardim pisoteado pelos
coturnos dos capitães imbecis que se vangloriam de sua burrice,
enquanto recebem aplausos de religiosos fanáticos. Os dinossauros
talvez estejam felizes, e os mamutes, e as preguiças gigantes, e
as crianças prematuras que se tornaram estrelas, talvez todos
estejam felizes... Quando o mundo olha para o fundo do precipício,
e nos falta oxigênio nos pulmões, e as balas de O2 também choram
com nossos filhos, mulheres e amigos, durante a festa de algum
político patético que nunca se importou com a vida alheia o mundo
fica mesmo parecendo um quadro do Portinari. Acendi o derradeiro
cigarro, e o copo de vodca ficou bailando sobre a mesa feito uma
bailarina abandonada. É impossível não lembrar dos golpes levados
durante a vida, não lembrar dos golpes que não demos quando fomos
passados para trás, impossível não lembrar das vaginas límpidas, e
dos puteiros lotados e alegres. A casa cheia à meia noite, e vazia
durante o vômito de domingo. Os campos regurgitaram mais uma
oportunidade de guardar as cinzas das memórias no peito, enquanto
a eternidade nos sorri timidamente com toda a franqueza da sua
mortalidade.
ROJEFFERSON MORAES
Manaus - AM
rojefferson.educacao.social@gmail.com
37
DESOLAÇÃO
Existe uma espada mais afiada
Mais pesada sobre meu pescoço
E sobre os pescoços dos meus amores também
Mas apenas eu vejo isso, malditos olhos que enxergam a
desgraça!
Eu acordo sob efeito de remédio barato pra dormir
Flerto com a ausência da minha sombra na parede
Sou toda um não existir
Sou um piscar de olhos entre a garra de continuar viva
E a completa loucura
Minha casa claustrofóbica me engole todos os instantes!
Estou lambendo a insanidade e seus doces vermes
Não há boas notícias
Apenas escolher
Entre a morte lenta e dolorosa
Da asfixia por negligência de quem não se importa
Ou a lentidão e agonia da fome que trará doenças,
desespero, violência
Humilhação e
fim
Hoje eu quis um revólver
Hoje eu quis um revólver de novo
Eu quis
Um apenas pra mim.
Olhar o futuro e não dar de cara com tijolos
Ver as rugas no rosto da minha mãe e não sentir medo
Ouvir a risada dos meus filhos e não sentir medo
Desejar o desejo sem medo
De que fosse a última vez
Minha alma agoniza num poço de apatia
Afogada
São vários novos modelos das velhas câmaras de gás
Discursos nazistas de que devemos doar nossas vidas...
38
Eu ouço gargalhadas diante o meu fim
Estou cercada de deboche
De religiosos
De gente que não consegue enxergar nem a si próprio
Eu sinto uma enorme vontade de gritar
Explodir
Mutilar
Mas não tenho mais forças, estou cansada
Todos os dias acrescentam mais um cadáver nas minhas
costas
Estou carregando corpos de amigos, pessoas que amo
E desconhecidos
Estou recolhendo os restos mortais da humanidade
Sem levantar mais o braço
Sem forças
Pra continuar arrastando meu cemitério particular
Essa máscara serve apenas para cobrir
Minha boca cheia de dentes que mastigam a mais pura
tristeza
Sou uma pessoa calma
Acovardada
Prestes a explodir
Pedaços putrefatos de
desolação
22 01 2021
JALNA GORDIANO
Manaus – AM
jalnagordiano14@gmail.com
39
PÁTRIA
Pátria
Armada
Fuzil.
MARIANE ALVES
Triunfo-PE
Contato: poetizandoarotina@hotmail.com
40
FLÁVIO ANTONINI
Tobias Barreto – SE
flavioantonini88@gmail.com
41
CENAS
Verde, quase no fim. Amarelo.
Os carros vão parando.
Alguns motoristas, no entanto, aproveitam o intervalo para
furar o sinal.
Arrancam feito doidos.
Eu, hein?, ela pensa.
Pra que isso?
Pronto.
Vermelho.
Agora pode ir.
Conta até três antes de colocar o pé no asfalto, exatamente
como aprendeu com o pai, que a observa de longe, embaixo
da árvore, do outro lado da avenida.
Os transeuntes atravessam na faixa de pedestres.
Caminham em direção ao shopping.
Também parecem apressados.
A menina segue entre os automóveis oferecendo um punhado
de flores vermelhas de papel crepom.
Tem seis anos, no máximo, mas seu riso apresenta o ar
injustiçado dos que tão cedo experimentaram os dissabores
da vida.
Com a língua presa, apresenta-se ao lado dos carros sem
nenhum outro argumento, senão o olhar.
Que, por si só, já denota fragilidade e abandono.
Os motoristas evitam olhá-la.
Ou, fingem não vê-la, enquanto ela toca macio no vidro lateral
do carro.
Com os dedos erguidos indica o preço do artesanato.
42
Na ponta dos pés, a menina percebe que alcança o retrovisor,
contudo, evita tocá-lo, pois, como o pai falou, tem homem que
é estressado.
Ela é distraída, mas sabe exatamente quando o sinal se
abrirá de novo, por isso escorrega entre os carros como
quem, ao nadar em águas marítimas, prevê a chegada de
uma grande onda.
Errou o cálculo, uma vez, e um motoqueiro quase a atropela.
Pensou em se desculpar, mas ele seguiu com pressa
largando no tráfego apenas um gesto violento e um bruto
palavrão.
