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A Concentração das Terras do Cacau
Publicado em 1943 na vigência da ditadura de Getúlio Vargas, Terras do Sem-Fim de Jorge Amado
é ambientado no início do século XX, no sul da Bahia, em meio a expansão e concentração da lavoura
cacaueira
Rodrigo Belinaso Guimarães
“Por que ninguém pode olhar o sol
de cara para cima? Não há quem
aguente… Também aos homens
que matara, Damião nunca havia
olhado depois.”
Nesta resenha vou tratar do livro Terras do Sem-Fim de
Jorge Amado, publicado em 1943 durante a ditadura de Getúlio
Vargas e ambientado no início do século XX, no sul da Bahia, em
meio a expansão e concentração da lavoura cacaueira. O livro foi
lançado num momento em que Jorge Amado estava exilado no
Uruguai por suas ligações com o PCB (Partido Comunista
Brasileiro). A região de Ilhéus foi retratada como uma
representante fiel de um país pouco urbanizado, com uma
economia predominantemente rural e que através da exploração
do cacau abria novas fronteiras para o capitalismo internacional.
A produção era exportada in natura por firmas inglesas que
chegaram até a construir uma estrada de ferro para escoá-la até o
porto de Ilhéus. Do produto final, o chocolate, não há notícias no
texto. O cacau fazia parte da economia internacional, porém sua
produção envolvia certas peculiaridades brasileiras: um sistema
de alianças entre os donos de terras semelhante ao feudal; um
modo de organização do trabalho análogo à escravidão; e instituições republicanas absolutamente
frágeis.
Como documento literário, o livro expõe a falta de marcos institucionais, legais e morais
numa região marcada por emboscadas, guerras por terras, exploração do trabalho, etc. As
instituições judiciárias, políticas e jornalísticas eram apenas elementos figurativos, utilizadas
como armas na disputa entre coronéis. A meu ver, uma das características fundamentais do livro é
expor a ligação entre ampliação do capital internacional e relações de mando e exploração do
trabalho em suas fronteiras mais distantes. De todo modo, é possível que não exista uma
correlação direta entre base econômica e valores civilizacionais, sendo compreensível que tanto
marxistas quanto conservadores concordem que a liberdade econômica precisaria ser limitada por
balizas institucionais. Jorge Amado, certa altura, imagina um antigo morador da região cacaueira
contando casos daquela época: “Isso aqui já foi coito dos piores bandidos dessa terra. Muito
sangue já correu em Ferradas. No começo do cacau…”
O livro descreve um fluxo migratório intenso de sertanejos para o trabalho nas lavouras,
onde a mortandade era elevada por picadas de cobras, a “febre”, tocaias e condições de trabalho
degradantes. O sertanejo, como o personagem Antônio Vitor, é apresentado como se fosse um
“bom selvagem,” repleto de visões idealizadas do dinheiro que ganharia através do seu trabalho e
de sonhos de voltar ao sertão. A súbita diluição desses ideias e a incorporação do personagem na
lavoura do cacau como pistoleiro não veio acompanhada, no livro, das dores psicológicas que sua
antiga bondade poderia sugerir. Ao mesmo tempo, é descrita a migração de personagens
caracterizados pela malandragem, ou seja, aqueles tipos que pretendiam subir na vida enganando
ou se apoiando nos poderosos coronéis. Deste grupo, destaca-se o jogador de cartas e falso capitão
do exército João Magalhães e o advogado Virgílio que, ao fim, desiste de sua vida por ter sido
amante de Ester, mulher do coronel Horácio.
A história do livro gira em torno da disputa violenta por uma área de mata chamada de
Sequeiro Grande, que se dizia excelente para a lavoura do cacau. O coronel Horácio e os irmãos
Badarós são os fazendeiros mais importantes da região e passam a lutar pela área, apoiados pelos
seus respectivos aliados. Assim, o livro não retrata uma luta de classes, como se suporia de um
escritor comunista, mas uma luta pela concentração de poder entre os coronéis. Da forma como é
delineada, essa concentração de terras é absolutamente ilegítima. O alto investimento para a
aquisição da terra não se dá por sua compra, mas pela conquista através do conflito agrário. No
livro, o retrato do trabalhador rural, vivendo de forma análoga à escravidão, seria de alguma
forma vingado através dos tropeços dos coronéis nas mãos dos malandros. A malandragem no
livro possui assim uma aura romântica.
É possível sintetizar alguns tipos sociais apresentados no livro, com algumas exceções
individuais, é claro. Desse modo, há o sertanejo que trabalha na lavoura do cacau e na derrubada
da mata, tendo como única opção de subir na vida a de se tornar pistoleiro, caso tenha uma boa
mira. As mulheres aparecem como as empregadas das casas dos coronéis ou suas esposas, mas
existe a grande possibilidade de serem prostitutas, ou amantes dos altos escalões ou dos
trabalhadores e pistoleiros. Os coronéis eram pessoas sem educação formal, sem passado e
movidos pela ganância. Eles estabelecem entre si um sistema parecido ao de suserania e
vassalagem, como é dito no texto: “o povoado de Ferradas era feudo de Horácio. Estava encravado
entre as fazendas dele.” Continuando, os malandros são retratados como profissionais liberais,
jornalistas, advogados, médicos ou simples espertalhões que procuravam tirar alguma vantagem
de suas relações com os coronéis. Jorge Amado também descreve a fofoca como um importante
laço social, que envolvia tanto homens quanto mulheres na divulgação da vida alheia, dando
prestígio àqueles que sabiam de uma boa novidade.
