SlideShare uma empresa Scribd logo
1144

EDITORIAL

Etnicidade e saúde da população negra no Brasil

Na década de 80, o movimento de mulheres negras tornou visível os problemas relativos à
vida sexual e reprodutiva que atingem especificamente as mulheres negras no Brasil. Juntamente com o movimento negro, demonstrou a exclusão dos direitos e cidadania da população negra no país, afirmando que os negros são pobres sobretudo porque são negros.
As desigualdades sociais vivenciadas por essa população são expressas em seus corpos e na qualidade e quantidade de serviços sociais públicos a que têm acesso. Tais constatações corroboram a idéia de desigualdade social, presente nas produções teóricas e intervenções políticas neste campo, catalisam e sistematizam as reivindicações da população negra na área da saúde, publicizando essa especificidade nas esferas nacional e internacional.
De acordo com essa visão, Roland (Cadernos Geledés, v. 1, 1991) coloca que a percepção das desigualdades raciais no tocante à saúde no Brasil é ainda muito incipiente.
Nesse contexto de discussão, novos atores apresentam-se na cena social para apontar a
necessidade de dados sobre a situação de saúde da população negra. A produção de informação passou então a ser um forte componente para a construção e fortalecimento da
identidade negra. Esse novo sujeito político entendeu que o “quesito cor” ou a identificação racial é um item necessário e indispensável nos serviços de saúde, não apenas por facilitar o diagnóstico e prevenção de doenças atualmente consideradas étnicas mas, sobretudo, pela possibilidade de saber do que adoece e do que morre a população negra no Brasil.
A importância do quesito cor no Sistema de Informação de Saúde deve-se, então, à
constatação de que, apesar de a população auto-declarada afro-descendente representar
44% da população brasileira, segundo dados censitários, poucas informações sobre seu
bem-estar e saúde pode ser reunida. É interessante ressaltar que, tendo em vista uma compreensão que não estabelece uma relação de causalidade entre o quesito cor e o surgimento de doenças, essa informação, acredita-se, pode dar significativas indicações sobre
as condições de vida e saúde da população negra.
A importância do quesito cor tem sido, a despeito das dificuldades de coleta, uma
reivindicação do movimento negro, para que se possa conhecer melhor os aspetos de vida
e saúde da população negra, além de exigir o reconhecimento social e político desta parcela da população.
Foi nesse contexto de reivindicação social e política que, durante o período da administração de Luiza Erundina na Prefeitura de São Paulo, o quesito cor foi implantado,
por meio da Portaria 696/90, e permitiu conhecer a morbimortalidade da população negra
nessa cidade. No entanto, a partir de 1993, essa proposta foi praticamente extinta no governo de Paulo Maluf. Outras prefeituras de cidades brasileiras implementaram esse tipo
de serviço, a exemplo de Belo Horizonte. Além disso, através do Programa Nacional de Direitos Humanos, em 1996 a Presidência da República propôs a inclusão do quesito cor como uma ação de curto prazo, além de apoio às ações desenvolvidas por seu Grupo Interministerial para a Valorização da População Negra. O renascimento dessa proposta, sob a
forma de Projeto de Lei de autoria de Carlos Neder, ainda em tramitação na Câmara Municipal de São Paulo, mostra a permanência do desejo do Movimento Negro em ver o “Quesito Cor” implementado no Sistema de Informação de Saúde.