Tem quase certeza que o sinal abriu antes da hora.
Sorri, ingênua, e acena, com doçura, ao correr com o
ramalhete erguido.
Entrega tudo o que conseguiu ao homem que retribui com um
sorriso de poucos dentes e exalando um forte cheiro de álcool
no final da calçada.
O que arrecadaram no dia não dá sequer para comprar um
saco de arroz, ele calcula, e guarda, em silêncio, as moedas
no bolso da calça.
Ela pensa nos irmãos mais novos enquanto se abraçam.
Sozinhos na ilha, sorriem para o caos.
ODAIR DE MORAIS
Cuiabá-MT
odairdemorais@gmail.com
43
JANETE CHARGISTA
São Paulo -SP
janetechargista@gmail.com
44
O PROTESTO SOLITÁRIO DO POETA
Começo de inverno MANAUARA
Vento frio
E eu todo molhado, amanhecido
Vou andando na direção do viaduto
Penso no cara que construiu aquela aberração...
Sorte que sou um cara normal, seu eu fosse doido varrido
Descolava uma arma e dava um tiro
Na cara desse presidente da república...
Tropego... Bêbado... Entorpecido...
Ouço uma sirene é o carro funerário
Logo depois outro cortejo fúnebre
Porra! Que pandemia desgraçada!
Quando me dou conta
Estou na parte mais alta do viaduto
Que prefiro chamar de elefante branco, inaugurado
E logo em seguida interditado por conta de problemas na
estrutura
Eu na parte mais alta do elefante de concreto tiro a roupa
Fico completamente nu pendurado em um dos postes
E GRITO GRITO o estalo do meu grito!
Até não ter mais fôlego
Depois visto a roupa desço do elefante branco
E minhas lágrimas salgadas se misturam
Com a chuva doce
Continuo caminhando pela rua comercial
Me perco entre as pessoas
sem nenhum centavo no bolso mangueio um café
E volto a ser apenas mais um na multidão
JANER JOSÉ
Manaus - AM
45
LAÍS FERNANDA BORGES
Manaus – Am
ventanialiteraria@gmail.com
46
TODO DIA O TEMPO TODO...
todo dia o tempo todo... amigos conhecidos
colegas companheiros
mães avós pais
irmãos filhos
indo embora, sofrendo, morrendo,
não tem fim essa agonia...
enquanto isso,
os governantes
brincam com nossas vidas
e os negociantes calculam
os lucros...
os milhões roubados,
os medicamentos perdidos,
o ar que nos falta...
as centenas de milhares
de seres humanos
mortos, mortes banalizadas...
números, estatísticas...
nem lembramos mais
os nomes daqueles
que perdemos...
tantos, tantas vidas
tantos sonhos
47
enquanto isso,
os inumanos riem brincam
se divertem e tripudiam
sobre nossas dores
e sofrimentos...
e não me digam que não há culpados, porque há!
e não me digam que estamos no mesmo barco,
porque não estamos!
enquanto isso,
fico me perguntando
quando serei eu, se serei...
até quando a sorte
me protegerá?
até quando serei eu
a fazer as exéquias
a trazer a triste notícia
a dizer o poema de despedida, quando será?
no minuto seguinte
na próxima hora
quando serei eu
a desesperada notícia?
26/01/21
DORI CARVALHO
Manaus – AM
doricarvalho55@gmail.com
48
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  • 1.
  • 2.
  • 3. 7 DIAS CORTANDO AS PONTAS DOS DEDOS
  • 4. Organização Rojefferson Moraes Revisão Zemaria Pinto Diagramação Jackson Abacatu Capa Paulo Kalvo Contato natora.producoes.eventos@gmail.com editoramerdanamao@gmail.com Licença Todos os direitos reservados 04
  • 5. 7 DIAS CORTANDO AS PONTAS DOS DEDOS PÁTRIA A(R)MADA ASSASSINA Quando pensamos em produzir um fanzine cujo conteúdo fosse de oposição à instalação de um governo fascista no país, não imaginávamos que chegaríamos ao extremo de ver o extermínio em massa da população brasileira, em decorrência da incompetência governamental do presidente que faz da Esplanada dos Ministérios seu parque de diversão pessoal, onde só quem manda é ele, e onde tudo tem que ser feito conforme suas vontades. Isso somado a total falta de habilidade da sua equipe de militares paus-mandados, incapazes de criar uma estratégia eficaz de combate à pandemia, e cujas medalhas apenas comprovam que o alto escalão das forças armadas do Brasil não passa de um covil de cobras traiçoeiras e interesseiras. Hoje estamos às vésperas da marca desesperadora de 300 mil mortes decorrentes de complicações do COVID-19. Com uma população completamente desnorteada. Nem mesmo os apoiadores do presidente sabem mais o que dizer pra defender o indefensável. Quanto a nós? Estamos aqui novamente, 30 participantes, de 11 estados, das 5 regiões do país, em um E-ZINE de RESISTÊNCIA, agora contando com o apoio da Editora Merda na Mão, e da Na Tora Produções (AM), ecoando o grito de FORA GENOCIDA! 05
  • 6. SUMÁRIO ANDRI CARVÃO - pág. 08 AGNER NYHYHWHW - pág. 10 FABIO DA SILVA BARBOSA - pág. 11 EDSON BAPTISTA - pág. 12 TAINÁ VIEIRA - pág. 13 VICTOR HUGO NEVES- pág. 14 ZEMARIA PINTO - pág. 18 GIGIO FERREIRA - pág. 20 MARCOS SAMUEL COSTA - pág. 22 LILIAN MIRANDA - pág. 23 FREDERICO A. PASSOS - pág. 24 DINHO LASCOSKI - pág. 25 ILMAR RIBEIRO - pág. 26 ELIDIOMAR RIBEIRO DA SILVA - pág. 27 MARCO AURÉLIO DE SOUZA - pág. 28 06