Outro ponto, pode-se dizer que no livro há uma religiosidade popular representada por
um negro curandeiro e adivinhador que vive no meio da mata do Sequeiro Grande. Dele é dito
que: “Misturou aos seus deuses negros alguns dos deuses indígenas e invocava a uns e a outros
nos dias em que alguém ia lhe pedir conselho ou remédios no coração da mata.” A Igreja Católica,
a meu ver, parecia distante de sua principal missão, ou seja, a salvação das almas; muito menos era
uma instituição empenhada na moralização das relações sociais. A ambição do frade local era a de
inaugurar um colégio de moças em Ilhéus, certamente como forma de prover esposas educadas
aos coronéis. É de se prever que o resultado de uma educação fora de lugar, tal como recebera
Ester, seria o de moças sonhando com o centro do capitalismo, Paris, e de forma alguma se
adaptando à vida do cacau. O frade não perdia uma oportunidade para cobrar por seus serviços
religiosos, mesmo que se tratasse de ritos funerários de um trabalhador rural velado na casa de
suas filhas prostitutas, como diz o texto: “Violeta explicava, com uma voz envergonhada, as
dificuldades de dinheiro. Depois fez contas com o sacristão, deu a nota de vinte mil-réis que a
outra oferecera e mais umas pratas. O frade iniciou as orações.” De outro lado, há alguma
referência às igrejas protestantes que atendiam aos ingleses das casas de exportação, porém o que
transparece é que estavam completamente isoladas das relações locais.
Por fim, embora houvesse a ausência de relações capitalistas entre coronéis e sertanejos,
não deixava de existir um crescimento econômico das cidades em torno da colheita do cacau. Tal
progresso é simbolizado pela chegada festiva de um bispo na cidade de Ilhéus. O retrato social do
livro é bastante significativo pelas imagens que apresenta da formação da lavoura cacaueira no
início do século XX. O cenário econômico e social apresentado é de alguma forma um legado ao
leitor atual de algumas das singularidades da formação do Brasil, tal como a do trabalho análogo à
escravidão, que infelizmente ainda persiste.

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Cultura Brasileira 01 # Terras do Sem-Fim (Jorge Amado)

  • 1. A Concentração das Terras do Cacau Publicado em 1943 na vigência da ditadura de Getúlio Vargas, Terras do Sem-Fim de Jorge Amado é ambientado no início do século XX, no sul da Bahia, em meio a expansão e concentração da lavoura cacaueira Rodrigo Belinaso Guimarães “Por que ninguém pode olhar o sol de cara para cima? Não há quem aguente… Também aos homens que matara, Damião nunca havia olhado depois.” Nesta resenha vou tratar do livro Terras do Sem-Fim de Jorge Amado, publicado em 1943 durante a ditadura de Getúlio Vargas e ambientado no início do século XX, no sul da Bahia, em meio a expansão e concentração da lavoura cacaueira. O livro foi lançado num momento em que Jorge Amado estava exilado no Uruguai por suas ligações com o PCB (Partido Comunista Brasileiro). A região de Ilhéus foi retratada como uma representante fiel de um país pouco urbanizado, com uma economia predominantemente rural e que através da exploração do cacau abria novas fronteiras para o capitalismo internacional. A produção era exportada in natura por firmas inglesas que chegaram até a construir uma estrada de ferro para escoá-la até o porto de Ilhéus. Do produto final, o chocolate, não há notícias no texto. O cacau fazia parte da economia internacional, porém sua produção envolvia certas peculiaridades brasileiras: um sistema de alianças entre os donos de terras semelhante ao feudal; um modo de organização do trabalho análogo à escravidão; e instituições republicanas absolutamente frágeis. Como documento literário, o livro expõe a falta de marcos institucionais, legais e morais numa região marcada por emboscadas, guerras por terras, exploração do trabalho, etc. As instituições judiciárias, políticas e jornalísticas eram apenas elementos figurativos, utilizadas como armas na disputa entre coronéis. A meu ver, uma das características fundamentais do livro é expor a ligação entre ampliação do capital internacional e relações de mando e exploração do trabalho em suas fronteiras mais distantes. De todo modo, é possível que não exista uma correlação direta entre base econômica e valores civilizacionais, sendo compreensível que tanto marxistas quanto conservadores concordem que a liberdade econômica precisaria ser limitada por balizas institucionais. Jorge Amado, certa altura, imagina um antigo morador da região cacaueira contando casos daquela época: “Isso aqui já foi coito dos piores bandidos dessa terra. Muito sangue já correu em Ferradas. No começo do cacau…” O livro descreve um fluxo migratório intenso de sertanejos para o trabalho nas lavouras, onde a mortandade era elevada por picadas de cobras, a “febre”, tocaias e condições de trabalho degradantes. O sertanejo, como o personagem Antônio Vitor, é apresentado como se fosse um “bom selvagem,” repleto de visões idealizadas do dinheiro que ganharia através do seu trabalho e de sonhos de voltar ao sertão. A súbita diluição desses ideias e a incorporação do personagem na lavoura do cacau como pistoleiro não veio acompanhada, no livro, das dores psicológicas que sua antiga bondade poderia sugerir. Ao mesmo tempo, é descrita a migração de personagens caracterizados pela malandragem, ou seja, aqueles tipos que pretendiam subir na vida enganando ou se apoiando nos poderosos coronéis. Deste grupo, destaca-se o jogador de cartas e falso capitão do exército João Magalhães e o advogado Virgílio que, ao fim, desiste de sua vida por ter sido amante de Ester, mulher do coronel Horácio.