Elizabete Aparecida Pinto
Fala Preta! Organização de Mulheres Negras, São Paulo, Brasil
lizpinto@uol.com.br

Raquel Souzas
Fala Preta! Organização de Mulheres Negras, São Paulo, Brasil
raquelsouzas@hotmail.com

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1144-1145, set-out, 2002
EDITORIAL 1145

Ethnicity and health in the Black Brazilian population

During the 1980s, the Black Brazilian women’s movement raised the visibility of problems
related to sexuality and reproduction specifically affecting African-descendant women.
Together with the Black movement as a whole, the Black women’s movement demonstrated how the country’s African-descendant population is excluded from its rights and citizenship, affirming that Blacks are poor primarily because they are Black.
The social inequalities experienced by African-descendant Brazilians are expressed
in their bodies and in the quality and quantity of public social services accessed by them.
These observations corroborate the concept of social inequality underlying the academic
research and policies in this area, catalyzing and systematizing the Black population’s
health demands and raising the issue’s visibility at the national and international levels.
According to Roland (Cadernos Geledés, v.1, 1991), the perception of health-related
racial inequalities in Brazil is still incipient. New actors are appearing on the social scene
to highlight the need for data on the Black population’s health situation. The production of
information has thus become a key factor for building and strengthening Black identity.
These new political stakeholders have realized that the “color item” or racial identification
is necessary (indeed indispensable) information for health services, not only to aid in the
diagnosis and prevention of what are currently considered ethnic diseases, but above all to
help understand morbidity and mortality patterns in the country’s Black population.
The color item is thus relevant to the National Health Information System because
although self-declared African-descendants represent 44% of the total Brazilian population according to official census data, little information is available on their health and
well-being. Although there is no proven causal relationship between color and disease, it is
believed that this information may provide significant indications as to the health and living conditions of the Black population.
Despite difficulties in collecting such information, incorporation of the color item
has become a demand on the part of the Black movement in order to elucidate health and
living conditions in the African-descendant population, besides bolstering demands for
the social and political recognition of African-Brazilians.
In this context of social and political redress, during the administration of Luiza
Erundina as Mayor of São Paulo, the color item was incorporated into health records under the terms of Ruling 696/90 and contributed to greater knowledge of morbidity and
mortality in the city’s Black population. However, in 1993 this same proposal was virtually
revoked by the Paulo Maluf Administration. Other municipal governments in Brazil, like
Belo Horizonte, also incorporated information on color in health records. In addition,
through the National Human Rights Program, the Executive Branch proposed to incorporate the color item in the short term in addition to supporting measures by its Inter-Ministerial Group for Promotion of the Black Population. The rebirth of this proposal in the form
of a bill submitted by Carlos Neder, currently under review in the São Paulo City Council,
proves that the Black movement has kept its demand alive to see data on color included in
the National Health Information System.

Elizabete Aparecida Pinto
Fala Preta! Organização de Mulheres Negras, São Paulo, Brasil
lizpinto@uol.com.br

Raquel Souzas
Fala Preta! Organização de Mulheres Negras, São Paulo, Brasil
raquelsouzas@hotmail.com

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1144-1145, set-out, 2002

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Livros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População NegraLivros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População Negra
AduniGoes
 
Apresentação gt da igualdade racial 2017
Apresentação gt da igualdade racial 2017Apresentação gt da igualdade racial 2017
Apresentação gt da igualdade racial 2017
Eudmar nunes bastos
 
Politica de saude nacional da mulher
Politica de saude nacional da mulherPolitica de saude nacional da mulher
Politica de saude nacional da mulher
Alanna Alexandre
 
Expedições Fiocruz 2012 5/5
Expedições Fiocruz 2012 5/5Expedições Fiocruz 2012 5/5
Expedições Fiocruz 2012 5/5
nextfiocruz
 
Consulta Clínica na perspectiva da Política Nacional de Saúde integral da Pop...
Consulta Clínica na perspectiva da Política Nacional de Saúde integral da Pop...Consulta Clínica na perspectiva da Política Nacional de Saúde integral da Pop...
Consulta Clínica na perspectiva da Política Nacional de Saúde integral da Pop...
Regina M F Gomes
 
SAÚDE INFANTIL: INCLUSÃO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS
SAÚDE INFANTIL: INCLUSÃO SOCIAL E DIREITOS HUMANOSSAÚDE INFANTIL: INCLUSÃO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS
SAÚDE INFANTIL: INCLUSÃO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS
Valdirene1977
 