  • 7. GILMAL - pág. 29, pág. 33 RAFAEL CESAR - pág. 30 PAULO MONTEIRO - pág. 34 GLAUCO MATTOSO - pág. 36 ROJEFFERSON MORAES - pág. 37 JALNA GORDIANO - pág. 38 MARIANE ALVES - pág. 40 FLÁVIO ANTONINI - pág. 41 ODAIR DE MORAIS - pág. 42 JANETE CHARGISTA - pág. 44 JANER JOSÉ - pág. 45 LAÍS FERNANDA BORGES - pág. 46 DORI CARVALHO - pág. 47 07
  • 8. ELITE MISERÁVEL Cidadão Cristão Brasil Servil Herança rural Questão cultural Regime colonial Atraso industrial Casa senhorial Sociedade patriarcal Racismo estrutural Identidade nacional Burocrata Escravocrata Primata Política Paleolítica Da servidão Da escravidão Da prisão Dentre outras formas de opressão 08
  • 9. Pobre é povo Classe média é povo Povo é povo Teleguiado por uma elite miserável ANDRI CARVÃO, São Paulo – SP e-mail: andricarvao@hotmail.com Facebook: https://www.facebook.com/PersonaPoetica/ 09
  • 10. SIMPLES ASSIM -Essa pandemia já encheu o saco. -É. Muda de canal. Bota no futebol. AGNER NYHYHWHW Rio de Janeiro – RJ http://partesforadotodo.blogspot.com 10
  • 11. ENTERRADOS VIVOS Atacando a criatividade Massacrando a imaginação Não entendem a filosofia Sustentam a limitação Tem de estar tudo bem limpinho Tudo higienizado De acordo com a moral Do dito civilizado Nos enfiam preconceitos Pela garganta até o rabo Paredes de uma grande prisão Nossos membros amarrados Mas repetem o senso comum Como se fosse grande sabedoria A maldita competição Causando miopia Uma vida sem sentir A música e a poesia É como a fria verdade mentirosa O retrocesso e a apatia FABIO DA SILVA BARBOSA Porto Alegre – RS fsb1975@yahoo.com.br 11
  • 12. EDSON BAPTISTA Rio de Janeiro, RJ @hghquadrinhos gamaebs@gmail.com 12
  • 13. Retalho Triste de mim atormentada por minha futilidade deixei-me levar pela vaidade dessa vida podretorpe. Podre é uma palavra feia, fria e fétida como a vida dos inúteis dos incultos dos bárbaros dos fascistas dos pedófilos e dos parentes tolos. Torpe é a alma miserável, sem luz. Eu preciso de luz, luz forte e quente para queimar meus pensamentos vazios e esterilizar meu corpo contaminado. Eu preciso de luz para queimar minha retina, basta-me o coração para olhar o novo mundo que virá após essa negra neblina. TAINÁ VIEIRA Manaus- AM gielesantos@gmail.com Perfil do Facebook: Tainá Vieira 13
  • 14. O SOL DOS AFOGADOS Vi! Tive sim aquela angústia no peito, o ar que sumia, a sensação de desmaio, a ansiedade que paralisa. Eu cortava um dos ramais lamacentos da cidade, naquele triângulo das bermudas que são intercessões entre a zona rural e o lado urbano. Sentado no meu cavalo de ferro de 150 cilindradas, o velocímetro apontando tímidos 50 km por hora e uma ladeira sem fim à frente. Como é comum na época de dezembro aqui no norte, aquelas nuvens carregadíssimas formando rios voadores gritavam conosco! Zás! Cada qual traduz de acordo com seu nível de conforto ou perigo. No meu caso, entendi assim: Acelera, senão tu ficas no atoleiro. Fiz o velocímetro ficar mais feroz. Entre trancos, deslizes, zonas alagadiças, briga entre motor e inclinação da pista improvisada, lá estava eu tombado no chão. Havia uma pedra no meio do caminho. Pontuda, camuflada, capoeirista dando a rasteira final. Eu, caído no chão, no cume da montanha, lá onde não mora ninguém. Lá onde temos uma vista panorâmica das desigualdades sociais. Parecia uma pista medieval, uma ponte que levava à rota dos desamparados. E era isso que eu era, um sujeito no meio da mata, caído no nada, a perna torcida, lama na cara, só podendo olhar o horizonte e esperar alguma resposta. Viro meu rosto em busca de uma placa, um sinal de vida e noto um outdoor. Nele estava a foto de um sorriso asqueroso, com dizeres tipicamente falaciosos, endossados por números inventados, sinal de arminha na mão e aquele personagem dos infernos: o presidente ria da situação dos atolados, dos atingidos, dos desamparados. Com força extrema, tiro a moto de cima de mim e me arrasto com a 14
  • 15. bolsa nas costas até um ponto em que pudesse enxergar as moradias. Abro minha mochila, pego o binóculo de ver os pássaros, e me sento embaixo de uma frondosa jaqueira. O temporal desaba. Eu via as casas equilibradas em pernas de paus, as janelas tortas e rotas. Acima delas os rios voadores desaguavam pesadamente, unindo-se aos seus filhotes igarapés, poluídos e maltratados. Eu entendia que aquilo era um acordo de vingança tramado entre a chuva e os rios contra décadas de maus-tratos com as águas, que agora subiam vertiginosamente. Aponto meu binóculo para dentro de uma casa. Vejo um semblante feminino, surrado, pálido; contudo, com os olhos cheios de dignidade. A correnteza balança a palafita. Seus moradores berram em desespero. A senhora ainda mantinha sua fé e sua distinção. Por calejamento