  • 2. A história do livro gira em torno da disputa violenta por uma área de mata chamada de Sequeiro Grande, que se dizia excelente para a lavoura do cacau. O coronel Horácio e os irmãos Badarós são os fazendeiros mais importantes da região e passam a lutar pela área, apoiados pelos seus respectivos aliados. Assim, o livro não retrata uma luta de classes, como se suporia de um escritor comunista, mas uma luta pela concentração de poder entre os coronéis. Da forma como é delineada, essa concentração de terras é absolutamente ilegítima. O alto investimento para a aquisição da terra não se dá por sua compra, mas pela conquista através do conflito agrário. No livro, o retrato do trabalhador rural, vivendo de forma análoga à escravidão, seria de alguma forma vingado através dos tropeços dos coronéis nas mãos dos malandros. A malandragem no livro possui assim uma aura romântica. É possível sintetizar alguns tipos sociais apresentados no livro, com algumas exceções individuais, é claro. Desse modo, há o sertanejo que trabalha na lavoura do cacau e na derrubada da mata, tendo como única opção de subir na vida a de se tornar pistoleiro, caso tenha uma boa mira. As mulheres aparecem como as empregadas das casas dos coronéis ou suas esposas, mas existe a grande possibilidade de serem prostitutas, ou amantes dos altos escalões ou dos trabalhadores e pistoleiros. Os coronéis eram pessoas sem educação formal, sem passado e movidos pela ganância. Eles estabelecem entre si um sistema parecido ao de suserania e vassalagem, como é dito no texto: “o povoado de Ferradas era feudo de Horácio. Estava encravado entre as fazendas dele.” Continuando, os malandros são retratados como profissionais liberais, jornalistas, advogados, médicos ou simples espertalhões que procuravam tirar alguma vantagem de suas relações com os coronéis. Jorge Amado também descreve a fofoca como um importante laço social, que envolvia tanto homens quanto mulheres na divulgação da vida alheia, dando prestígio àqueles que sabiam de uma boa novidade. Outro ponto, pode-se dizer que no livro há uma religiosidade popular representada por um negro curandeiro e adivinhador que vive no meio da mata do Sequeiro Grande. Dele é dito que: “Misturou aos seus deuses negros alguns dos deuses indígenas e invocava a uns e a outros nos dias em que alguém ia lhe pedir conselho ou remédios no coração da mata.” A Igreja Católica, a meu ver, parecia distante de sua principal missão, ou seja, a salvação das almas; muito menos era uma instituição empenhada na moralização das relações sociais. A ambição do frade local era a de inaugurar um colégio de moças em Ilhéus, certamente como forma de prover esposas educadas aos coronéis. É de se prever que o resultado de uma educação fora de lugar, tal como recebera Ester, seria o de moças sonhando com o centro do capitalismo, Paris, e de forma alguma se adaptando à vida do cacau. O frade não perdia uma oportunidade para cobrar por seus serviços religiosos, mesmo que se tratasse de ritos funerários de um trabalhador rural velado na casa de suas filhas prostitutas, como diz o texto: “Violeta explicava, com uma voz envergonhada, as dificuldades de dinheiro. Depois fez contas com o sacristão, deu a nota de vinte mil-réis que a outra oferecera e mais umas pratas. O frade iniciou as orações.” De outro lado, há alguma referência às igrejas protestantes que atendiam aos ingleses das casas de exportação, porém o que transparece é que estavam completamente isoladas das relações locais. Por fim, embora houvesse a ausência de relações capitalistas entre coronéis e sertanejos, não deixava de existir um crescimento econômico das cidades em torno da colheita do cacau. Tal progresso é simbolizado pela chegada festiva de um bispo na cidade de Ilhéus. O retrato social do livro é bastante significativo pelas imagens que apresenta da formação da lavoura cacaueira no início do século XX. O cenário econômico e social apresentado é de alguma forma um legado ao leitor atual de algumas das singularidades da formação do Brasil, tal como a do trabalho análogo à escravidão, que infelizmente ainda persiste.