Olhares sobre a equidade em saúde
Olhares sobre a equidade em saúdeOlhares sobre a equidade em saúde
Olhares sobre a equidade em saúde
Nubia Hora
 
Mulheresbrasileirasnaatualidade
MulheresbrasileirasnaatualidadeMulheresbrasileirasnaatualidade
MulheresbrasileirasnaatualidadeCRRA
 
Avaliação da qualidade de vida de mulheres idosas
Avaliação da qualidade de vida de mulheres idosasAvaliação da qualidade de vida de mulheres idosas
Avaliação da qualidade de vida de mulheres idosas
Centro Universitário Ages
 
PROGRAMA DE ATENÇÃO INTEGRAL A SAÚDE DA MULHER – PAISM: entre as diretrizes n...
PROGRAMA DE ATENÇÃO INTEGRAL A SAÚDE DA MULHER – PAISM: entre as diretrizes n...PROGRAMA DE ATENÇÃO INTEGRAL A SAÚDE DA MULHER – PAISM: entre as diretrizes n...
PROGRAMA DE ATENÇÃO INTEGRAL A SAÚDE DA MULHER – PAISM: entre as diretrizes n...
Conceição Amorim
 
Políticas Públicas de Saúde da Mulher no Brasil
Políticas Públicas de Saúde da Mulher no BrasilPolíticas Públicas de Saúde da Mulher no Brasil
Políticas Públicas de Saúde da Mulher no Brasil
Marciane Missio
 
Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis ...
Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis ...Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis ...
Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis ...
Centro de Desenvolvimento, Ensino e Pesquisa em Saúde - CEDEPS
 
Livros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População NegraLivros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População Negra
AduniGoes
 
Biografias Femininas, racismo e subjetividade ativista: Um olhar sobre a saúd...
Biografias Femininas, racismo e subjetividade ativista: Um olhar sobre a saúd...Biografias Femininas, racismo e subjetividade ativista: Um olhar sobre a saúd...
Biografias Femininas, racismo e subjetividade ativista: Um olhar sobre a saúd...
População Negra e Saúde
 
SAÚDE DAS MULHERES LÉBICAS: INCLUSÃO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS
SAÚDE DAS MULHERES LÉBICAS: INCLUSÃO SOCIAL E DIREITOS HUMANOSSAÚDE DAS MULHERES LÉBICAS: INCLUSÃO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS
SAÚDE DAS MULHERES LÉBICAS: INCLUSÃO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS
Valdirene1977
 
SISTEMA NACIONAL DE SAUDE EM CUBA
SISTEMA NACIONAL DE SAUDE EM CUBASISTEMA NACIONAL DE SAUDE EM CUBA
SISTEMA NACIONAL DE SAUDE EM CUBA
FILIPE NERI
 
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM)
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM)Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM)
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM)
Sanny Pereira
 

Mais procurados (20)

Saúde da mulher
Saúde da mulherSaúde da mulher
Saúde da mulher
 
Livros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População NegraLivros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População Negra
 
Apresentação gt da igualdade racial 2017
Apresentação gt da igualdade racial 2017Apresentação gt da igualdade racial 2017
Apresentação gt da igualdade racial 2017
 
Politica de saude nacional da mulher
Politica de saude nacional da mulherPolitica de saude nacional da mulher
Politica de saude nacional da mulher
 
Expedições Fiocruz 2012 5/5
Expedições Fiocruz 2012 5/5Expedições Fiocruz 2012 5/5
Expedições Fiocruz 2012 5/5
 
Consulta Clínica na perspectiva da Política Nacional de Saúde integral da Pop...
Consulta Clínica na perspectiva da Política Nacional de Saúde integral da Pop...Consulta Clínica na perspectiva da Política Nacional de Saúde integral da Pop...
Consulta Clínica na perspectiva da Política Nacional de Saúde integral da Pop...
 