do espírito já não se abatia por nada na vida. Os vizinhos sentiam a iminência em que o casebre despencaria, não havia o que fazer. As pernas da casa eram vencidas pelas pancadas das enxurradas. O fluxo joga o barraco no rio sem levá-lo ao fundo, crianças caem em pranto. Adultos, em desespero. Nossa senhora, que cabe qualquer nome, prostava-se de olhos cerrados em sinal de oração. Acasa bate em um barranco, vai para a lateral, choca-se com outras residências, é arrastada por metros adentro do bairro. Alguns adultos já pegam botijões de gás e outros objetos flutuantes e saem a nadar. Minha agora amiga senhora resistia, não se preocupava com a televisão afundando, estava mais interessada em traçar um olhar fixo e calmo pela janela. Se Hahnemann Bacelar visse a cena, faria um quadro intitulado Dignidade. E o arrastão continua metros a fio pela comunidade, a velocidade era frenética. Uma nau 15
  • 16. surfando na pororoca do desespero. As pessoas já não gritavam, o momento atônito não deixava distinguir o que era chuva ou lágrimas. A casa ganhava aceleração, quão rápida ela se tornava! Quanta força em suas madeiras caiadas! Quanta vida e morte presentes em madeiras desgastadas e telhados de zinco! Em força constante ela ganha a pista e o lado urbano daquela congruência de abastados e esquecidos. A senhora percebia todo o movimento com a respiração parca, o olhar tranquilo e um descompasso infindo entre seu corpo enfermo e seu estado de espírito plasmado pela firmeza de seus olhos. A casa dá uns rodopios e para em meio à pista, a janela apontada para a ladeira, como se fosse os olhos do casebre. Cabreiro e irritado, este olhar prosopopeico toma uma decisão: Vou partir para cima! E a casa corre como uma bola de bilhar, certeira e rápida, visando ao final da jogada. Busca um alvo, uma tacada final, o seu apogeu. Seu foco era um comitê político pintado de verd’amarelo, recheado de sorrisos toscos do mesmo crápula que se punha no outdoor. A palafita choca-se contra o comitê. Os playboys que lá se abrigavam, notando que estavam em perigo, se jogam na lama. Seus carrões já não serviam pra nada. O choque foi cruel, exato, calculado a ponto de deixar avarias no salão dos liberaloides. Olho os escombros, os restos de tudo: a paisagem ao lado, o céu acima. A chuva para de cair repentinamente. Procuro ver os detalhes dos transtornos do tsunami, e enxergo os sectários do pretenso ditador caídos na lama, achando-se humilhados. Vejo fotos, paredes e panfletos sujos de merda por todos os lados. Os homens dos prédios e os esquecidos davam-se as mãos buscando encontrar um local mais seguro para todos. Debaixo de um piso de pau, sai a minha tapuia, amiga oculta, 16
  • 17. a nossa senhora. Cabeça erguida, olhar confortador, mirando tudo ao redor, sem ofegância, semblante límpido, curada! Respirando com tranquilidade e saturação perfeita, ela olha pra cima e vê o lindo e tenebroso sol amazônico. Os aplausos apareciam de todos os lados, ao mesmo tempo que o grito dos pássaros anunciando um novo dia. VICTOR HUGO NEVES Manaus – AM E-mail. victorhugoneves@hotmail.com 17
  • 18. A ÚLTIMA MENSAGEM DE ZECA As duas devoções de Zeca eram cerveja e santa Rita de Cássia. O sábado, que começava na sexta, era para a cerveja. O domingo, para a missa na igreja da padroeira, logo cedo, acompanhando D. Joca. E depois, cerveja, que nem só de fé se alimenta o ser humano. Os apelidos masculinos derivavam dos prenomes: Maria José e Maria João. Filha e mãe. Conheci Zeca quando ainda era sargento do Exército e cursava Letras, na UFAM. Aluna acima da média, destacava-se pelas ideias originais e polêmicas. Tinha o seu cânone particular, onde não cabiam escritores com preocupações sociais. Amava o mundo sórdido e refinado de Rubem Fonseca, os conflitos sexo-religiosos da classe média de Nelson Rodrigues e o intimismo corrosivo de Clarice Lispector – e tinha uma inexplicável paixão por Euclides da Cunha, o cadete rebelde que atirou o sabre aos pés do ministro da Guerra, o jornalista-poeta que denunciou o genocídio de Canudos e a escravização do seringueiro amazônico. Mas escrevia pra caralho, ela justificava com seu habitual poder de síntese. Aliás, Zeca falava mais palavrões que um presidente da república, só que com mais classe e graça. Quando começou a pandemia, Zeca e D. Joca recolheram- se, como mandava o figurino e o bom senso. Elas e o vira- lata Mandrake. Contatos externos, só o essencial. A casa de bairro, com quintal, varanda e churrasqueira, árvores frutíferas e flores, que vivia cheia de amigos, quedou deserta e silenciosa. Grupo de risco, mano, conversa fiada só no uatizapi. Pois foi pelo aplicativo que eu testemunhei uma transformação inimaginável em Zeca. Sua aversão às posições de esquerda terminara em apoio incondicional 18