SAÚDE INFANTIL: INCLUSÃO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS
SAÚDE INFANTIL: INCLUSÃO SOCIAL E DIREITOS HUMANOSSAÚDE INFANTIL: INCLUSÃO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS
SAÚDE INFANTIL: INCLUSÃO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS
 
Premio pcri
Premio pcriPremio pcri
Premio pcri
 
Olhares sobre a equidade em saúde
Olhares sobre a equidade em saúdeOlhares sobre a equidade em saúde
Olhares sobre a equidade em saúde
 
Mulheresbrasileirasnaatualidade
MulheresbrasileirasnaatualidadeMulheresbrasileirasnaatualidade
Mulheresbrasileirasnaatualidade
 
Avaliação da qualidade de vida de mulheres idosas
Avaliação da qualidade de vida de mulheres idosasAvaliação da qualidade de vida de mulheres idosas
Avaliação da qualidade de vida de mulheres idosas
 
PROGRAMA DE ATENÇÃO INTEGRAL A SAÚDE DA MULHER – PAISM: entre as diretrizes n...
PROGRAMA DE ATENÇÃO INTEGRAL A SAÚDE DA MULHER – PAISM: entre as diretrizes n...PROGRAMA DE ATENÇÃO INTEGRAL A SAÚDE DA MULHER – PAISM: entre as diretrizes n...
PROGRAMA DE ATENÇÃO INTEGRAL A SAÚDE DA MULHER – PAISM: entre as diretrizes n...
 
Políticas Públicas de Saúde da Mulher no Brasil
Políticas Públicas de Saúde da Mulher no BrasilPolíticas Públicas de Saúde da Mulher no Brasil
Políticas Públicas de Saúde da Mulher no Brasil
 
Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis ...
Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis ...Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis ...
Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis ...
 
Livros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População NegraLivros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População Negra
 
Biografias Femininas, racismo e subjetividade ativista: Um olhar sobre a saúd...
Biografias Femininas, racismo e subjetividade ativista: Um olhar sobre a saúd...Biografias Femininas, racismo e subjetividade ativista: Um olhar sobre a saúd...
Biografias Femininas, racismo e subjetividade ativista: Um olhar sobre a saúd...
 
Politica mulher
Politica mulherPolitica mulher
Politica mulher
 
SAÚDE DAS MULHERES LÉBICAS: INCLUSÃO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS
SAÚDE DAS MULHERES LÉBICAS: INCLUSÃO SOCIAL E DIREITOS HUMANOSSAÚDE DAS MULHERES LÉBICAS: INCLUSÃO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS
SAÚDE DAS MULHERES LÉBICAS: INCLUSÃO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS
 
SISTEMA NACIONAL DE SAUDE EM CUBA
SISTEMA NACIONAL DE SAUDE EM CUBASISTEMA NACIONAL DE SAUDE EM CUBA
SISTEMA NACIONAL DE SAUDE EM CUBA
 
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM)
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM)Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM)
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM)
 

Semelhante a Etnicidade e saude da pop. negra

Raça
RaçaRaça
A Política de Saúde da População Negra no Brasil: atores políticos, aspectos...
A Política de Saúde da População Negra no Brasil:  atores políticos, aspectos...A Política de Saúde da População Negra no Brasil:  atores políticos, aspectos...
A Política de Saúde da População Negra no Brasil: atores políticos, aspectos...
pesquisaracaesaude
 
Racismo institucional e o direito humano à saúde
Racismo institucional  e o direito humano à saúdeRacismo institucional  e o direito humano à saúde
Racismo institucional e o direito humano à saúdePopulação Negra e Saúde
 
Livros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População NegraLivros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População Negra
População Negra e Saúde
 
Apostila unidade1
Apostila unidade1Apostila unidade1
Apostila unidade1
ArianeAzevedo10
 
Doencas etnicas
Doencas etnicasDoencas etnicas
Doencas etnicas
Everton Lima
 
A Política de Saúde da População Negra no Brasil: atores políticos, aspectos ...
A Política de Saúde da População Negra no Brasil: atores políticos, aspectos ...A Política de Saúde da População Negra no Brasil: atores políticos, aspectos ...
A Política de Saúde da População Negra no Brasil: atores políticos, aspectos ...
População Negra e Saúde
 
0645 - L - Coleção Ábia - Saúde sexual e reprodutiva - nº 1
0645 - L - Coleção Ábia - Saúde sexual e reprodutiva - nº 10645 - L - Coleção Ábia - Saúde sexual e reprodutiva - nº 1
0645 - L - Coleção Ábia - Saúde sexual e reprodutiva - nº 1
bibliotecasaude
 
ppt-saucc81de-da-populaccca7acc83o-negra.pptx
ppt-saucc81de-da-populaccca7acc83o-negra.pptxppt-saucc81de-da-populaccca7acc83o-negra.pptx
ppt-saucc81de-da-populaccca7acc83o-negra.pptx
WeslleyDias8
 
Historia do Movimento PcD no Brasil
Historia do Movimento PcD no BrasilHistoria do Movimento PcD no Brasil
Historia do Movimento PcD no BrasilScott Rains
 
“História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil”
“História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil”“História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil”
“História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil”
Rosane Domingues
 
Movimento1
Movimento1Movimento1
Movimento1
Fabiano Pires
 
“História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil”
“História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil”“História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil”
“História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil”
Rosane Domingues
 
Livros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População NegraLivros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População Negra
População Negra e Saúde
 

Semelhante a Etnicidade e saude da pop. negra (20)

Genero 03
Genero 03Genero 03
Genero 03
 
Desigauldes raciais em saude
Desigauldes raciais em saudeDesigauldes raciais em saude
Desigauldes raciais em saude
 
Raça
RaçaRaça
Raça
 
Quesito cor no sistema de informação
Quesito cor no sistema de informaçãoQuesito cor no sistema de informação
Quesito cor no sistema de informação
 
A Política de Saúde da População Negra no Brasil: atores políticos, aspectos...
A Política de Saúde da População Negra no Brasil:  atores políticos, aspectos...A Política de Saúde da População Negra no Brasil:  atores políticos, aspectos...
A Política de Saúde da População Negra no Brasil: atores políticos, aspectos...
 
Racismo institucional e o direito humano à saúde
Racismo institucional  e o direito humano à saúdeRacismo institucional  e o direito humano à saúde
Racismo institucional e o direito humano à saúde
 
Livros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População NegraLivros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População Negra
 
Apostila unidade1
Apostila unidade1Apostila unidade1
Apostila unidade1
 
Pcri marchazumbi
Pcri marchazumbiPcri marchazumbi
Pcri marchazumbi
 
Doencas etnicas
Doencas etnicasDoencas etnicas
Doencas etnicas
 
A Política de Saúde da População Negra no Brasil: atores políticos, aspectos ...
A Política de Saúde da População Negra no Brasil: atores políticos, aspectos ...A Política de Saúde da População Negra no Brasil: atores políticos, aspectos ...
A Política de Saúde da População Negra no Brasil: atores políticos, aspectos ...
 
0645 - L - Coleção Ábia - Saúde sexual e reprodutiva - nº 1
0645 - L - Coleção Ábia - Saúde sexual e reprodutiva - nº 10645 - L - Coleção Ábia - Saúde sexual e reprodutiva - nº 1
0645 - L - Coleção Ábia - Saúde sexual e reprodutiva - nº 1
 
Brasilafroatitude
BrasilafroatitudeBrasilafroatitude
Brasilafroatitude
 
ppt-saucc81de-da-populaccca7acc83o-negra.pptx
ppt-saucc81de-da-populaccca7acc83o-negra.pptxppt-saucc81de-da-populaccca7acc83o-negra.pptx
ppt-saucc81de-da-populaccca7acc83o-negra.pptx
 
Historia do Movimento PcD no Brasil
Historia do Movimento PcD no BrasilHistoria do Movimento PcD no Brasil
Historia do Movimento PcD no Brasil
 