  • 19. ao fascismo emergente – só esse doido pra detonar a petralhada, ela dizia. Andamos meio afastados, depois das eleições. À minha incompreensão – como uma professora pobre, preta e homossexual pode apoiar alguém que odeia professores, pobres, pretos e homossexuais? – respondia com meia dúzia de impropérios. Foi o coronavírus que mostrou a ela, afinal, quem eram os fascistas genocidas: em duas semanas de pandemia, a confiança se transformou em aversão. Tu é doido, mano, esse filho da puta quer matar a gente! Não caio nessa, não! Zeca foi enterrada no dia 6 de maio, aos 63 anos, às 5 e pouco da tarde. Choviam finos cristais de luz à beira da cova coletiva, onde meia dúzia de amigos choravam sem discrição. Sua última mensagem, datada de quatro madrugadas antes, era um resumo do país pedindo socorro: mano, eu tô fudida! ZEMARIA PINTO Manaus – AM zemariapinto@hotmail.com 19
  • 20. FUMO DE ROLO O desespero não morrerá nunca Pois o óbvio só me traz infelicidade O fingimento sim – e todas as águas! Desse jeito – melhor afogarmos as mágoas Não somos Pessoa. E antes de tudo Por aqui as questões estão abertas O Brasil possui um rosto perfeito E a maioria quer apenas rimas É preciso que se diga – não somos Pessoa. E por altivez da banana – estamos satisfeitos! Não somos Pessoa. Nossa blague voa próximo de qualquer lua Os doentes mentais possuem muita sorte Não faria o menor sentido Um ruidoso suicídio Por isso não somos Pessoa. Ultimamente temos montado em palavras São velhas – é bem verdade Imagine transformando as outras pessoas? Isso custa caro Ao crédito amordaçado na praça Por isso não somos Pessoa. Os olhos já murchos sinalizam abatimento Estamos já com receio de ver a esquina 20
  • 21. Onde os pombos brincam de tormento Por isso não somos Pessoa. Toda continuidade é um atrito Afeto das aves de rapina Por isso não somos Pessoa. Nosso grito é muito curto A fronteira sólida é um traço obscuro Esse mártir presidiário dos poemas Por isso não somos Pessoa. O deus que amamentou nossas forças A farda que vestiu a formiga de fogo O prazer de ver ossos como espinhos Por isso não somos Pessoa. O dom de equilibrar a honra Que há na comida estragada Por isso não somos Pessoa. Até agora fui médico de mim mesmo O inteligente acaba indo embora Por isso não somos Pessoa. Vossa majestade está suando Nossa miséria deixando rastros de beleza A estrada talvez tenha entendido nossa Máquina de falar pulsando e inexpugnável. GIGIO FERREIRA Belém - PA EMAIL: gigioferreir@hotmail.com 21
  • 22. VOZ Desenterro da voz um rio brando calmo como canção sem ritmo com suas águas cheias de argila o rio caminha para terras distantes e abundantes de fracassos ninguém escreverá sobre a paz de um sonho talvez as visões da poeta Cecilia Pavón sejam reais, talvez todos os gays procurem seu paraíso o peito para descansar a cabeça um colo masculino para suportar suas tristezas mas a vida de um gay é feliz quem disse que não? Tantas luzes brilhos, conquistas, disputas avanças, tudo é alegria reparadora desenterro da voz o corpo do meu ex-namoro que tem gosto de algo amargo que dói que é negro e magro, um rapaz bonito mas que me feriu a ponto de eu não o ter em nenhuma rede social, ao ponto de ter apagado todos as suas fotos esse rio do passado que passeia nas lembranças tristes o rio o trouxe para minha memória este hombre que es más amargo que el limón al final del trago mais amargo que o final do drink enterro na voz o sofrimento de parecer todos os dias o membro mais sem função do corpo da minha casa e da minha família um membro que faz uma função que não deveria que não é sua por natureza como uma perna que escreve ao invés de correr... MARCOS SAMUEL COSTA Pará 22
  • 23. LILIAN MIRANDA BELÉM – PA ilian-miranda1@hotmail.com 23
  • 24. O bajulador da maldade Como estão os seus parentes hoje? E os seus amigos? Estão todos bem? Onde andará o fantasma que nos assola todas as noites em nossos sonos fingidos? Viveremos para ser testemunhas do julgamento dos culpados? Impávidos, seguiremos silenciosos em nossa covardia vã? Distinto e abjeto senhor, como chegaste até aqui? Ora bolas, bastaram os votos de um punhado de ignorantes! Reflito sobre a questão, sem atentar que são milhares. Algozes da vida, a vibrar com a morte de seus opositores. Néscios a vaguear como cegos em busca de abrigos na chuva. Onde pretendem chegar? Silenciosas são as manhãs de despedida de atores desconhecidos, Ladeados em covas com dezenas de anônimos. Ouso chamar-te de genocida, asqueroso, sórdido. Bajulador da maldade, tua morada é a treva e teu cobertor é a morte. Mao, 25/01/2019 FREDERICO A. PASSOS fred_passos@yahoo.com.br 24
  • 25. DINHO LASCOSKI Indaial - SC dinholascoski@gmail.com Instagram: @dinholascoski 25