“História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil”
“História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil”“História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil”
“História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil”
 
Movimento1
Movimento1Movimento1
Movimento1
 
Ser negro no Brasil alcances e limites
Ser negro no Brasil alcances e limitesSer negro no Brasil alcances e limites
Ser negro no Brasil alcances e limites
 
“História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil”
“História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil”“História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil”
“História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil”
 
Livros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População NegraLivros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População Negra
 

Mais de População Negra e Saúde

Livros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População NegraLivros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População Negra
População Negra e Saúde
 
Racismo e saúde estudo etnográfico com mulheres negras de baixa renda
Racismo e saúde estudo etnográfico com mulheres negras de baixa rendaRacismo e saúde estudo etnográfico com mulheres negras de baixa renda
Racismo e saúde estudo etnográfico com mulheres negras de baixa renda
População Negra e Saúde
 
Práticas religiosas de cuidado e cura entre mulheres negras
Práticas religiosas de cuidado e cura entre mulheres negrasPráticas religiosas de cuidado e cura entre mulheres negras
Práticas religiosas de cuidado e cura entre mulheres negras
População Negra e Saúde
 
Mulheres negras contam sua história
Mulheres negras contam sua história Mulheres negras contam sua história
Mulheres negras contam sua história
População Negra e Saúde
 
Mary Seacole e Maria Soldado: enfermeiras negras que fizeram história
Mary Seacole e Maria Soldado: enfermeiras negras que fizeram históriaMary Seacole e Maria Soldado: enfermeiras negras que fizeram história
Mary Seacole e Maria Soldado: enfermeiras negras que fizeram históriaPopulação Negra e Saúde
 
Saude em debate tematico saude da população negra
Saude em debate tematico saude da população negraSaude em debate tematico saude da população negra
Saude em debate tematico saude da população negraPopulação Negra e Saúde
 
Jones race racism and the practice of epidemiology
Jones race racism and the practice of epidemiologyJones race racism and the practice of epidemiology
Jones race racism and the practice of epidemiologyPopulação Negra e Saúde
 
Documento para o encontro de especialistas de genero e raça
Documento para o encontro de especialistas de genero e raçaDocumento para o encontro de especialistas de genero e raça
Documento para o encontro de especialistas de genero e raçaPopulação Negra e Saúde
 

Mais de População Negra e Saúde (20)

Livros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População NegraLivros Saúde Integral da População Negra
Livros Saúde Integral da População Negra
 
Racismo e saúde estudo etnográfico com mulheres negras de baixa renda
Racismo e saúde estudo etnográfico com mulheres negras de baixa rendaRacismo e saúde estudo etnográfico com mulheres negras de baixa renda
Racismo e saúde estudo etnográfico com mulheres negras de baixa renda
 
Práticas religiosas de cuidado e cura entre mulheres negras
Práticas religiosas de cuidado e cura entre mulheres negrasPráticas religiosas de cuidado e cura entre mulheres negras
Práticas religiosas de cuidado e cura entre mulheres negras
 
Mulheres negras contam sua história
Mulheres negras contam sua história Mulheres negras contam sua história
Mulheres negras contam sua história
 
Mary Seacole e Maria Soldado: enfermeiras negras que fizeram história
Mary Seacole e Maria Soldado: enfermeiras negras que fizeram históriaMary Seacole e Maria Soldado: enfermeiras negras que fizeram história
Mary Seacole e Maria Soldado: enfermeiras negras que fizeram história
 
Saude em debate tematico saude da população negra
Saude em debate tematico saude da população negraSaude em debate tematico saude da população negra
Saude em debate tematico saude da população negra
 
Cartaz Onde vc guarda o seu racismo
Cartaz Onde vc guarda o seu racismoCartaz Onde vc guarda o seu racismo
Cartaz Onde vc guarda o seu racismo
 
Boletim pcri especial saude
Boletim pcri especial saudeBoletim pcri especial saude
Boletim pcri especial saude
 