  • 26. MÁSCARAS Mês de janeiro seguindo Fevereiro com esperança da vacina Políticos em desacordo Muitas pessoas sem máscara Está virando bagunça Ninguém se entendendo Bares e praias lotados E hospitais sem leitos Tudo sem controle Preço dos alimentos aumentando Chuvas destruindo casebres Sempre o mais pobre que sofre! ILMAR RIBEIRO Rio de Janeiro – RJ ilmarribeiro@yahoo.com.br 26
  • 27. MARIPOSAS-BRUXAS E O BICHO-HOMEM Num universo alternativo Bem diferente do nosso Um bicho-homem entrou Voando pela janela aberta Na casa das mariposas-bruxas Indo pousar na parede Bem no alto, quase no teto Vovó mariposa-bruxa Ao ver o intruso medonho Logo narrou a crendice Que diz que é de mau agouro Ter um bicho-homem em casa E que quando isso acontece Vai morrer alguém da casa Pra não morrer alguém da família Tem que matar o bicho-homem Mas ali ninguém matou Pois as mariposas-bruxas Não acreditam em crendices E em qualquer universo São melhores que o bicho-homem ELIDIOMAR RIBEIRO DA SILVA Rio de Janeiro – RJ elidiomar@gmail.com 27
  • 28. BESTIÁRIO DE EXCEÇÃO Sempre que alguém reclama Melhor memória à ditadura – ‘Foi ditabranda’ – Eu penso em ratos Eu lembro de uma ratazana Sempre quando vejo e ouço Um velho a celebrar o tempo “Em que as ruas eram tranquilas” Eu penso em vermes Penso num porco a urinar sobre A face do Humano Sempre que a moral é invocada À defesa de um suplício Penso em abutres E rezo e suspiro pelas dores do Homem Lembrando o pau-de-arara Antes da coroa de Cristo Eu penso numa ratazana Introduzida em Cristo E penso em ratos E penso em vermes Penso em abutres : penso no porco-humano E noutros corpos De exceção MARCO AURÉLIO DE SOUZA Ponta Grossa – Paraná https://www.facebook.com/marcoaurelio.desouza.73/ 28
  • 30. AFETOS ANTIFASCISTAS Ordeno que a fúria em meu peito resista mais um pouco. Que não se dissipe em medo ou desespero Que suporte mais um dia, mais uma hora – o quanto for necessário. E, como consequência, que essa fúria gere em meus lábios palavras quentes, que possam acalentar os irmãos de luta que estão no front, já exauridos. Ordeno que essa fúria nunca, jamais, vire ódio – Sobretudo seja sempre coragem – E que eu nunca me iluda sobre a importância do meu peito a ponto de deixar de ser um alvo, diante do perigo iminente em que um irmão se encontre. Eu ordeno a essas pernas: nunca fraquejem frente ao adversário, ainda que as quebrem, que a ânsia em seguir seja eterna! [Que nada e nem ninguém possa arrancar desse couro, dessa pele, a certeza da liberdade.] Eu ordeno que diante do canhão eu seja escudo, diante da opressão eu seja um tanque de palavras e ações. Eu ordeno que, se requisitadas 30
  • 31. pelas balas de um cachorro de farda, minhas entranhas e eu venham ao mundo. E que eu nunca, NUNCA, me torne uma alma atormentada por seguir um destino de manada... ...rumo ao abatedouro. Eu ordeno que essa fúria em meu peito seja refúgio, abrigo, bunker, biblioteca, enfermaria – qualquer coisa – mas nunca um quartel. Eu ordeno a mim e só a mim – gestado, parido e criado por uma guerreira – que nunca me faltem lágrimas de indignação frente à injustiça e à opressão. Que nunca me falte humanidade, mesmo em meio ao escombro do massacre dos gananciosos. Ordeno que meu sangue seja gasolina ou diesel, combustível para meu abraço-molotov. Eu ordeno que essa fúria em meu peito se atire em direção a qualquer outro peito que se sinta igualmente humano requisitando calor, afago e afeto. Que nunca, nunca falte esperança em cada um dos meus malditos dias e versos. Eu ordeno que eu não seja mais um verme sobre a terra; um bandido de gravata e terno. 31
  • 32. Que eu honre a sorte de caminhar sobre a superfície da Mãe Terra Gaia. Eu ordeno que eu aceite meu destino de peregrino e que canto nenhum me seja estranho ou suficiente, que irmão nenhum me baste, que minha família seja a humanidade inteira. Eu ordeno que eu nunca esqueça as palavras do velho Xamã: Ivy Marã A terra sagrada, que só é encontrada com a comunidade junta, inteira, de uma só vez, ao mesmo tempo. Eu ordeno lembrar ao meu irmão “NÃO há o que temer, lembra daquele poema? Não há o que lamentar aqui diante do pelotão de fuzilamento” Não há cárcere pior do que estar trancado no medo de viver. No suspiro derradeiro, ainda ordeno: Fúria, faça-me ser amor por inteiro. RAFAEL CESAR Manaus -Am Contato: urbanos.teias@gmail.com 32
  • 33. 33
  • 34. O Manifesto Anarko Poético I quero a queda de todas as instituições de todos patrões, padres e pastores de todas as fábricas, igrejas e governos de toda a forma de opressão que for colocada que não exista nada além do ser livre e do coração selvagem. II quero as praças ocupadas por vagabundos, [bêbados e poetas – profetas artistas possuídos até o sol nascer que nas escolas ensinem Hakim Bey transformando adolescentes em poetas – terroristas que caia a moral e os bons costumes que os filmes de Pasolini passem em loop [nos cinemas e que somente a palavra exista nada além da palavra nada além AVE, PALAVRA! III quero a queda de toda lógica a queda de todas as celas de ideias de toda a limitação das correntes que prendem o ser de toda, . ; ! ? 34
  • 35. quesomenteosentirsejaanaoregradetudo queoabsurdocorralivrenosolhoseouvidos. IV que bandeiras, pátria ou ídolos não fiquem [acima de nós quero a distância do lema: Deus, pátria e [família e distância dos fascistas mascarados que [fazem dessa frase uma oração diária pessoas que conservam o ódio no olhar e [veneno na boca produtores da barbárie e filhotes de líderes [messiânicos que são alegres em sua estupidez e [cegueira. V que os sonhos, desejos e sorrisos não [sejam retirados e mesmo quando o tempo virar apenas [cinzas e as sombras obscuras rasgarem meu [ventre MINHAS VÍSCERAS GRITARÃO MEU ÚLTIMO POEMA PAULO MONTEIRO Belo Horizonte – MG paulomonteiro1991@gmail.com 35
  • 36. MEME DO NEGATIVISMO [6157] Estamos é fodidos, Glauco! Nada se pode fazer para deter isso! Só perdem tempo, prestam desserviço aquelles que toparam a parada! Crear immunidade de manada nos resta, mas nem ella dá sumiço no virus que, mutante, ja mestiço será pelas nações, um para cada! Aos poucos, morreremos! Quem não for agora, Glauco, vae anno que vem! Mas, caso sobreviva, ainda, alguem, terá tanta sequela, tanta dor! Não! Pode perguntar a algum doutor! Vão todos desistir! Não irão nem tentar uma vaccina! São tambem incréus, como você, que é perdedor! GLAUCO MATTOSO São Paulo – SP No facebook: www.facebook.com/glauco.mattoso.9 Na blogosphera: https://blogocular.wordpress.com/ Este poema é do LIVRO DE RECLAMAÇÕES, no link para accesso gratuito. https://issuu.com/ed.casadeferreiro/docs/livro_de_reclama__es 36
  • 37. IMORTALIDADE Acendi o derradeiro cigarro enquanto mirava o horizonte turvo. Os fascistas dominaram novamente o mundo, e nosso peito encharcado de adeuses prematuros parece aquele jardim pisoteado pelos coturnos dos capitães imbecis que se vangloriam de sua burrice, enquanto recebem aplausos de religiosos fanáticos. Os dinossauros talvez estejam felizes, e os mamutes, e as preguiças gigantes, e as crianças prematuras que se tornaram estrelas, talvez todos estejam felizes... Quando o mundo olha para o fundo do precipício, e nos falta oxigênio nos pulmões, e as balas de O2 também choram com nossos filhos, mulheres e amigos, durante a festa de algum político patético que nunca se importou com a vida alheia o mundo fica mesmo parecendo um quadro do Portinari. Acendi o derradeiro cigarro, e o copo de vodca ficou bailando sobre a mesa feito uma bailarina abandonada. É impossível não lembrar dos golpes levados durante a vida, não lembrar dos golpes que não demos quando fomos passados para trás, impossível não lembrar das vaginas límpidas, e dos puteiros lotados e alegres. A casa cheia à meia noite, e vazia durante o vômito de domingo. Os campos regurgitaram mais uma oportunidade de guardar as cinzas das memórias no peito, enquanto a eternidade nos sorri timidamente com toda a franqueza da sua mortalidade. ROJEFFERSON MORAES Manaus - AM rojefferson.educacao.social@gmail.com 37
  • 38. DESOLAÇÃO Existe uma espada mais afiada Mais pesada sobre meu pescoço E sobre os pescoços dos meus amores também Mas apenas eu vejo isso, malditos olhos que enxergam a desgraça! Eu acordo sob efeito de remédio barato pra dormir Flerto com a ausência da minha sombra na parede Sou toda um não existir Sou um piscar de olhos entre a garra de continuar viva E a completa loucura Minha casa claustrofóbica me engole todos os instantes! Estou lambendo a insanidade e seus doces vermes Não há boas notícias Apenas escolher Entre a morte lenta e dolorosa Da asfixia por negligência de quem não se importa Ou a lentidão e agonia da fome que trará doenças, desespero, violência Humilhação e fim Hoje eu quis um revólver Hoje eu quis um revólver de novo Eu quis Um apenas pra mim. Olhar o futuro e não dar de cara com tijolos Ver as rugas no rosto da minha mãe e não sentir medo Ouvir a risada dos meus filhos e não sentir medo Desejar o desejo sem medo De que fosse a última vez Minha alma agoniza num poço de apatia Afogada São vários novos modelos das velhas câmaras de gás Discursos nazistas de que devemos doar nossas vidas... 38
  • 39. Eu ouço gargalhadas diante o meu fim Estou cercada de deboche De religiosos De gente que não consegue enxergar nem a si próprio Eu sinto uma enorme vontade de gritar Explodir Mutilar Mas não tenho mais forças, estou cansada Todos os dias acrescentam mais um cadáver nas minhas costas Estou carregando corpos de amigos, pessoas que amo E desconhecidos Estou recolhendo os restos mortais da humanidade Sem levantar mais o braço Sem forças Pra continuar arrastando meu cemitério particular Essa máscara serve apenas para cobrir Minha boca cheia de dentes que mastigam a mais pura tristeza Sou uma pessoa calma Acovardada Prestes a explodir Pedaços putrefatos de desolação 22 01 2021 JALNA GORDIANO Manaus – AM jalnagordiano14@gmail.com 39