Pcri ata premio
Pcri ata premioPcri ata premio
Pcri ata premio
 
Fatos notas3
Fatos notas3Fatos notas3
Fatos notas3
 
Fatos notas2
Fatos notas2Fatos notas2
Fatos notas2
 
Pcri relatanual
Pcri relatanualPcri relatanual
Pcri relatanual
 
Pcri fatos notas1
Pcri fatos notas1Pcri fatos notas1
Pcri fatos notas1
 
Perspectiva de genero e raça
Perspectiva de genero e raçaPerspectiva de genero e raça
Perspectiva de genero e raça
 
Artigo racismo sexismo e eugenia
Artigo racismo sexismo e eugeniaArtigo racismo sexismo e eugenia
Artigo racismo sexismo e eugenia
 
Saude referida brasil e eua
Saude referida brasil e euaSaude referida brasil e eua
Saude referida brasil e eua
 
Jones race racism and the practice of epidemiology
Jones race racism and the practice of epidemiologyJones race racism and the practice of epidemiology
Jones race racism and the practice of epidemiology
 
Documento para o encontro de especialistas de genero e raça
Documento para o encontro de especialistas de genero e raçaDocumento para o encontro de especialistas de genero e raça
Documento para o encontro de especialistas de genero e raça
 
A importância do quesito cor
A importância do quesito corA importância do quesito cor
A importância do quesito cor
 