  • 41. FLÁVIO ANTONINI Tobias Barreto – SE flavioantonini88@gmail.com 41
  • 42. CENAS Verde, quase no fim. Amarelo. Os carros vão parando. Alguns motoristas, no entanto, aproveitam o intervalo para furar o sinal. Arrancam feito doidos. Eu, hein?, ela pensa. Pra que isso? Pronto. Vermelho. Agora pode ir. Conta até três antes de colocar o pé no asfalto, exatamente como aprendeu com o pai, que a observa de longe, embaixo da árvore, do outro lado da avenida. Os transeuntes atravessam na faixa de pedestres. Caminham em direção ao shopping. Também parecem apressados. A menina segue entre os automóveis oferecendo um punhado de flores vermelhas de papel crepom. Tem seis anos, no máximo, mas seu riso apresenta o ar injustiçado dos que tão cedo experimentaram os dissabores da vida. Com a língua presa, apresenta-se ao lado dos carros sem nenhum outro argumento, senão o olhar. Que, por si só, já denota fragilidade e abandono. Os motoristas evitam olhá-la. Ou, fingem não vê-la, enquanto ela toca macio no vidro lateral do carro. Com os dedos erguidos indica o preço do artesanato. 42
  • 43. Na ponta dos pés, a menina percebe que alcança o retrovisor, contudo, evita tocá-lo, pois, como o pai falou, tem homem que é estressado. Ela é distraída, mas sabe exatamente quando o sinal se abrirá de novo, por isso escorrega entre os carros como quem, ao nadar em águas marítimas, prevê a chegada de uma grande onda. Errou o cálculo, uma vez, e um motoqueiro quase a atropela. Pensou em se desculpar, mas ele seguiu com pressa largando no tráfego apenas um gesto violento e um bruto palavrão. Tem quase certeza que o sinal abriu antes da hora. Sorri, ingênua, e acena, com doçura, ao correr com o ramalhete erguido. Entrega tudo o que conseguiu ao homem que retribui com um sorriso de poucos dentes e exalando um forte cheiro de álcool no final da calçada. O que arrecadaram no dia não dá sequer para comprar um saco de arroz, ele calcula, e guarda, em silêncio, as moedas no bolso da calça. Ela pensa nos irmãos mais novos enquanto se abraçam. Sozinhos na ilha, sorriem para o caos. ODAIR DE MORAIS Cuiabá-MT odairdemorais@gmail.com 43
  • 44. JANETE CHARGISTA São Paulo -SP janetechargista@gmail.com 44
  • 45. O PROTESTO SOLITÁRIO DO POETA Começo de inverno MANAUARA Vento frio E eu todo molhado, amanhecido Vou andando na direção do viaduto Penso no cara que construiu aquela aberração... Sorte que sou um cara normal, seu eu fosse doido varrido Descolava uma arma e dava um tiro Na cara desse presidente da república... Tropego... Bêbado... Entorpecido... Ouço uma sirene é o carro funerário Logo depois outro cortejo fúnebre Porra! Que pandemia desgraçada! Quando me dou conta Estou na parte mais alta do viaduto Que prefiro chamar de elefante branco, inaugurado E logo em seguida interditado por conta de problemas na estrutura Eu na parte mais alta do elefante de concreto tiro a roupa Fico completamente nu pendurado em um dos postes E GRITO GRITO o estalo do meu grito! Até não ter mais fôlego Depois visto a roupa desço do elefante branco E minhas lágrimas salgadas se misturam Com a chuva doce Continuo caminhando pela rua comercial Me perco entre as pessoas sem nenhum centavo no bolso mangueio um café E volto a ser apenas mais um na multidão JANER JOSÉ Manaus - AM 45
  • 46. LAÍS FERNANDA BORGES Manaus – Am ventanialiteraria@gmail.com 46
  • 47. TODO DIA O TEMPO TODO... todo dia o tempo todo... amigos conhecidos colegas companheiros mães avós pais irmãos filhos indo embora, sofrendo, morrendo, não tem fim essa agonia... enquanto isso, os governantes brincam com nossas vidas e os negociantes calculam os lucros... os milhões roubados, os medicamentos perdidos, o ar que nos falta... as centenas de milhares de seres humanos mortos, mortes banalizadas... números, estatísticas... nem lembramos mais os nomes daqueles que perdemos... tantos, tantas vidas tantos sonhos 47
  • 48. enquanto isso, os inumanos riem brincam se divertem e tripudiam sobre nossas dores e sofrimentos... e não me digam que não há culpados, porque há! e não me digam que estamos no mesmo barco, porque não estamos! enquanto isso, fico me perguntando quando serei eu, se serei... até quando a sorte me protegerá? até quando serei eu a fazer as exéquias a trazer a triste notícia a dizer o poema de despedida, quando será? no minuto seguinte na próxima hora quando serei eu a desesperada notícia? 26/01/21 DORI CARVALHO Manaus – AM doricarvalho55@gmail.com 48
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