A cor da morte
A cor da morteA cor da morte
A cor da morte
 

Etnicidade e saude da pop. negra

  • 1. 1144 EDITORIAL Etnicidade e saúde da população negra no Brasil Na década de 80, o movimento de mulheres negras tornou visível os problemas relativos à vida sexual e reprodutiva que atingem especificamente as mulheres negras no Brasil. Juntamente com o movimento negro, demonstrou a exclusão dos direitos e cidadania da população negra no país, afirmando que os negros são pobres sobretudo porque são negros. As desigualdades sociais vivenciadas por essa população são expressas em seus corpos e na qualidade e quantidade de serviços sociais públicos a que têm acesso. Tais constatações corroboram a idéia de desigualdade social, presente nas produções teóricas e intervenções políticas neste campo, catalisam e sistematizam as reivindicações da população negra na área da saúde, publicizando essa especificidade nas esferas nacional e internacional. De acordo com essa visão, Roland (Cadernos Geledés, v. 1, 1991) coloca que a percepção das desigualdades raciais no tocante à saúde no Brasil é ainda muito incipiente. Nesse contexto de discussão, novos atores apresentam-se na cena social para apontar a necessidade de dados sobre a situação de saúde da população negra. A produção de informação passou então a ser um forte componente para a construção e fortalecimento da identidade negra. Esse novo sujeito político entendeu que o “quesito cor” ou a identificação racial é um item necessário e indispensável nos serviços de saúde, não apenas por facilitar o diagnóstico e prevenção de doenças atualmente consideradas étnicas mas, sobretudo, pela possibilidade de saber do que adoece e do que morre a população negra no Brasil. A importância do quesito cor no Sistema de Informação de Saúde deve-se, então, à constatação de que, apesar de a população auto-declarada afro-descendente representar 44% da população brasileira, segundo dados censitários, poucas informações sobre seu bem-estar e saúde pode ser reunida. É interessante ressaltar que, tendo em vista uma compreensão que não estabelece uma relação de causalidade entre o quesito cor e o surgimento de doenças, essa informação, acredita-se, pode dar significativas indicações sobre as condições de vida e saúde da população negra. A importância do quesito cor tem sido, a despeito das dificuldades de coleta, uma reivindicação do movimento negro, para que se possa conhecer melhor os aspetos de vida e saúde da população negra, além de exigir o reconhecimento social e político desta parcela da população. Foi nesse contexto de reivindicação social e política que, durante o período da administração de Luiza Erundina na Prefeitura de São Paulo, o quesito cor foi implantado, por meio da Portaria 696/90, e permitiu conhecer a morbimortalidade da população negra nessa cidade. No entanto, a partir de 1993, essa proposta foi praticamente extinta no governo de Paulo Maluf. Outras prefeituras de cidades brasileiras implementaram esse tipo de serviço, a exemplo de Belo Horizonte. Além disso, através do Programa Nacional de Direitos Humanos, em 1996 a Presidência da República propôs a inclusão do quesito cor como uma ação de curto prazo, além de apoio às ações desenvolvidas por seu Grupo Interministerial para a Valorização da População Negra. O renascimento dessa proposta, sob a forma de Projeto de Lei de autoria de Carlos Neder, ainda em tramitação na Câmara Municipal de São Paulo, mostra a permanência do desejo do Movimento Negro em ver o “Quesito Cor” implementado no Sistema de Informação de Saúde. Elizabete Aparecida Pinto Fala Preta! Organização de Mulheres Negras, São Paulo, Brasil lizpinto@uol.com.br Raquel Souzas Fala Preta! Organização de Mulheres Negras, São Paulo, Brasil raquelsouzas@hotmail.com Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1144-1145, set-out, 2002
  • 2. EDITORIAL 1145 Ethnicity and health in the Black Brazilian population During the 1980s, the Black Brazilian women’s movement raised the visibility of problems related to sexuality and reproduction specifically affecting African-descendant women. Together with the Black movement as a whole, the Black women’s movement demonstrated how the country’s African-descendant population is excluded from its rights and citizenship, affirming that Blacks are poor primarily because they are Black. The social inequalities experienced by African-descendant Brazilians are expressed in their bodies and in the quality and quantity of public social services accessed by them. These observations corroborate the concept of social inequality underlying the academic research and policies in this area, catalyzing and systematizing the Black population’s health demands and raising the issue’s visibility at the national and international levels. According to Roland (Cadernos Geledés, v.1, 1991), the perception of health-related racial inequalities in Brazil is still incipient. New actors are appearing on the social scene to highlight the need for data on the Black population’s health situation. The production of information has thus become a key factor for building and strengthening Black identity. These new political stakeholders have realized that the “color item” or racial identification is necessary (indeed indispensable) information for health services, not only to aid in the diagnosis and prevention of what are currently considered ethnic diseases, but above all to help understand morbidity and mortality patterns in the country’s Black population. The color item is thus relevant to the National Health Information System because although self-declared African-descendants represent 44% of the total Brazilian population according to official census data, little information is available on their health and well-being. Although there is no proven causal relationship between color and disease, it is believed that this information may provide significant indications as to the health and living conditions of the Black population. Despite difficulties in collecting such information, incorporation of the color item has become a demand on the part of the Black movement in order to elucidate health and living conditions in the African-descendant population, besides bolstering demands for the social and political recognition of African-Brazilians. In this context of social and political redress, during the administration of Luiza Erundina as Mayor of São Paulo, the color item was incorporated into health records under the terms of Ruling 696/90 and contributed to greater knowledge of morbidity and mortality in the city’s Black population. However, in 1993 this same proposal was virtually revoked by the Paulo Maluf Administration. Other municipal governments in Brazil, like Belo Horizonte, also incorporated information on color in health records. In addition, through the National Human Rights Program, the Executive Branch proposed to incorporate the color item in the short term in addition to supporting measures by its Inter-Ministerial Group for Promotion of the Black Population. The rebirth of this proposal in the form of a bill submitted by Carlos Neder, currently under review in the São Paulo City Council, proves that the Black movement has kept its demand alive to see data on color included in the National Health Information System. Elizabete Aparecida Pinto Fala Preta! Organização de Mulheres Negras, São Paulo, Brasil lizpinto@uol.com.br Raquel Souzas Fala Preta! Organização de Mulheres Negras, São Paulo, Brasil raquelsouzas@hotmail.com Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1144-1145, set-out, 2002